“Triangle of Sadness” mostra que os nórdicos fazem hoje o que há de melhor no cinema contemporâneo

Filme segue as investigações de comportamento de grupo do excelente diretor sueco Ruben Östlund


Avatar de Hernandes Matias Junior

Carl e Yaya formam um casal de modelos que é convidado para um cruzeiro de luxo, dividindo o iate com uma galeria de passageiros super-ricos. Tudo é muito “instagramável”, até que o cruzeiro afunda e os passageiros se veem isolados em uma ilha deserta. O organograma de poder do grupo muda na ilha, uma vez que a faxineira é a única que sabe pescar.

Apesar de aparecerem como protagonistas, Carl, um jovem modelo que não faz dinheiro o suficiente, e Yaya, uma modelo feminista que quer continuar tendo suas contas pagas por homens, não são o centro da história, e sim apenas parte daquele grupo que viaja no cruzeiro e que é objeto das investigações na obra “Triangle of Sadness”.

Logo após o ingresso do casal no iate, é interessante ver a diferença deles para os outros passageiros. Carl e Yaya são influencers e estão ali por convite, são pessoas que têm seu cartão de crédito recusado ao tentar comprar um café na padaria, mas que por causa de seus seguidores acabam frequentando lugares de verdadeiros ricos.

À bordo com eles estão passageiros que não conhecem nada que suas fortunas não sejam capazes de comprar. Ruben Östlund vai satirizar de forma sofisticada o comportamento, os gostos e os costumes dos super-ricos, que muitas vezes agem de forma infantilizada, pouco elegante e alienada.

Na grande cena que antecede o naufrágio do navio, o “the Captain’s Dinner” é um caótico jantar sendo servido durante a instabilidade do cruzeiro que é chacoalhado pelas ondas do mar. Enquanto pessoas passam mal vomitando e taças e talheres caem no chão e se quebram, o capitão, um americano socialista, discute utilizando citações de autores conhecidos com um russo capitalista. A batalha das teorias ignora completamente o caos dos passageiros à bordo.

Já isolados na ilha, os super-ricos enfrentam uma nova hierarquia social. Abigail, a faxineira do navio, é a única que sabe pescar, acender a fogueira e cozinhar. Ela vai exercer o papel de líder do grupo, inicialmente tendo que se impor, mas posteriormente sendo reconhecida e estimada por todos como a capitã.

Muitos espectadores com um repertório reduzido irão vibrar com o filme vendo uma “oprimida” chegar ao poder, quase como um novo “Parasita” paradisíaco. Engana-se quem pensa apenas dessa forma binária de oprimido e opressor.

Diferente do que acontece em “Parasita”, em “Triangle of Sadness” nós não conhecemos a história de Abigail, ela só é apresentada quando os personagens já estão ilhados. É uma boa sacada do diretor Ruben Östlund, que provavelmente pensou que automaticamente o espectador iria traçar a história da personagem em sua mente, como alguém que sofreu agressões frequentes dos seus patrões.

E provavelmente ela sofreu mesmo. Mas Abigail quando se torna a líder do grupo irá trabalhar como uma opressora, punindo seus subordinados, colecionando privilégios e até mesmo obrigando Carl a dormir com ela todas as noites no seu bote exclusivo. Abigail goza do poder e irá tomar decisões a fim de mantê-lo em suas mãos.

Isso quebra a ideia binária de oprimido e opressor. Não existe nenhuma diferença moral entre as pessoas dos dois grupos, a diferença é tão e exclusivamente econômica. Basta o poder passar para as mãos de quem um dia foi oprimido que a barbárie será a mesma.

“Triangle of Sadness” é o filme mais ambicioso de Ruben Östlund e chega ao fim com uma música que parece quase uma comemoração pelo cinema, após tantos anos, ainda conseguir nos surpreender dessa forma. Os nórdicos entregaram, mais uma vez, um filmaço.

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Comments (

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  1. Raimundo Menezes

    Me lembra um filme de 1957 “O mordomo e a dama”.

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