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Medo da Verdade (Gone Baby Gone), baseado em um livro homônimo escrito por Dennis Lehane (o mesmo autor das obras que originaram Ilha do Medo e Sobre Meninos e Lobos), marca a estreia de Ben Affleck como diretor. É um filme americano lançado em 2007, no qual Affleck, além da direção, colaborou na adaptação do roteiro juntamente com Aaron Stockard. O irmão de Ben, Casey Affleck, estrela no papel do protagonista, tendo no elenco outros nomes como Morgan Freeman, Ed Harris e Amy Ryan. O longa foi um sucesso de críticas e arrecadou U$$34 milhões nas bilheterias mundiais. Devido ao desaparecimento de Madeleine McCann à época, teve seu lançamento adiado no Reino Unido. Confira a análise e resenha completa do Minha Pipoca sobre esta exímia obra.

O primeiro ponto positivo a se destacar é a direção de Ben Affleck. Dono de uma carreira de ator vista por muitos de maneira controversa, ele se mostrou maduro e confortável no papel de diretor. Não parece um trabalho de primeira viagem, crédito de Affleck, que demonstrou grande sensibilidade ao retratar as emoções humanas que se exacerbam durante a obra. Medo da Verdade tem um clima pesado, denso, por vezes até agonizante, mas que prende o espectador do começo ao fim. O que me marcou na película foi o fidedigno retrato da realidade: Ben Affleck capta os verdadeiros sentimentos que uma pessoa experimenta durante uma série de diferentes acontecimentos traumáticos e conflituosos, e o marco que tais conflitos deixam nos seres humanos.

A trama é recheada de reviravoltas que vão se desenvolvendo em um ritmo adequado e lógico nas quase duas horas de filme. Conta a história de Patrick Kenzie (Casey Affleck) e sua namorada e parceira Angie Gennaro (Michelle Monaghan), dois detetives particulares que costumam lidar com casos menores de pessoas desaparecidas. O plot principal centra-se no desaparecimento da menina Amanda McCready, iniciando com um apelo de sua mãe na televisão, Helene McCready, pedindo para que encontrem sua filha e sua boneca “Mirabelle”. O nome da boneca é um toque sutil que, no desfecho do longa, terá grande importância e peso emocional. A brilhante atuação de Amy Ryan na pele da mãe de Amanda trouxe à atriz o clamor da crítica, rendendo-lhe inclusive indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante.

A tia de Amanda, Beatrice, obstinada em encontrar a sobrinha, vai atrás de Patrick e Angie para que trabalhem como investigadores particulares no caso. Inicialmente, Angie mostra-se relutante em aceitar, uma vez que os dois nunca haviam lidado com algo de tal proporção, mas acaba cedendo por empatia à família. A atuação de Casey Affleck no papel de Patrick é convincente e precisa, mostrando um personagem sem pudor e sem papas na língua, disposto a tudo para encontrar a menina Amanda. Logo entra em cena o Capitão Jack Doyle, vivido por ninguém menos que Morgan Freeman, responsável da polícia pelo desaparecimento. Por sua indicação, Patrick e Angie começam a auxiliar os trabalhos dos detetives de polícia Remy Bressant (Ed Harris) e Nick Poole (John Ashton); Harris e seu personagem constituem outra ótima atuação e interpretação na película.

Os diálogos do filme e a maneira como os irmãos Affleck vão construindo o enredo e erguendo o clímax merecem elogio. Em detrimento da imagem de mocinho benfeitor que busca heroicamente a solução de um crime, o protagonista, Patrick, demonstra conflitos naturais de qualquer pessoa em sua situação. Colocando em risco sua própria vida e de sua namorada, consegue descobrir que Skinny Ray, namorado da mãe de Amanda, foi morto em sua casa, quando finalmente Helene admite que eles roubaram dinheiro de um líder das drogas local, Cheese. Patrick e Angie, com a ajuda dos policiais Remy e Nick, aceitam participar de uma troca com o traficante, arranjada através da transcrição de uma ligação de Cheese para a polícia apresentada pelo Capitão Doyle: eles entregariam o dinheiro e receberiam de volta a garota. Contudo, a troca não dá certo e acredita-se que Amanda tenha se afogado, apesar de seu corpo não ter sido encontrado. Patrick não consegue parar de reviver aqueles momentos e tentar entender os detalhes do acontecido que pareciam não se encaixar. Já o Capitão Doyle acaba responsabilizado pela morte da garota e se aposenta antecipadamente.

Dois meses se passam e outro garoto desaparece, sequestrado por um molestador que Patrick anteriormente suspeitara ter levado Amanda. Um amigo de Patrick que ficara responsável por encontrar o homem e seus dois comparsas acaba enfim recebendo informação de onde eles moram, obstinado a enfrentá-los. Patrick, com o sentimento de injustiça do caso de Amanda ainda aflorado, decide participar da emboscada e encontra provas de que o molestador de fato sequestrou o garoto. Com a ajuda dos policiais Remy e Nick, retorna à casa e encontra o corpo do garoto, já assassinado. Em uma decisão quase imediata e sem muito pestanejar, Patrick atira na cabeça do molestador, matando-o. Durante a invasão, o detetive Nick é baleado, e posteriormente acaba falecendo.

