Farrapo Humano
O título nacional para The Lost Weekend, Farrapo Humano, encaixa-se perfeitamente ao tom e mensagem que o filme se propõe trabalhar. Acompanhamos a jornada de um homem que, em poucos dias, acaba em uma espiral de destruição e sofrimento por causa do seu vício. Adaptado do livro de Charles R. Jackson, o diretor Billy Wilder explora um tema controverso como o alcoolismo de um modo sério e cru, contrariando a figura do beberrão engraçado ou exuberante que Hollywood costuma produzir.
Desde a cena que abre o filme, acompanhamos o esforço de Don Birnam (Ray Milland) para manter a bebida ao seu alcance e longe dos olhos de sua namorada e do irmão, que se preparavam para viajar no fim de semana. A ideia apresentada a nós de que ele precisa de um período mais tranquilo para se recuperar totalmente de seu vício é descartada na hora em que vemos uma garrafa escondida pendurada do lado de fora da janela do apartamento. Essa cena determina o tom e o caminho que o filme seguirá: Don não quer e não tem a vontade necessária para se livrar de seu vício. Suas frustrações pessoais como um escritor que não consegue escrever um linha sequer, seu fracasso social e financeiro, o deixam atribulado e o afundam na bebida.
Recusado por grandes nomes como Cary Grant e Gary Cooper, é interessante notar como o personagem de Ray Milland, sob a direção precisa de Billy Wilder, que construiu uma atmosfera de suspense e tensão no envolvimento de Don com a bebida, é colocado em situações cada vez mais desesperadoras e extremas. A excelente atuação de Milland garante veracidade ao papel, fazendo com que o sofrimento de Don pareça eterno, ainda que seja apenas por alguns dias - Wilder mostra a passagem do tempo elegantemente através das garrafas de leite que se acumulam na porta do apartamento de Don. A desolação de Don é tão grande e afeta tanto seu discernimento que ele rouba dinheiro da empregada e chega a ser expulso de um restaurante por roubar dinheiro da bolsa de uma mulher que sentava ao seu lado, já que ele não possuía mais dinheiro para pagar o que bebeu. E quando possui dinheiro para pagar suas bebidas, ele não escolhe algo de qualidade, ele faz o dinheiro render o máximo possível e compra a bebida mais barata, apenas para poder beber mais. Don só quer esquecer seus fracassos e decepções o máximo que puder. Quanto mais ele se embriaga, mais sua fisionomia fica desgastada, com a barba por fazer, as roupas amassadas, e seu comportamento se assemelha ao de um louco. A bebida para ele é um círculo vicioso, assim como as marcas de copo no balcão do bar.
Por muito tempo, o livro que gerou o filme foi considerado “infilmável” por Hollywood, mas, por causa do excelente roteiro escrito por Charles Brackett e Billy Wilder, isso foi reconsiderado. Além de mostrar o caminho destrutivo de Don, o filme explora o preconceito que os alcoólatras sofrem. Ainda que Don enxergue só o pior em si mesmo e se humilhe o tempo inteiro, sua namorada Helen (Jane Wyman) não desiste dele e é a única que não demonstra preconceito com o vício de Don. Ela trata o namorado como se ele estivesse doente, e não o abandona ou o exclui de sua vida. O irmão de Don, Wick (Philip Terry), no entanto, se vê numa posição difícil, pois, além de sustentar o irmão por anos, ele cansou das recaídas de Don e desiste dele.
Após ler duas vezes o livro, Billy Wilder sabia que aquilo renderia um bom filme e que mesmo desconhecendo quem interpretaria o bêbado, o ator receberia um prêmio da Academia. O diretor estava certo em todas suas previsões, pois, além de Ray Milland receber o Oscar de Melhor Ator, Farrapo Humano foi premiado com mais três Oscar, incluindo o de Melhor Filme, e também foi premiado em Cannes, Globo de Ouro, entre outros.
Farrapo Humano é um filme corajoso, pois, além de ser lançado em uma época em que o mundo passava por um período difícil por causa da Segunda Guerra Mundial, ele aborda o alcoolismo de um ponto de vista descompromissado e sem preconceito, mostrando que um vício não precisa ser encarado como uma falha pessoal.