Alien: entre ficção e o horror

Alien chegou às mãos de Ridley Scott após ser rejeitado por seis diretores. A Fox concordou em deixar o projeto sob o comando do jovem diretor que, na época, faria seu segundo filme. De acordo com ele, o que mais o atraiu no projeto foi a simplicidade, energia e os aspectos de thriller que faziam a história saltar das páginas do roteiro. Conhecido por seu design de produção criativo, Alien  contou com uma equipe de produção que se dedicou a criação da nave, dos figurinos, do planeta, do próprio monstro e refinou cada aspecto visual do filme. Mas não podemos dizer que o sucesso do filme deva-se apenas a isso.

O diretor Ridley Scott estranha o fato de o filme ser conhecido mais por seu visual, pois, apesar do design de produção inovador, os personagens possuem características e personalidades interessantes, com profundidade superior a de outros filmes do gênero que os colocam em segundo plano em relação à trama e à ambientação. A personagem mais interessante e importante que a franquia criou foi Ellen Ripley, interpretada por Sigourney Weaver. Considerada a primeira mulher heroína do cinema de ação, ela contribuiu para o estabelecimento da figura da mulher forte, implacável, sem medo, e que assume a responsabilidade nos momentos difíceis. Ela ajudou a abrir o caminho para outras mulheres que assumiriam o papel principal nos filmes de ação, antes sob total domínio masculino. 

Os quatro filmes da franquia Alien foram inovadores, cada um a sua maneira. O primeiro e mais importante, lançado em 1979, misturou ficção científica ao horror e utilizou o melhor dos dois gêneros para criar uma narrativa que estabelece o suspense através do silêncio e ritmo cadenciado, dando destaque para sua ambientação, além de entregar a ação e os sustos ao espectador no momento exato – diferente do slasher ou horror que bombardeiam o público com constantes cenas violentas, sem a aparente preocupação com a construção de uma atmosfera que garanta a eficiência desses momentos. Durante o desenvolvimento da atmosfera tensa de Alien, a ameaça à equipe da nave Nostromo, que voltava para a Terra e foi obrigada a parar em um planeta desconhecido para investigar um sinal que vinha dele, é mantida em segredo da audiência. Vemos os ovos da criatura, o seu “nascimento” quando ela explode do peito do seu hospedeiro, Kane (John Hurt), e só voltamos a vê-la em sua forma adulta. A famosa cena em que o alien salta do peito de Kane é uma das poucas em que a tripulação fica mais descontraída, em volta da mesa tomando café. O modo como essa sequência foi construída faz o espectador sentir a tensão crescendo aos poucos, assim como vemos nas expressões e comportamento dos personagens, que ficam desesperados por não saberem o que está acontecendo e como proceder naquela situação. A partir desse ponto, a angústia e tensão se estabelecem.

Ridley Scott opta por não mostrar a criatura, ela sempre está escondida nas sombras, mas deixa o espectador ciente da ameaça que habita a nave. Além de manter a audiência curiosa sobre o visual do monstro, Scott fez o mesmo com os atores. Até o momento das filmagens, os atores não tiveram contato algum com o alien e foram surpreendidos quando gravavam, garantindo, assim, a reação genuína de surpresa e terror deles. O artista escolhido pelo diretor para criar o alien e o planeta onde a história se passa foi H. R. Giger, que desenvolveu um monstro alto, esguio, uma mistura de homem e réptil, repleto de dentes e sem olhos, mas que não deixa suas presas fugirem em momento algum. Apesar da figura ameaçadora do monstro, a tensão e o medo que ele gera quando acompanhamos os tripulantes da Nostromo pelos corredores é muito maior do que olhá-la de frente, e isso torna a experiência de assistir ao filme mais imersiva e aterrorizante. 

Com o sucesso de Alien, as sequências absorveram algumas características do primeiro filme, mas cada um estabeleceu uma identidade própria. Aliens: o resgate, dirigido por James Cameron, em 1986, aposta em uma mescla de ação e suspense, mantém um pouco da tensão que era abundante no primeiro e adiciona frenéticas cenas de ação, além de também trabalhar o background dos seus personagens. Já em Alien 3, dirigido por David Fincher, em 1992, e Alien: a ressurreição, dirigido por Jean-Pierre Jeunet, em 1997, seus diretores optaram por colocar o horror e o thriller em segundo plano, tornando as cenas de ação proeminentes. Ao passo que Scott e Cameron deixavam o monstro nas sombras, aproveitando o senso de ameaça que ele imprimia nos personagens, Fincher e Jeunet o colocam na luz, fazendo com que, dessa forma, o enxerguemos por completo desde o início, diminuindo o sentimento que nos deixava aflitos.

No entanto, em todos os filmes o papel de Sigourney Weaver como Ripley manteve-se em destaque. Além da importância de seu personagem na ligação entre as tramas, ela provou para o público e o mercado cinematográfico que as mulheres podem assumir o papel de heroína nos filmes de ação, antes dominado pelo sexo masculino. Depois de mais de trinta anos do lançamento do filme, uma série de mulheres poderosas estamparam os posters e dominaram as telas dos cinemas. Mesmo que os homens ainda tenham a maior parcela dos papéis desse gênero, personagens como Sarah Connor, Nikita, Trinity, Beatrix Kiddo, Evelyn Salt, Viúva Negra, River Tam, Lisbeth Salander, Alice (Resident Evil), Katniss Everdeen, Imperator Furiosa, entre outras, são tão boas do que qualquer James Bond, John McClane ou Ethan Hunt que conhecemos. Ellen Ripley tornou isso possível quando não foi restringida ao papel de donzela em perigo esperando um homem salvá-la ou tendo seu arco dramático resumido a ser um interesse romântico. Ela não só mostrou que pode ser a solução nas horas difíceis, mas que também é inteligente ao desenvolver estratégias para acabar com os monstros. Em Aliens, sua relação com a pequena Newt mostra que, apesar do peso da responsabilidade e da pressão que é colocada sobre ela, não a torna uma mulher fria e calculista, mas que sabe controlar seu lado emocional e tomar decisões. A cultura hiper sexualizada dos filmes – que também se estende à televisão, quadrinhos e games – em relação à mulher recuou um pouco com a ascensão dessas personagens citadas acima, mas, mesmo assim, a imagem feminina ainda é retratada com histórias pouco significativas ou no casulo de um estereótipo. Por isso, a confiança, identidade e história com propósito de Ripley ajudaram a moldar como as personagens femininas fortes são vistas nos filmes de ação mainstream dos dias atuais. 

Influência para diversos filmes modernos e inspiração para vários diretores que priorizam a narrativa inteligente ao simples prazer de agradar a audiência com sustos baratos, Ridley Scott criou um filme que entende o significado do horror, mostra que é possível causar medo somente pela construção da atmosfera, mais do que pelo evento em si, e desenvolveu seus personagens de modo a serem explorados e aprofundados sem torná-los descartáveis em função da trama. Ellen Ripley definiu a carreira de Sigourney Weaver e mudou o status quo da figura feminina no cinema de ação. O êxito de Alien não descansa no seu estilo, narrativa, personagens ou no seu design, mas no conjunto desses fatores que agregaram ao cinema um legado invejável. 

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