Fernanda Montenegro e Domingos de Oliveira promovem o filme Infância

Qual a sua lembrança mais marcante da infância? Para Domingos de Oliveira é a morte de sua cachorrinha. A partir deste episódio, o cineasta revive a sua peça Do Fundo do Lago Escuro, de 40 anos atrás, no cinema. Ao lado de Fernanda Montenegro e a sua esposa Priscilla Rozenbaum – mãe e filha no longa-metragem Infância -, o diretor conta as suas sensações de menino e faz críticas às classes aristocráticas, tudo de forma sutil.

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Em encontro com a imprensa na última terça-feira, dia 8, no Hotel Fasano, em Copacabana, os três representantes da obra encabeçaram a conversa ao defenderem a peculiaridade desta ser uma obra clássica, em uma época de efeitos visuais, comédias rasas e representação dos infortunados nas telonas. “Infância não é uma ópera, um grande filme. Ele é uma pequena caixa de música. Preciso dizer isso, para ninguém achar que vai ver E o Vento Levou…. Não é isso. Mas a qualidade do filme é uma pequena joia”, destaca Fernanda sobre o projeto.

Lembranças e encontros de anos de carreira

A renomada atriz interpreta Dona Mocinha, matriarca de uma família rica da década de 1950. Moradora de um casarão no Rio de Janeiro com os filhos Conceição (Rozenbaum) e Orlando (Ricardo Kosovski), além do genro Henrique (Paulo Betti) e o neto Rodriguinho (Raul Guaraná). A narrativa conta um dia na vida desta família, exatamente quando a cachorra do menino morre e os familiares escolhem esconder o ocorrido. Este, no entanto, é apenas o pano de fundo para o narrador contar o que ele via e sentia naquela casa e suas intrigas familiares.

Memórias essas do próprio Domingos, que já havia interpretado no teatro o papel de Fernanda. Esta, por sua vez, tinha dado vida – em outra época – a filha Conceição. Apesar dessas coincidências, esta é a primeira vez que ambos trabalham juntos. Uma realização após 50 anos de amizade e admiração. “Ela me ensinou muito, me sinto um diretor melhor depois desta experiência.”, declarou Domingos. A bajulação foi recíproca de Fernanda: “Ele é um excelente e primoroso dramaturgo. Trabalha seu texto poeticamente. Nunca é reles ou superficial”.

O cinema nacional

Os dois artistas ressaltaram a coragem de falar de uma classe média alta, atualmente apagada das salas de cinemas nacionais. “Os cineastas falam de uma classe média que tem seus empregados ou dos marginalizados, que é do sertão ou das periferias da cidade. O filme de Domingos mostra uma altíssima classe média, poderosa, rica, que em qualquer problema conhece um deputado, um governador. Isso continua, mas ninguém fala sobre isso, ninguém escreve sobre essa história do Brasil que vem lá da Velha República”, exalta Fernanda.

Em seguida, a atriz logo rebate que a crítica é sobre a falta de uma representação e não de qualidade. “Não quero dizer que os filmes da nossa cinematografia não deviam ter sido feitos, pelo amor de deus! O cinema brasileiro falta se complementar com essa temática. Em Infância, se apresenta uma abordagem clássica, existencial e política. Isso é uma peça a ser destacada e rara na nossa história”, defende.

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Política e distribuição

Apesar de grandes nomes envolvidos no projeto, o filme é pequeno e deve estrear apenas em sete salas no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. O objetivo é que o circuito amplie para mais estados nos próximos meses. Gravado todo dentro de uma casa, o longa trata de questões sobre sexualidade, submissão, política, ética e educação tudo por meio das falas dos personagens. Domingos até se autodeclara ótimo escritor de diálogos e aprecia a suavidade em tratar essas questões.

Como o exemplo da matriarca da família apaixonada por Carlos Lacerda, Fernanda destaca que os modelos políticos não mudaram ao longo dos anos e o enredo fala de forma delicada sobre o assunto. “Temos uma política em que qualquer ganho social passa a ser a hóstia consagrada e isso não é mais do que o dever do governo de tentar melhorar a vida do ser humano. É dar cultura, educação e saúde”, declara Fernanda.

Infância e Projetos Futuros

Já quando fala da sua época de menina, a atriz de 85 anos lembra-se da morte do seu bisavô quando tinha oito. Seu último sonho com ele é a lembrança mais marcante daquela época. Da mesma forma que Priscilla Rozenbaum guarda na memória o dia em que vestiu sua boneca com suas roupas e colocou na entrada da garagem para sua mãe acreditar ter lhe atropelado. Os relatos mostram como a morte é incisiva para as crianças, assim como na nesta ficção.

Infância não tem pretensões de brigar por bilheterias, o intuito dos envolvidos é outro. Para Domingos é a construção de um clássico e a realização de um anseio antigo: “O cineasta tem sempre o desejo de falar sobre infância, pois há muitos sonhos e muitas imagens para transpor. É um filme sincero e profundo sobre a história do meu passado”.

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Aos 78 anos, o diretor está em alta produção. Após lança uma autobiografia, este mês, ele apresenta seu primeiro romance Antônio ou o primeiro dia da morte de um homem e termina a edição do seu próximo longa Barata Ribeiro 716, com Caio Blat e Sophie Charlotte. Como todo o trabalho de Domingos é muito pessoal, pode se preparar para escavar mais camadas do artista nesta obra prevista para 2016.

Longe de declarações entusiasmadas pelo próprio trabalho, Fernanda faz coro com Domingos em relação às expectativas da obra. “Esse nosso filme é um clássico. Ele, com certeza, atravessará anos, porque ele não é apenas um modismo. Ele não é apenas uma linguagem oportunista”, aponta Fernanda de forma crítica. Infância chega aos cinemas a partir do dia 10 de setembro de 2015.

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