Vida cigana (1988)

Título original: Dom za vesanje

Título em inglês: Time of the Gypsies

Países: Reino Unido, Itália, Iugoslávia

Duração: 2 h e 22 min

Gêneros: Comédia, crime, drama, fantasia

Elenco Principal: Davor Dujmovic, Bora Todorovic, Ljubica Adzovic

Diretor: Emir Kusturica

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt0097223/


“Quando Deus desceu à Terra, ele não pôde lidar com os ciganos, então tomou o próximo vôo de volta.”


Temos uma visão peculiar das pessoas ditas ciganas, que normalmente remete à liberdade, à desonestidade e à migração constante. Para quem não conhece, o povo cigano tem uma história bela e secular que teve suas raízes na Índia, contudo, mostrar tal história não é o objetivo desse post, pois o próprio filme em destaque já proporciona um bom mergulho na vida e tradições dessa população. Certamente, nenhum outro filme mostra tanto sobre essas pessoas lendárias, através de uma narrativa cômica, trágica e dramática, que flerta com o burlesco, o surreal, o onírico e a mais pura realidade. O transcendente e o vulgar, o prosaico e o poético estão em perfeito equilíbrio nessa obra. Não é à toa que alguns chamam seu diretor, Emir Kusturica, de “o Fellini dos balcãs”.

A sinopse, retirada da internet e com adaptações, é a seguinte: “Perhan é um cigano que mora com sua avó na periferia de Sarajevo. Apaixonado por Azra, seu sonho é ganhar dinheiro suficiente para poder se casar com ela. O vagabundo Ahmed propõe a Perhan ir para a Itália, na tentativa de fazer fortuna rápido. O jovem aceita, e quando se dá conta já é prisioneiro de um mundo sem escrúpulos, do qual ele não quer pertencer, mas, por imposição da conjuntura, acaba tendo que se render.”

Vida cigana” é um trabalho generoso e totalmente desinibido; um grande e exuberante furacão que sai carregando e destruindo tudo em seu caminho, inclusive o caráter de seus personagens – pelo menos dos que possuem, como o protagonista, Pehran. Mas de todos os filmes do cineasta, é também aquele cuja estrutura é mais rigorosa e completa, pela preocupação com os detalhes e a inserção de elementos no mínimo curiosos, e a excelente fluência, obtida através de um roteiro estruturado em 3 atos bem definidos. As primeiras imagens do filme, que apresentam os personagens, possuem um caráter peculiar: um caráter “Felliniano” em “Amacord” (1973), um filme com o qual a obra de Kusturica mantém algumas semelhanças, especialmente em seus momentos tragicômicos. Estamos, em todo caso, ante um trabalho que possui várias outras referências cinematográficas, que incluem Luiz Buñuel em “Os esquecidos” (1950), sem deixar de mostrar a todo momento a pitoresca personalidade de seu diretor. É muito fácil se sentir abraçado pela narrativa, pela facilidade de adquirir empatia com os personagens pela espontaneidade que apresentam e as situações em que são inseridos.  Os personagens ganham vida diante de nossos olhos espantados, graças a uma mistura harmoniosa entre atores profissionais e amadores – alguns são realmente ciganos, como a avó e curandeira da aldeia, Khaditza -, que falam em boa parte do tempo o idioma original do povo cigano, o romani. Kusturica realmente encontrou uma fórmula que se adequou perfeitamente a sua proposta no filme em tela.

Em uma aura implacável, essa história incrível é construída como uma tragédia antiga: o jovem herói, arrastado por um destino fatal, gradualmente perde sua inocência e se torna a antítese do que ele queria. A narrativa leva Perhan a um mundo de prostitutas, mendigos, ladrões e golpistas – algo já referenciado nas primeiras frases desse texto, sintetizado na palavra desonestidade -, no entanto sua redenção lhe permitirá recuperar a pureza perdida, através de uma magnífica e longa sequência final (o terceiro ato do filme): uma grande poesia surrealista, que pode desagradar a alguns pelo viés fantasioso que carrega consigo, mas, não há como negar a estranha beleza proporcionada por algumas cenas, como o parto de Azra.

Kusturica presenteia seus espectadores com um filme visualmente deslumbrante e lírico, que liga a realidade ao mundo de contos de fadas e lendário dos ciganos. O resultado é um épico intoxicante, que evoca uma aventura mágica e grotesca na tela, no estilo típico do diretor, que, por sinal, ganhou o prêmio de melhor diretor em Cannes, por essa ousadia narrativa chamada “Vida cigana”, que pode ser resumido como um fluxo de imagens visionárias, sons encantadores e metáforas divinas. Entre o devaneio e o realismo, é uma obra generosa e gigantesca, com um grande poder evocativo de risos e lágrimas. Uma imponente e importante aventura do cinema poético mundial. Para conferir!

O trailer, com legendas em português, segue abaixo.

Adriano Zumba.


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