O Medo (La Por), 2013 – Dirigido por Jordi Cadena | Nota: 4/5
CUIDADO: Spoiler abaixo
Assim como em Círculo de Fogo (2013), em que saí extasiado pela quantidade de efeitos especiais jogados na sua cara, ou em Lanterna Verde (2011), que me fez chorar de ver uma adaptação tão, mas tão horrível, O Medo é um título forte, angustiante, mas real. Não há um único momento do filme em que nos sintamos relaxados, e isso não é somente decorrente da narrativa, mas também pela forma técnica que o filme costura toda a trama. Logo na primeira cena, vemos uma câmera totalmente desfocada, pegando objetos disformes, enquanto gira por todo um ambiente, que parece ser um quarto de uma residência. Com o decorrer da cena, vamos vendo enquadramentos sempre bem incisivos, sempre pegando parcelas bem específicas dos locais e ocupando a tela inteira com elas; isso acontece com a escova de dente, o despertador, as pantufas, até mesmo com o rosto, mais especificamente, os olhos do menino. Estes enquadramentos parecem estar nos mostrando que cada objeto da cena é testemunha de algum acontecimento, de que cada novo ângulo do quarto esconde mistérios que estão aquém do que as pessoas que não moram na casa sabem e que, portanto, nós, como telespectadores, estamos invadindo esta privacidade, no entanto, de um modo bem cauteloso, o que logo nos indica que estamos num ambiente de grande perigo. A seguir pela trilha sonora, sempre meio dissonante, como se houvesse um ruído contínuo a cada novo passo que dávamos para descobrir tal mistério. Estando impotentes do modo que estamos, muitas vezes, a figura que posteriormente descobriremos ser o pai da família, se distancia da câmera, se desfocando, criando a sensação de um poder pungente que transborda daquele ser. Toda esta tensão é hermeticamente calculada, para que nós, assim como o garoto que vemos, sinta-se retraído sob as cobertas de nossa cama, para aumentar ainda mais essa sensação de impotência que permeia todos os indivíduos da casa. Toda essa aura só será quebrada quando finalmente, o homem em questão sai da casa; é só assim que começamos a ver corpos completos e câmeras mais abertas. Esta cena que abre o filme é uma cena incisiva tanto para as personagens da cena quanto para nós, telespectadores, o que denota certa aproximação psicológica que o filme quer que também sintamos, fazendo isso magistralmente.
Vamos sendo, pouco a pouco, inseridos na vida da família, a entender a angústia que cada indivíduo passa, e principalmente, a sentir o medo de cada um; o medo que a qualquer momento pode se tornar realidade, e sermos incapazes de fazer qualquer coisa. Vamos conhecendo então a figura aterradora do pai (Ramon Madaula), que por poucas vezes aparece no filme, fazendo com que estas poucas sejam o gatilho para um mundo de imaginações sobre a voraz personalidade deste. A soberba inicial é muito pior narrativamente que a violência, pois ela faz com que temamos coisas ainda piores por vir (isso funciona muito bem num filme de terror também: até o ponto em que não vemos a entidade, o monstro, a coisa que nos aflige, o filme é muito mais assustador, pois todo o trabalho vem da nossa imaginação). Sabemos que este cara, um homem aparentemente bem-sucedido, sem problemas financeiros bate em sua família. Mas por quê? A resposta poderia ser: "Porque ele bebe." ou talvez um, "Porque ele teve um passado obscuro." O que eu diria, seria algo mais para um: "Não importa." O filme mesmo não mostra um passado deste homem, e isso não é mesmo importante, pelo contrário, é até um ponto positivo para o filme. Se o filme tivesse mostrado que num passado, este pai que agora bate teve problemas faria com que criássemos um sentimento de pena, o que é totalmente inválido para a situação. O pai bate na família e ponto, não se deve criar sentimentalismo nenhum para este ser horrendo. Ao mesmo tempo em que