Europa ’51 (1952)

Título em inglês: Europe ’51

País: Itália

Duração: 1 h e 58 min

Gênero: Drama

Diretor: Roberto Rossellini

IMDB: www.imdb.com/title/tt0043511/


Uma pessoa que, após uma tragédia, procura um sentido para a vida – um caminho narrativo mais do que explorado no cinema. Digo-lhes que, para não ser mais do mesmo, um filme com esse sentido precisa ser construído sob uma perspectiva diferente da tradicional e compor seu roteiro englobando outras variáveis, que são tratadas como subtemas da história. Foi justamente isso que Rossellini fez na produção de “Europa ’51“. Há, na narrativa, diversas temáticas, que vão desde conceitos políticos até religião e transformam o filme num conjunto de ideias complexas, em oposição à simplicidade da espinha dorsal do roteiro.

Em “Europa ’51“, conhecemos a protagonista Irene, interpretada pela lenda do cinema Ingrid Bergman. Ela e seu marido George são pessoas abastadas, que dão pouca atenção ao filho pré-adolescente, o carente Michel, e se importam bastante com uma vida fútil, luxuosa e cheia de encontros e jantares com pessoas da alta sociedade italiana da época. Um dia, Michel sofre um acidente ao cair da escada – uma suposta tentativa de suicídio – e, dias depois, falece devido a uma embolia. Após o trágico acontecimento, Irene, em meio a sentimentos de tristeza e culpa, reflete sobre suas atitudes e, com a ajuda de seu primo, o publicitário e comunista Andrea, busca alternativas para obter um sentido nobre para sua vida vazia. Nesse contexto, suas escolhas trazem consequências para ela e sua família e serão objeto de julgamento perante as ricas pessoas do seu círculo de convivência.

A riqueza mostrada no filme traz consigo, como um padrão de comportamento, um automático desdém pelas classes sociais mais baixas. Para fugir dessa indiferença, o diretor, sabiamente, e pensando na reviravolta dos pensamentos da protagonista, inseriu um personagem adepto de uma ideologia política que prega a igualdade entre as pessoas, para auxiliá-la em suas tomadas de decisão. Uma relação duvidosa entre Irene e Andrea, que sugere o adultério – apesar de não serem mostradas cenas que evidenciem esse comportamento -, conduz a protagonista a adotar a solidariedade da religião cristã como postura para preencher sua alma após a perda do filho. Então, a narrativa entra numa fase de apresentação ao espectador – e à protagonista – de um mundo totalmente diferente, o mundo dos que mais precisam, o qual é cheio de dificuldades e carências, em oposição ao ambiente em que a protagonista vivia. Muito interessante acompanhar a inserção de Irene nessa nova realidade e ver a sua interação com pessoas necessitadas e com um nível de educação inferior ao dela. Mais interessante ainda é ver a reação da “nobreza” aos atos da protagonista, inclusive a de seu marido, julgando-a tanto moralmente quanto à luz de leis que apenas privilegiam os detentores do poder.

O ponto nevrálgico do filme é a conotação que é dada à religião, no caso, a cristã. Ela é mostrada sob duas perspectivas: a dos ricos e a dos pobres. Os ricos, totalmente alheios a Deus, vivem suas vidas sem a presença de qualquer espiritualidade e se isolam em suas ilhas de materialidade e egoísmo. Os pobres, com uma fé que move montanhas, apegam-se a qualquer coisa ou pessoa que possa operar um milagre em suas vidas, já que o destino os colocou naquela condição. No hiato existente entre o “céu” e o “inferno”, encontra-se Irene, após redirecionar sua vida no sentido de ajudar os necessitados e adquirir uma religiosidade acima do normal, praticamente uma obsessão. Ao passo que Irene foi isolada da sociedade por esse comportamento considerado “insano”, recebeu o título de santa pelas pessoas que ajudava. A propósito, a cena que mostra essa situação é magnífica e evidencia a importância que valores humanos dignos têm para as pessoas, considerando a classe social em que elas estão inseridas.

Esse filme faz parte da segunda trilogia produzida por Roberto Rossellini, a Trilogia da solidão, composta por “Stromboli” (1950), “Europa ’51” (1952) e “Viagem pela Itália” (1954) . A solidão, aludida no título da trilogia, acompanha Irene durante todo o filme, porque, mesmo no início, já havia uma solidão subentendida, pelo tipo de relacionamento que os aristocratas mantinham entre si – basicamente por interesses escusos –  e, também, pelo viés de desprezo adotado em sua relação com Michel. Ela mesma se isolava do mundo devido ao contexto no qual estava inserida e aos valores pessoais arraigados em sua personalidade. Após mudar de vida, a solidão apenas aumentou, mas, naquele ponto, ela nunca mais estaria sozinha, pois Deus estava em seu coração e havia muitas pessoas que a veneravam.

Pelo exposto acima, “Europa ’51” acaba sendo um filme bastante agradável, pois conta com tragédias, reviravoltas e temas interessantes para reflexão. Além disso, a presença de Ingrid Bergman – esposa do diretor Roberto Rossellini -, por si só, já representaria um motivo para assistir ao filme, porque, simplesmente, Ingrid é Ingrid, e sua presença já é garantia de qualidade – ainda mais com uma atuação tão competente como a mostrada no filme. A história carrega um peso narrativo intrínseco, um ar triste – e isso pode ser visto o tempo todo no semblante da protagonista -; então, que seja visto com os olhos da alma e que o espectador mantenha o coração preparado para as mais diversas emoções.

Infelizmente, o trailer desse filme não está disponível na internet.

Adriano Zumba

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