Cafarnaum (2018)

Título original: Capharnaüm

Título em inglês: Capernaum

Países: Líbano, França, Estados Unidos

Duração: 2 h e 06 min

Gênero: Drama

Elenco Principal: Zain Al Rafeea, Yordanos Shiferaw, Boluwatife Treasure Bankole

Diretora: Nadine Labaki

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt8267604/


Sinopse: A história de Zain, um menino libanês de aproximadamente 12 anos, que processa seus pais pelo “crime” de lhe dar a vida. O filme segue Zain enquanto foge da casa de seus pais negligentes ao se revoltar com o casamento de sua irmã de 11 anos – ou a venda dela -, que é a pessoa que ele mais ama. Ele sobrevive nas ruas quando conhece a imigrante etíope Rahil, que lhe fornece abrigo e comida em troca de cuidar do seu bebê, Yonas. Zein depois é preso por cometer um crime violento e, finalmente, busca justiça em um tribunal, ao sair do status de acusado para o de acusador.


VIVER NÃO É SINÔNIMO DE TER VIDA.


Desde que adquiri discernimento para interpretar as situações que a vida impõe às pessoas, escuto de meu velho pai, o qual já possui mais de 80 anos de experiências, que incluíram provações e necessidades compartilhadas ao longo das primeiras décadas de sua vida com seus 7 irmãos pela falta de recursos financeiros de sua família, mas nunca por falta de amor, uma afirmação pertinente mas, ao mesmo tempo, controversa, que sempre tendi a relativizá-la por enxergar um caráter deveras egoísta em sua essência, entre outras percepções. Tal afirmação, com adaptações, é a seguinte: “As pessoas que mal conseguem prover a subsistência não deveriam gerar filhos, pois eles vêm ao mundo destinados a sofrer e a ser marginalizados”. Dito isto, o destino colocou a minha frente esse grande filme chamado “Cafarnaum“, que é simplesmente a dramatização ipsis litteris da “frase favorita de meu pai”, contudo possui uma abrangência ainda maior. Para refletir!

A discussão proposta pelo enredo do filme é muito interessante. A talentosa cineasta Nadine Labaki se atem a vários aspectos que funcionam como molas propulsoras para os atos de Zain. A dependência econômica pesa bastante na balança e isso fica bem explícito ao longo da exibição. A miserabilidade é exibida com diferentes roupagens. Concepções religiosas e sociais de cada espectador são colocadas à prova, proporcionam uma série de questionamentos e geram até um grande desconforto, dadas as situações que são postas. Paulatinamente, há uma degradação da condição de vida do protagonista até o limite extremo, no entanto, com muita singeleza e sensibilidade, é evidenciado o lado humano do garoto a todo o momento e em meio a todo o tipo de dificuldade – o que gera um turbilhão de sentimentos e emoções.

Em meio a esse debate tão filosófico sobre o direito de viver com dignidade, é inserida uma temática bastante atual no contexto: a situação dos refugiados que saem de suas terras em busca de vida, já que em seus países não são dadas condições para que ela se desenvolva com a mesma dignidade sonhada por Zain. A inserção da personagem Rahil e seu bebê Yonas, que nem fala mas dá um show de interpretação, como mais duas vítimas do desamor que impera no mundo, potencializa as sensações causadas pelo desenvolvimento do argumento principal e adiciona mais e mais situações angustiantes ao filme. Nota-se que Zain e Yonas são filhos de uma conjuntura desprezível, que insiste em pairar sobre o mundo capitalista, no qual a desigualdade social impera com soberania, amplitude e o mais profundo egoísmo. É por isso que a jovem realizadora permite que eles caminhem juntos rumo à alguma possibilidade de sobrevivência e para dentro do coração de cada pessoa que esteja assistindo à sua desesperada jornada. Essa interação entre as duas crianças proporciona momentos incríveis e inesquecíveis.

“Depois de estabelecer residência em Cafarnaum, Jesus começou a percorrer todas as cidades e povoados, ensinando em suas sinagogas, proclamando a boa nova do Reino de Deus e curando todo tipo de doença e de enfermidade”. (Mt 9, 35)

A passagem bíblica acima sugere que Cafarnaum foi uma cidade onde Jesus estabeleceu raízes e a utilizou como o centro de seu ministério na Galileia, entretanto, pelo pecado entranhado entre seus muros e a incredulidade de sua gente quanto às suas pregações, Jesus predisse a sua ruína juntamente com outras duas cidades. Jesus pregava o amor, a família, a fraternidade, mas, a partir do momento em que seus ensinamentos começaram a ser apenas meras palavras lançadas ao vento, sua profecia aos poucos foi acontecendo. Percebe-se prontamente a sagacidade na escolha do título do filme em tela. Nas diversas Cafarnauns erguidas em todo o planeta, recheadas de pecado e carentes de amor entre os seus habitantes, a penitência vem em forma de sofrimento, de provações – inclusive para quem ama, inclusive para inocentes. Deus não impõe sofrimento. Tudo isso é consequência dos atos dos próprios seres humanos.

O processo impetrado por Zain exala surrealidade, mas suas motivações trazem a narrativa de volta à realidade e concede a “Cafarnaum” o condão de machucar a alma, de torturar o coração e se revestir com o manto da necessidade e da pertinência. Como disse a diretora: “produzi esse filme para fazer o Líbano melhor”. Que o poder do cinema espalhe suas intenções pelos quatro cantos da Terra, para que vivamos tempos mais salutares. A situação do Líbano é só uma gota no oceano. Miséria existe em todo lugar e a desigualdade social proporcionada pela má distribuição do capital no mundo contemporâneo é a principal causa dessa anomalia. Dito isso, como informação, o filme termina com um paradoxo. Novamente, para refletir – e apreciar muito!

O trailer segue abaixo.

Adriano Zumba


TRAILER

3 comentários Adicione o seu

  1. Nossa, parece ser muito bom, sensível e complexo. Está na minha lista! Parabéns pela resenha! Abçs!

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