Crítica | Meu Nome é Ray

Drama das pessoas transgênero é abordado de maneira superficial

Felipe Storino
Cinema & Outras Drogas

--

Ray (Elle Fanning) nasceu Ramona e, aos 16 anos, está pronto para seguir em frente no tratamento para mudança de sexo, o que inclui começar a tomar doses de testosterona. Felizmente para ele, a família apoia sua decisão e o acompanha nas consultas com o médico, tentando lidar com o impacto que isso causará na vida de todos. O problema é que, apesar do apoio da mãe (Naomi Watts), Ray precisa também da assinatura do pai (Tate Donovan), que nunca foi uma figura presente em sua vida. A partir daí, a mãe de Ray começa uma saga para tentar conseguir a assinatura do ex-companheiro, com quem não quer ter mais contato algum. Infelizmente, é com essa busca que começa também o grande problema do filme: o foco exagerado na mãe de Ray.

O começo de Meu Nome é Ray, mostrando a família reunida no consultório médico, promete um filme que vai explorar o drama que envolve não apenas a pessoa que vai mudar de sexo, mas também como as pessoas ao redor lidam com isso. Infelizmente, a história acaba deixando isso de lado para se concentrar muito mais nos dramas da mãe de Ray. No início parece que o único problema é que ela não tem certeza de que está fazendo a coisa certa pela filha(o), mas não demora para percebermos que o filme é muito mais sobre o drama de uma mãe solteira. A história da adolescente que decide trocar de sexo acaba servindo apenas como pano de fundo para explorar outras angústias da personagem interpretada por Naomi Watts.

Escrito e dirigido por Gaby Dellal, o filme acaba tratando de forma muito superficial a questão das pessoas transgênero. Com exceção de uma cena que mostra o protagonista colocando uma cinta para amarrar os seios, em momento algum nós conseguimos sentir de verdade o drama de Ray. O personagem está sempre cercado por amigos que parecem não se importar com o fato dele ter nascido mulher, mas a história nunca chega a se aprofundar na relação de Ray com essas pessoas. Ocasionalmente o filme até tenta mostrar que as pessoas não entendem exatamente o que significa ser transgênero, mas sempre trata tudo de forma muito superficial. Um exemplo é a cena em que Ray conversa com uma garota que ele gosta e a menina deixa claro que acha que Ray é apenas lésbica, não entendendo a verdadeira natureza do protagonista. Porém, é apenas isso, uma cena que dura uns 10 segundos e está apenas jogada ali.

Além disso, o filme desperdiça uma personagem que seria interessante, mas que está ali claramente apenas para dar a impressão de diversidade. Interpretada por Susan Sarandon, a avó lésbica de Ray poderia render bons momentos, mas assim como o resto do filme, acaba sendo tratada com superficialidade. Com dificuldade em aceitar que a neta não é apenas lésbica, mas que na verdade é um menino no corpo de menina, o drama dela não passa de frases como “por que ela não pode ser uma lésbica normal como todo mundo?”. Por sua vez, Ray parece nem ligar para o que a avó diz, com o roteiro desperdiçando claras situações de conflito. A sensação que fica é que os realizadores queriam abordar o tema dos transgêneros, mas não sabiam como explorar mais a fundo, talvez com medo de desagradar as pessoas. Como se isso não bastasse, o roteiro do filme ainda apresenta uma revelação perto do final que parece ter a função de ser bombástica, mas que acaba não acrescentando nada à história.

A direção do filme também é inconstante, não conseguindo dar nenhum peso à narrativa. Em pelo menos dois momentos acontecem dois cortes secos de uma cena para outra que não tem função alguma, parecendo muito mais um defeito do que estilo de direção. Além disso, o filme é repleto de cenas gravadas por Ray enquanto anda de skate, mas que estão ali apenas para preencher tempo de tela. E no final das contas esse é o principal problema de Meu Nome é Ray, perder tempo com cenas que não acrescentam nada, enquanto um tema tão importante acaba sendo tratado de maneira extremamente superficial.

--

--

Felipe Storino
Cinema & Outras Drogas

Redator de cinema, gibis e games na Mob Ground. Quando não está jogando, está assistindo filmes, séries ou lendo gibizinhos.