vemos esta figura mandatória do pai, vemos uma mãe (Roser Camí) totalmente indefesa, conformada, mas que no fundo, tem uma luz de desprendimento, que é acesa quando o filho (Igor Szpakowski) se mostra disposto a fugir. Ela se sente impotente financeira e psicologicamente para fugir do marido, já que trabalha num emprego de muito menos valor, em termos rentáveis, que o dele, e se sente totalmente perdida para como levar a vida adiante. A filha, por sua vez, inocente, reflete algumas das ações que sofre em casa na escola, batendo posteriormente em colegas que a perturbam. E por fim, o filho, talvez a pessoa mais insegura da trama, até mais que a própria mãe, tenta a partir dos trajes se mostrar um jovem normal, descolado, dono de seu próprio rumo, mas que no fundo, esconde uma angústia que tem vergonha ou receio de trazer à tona. Ele será o impulsionador de alguma fuga, mas é ao mesmo tempo, confuso do que fazer em relação a própria vida, não sabendo muito bem o que sente por Laura, se deve se desvencilhar dela para ajudar a família mais obstinadamente, ou se deve semear tal relacionamento como forma de esquecimento do que ocorre em casa e um momento de maior curtição. Sempre muito inseguro, Manel se questiona se um dia se tornaria igual ao pai, ao mesmo tempo que tenta planejar uma forma de fuga da família. Estes sofrimentos são sempre compartilhados de uma forma bem crua, em que o diretor se alonga nas cenas de simplesmente andar, como se nem o andar fosse algo fácil para a vida destas pessoas; há sempre essa brincadeira com os focos da câmera, principalmente nestas cenas do andar, remetendo a este perigo sempre à espreita. No entanto, o perigo é máximo quando nos deparamos com as cenas em que as personagens olham diretamente para a câmera. Para começar, não é de praxe que personagens olhem fixamente à câmera, já que isso estaria quebrando a ideia de fantasia e da divisão de mundos (o nosso e o das personagens) do cinema. Mas neste filme, a ideia é totalmente diferente; este olhar penetrante é como se fosse um aviso: "Olha, veja o que está acontecendo com a gente? O que fazer?", mas naquela ideia de aproximação da personagem e do telespectador, a mensagem é bem mais forte. É como se ela dissesse que casos como este acontecem diariamente, e pode estar muito bem do nosso lado, sem nos darmos conta. Este olhar é sim bem inesperado, mas envolve toda essa mensagem que nos aflige ainda mais do que um simples olhar na câmera.
Manel quer uma vida melhor para ele e sua família, no entanto, ele não sabe que vida é esta, se baseando então em seus amigos mais próximos. Eles podem ser figuras secundárias em toda trama, mas são elas as grandes figuras que vão mostrar esta vida que Manel sempre almejou. Deste modo, Manel vê que o pai de seu amigo o traz diariamente à escola, vê que um cuidado por outra pessoa ainda existe (o que é mostrado na figura da namorada, que mesmo tendo a atenção de um novo pretendente, ainda possui o sentimento antigo por ele - ela, por sua vez, é uma personagem um tanto quanto interessante, já que em duas tomadas, imersas num filtro bem azulado, ela se vê andando numa total melancolia, ao visitar o cemitério com o amigo dele, ou ao andar por um campado até a quadra em que Manel está jogando basquete; nesta cena ainda, um palpitar do coração que cada vez mais aumenta, se confunde com o som da bola de basquete quicando, num 'matching' perfeito. Você deve estar se perguntando: "Mas que raios são essas cenas?" A minha melhor resposta seria que elas são sonhos (muito também pelo ambiente mais azulado, em situações desconexas com a linearidade do filme). Sonhos que Manel tem sobre Laura, acentuando ainda mais este conflito entre sentimento e dever com a família na cabeça dele). Estes valores serão então de extrema importância para as atitudes que Manel tomará com o decorrer do filme.