Depois da morte de Nick, Patrick e o detetive Remy se encontram fora do hospital e partilham uma garrafa de rum. Remy, embebido e na tentativa de consolar Patrick, que não consegue parar de se questionar sobre o assassinato que cometera e se fizera a escolha certa, confessa já ter plantado provas há vários anos atrás com a ajuda de Skinny Ray. É aqui que Patrick começa a descobrir que, de fato, algo não se encaixava na história de Amanda, visto que Remy, inicialmente, havia dito nunca ter conhecido Ray. Após o funeral de Nick, o protagonista se encontra com outro policial que lhe dá mais evidências de que Remy havia feito algo por baixo dos panos, e as coisas realmente começam a ficar interessantes.

Patrick combina com Lionel McCready (e seu incrível bigode), tio de Amanda, um encontro em um bar, e podemos ver Remy alertando Lionel a não comparecer. Este diz que consegue lidar com Patrick e vai assim mesmo, acabando por fim admitindo que ele e Remy haviam forjado o sequestro de Amanda para ficarem com o dinheiro e salvar a garota de sua mãe destrutiva. Nesse momento, entra no bar um sujeito mascarado declarando assalto com arma em punho. Logo percebe-se que é Remy, querendo matar Lionel e silenciar seu testemunho. Patrick, entendendo a situação, começa a gritar para todos do bar que o detetive Remy Bressant estava envolvido no sequestro de Amanda McCready; quando Remy começa a baixar a arma, o dono do bar atira nele duas vezes. Ainda assim, Remy consegue fugir, sendo encontrado por Patrick no topo de um prédio. Ali, o detetive Bressant também encontra a morte.

É então que descobrimos que Patrick estava narrando toda essa história para a polícia e tentando expor o que julgava serem os verdadeiros fatos por trás do desaparecimento de Amanda. Descobre, através da polícia, que nunca existira a transcrição da ligação para marcar a troca da garota com o traficante, apresentada pelo Capitão Doyle. Finalmente, Patrick consegue conectar todos os pontos e entender a versão real da história: Doyle, Nick, Remy e Lionel estiveram todos envolvidos com a intenção de retirar Amanda de sua mãe drogada e lhe dar um lar juntamente ao Capitão, que havia ele mesmo perdido uma filha ainda criança por um assassinato. No processo, ainda planejaram ficar com o dinheiro, tendo tudo corrido dentro dos planos, a não ser pelo envolvimento de Patrick e Angie.

Patrick vai até a casa do aposentado Capitão Doyle junto com Angie e encontra Amanda vivendo com o ex-policial e sua esposa, todos como uma família feliz. Doyle tenta convencer Patrick de que a garota está muito melhor ali do que com a mãe, e que este é o caminho certo a ser seguido. Mesmo assim, o detetive particular não se convence, e discute com sua namorada. Angie diz que, se ele chamar a polícia e devolver Amanda para sua família, o namoro deles estaria acabado. O senso de justiça do protagonista, ainda assim, não é abalado, e ele chama os policiais, que levam Doyle preso e devolvem Amanda à mãe, Helene.

Depois de enfim solucionar o caso, Patrick está sozinho. Angie cumpriu sua promessa e terminou o namoro, dizendo que não podia mais conviver com ele. Como o título brasileiro sugere, o medo da verdade se concretiza, e uma vez mais Patrick se vê questionando suas decisões. Ele vai até a cada de Helene para visitar Amanda, e descobre que a mãe vai a um encontro e ainda não arranjou ninguém para cuidar da filha. Aqui vemos Helene mais uma vez negligenciando Amanda, falando palavrões na frente da criança sem pudor e prestes a deixá-la sozinha. Apesar de ter dito e chorado que só queria sua filha de volta e seria uma mãe melhor, não parece ter mudado.

Patrick se oferece para tomar conta de Amanda enquanto sua mãe vai ao encontro. Ele senta ao lado da garota, que está vendo televisão com sua boneca preferida, aquela que havia sido encontrada dentro do rio e depois devolvida à mãe. Patrick pergunta para Amanda sobre Mirabelle, e ela o corrige – na verdade, o nome da boneca é “Annabelle’. Essa é a grande cereja no topo do bolo, o grand finale da empreitada dos irmãos Affleck. Podemos ver no rosto de Patrick o medo e o terror que o assolaram durante todo o filme voltarem como um tsunami, a cena se fixando nele em silêncio ao lado da garota por alguns segundos, como que para transparecer o choque e o dilema que se enfrenta no mundo real quando precisa-se fazer a escolha “certa”. Durante as mais variadas situações e diante de fatos controversos e perturbadores, ele esteve sempre questionando suas decisões. Ao final, achou ter ido pelo caminho que lhe possibilitaria viver com suas próprias escolhas. Isso tudo, apenas para descobrir que esse tempo todo a mãe de Amanda sequer sabia o nome certo da boneca favorita da filha.

Nota do Minha Pipoca: 10/10.