A voz suprema do blues (2020)

Por André Dick

Há alguns filmes muito interessantes sobre o blues, entre os quais se pode destacar uma comédia decisiva dos anos 80, Os irmãos cara de pau. Em seguida, temos Bird, de Clint Eastwood, Mais e melhores blues, de Spike Lee, com Denzel Washington, e A encruzilhada, com o jovem Ralph Macchio, de Karatê Kid, apenas para citar alguns exemplos. Este gênero é sempre explorado com a propriedade que lhe cabe.
Lançado na temporada do Oscar certamente para concorrer a prêmios, A voz suprema do blues, é dirigido por George C. Wolfe, e traz a última atuação de Chadwick Boseman, conhecido por ter interpretado o Pantera Negra e bastante consistente também em Destacamento Blood, de Spike Lee, do início de 2020. Junto com ele reaparece Viola Davis, alguns anos depois da atuação exitosa em As viúvas. Pela origem teatral (uma peça de August Wilson), A voz suprema do blues guarda uma sequência ininterrupta de diálogos e lembra, nesse sentido, Um limite entre nós, que Viola fez com Denzel Washington anos atrás; esse ator é um dos produtores do filme. O cenário é ainda mais circunscrito, mas, de algum modo, não há nenhuma queda na frequência com que o espectador recebe o grande número de informações, com a ajuda da fotografia luminosa e detalhista de Tobias A. Schliessler.

É interessante perceber como o melhor de sua narrativa é a maneira como consegue extrair um retrato de época da gravação de uma cantora, Ma Rainey (Viola), cantora vinda do Sul conhecida como a “a mãe do Blues” com um grupo de músicos, formado por Toledo (Glynn Turman) no piano, Slow Drag (Michael Potts) no baixo e Cutler (Colman Domingo), além do trompetista Levee (Boseman0), e a ligação momentânea que se dá entre eles. A gravação é num estúdio administrado por Irvin (Jeremy Shamos), sob a produção de Sturdyvant (Jonny Coyne). Rainey também tem um sobrinho gago, Sylvester (Dusan Brown), que ela quer que faça a introdução da gravação, e e amante de sua corista, Dussie (Taylour Paige), pela qual Levee vai se interessar – mesmo como uma maneira indireta de duelar com a grande cantora. Ele quer ser visto como um grande compositor e parece ter músicas para isso, aguardando apenas uma oportunidade para revelar seu talento solo.
A primeira meia hora de filme mostra a reunião do grupo de músicos, à espera da cantora, que se reúne numa sala para trocar ideias, sendo Levee, que acabou de comprar um par de sapatos amarelo, é o mais animado. Quando Ma chega ao local, ela traz seu talento e sua carga de exigências de alguém que pode obter dinheiro para a gravadora com novos sucessos musicais. Neste ponto, o filme de Wolfe trabalha muito bem a tensão que se desenha durante a pré-gravação, quando Ma, exausta e sob calor intenso, deseja uma Coca-Cola antes de começar a gravação.

O refrigerante, claro, é apenas um símbolo para o desejo de ela representar o domínio sobre os outros homens do estúdio, que precisam esperá-la-la e o mesmo se fala para a sua insistência em fazer com que o sobrinho abra a gravação, com inúmeras repetições. E o refrigerante é, como Ma para o filme, um símbolo também de certo poder, estendendo-se aos outros como um aceno para o sucesso comercial almejado pela gravação.
A grande presença de Boseman lhe concede uma oportunidade derradeira para mostrar seu talento e neste personagem ele insere todo um conjunto de características para o personagem soar como alguém dos anos 1920. Levee é um personagem que, parece óbvio e pouco consistente, mas guarda um passado tenebroso que passa a caracterizar seus passos. Por sua vez, Viola consegue mesclar um certo ar de superioridade em relação aos demais e uma insegurança pessoal, mostrando sua melhor atuação ao lado daquela exatamente de As viúvas. Boseman e Viola compõem uma dupla inesquecível e que transforma o filme sob variados pontos de vista. O diretor, como na peça original, afasta esses dois personagens exatamente para delimitar a distância que deve existir: a cantora está consagrada, o trompetista procura seu espaço. No fundo, Levee quer estar onde Ma está, e por isso o interesse imediato por sua amante. Mas, de certo modo, esse desejo parece se converter em algo inesperado, porque não há um espaço destinado a ambos, e é o que A voz suprema do blues mais apresenta de desolador dentro de seu estilo dinâmico.

Ma Rainey’s Black Bottom, EUA, 2020 Diretor: George C. Wolfe Elenco: Viola Davis, Chadwick Boseman, Glynn Turman, Colman Domingo, Michael Potts, Jeremy Shamos, Taylour Paige, Dusan Brown, Jeremy Shamos, Jonny Coyne Roteiro: Ruben Santiago-Hudson Fotografia:Tobias A. Schliessler  Trilha Sonora: Branford Marsalis Produção: Denzel Washington, Todd Black, Dany Wolf Duração: 94 min. Estúdio: Escape Artists, Mundy Lane Entertainment Distribuidora: Netflix

 

Deixe um comentário

Deixe um comentário