Vidas secas (1963)

Título em inglês: Barren lives

País: Brasil

Duração: 1 h e 43 min

Gênero: Drama

Diretor: Nelson Pereira dos Santos

IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0057654/


Eu, Adriano, nascido na capital, mas neto e filho de sertanejos das Alagoas – onde foi filmado “Vidas secas“, mais especificamente na cidade de Minador do Negrão. Neto de Antônio, o abastado, o fazendeiro; neto de João, o pobre, o trabalhador; filho de Maviael, o retirante, que, diferentemente do filme, não partiu rumo ao árido infinito, e sim buscou a vida na cidade grande, mas guarda grandes semelhanças semânticas com a saga do protagonista da narrativa. Não conheci vidas secas, mas ouvi falar muito sobre elas – sob 3 pontos de vista: o do explorador da mão de obra, o do trabalhador rural e o do corajoso e destemido que apostou sua única ficha para fugir da realidade iminente – e venceu! Posso, então, comentar esse filme com uma relativa propriedade, mas descrever a vida do povo do semi-árido é tarefa dificílima apenas para os olhos. É necessário sentir e vivenciar uma vida moribunda que evapora aos poucos por conta do sol escaldante, da falta de recursos e, principalmente, da falta do líquido mais precioso do mundo – a água. Nosso escritor alagoano, Graciliano Ramos, em sua obra-prima, “Vidas secas“, aproximou-se da perfeição ao retratar a vida do sertanejo, e, ao adaptá-la para o cinema, Nelson Pereira dos Santos ajudou a consolidá-la e perpetuá-la. O filme se passa em 1942, e eu, menino, na década de 80, em minhas andanças pelo interior das Alagoas, constatei que nada, ou quase nada, mudou. O tempo demorava a passar, as pessoas sofridas, queimadas do sol, com pés grossos como solas de sapato, enfrentavam quilômetros à pé – muitas vezes descalças – em busca de uma morada nas fazendas, para trabalharem como vaqueiras, “moradoras” ou arar as hortas e pomares dos detentores do bem que denotava poder: a terra. Ainda me lembro como hoje de meu primo José, sonhando em um dia ser vaqueiro, mas os sonhos de todos – ricos e pobres – teriam que ultrapassar a maior barreira de todas: a natureza, que só permitia nuvens se fossem lacrimosas, ao assistirem, estupefatas, ao sofrimento do povo sertanejo, ao definhamento dos animais e plantações até a morte, a secas vidas guiadas apenas pela fé. Tudo isso está nas páginas escritas pelo velho Graça e na película do grande Nelson. Tudo isso é “Vidas secas“, um filme que utiliza a mais abundante matéria-prima que existe para ser transformada em arte: a realidade, e, nesse caso, foi escolhida uma das mais perversas, a realidade do povo do semi-árido da região nordeste brasileira.

O filme propriamente dito mostra a história de uma pobre família nordestina que vaga pelo árido cenário do sertão em busca de trabalho, em busca de sobrevivência. Um homem, Fabiano, uma mulher, Sinhá Vitória, dois meninos, Gilvan e Genivaldo, e uma magra cadela, a inesquecível Baleia. Era apenas uma família de retirantes. Ao conseguir trabalho em uma fazenda, o patriarca administra os poucos recursos recebidos como vaqueiro para prover a subsistência de sua família; sua esposa cuida da casa e das crianças; seus filhos vagam pelo “terreiro” – como fala o povo nordestino – em busca de distração e Baleia ajuda no pastoreamento do gado, procura sombras sob os juazeiros e, às vezes, arruma tempo para caçar uns preás – roedor típico da região que serve como alimento até mesmo para o povo. O filme não tem trama. Mostra, apenas, a vida cotidiana e cigana da família e a dificuldade de sobreviver naquele inóspito ambiente.

Sob o olhar de revoadas de aves de arribação, ou, no linguajar próprio do nordestino,”ribançã”, ou, simplesmente, “avoante”, caminha uma mulher com uma rodilha – ou “rudia” – na cabeça, equilibrando um pote de água barrenta oriunda de algum pequeno açude que ainda sobrevive às intempéries do clima; um vaqueiro queima cactos para remover os espinhos e alimentar o gado, que agoniza de sede e fome; as plantações secam e viram ração; as pessoas sorriem à toa por gotas de chuva que apagam o marrom e trazem o verde aos pastos; as pessoas se arrumam com as melhores roupas para a missa do final de semana na pequena cidade, pois é a hora de praticar a fé, talvez, o maior dom desse povo, o sustentáculo da espera por dias melhores; os homens tomam aguardente barata e depois, irresponsavelmente, perdem tudo em jogos de azar. Essa é a vida do interior nordestino da década de 40. Esse é o roteiro de “Vidas secas“, que, apesar de ter esse caráter documental, encontra guarida para emoções originadas por uma personagem que nem imaginamos ser capaz de fazê-lo, Baleia. Ao assistir ao filme, todos vão saber o porquê da inesquecibilidade atribuída à pequena cadela no segundo parágrafo. Sua última cena é fantástica! Parece atriz!

Uma fotografia em preto e branco bela e nostálgica, a qual até embranquece a tela em alguns momentos, por mostrar o extremo de um sol ameaçador, e efeitos sonoros baseados em sons característicos da caatinga, que chegam até a assustar, balbuciam, através de uma linguagem cinematográfica única, os versos da sobrevivência de uma família forte, resiliente, a qual, ao final do filme, deixa uma mensagem de continuidade da vida, sem perspectivas, baseada apenas em sonhos. A jornada continua indefinidamente até a morte ou até a glória – que é para muito poucos; aliás, pouquíssimos. Sabemos que, a cada dia que passa, as temperaturas tendem a subir em todo o mundo devido à ação do homem, que provoca o aquecimento global. Sabemos que as políticas públicas voltadas àquela região são insuficientes – apesar de termos, hoje, o Canal do Sertão, que leva água para milhões de sertanejos, o Rio São Francisco, que cede suas águas para tal canal, anda flertando com o esgotamento. São motivos para crer que a situação tende apenas a piorar. Talvez, no futuro, assistamos a um filme ou a um documentário sobre a desertificação daquela área e o êxodo dos sertanejos sofridos, mas sobreviventes. Quem viver, verá, mas, por enquanto, assistamos a “Vidas Secas”, um filme triste e fundamental, que deve ser visto com a alma. Marco do movimento Cinema Novo, que mostrava os problemas sociais do povo de nosso querido Brasil.

Um trailer estilizado e o filme completo segue abaixo.

Adriano Zumba.


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