Memórias do cárcere (1984)

Título em inglês: Memories of prision

País: Brasil

Duração: 3 h e 05 min

Gênero: Drama

Diretor: Nelson Pereira dos Santos

IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0087709/


Todo país passa por revoluções ao longo de sua história e muitas delas têm cunho político/ideológico/social. Com o Brasil não foi diferente! Antes de entrar nos comentários específicos sobre o filme, é necessário situar o leitor no contexto histórico em que ele está inserido. Resumidamente, a Intentona Comunista, também conhecida como Revolta Vermelha de 35, Revolta Comunista de 35, Levante Comunista ou Levantes Antifascistas, foi uma tentativa de golpe contra o governo de Getúlio Vargas realizada em 23 de novembro de 1935 por militares, em nome da Aliança Nacional Libertadora e com apoio do Partido Comunista Brasileiro (PCB), na época chamado de Partido Comunista do Brasil. Essa tentativa foi reprimida rapidamente pelo governo de Getúlio, e então várias pessoas foram presas por participarem da operação. Outras pessoas, que não participaram da referida tentativa de golpe, foram presas apenas por suas ideologias políticas – foi o caso do célebre escritor brasileiro Graciliano Ramos, um esquerdista ferrenho, que foi encarcerado sem nem saber o motivo.

O filme é uma adaptação do livro “Memórias do Cárcere“, do próprio Graciliano Ramos, e possui um título autoexplicativo. A sinopse, retirada da internet e com adaptações, é a seguinte: “Nos anos 1930, o escritor Graciliano Ramos, acusado de colaborar com subversivos, é tirado de Alagoas e levado ao presídio de Ilha Grande, no Rio de Janeiro, onde convive com os mais diversos personagens da marginalizada população brasileira – de ladrões de galinhas a homossexuais e assaltantes. Baseado em relato autobiográfico.”

A sinopse cita o tempo de cárcere na Prisão de Ilha Grande, porém, na verdade, Graciliano ficou preso em 3 lugares.  Interessante notar que o sofrimento e as condições degradantes aumentam exponencialmente à medida que ele muda de cadeia e alcançam o ápice no referido e aludido presídio – o terceiro lugar em que ele ficou preso. Esse “cárcere cigano” proporciona que mais e mais pessoas, dos mais diversos comportamentos e nacionalidades, interajam com ele. Podemos identificar nessas pessoas uma característica em comum: a intenção de “entrar” no livro que o velho Graça – apelido dado a Graciliano Ramos – estava escrevendo, ou seja, de serem imortalizadas entre as palavras. Por conta dessa heterogeneidade humana, temos um livro – e um filme – riquíssimo em vários aspectos. Apesar de o filme mostrar bem menos detalhes que o livro, como é de se esperar, ainda assim podemos ver um celeiro de dramas pessoais e “ideológicos” em toda a sua duração. Um detalhe me chamou bastante a atenção: em uma rápida passagem do filme, vê-se um prisioneiro ensinando russo a outros encarcerados – um pormenor que mostra rapidamente uma das origens do pensamento ideológico que motivou a revolução: a União Soviética. Fiz questão de salientar isso, pois é um detalhe que passa até despercebido pelo espectador. A propósito, Graciliano Ramos teve uma “formação soviética” em relação a suas convicções políticas e seu modo de enxergar o mundo – que influi diretamente em suas obras.

Ademais, o filme tem um caráter bastante documental, é mostrado de forma bem lenta em vários momentos – assim como a passagem do tempo em uma prisão -, mostra a crueza  da realidade de maneira muito forte e alude a alguns fatos históricos, como o translado de Olga Benário Prestes, alemã e esposa de Luis Carlos Prestes, o líder da Intentona Comunista, para a Alemanha, onde foi executada no campo nazista de extermínio de Bernburg. Mostra também bastante humanidade e companheirismo entre os prisioneiros políticos e fidelidade incondicional à causa comunista, que, para eles, trazia justiça em relação à distribuição de renda e terras entre a população. No fim das contas, acaba sendo um filme político, que trata de uma batalha ideológica desigual e coloca em rota de colisão ideais antagônicos e o poder estatal contra a classe proletária – e pensante. Um tema que até hoje repercute no Brasil, principalmente na política atual, apesar de vivermos outros tempos. Ideologias políticas ainda preenchem bastante as rodas de discussão e os meios de comunicação em nosso país.

Temos que aplaudir tanto o livro, devido à dificuldade de escrevê-lo na prisão, como sua adaptação para o cinema, pela fidelidade ao “roteiro escrito”, e o realismo transmitido em cada cena e em cada passagem ao longo das 3 horas de narrativa – muito desse realismo pode ser atribuído à magistral interpretação de Carlos Vereza, como Graciliano Ramos. Considerando que se trata de uma história real e sentida na pele pelo próprio autor do livro, que sirva como reflexão para todos nós nestes tempos tão intolerantes em que vivemos. Que todos nós respeitemos as escolhas de nossos semelhantes, independentemente do tema, e cuidemos com o maior zelo possível de nossa democracia, que vem sendo tão ferida ultimamente.

Infelizmente não encontrei o trailer, então segue abaixo o filme completo.

Adriano Zumba


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