Malcolm & Marie (2021)

Por André Dick

Conhecido inicialmente por ter sido filmado durante a pandemia, este filme é um bom veículo para comprovar o talento em termos de atuação de John David Washington, que se destacou em Tenet, e de Zendaya, estrela da série Euphoria. É basicamente o diálogo de um casal depois da estreia de um filme dele, que interpreta um diretor de cinema. A história já inicia em alta rotação, mostrando os dois chegando em casa depois desse evento, com ele, Malcolm Elliott, bastante entusiasmado com a recepção de sua obra e ela, Marie Jones, um pouco desconfortável com o comportamento do namorado e o fato de ele não ter lhe agradecido formalmente para a plateia. A fotografia belíssima em preto-e-branco de Marcell Rév acompanha os dois pelo lado de fora da bela casa, à beira da praia em Malibu, quando se dá uma conversa sobre a criatividade. Aos poucos, quando a conversa se transporta do universo criativo para algo mais pessoal, a câmera adentra a casa e se aproxima dos dois, captando cada ângulo e cada um dos dois de forma bastante direta, realista. É uma obra que consegue captar de forma íntima um relacionamento.

O diretor Sam Levinson tenta inserir algumas discussões sobre o tratamento dado a alguns filmes envolvendo política, fazendo menções a Spike Lee, de Faça a coisa certa, ou Barry Jenkins. O personagem reclama de uma crítica de cinema apontar seu trabalho como político, no que ele discorda, porque acredita que ela está se referindo, sobretudo, ao fato de ele ser um cineasta negro. Em igual intensidade, o cineasta fala que os críticos com quem falou na estreia não recebem um cineasta negro como um novo William Wyler, diretor de  filmes como Ben-Hur, porque, para ele, isso faz parte de uma análise preconceituosa. Nesse sentido, Malcolm & Maurie tem duas camadas: uma é o relacionamento entre o casal e outro é que as brigas e debates entre homem e mulher podem trazer e se referem a um escopo maior, que transcende o cotidiano.
É interessante, por exemplo, que se aponte Malcolm como um sujeito que tenta convencer os demais de seu talento, e uma parte da crítica receba isso como inaceitável. Mas Levinson trabalha o roteiro de própria autoria com o objetivo de revelar que artista e crítica lidam com o autoconvencimento do que pensam e tentam convencer os outros sobre questões pessoais. Com a diferença essencial de que o crítico depende do artista para que possa fazer seu material e obviamente há faíscas quando as visões se mostram diferentes.

Se o personagem do filme diz o que ela faz, e ela não considera correto, contesta-se, claro, o discurso dele, e esta é uma faceta interessante de um drama baseado numa relação de casal que poderia ficar circunscrito a apenas um romance. Malcolm reclama que se pede uma mensagem nos filmes. Os críticos reclamam, mas eles sabem do que ele está falando: este é um filme sem a mensagem possivelmente que eles gostariam de receber, o que talvez os faça não ver sequer nenhuma mensagem, mas ela está em cada pontuação e movimento. Washington faz o monólogo e recebe de volta talvez uma aversão, mas esta aversão fala mais de quem a recebe do que da qualidade do filme.
Malcolm também é acusado por Marie de usar a relação entre os dois como material criativo, e é aí que ele passa a relatar fatos do seu passado que podem explicar melhor seu posicionamento. Não se trata, como alguns dizem, de diminuição da figura feminina, e sim da complexidade de um relacionamento e do material criativo que da relação pode emergir de algum modo. Malcolm tenta manipular Marie; é um personagem conturbado, falho e, por isso, denso. Por essa relação, o ritmo de Malcolm & Marie é bastante apurado para uma espécie de teatro filmado, que não costuma ser muito atrativo, dependendo do contexto, com o uso interessante da edição em alguns pontos.

Malcolm & Marie talvez no terceiro ato se exceda em dez minutos, mas ainda assim mantém o interesse. Os diálogos são muito bem escritos, principalmente nos momentos em que os personagens vão revelando novas camadas do seu passado, que os levaram a chegar até este momento. Tudo é metalinguagem: as atuações, os embates, os movimentos de câmera. Enquanto Washington tem uma maneira de atuar vibrante, Zendaya faz um complemento um pouco mais melancólico, com uma personagem que passou por dificuldades e se sente usada pelo parceiro na construção de sua obra sem o devido reconhecimento a ela. Em muitos momentos o filme é dela, com uma atuação fantástica, mostrando-se, ao mesmo tempo, forte, vulnerável e indecisiva. E, apesar de a premissa ser sintética, tudo se direciona para um bom saldo final, assim como o belíssimo design de produção consegue capturar o isolamento de ambos diante do mundo. É este isolamento – de um filme feito durante a pandemia – que ecoa por toda a narrativa de modo essencialmente interessante.

Malcolm & Marie, EUA, 2021 Diretor: Sam Levinson Elenco: Zendaya, John David Washington Roteiro: Sam Levinson Fotografia: Marcell Rév Trilha Sonora: Labrinth Produção: Kevin Turen, Ashley Levinson, Sam Levinson, Zendaya, John David Washington Duração: 106 min. Estúdio: Little Lamb, Fotokem Distribuidora: Netflix

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