A criada (2016)

Por André Dick

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O diretor coreano Chan-wook Park teve uma recepção exitosa com seu filme Oldboy, em 2003, no Festival de Cannes, quando foi elogiado por Quentin Tarantino. A partir dele, transformou-se num cineasta reconhecido, e em 2009 realizou uma das obras de vampiro mais originais já feitas, Sede de sangue, agora já com um visual requintado e inovador, uma das marcas que passariam a ser do diretor. Em 2013, finalmente estreou em Hollywood, com grande elenco, incluindo Nicole Kidman e Mia Wasikowska, em Segredos de sangue. Se Park não perdia seu talento na direção de arte e fotografia, o filme era repleto de maneirismos e contorcionismos de roteiro que diminuíam o impacto final.
A criada, passado na Coreia dos anos 30, é dividido em três partes, e cada uma delas se dá sob um ponto de vista diferente. O Conde Fujiwara (Jung-Woo Ha) pretende conquistar uma nobre coreana, Lady Hideko (Min-hee Kim), sobrinha de Kouzuki (Jin-woong Jo), um colecionador de livros eróticos raros. Para isso, ele tem ajuda de Sook-hee (Tae-ri Kim), uma mulher de classe baixa, batedora de carteiras, que ele coloca como serva de Hideko a fim de convencê-la a se apaixonar por ele.

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Min-hee Kim e Tae-ri Kim estão brilhantes em seus papéis, principalmente quando a história começa a tomar rumos imprevisíveis. A relação entre Hideko e Sook-hee primeiramente é baseada numa ingênua confiança de parte a parte, mas o que o diretor não revela é como o passado da nobre a ser conquistada pelo Conde deve explicações a essa narrativa, e o Conde não é exatamente aquilo que se espera. Numa outra camada, que não fica a dever para a principal, este é um filme sobre o subterrâneo do ser humano, em que se contam histórias e se leem cartas, não necessariamente com o objetivo final de ser literato. Há algo de muito estranho acontecendo aqui: o filme é uma sucessão de detalhes minuciosos e filmados com uma grande competência por Park, dispondo seu elenco do melhor modo possível em cena.
Isso se dá também em razão da fotografia de Chung-hoon Chung e do desenho de produção de Seong-hie Ryu, um habitual colaborador também de Joon-ho Bong, que alimentam visualmente esta obra baseada em Fingersmith, de Sarah Waters, com razoáveis mudanças. Não sendo fã de Oldboy, esta me parece ser a obra-prima do diretor, tão simples quanto minuciosa em seus detalhes e mudanças de rumo narrativas. É interessante, por exemplo, como Park utiliza elementos de filme de terror em meio a um cenário de gueixas e cerejeiras (aliás, um dos símbolos máximos não apenas do Oriente, como do destino de algumas das personagens mostradas aqui). Por vezes, é como se Hitchcock encontrasse Wong Kar-Wai, com alguns toques de Dario Argento. Ele também faz analogias entre a biblioteca e o quarto, o sexo com perversão e signos da natureza (como a lua), a atração corporal e a dor que pode se manifestar em algumas circunstâncias, entregando uma narrativa com alto teor emocional, embora pareça, na maior parte do tempo, frio e distante. Destaca-se, por exemplo, a cena em que uma das personagens precisa reparar o sentimento da outra durante a noite.

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O filme lança os homens no lado oposto das mulheres: para Park, elas assumem seus papéis, enquanto eles fingem assumi-los e, quando o fazem, nunca saem de seus esconderijos. Nesse sentido, seu objetivo é psicológico em vários sentidos, e absolutamente simétrico em suas escolhas. O que seria ele? Um drama nos moldes vitorianos transportado para o cenário asiático? Um thriller? Um filme sobre a violência subjetiva? Ou é um filme de costumes excêntricos com tendência ao erótico em algumas cenas belissimamente filmadas? É inevitável, por sua temática e cenas ousadas, lembrar do francês Azul é a cor mais quente, que recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2013. De qualquer modo, Park, ao contrário de Kechiche, não filma essas cenas como semidocumentais: ele adota mais a beleza plástica de cores e gestos de Oshima em O império dos sentidos. Desse modo, A criada é multicolorido nas suas tapeçarias, no seu design de produção e figurinos, mesmo que essa camada de cores às vezes esteja inserida num ambiente soturno, que representa o psicológico dos personagens. Inevitável lembrar também, no que se refere à relação entre as duas mulheres, de Cidade dos sonhos, de Lynch. Parece que Park se notabiliza em filmar as externas do filme como se fossem um sonho do que acontece dentro dessas mansões orientais com grande influência inglesa, não apenas por causa de sua origem literária. Esta é uma obra em que a visão dos personagens daquilo que acontece não necessariamente é a mesma do espectador, e nisso a metalinguagem surge de repente, sem chamar a atenção. No filme de Lynch, essa ligação se dava durante o dia, mas era explicada à noite – o mesmo acontece em A criada.

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Há uma cena ao final mais violenta e próxima da filmografia do diretor, mas mesmo nela se subentende que há uma negação do prazer proporcionado pelo homem. Não temos exatamente o choque que havia em Oldboy ou Segredos de sangue, em que Park ainda tentava canalizar seu estilo usando uma violência que precisava transbordar de cada personagem, sem, algumas vezes, a justificativa mais exata para que isso acontecesse. A criada não parece, contudo ele consegue demonstrar mais a libertação feminina do que muitas obras com esse intuito. Nesse ponto, é quase um filme satírico sobre como o homem pode imaginar seu domínio sem obtê-lo de fato, um dos mais notáveis já feitos. Como Elle, que este filme tenha saído sem prêmios do Festival de Cannes, onde estreou, é um mistério como aquele que se apresenta em sua narrativa.

아가씨, Coreia do Sul, 2016 Direção: Chan-wook Park Elenco: Min-hee Kim, Jung-Woo Ha, Jin-woong Jo, Tae-ri Kim Roteiro: Chan-wook Park, Seo-kyeong Jeong Fotografia: Chung-hoon Chung Trilha Sonora: Yeong-wook Jo Produção: Chan-wook Park, Syd Lim Duração: 144 min. Distribuidora: Mares Filmes Estúdio: Moho Films / Yong Film

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