Uma cena bem interessante e triste é quando Coral (Alícia Falcó) mostra o comunicado da diretoria e questiona a autoridade da mãe. Ver-se uma figura impotente até mesmo para os filhos, o que aparentemente é a única fonte de vivacidade que a mãe tira para continuar a viver, talvez a inspire um pouco para tomar alguma atitude junto com o filho. O que alguns podem ter se inconformado no decorrer do filme com eu descrevendo esta cena, é a forma como a mulher é tratada de um modo tão frágil diante dessa figura "paterna" (a.k.a. machista, a.k.a. opressora, a.k.a. ignóbil) nesta obra. Eu acho que mais do que tentar mostrar uma revira-volta da figura feminina, o filme tenta mostrar como ainda hoje, mulheres ainda são tratadas de forma inferior pelos homens. O quadro que o filme mostra é sim para se criar revolta diante dessa figura patriarcal, mas serve mais como ilustração de um caso do que a força pungente da mulher. Isso serve do mesmo modo para o desprezo que alguns adultos tem para com os jovens, tratando-os como levianos, ignorantes, que é retratado na figura de Manel (que não tem autoridade para receber um comunicado de sua própria irmã, que não tem pé de igualdade com os pais). Da mesma forma que na criação do sentimento do tensão, discutida acima, o sentimento de revolta, de repulsa é criado muito mais fortemente diante da situação apresentada, que tem seu estopim na cena final.
A cena final é de uma beleza técnica, principalmente sonora, estrondosa, sendo criada de um simples artifício: mudança de ponto de vista. Ao retratar toda a discussão e violência a partir do ponto de vista do garoto exacerba ainda mais toda a brutalidade da cena. Não vemos violência física sanguinolenta, como veríamos num filme que preza mais pela ação do que pela mensagem (não estou dizendo que este tipo de filme é pior que o outro, são somente modos diferentes de abordar um tema), mas sim um deslocamento, uma tensão e, principalmente, uma impotência gigantesca. Não vemos, ouvimos, e de longe. A cara geral de espanto de Manel decorrente dos gritos e estilhaços nos causa um enrijecimento intenso, e mais uma vez aqui, a imaginação trabalha. Se tivéssemos a cena vívida do espancamento, saberíamos exatamente o que estava acontecendo, mas não temos, o que nos faz imaginar algo horripilante que é completo com a imagem machucada da mãe. Só para terminar a análise do som, eles são tão bem construídos para criar essa imagem em nossas cabeças, que quando o pai começa a se aproximar do quarto de Manel, imaginamos que ele virá enfurecido, o que quebra toda nossa expectativa, mas que é sem dúvida, muito angustiante. Quando Manel desce com a irmã, e o pai mostra a arma que carrega até nos espantamos, já que pensamos o que ganharia um homem ao matar toda sua família, o que pelo contrário, até perderia, já que vizinhos poderiam ouvir os tiros, levando-o para a prisão; mas mais uma vez, o que acontece depois na história é desimportante para a mensagem. Após todo o descarregamento dos cartuchos, voltamos àquela cena inicial do filme que percorremos vários objetos da casa desfocados, e mais do que isso, o som do acionamento do gatilho como aquele som dissonante de fundo, mostrando que esse perigo que tanto se mostrava, enfim se completou. Mas o mais interessante nesta cena não é o aspecto técnico, mas sim o narrativo: Por que o filme termina deste jeito, e não com uma vitória da família, ou com a mudança de personalidade do marido? A ideia do filme, como já disse anteriormente, não é mostrar uma superação, mas sim o quadro de um caso de que é muito real em nosso cotidiano, infelizmente. Um cara desses não precisa de motivo para bater na família, ele só bate. Esse perigo ronda toda a família, e caso ela não faça algo para tentar contorná-lo, esse perigo pode se tornar muito bem uma realidade, de uma forma que não possamos mais controlá-lo. Esse filme tem uma mensagem então muito mais de alerta, porque ele mostra justamente o pior infortúnio que possa vir a acontecer caso ele não seja ultrapassado. Essa mensagem é muito mais forte que uma de superação, pois mostra pela catástrofe algo que pode ser contornado. É claro que isso está longe de ser fácil, e que qualquer auxílio é de grande favor para a vida dessas pessoas, nesta sociedade que continua a ser tão machista como é. O filme mostra que mesmo depois de alcançada, a primeira medida a ser tomada a fim de se livrar deste "modo de vida" (já que não é uma escolha de como viver) é justamente a do combate ao medo (como o próprio título diz).
Por: Natan Novelli Tu