Girl (2018)

Países: Bélgica, Holanda

Duração: 1 h e 49 min

Gênero: Drama

Elenco Principal: Victor Polster, Arieh Worthalter, Oliver Bodart

Diretor: Lukas Dhont

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt8254556/


Opinião: “Nunca um órgão genital incomodou tanto na história do cinema.”


Considero que a temática da transexualidade já está em vias de se exaurir no cinema dada a repetição dos contextos propostos, que, normalmente, entram na seara da aceitação própria e de terceiros da orientação sexual de algum personagem, no entanto, quando menos espero, aparece mais uma obra atrativa e bem produzida – mesmo sendo repetitiva – sobre o assunto para me fazer pensar o contrário. “Girl” se parece bastante em sua essência com o filme francês “Tomboy” (2011), com poucas diferenças. É sempre bom lembrar que o filme chileno “Uma mulher fantástica” (2017) ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2018 e possui uma temática similar. Nota-se prontamente a relevância desses temas relacionados à identidade de gênero em todo o mundo, e, por conseguinte, nas artes em geral, incluindo o cinema, que sempre refletiu em suas obras as mudanças nas sociedades ao longo da história.

Eis a sinopse: “Lara é uma garota de 15 anos, nascida no corpo de um menino, que sonha em se tornar uma bailarina e realizar uma cirurgia de redesignação sexual para que seu corpo entre em sintonia com sua mente, entretanto, mesmo com apoio de sua família, ela tem que enfrentar diversos obstáculos para realizar os seus sonhos.”

O primeiro aspecto que se deve levar em consideração é o sentido narrativo que o filme se propõe a seguir. Normalmente, evidencia-se o bullying e o preconceito em filmes com essa temática, no entanto, o jovem realizador Lukas Dhont colocou a maioria dos holofotes sobre o âmago da protagonista, sobre o traçado tortuoso que sua vida desenha com o passar do tempo e, também, sobre a maneira como ela lida com severos conflitos internos, potencializados pela adolescência, que, por si só, já proporciona uma série de embates íntimos e dúvidas abundantes, contudo, ele não se furta de exibir o preconceito sob várias formas, mas com parcimônia, sem exageros.  O apoio de sua família, diga-se, de seu pai, já que sua mãe não aparece no filme – depreende-se que ela é falecida ou a abandonou -, contribui bastante para conceder um ar de normalidade à vida de Lara e focar apenas em seus anseios. “Girl” desnuda a alma da personagem, e este, no meu entender, é o grande atrativo do filme, pois puxa as atenções e prepara o ambiente para poucas, mas decisivas “interferências externas”, ou seja, Lara não sofre tanto quanto Marina,  a protagonista de “Uma mulher fantástica“, mas a dose de sofrimento que vivencia influencia sobremaneira suas atitudes, devido à falta de experiência para suplantar as dificuldades da vida.

É interessante conhecer que Victor Polster, intérprete de Lara, não é transexual. Para os entusiastas e admiradores da arte de interpretar, isso lhe concede ainda mais elogios em relação à seu desempenho e, talvez, para alguns críticos, essa característica tenha interferido em sua representação. Insiro-me no rol dos que enaltecem a atuação do jovem ator, pois não elogio apenas o exterior de seu personagem, que é realmente perfeito, pois causa bastante confusão na percepção do espectador, e cujos aplausos devem ser divididos com a equipe de produção do filme, mas a interpretação de um realista caráter introspectivo para Lara, que considero bem característico de uma pessoa insegura e inserida em uma conjuntura como a dela. Victor ganhou o prêmio de melhor ator na Mostra Un Certain Regard em Cannes 2018. Foi mais do que merecido!

O filme funciona também como uma forma de desmistificar a realização de uma cirurgia de mudança de sexo – no caso em tela, do masculino para o feminino. Didaticamente, o roteiro mostra como as coisas realmente funcionam, as técnicas, os riscos, os tratamentos hormonais pré-operatórios, etc. Saliento que Lara é portadora da vontade e paciente de todas as implicações que uma cirurgia de grande porte como essa pode acarretar em alguém.

No fim de tudo, fica um certo desconforto pelo desfecho angustiante causado por um hiperbólico sentimento de desespero, no entanto fica a certeza de termos vivenciado uma boa experiência cinematográfica, cujo conteúdo, cada vez mais, exprime a realidade do mundo contemporâneo.

O trailer, com legendas em inglês, segue abaixo.

Adriano Zumba


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