Pular para o conteúdo principal

Um Condenado à Morte Escapou (Robert Bresson, 1956)

GUILHERME W. MACHADO

O cinema de Bresson é um cinema de gestos, de movimentos e ações. O diretor francês é amplamente conhecido pela sua frieza, pela forma como trabalha os atores para que esses não atuem, não demonstrem qualquer dramaticidade, e pela forma como conta suas histórias sem nenhuma dose de melodrama ou momentos superconstruídos (no sentido de uma elaboração cênica artificial ou puramente estética) de qualquer coisa, seja suspense, comédia, drama, etc. Em compensação, poucos diretores na história foram tão magistrais e singelos na captura de gestos – seu filme posterior a esse, Batedor de Carteiras [1959], é uma verdadeira aula nisso.


Poucas vezes o estilo de Bresson  se é que houve alguma, é discutível – coube tão bem ao seu material. Esse distanciamento, essa secura na observação rende muito à Um Condenado à Morte Escapou; não é uma história a qual cabem muitos floreios, ela se passa numa época sombria da humanidade, num ambiente hostil, e exige do seu personagem o mais alto grau de paciência, frieza e calculismo, certamente não exige emoção. A objetividade de Bresson nos mostra apenas aquilo que precisamos ver, não há distrações e justamente por isso o filme é considerado bastante lento. O engano, porém, é não perceber que ele foi feito para ser lento, apenas assim compreendemos a tortuosa passagem do tempo para o protagonista e apreciamos sua paciência, pois também somos submetidos a ela, e engenhosidade.


Dos diversos clássicos de fuga à prisão existentes, esse é aquele que verdadeira e essencialmente é sobre a fuga. Não é sobre o sofrimento e a desumanidade da prisão, sobre os conflitos internos e existenciais do preso (ainda que não seja incomum analisarem o filme sob esse prisma), sobre isolamento, sobre companheirismo, apesar de ter um pouco de tudo isso no segundo plano. Exceto por uma breve – e brilhantemente dirigida, devo acrescentar – cena inicial num carro, o filme se passa inteiramente no presídio e acompanha meticulosamente, ação por ação, pensamento por pensamento, todo planejamento e lenta execução do plano de fuga de Fontanine (que na verdade é um pseudônimo para o ativista real Andre Devigni).

Por mais que o foco do filme seja integralmente direcionado para o fazer, deve ser avisado ao espectador menos paciente que pouca coisa realmente acontece (estamos falando de um homem numa cela 2x3) e que, embora com apenas cerca de 1:30h de duração, o filme passa a sensação de ser consideravelmente mais longo. Mas essa calma de Bresson, ao contrário de ser maçante, chega a ser fascinante, uma vez que Um Condenado à Morte Escapou é mesmo um filme sobre a paciência, sobre a obstinação de um homem, que acaba refletindo metaforicamente na paciência e obstinação de Bresson, na época desacreditado e fazendo seu cinema contra tudo e contra todos que criticavam seus métodos.

Por último, mas não menos importante, destaco, novamente com imensa admiração, o alto teor realista imposto pelo diretor e o quanto ele conseguiu extrair deste. O filme mal conta com trilha sonora – embora sejam sensacionais as parcas inserções de Mozart –, sendo todo trabalho climático feito mesmo pelo som, que é de um detalhamento monumental, acompanhando cuidadosamente cada gesto e cada momento. Tudo, na forma de filmar, de utilizar o som, até mesmo na [ausência de] direção de elenco, nesse filme foi executado objetivando um alto grau de realismo cinematográfico. Impressiona como, sem o uso do menor dos maneirismos ou dos mais singelos tiques próprios do cinema, Bresson conseguiu incutir momentos, mesmo que breves, de verdadeiro suspense, além de outros profundamente humanos. Coisa de gênio, só pode.


NOTA (5/5)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Explicação do Final de Birdman

 (Contém Spoilers)                                            TEXTO DE: Matheus R. B. Hentschke    Se inúmeras vezes eu julguei Birdman como pretensioso, terei de ser justo e dizer o mesmo de mim, uma vez que tentar explicar o final de uma obra aberta se encaixa perfeitamente em tal categoria. Entretanto, tentarei faze-lo apenas a título de opinião e com a finalidade de gerar discussões acerca do mesmo e não definir com exatidão o que Iñarritu pretendia com seu final. 

Kill Bill (Quentin Tarantino, 2003/2004)

GUILHERME W. MACHADO A esta altura não é difícil dizer – para a decepção da forte base de fãs de Pulp Fiction – que Kill Bill é o filme que melhor ilustra a carreira de Quentin Tarantino. Difícil mesmo é dizer que Kill Bill é o filme mais representativo de toda década de cinema na qual está inserido: a primeira do século XXI. Mais difícil ainda é dizer isso e ainda tentar explicar os motivos que levam a essa absurda declaração num simples texto (quando tal posto deveria idealmente ser justificado através de um artigo de páginas e páginas), mas é o que tentarei aqui, então já peço desculpas antecipadas pela duração do texto, que paradoxalmente é muito grande para uma postagem na internet e muito curto para o que tenta abordar. Antes de mais nada: ação é cinema. Os esnobes do “cinema arte” que me perdoem – ou também que não perdoem, de nada adianta chorar apenas por ídolos mortos –, mas a verdade é que não há gênero mais essencialmente cinematográfico do que a ação. Não é uma q

10 Giallos Preferidos (Especial Halloween)

GUILHERME W. MACHADO Então, pra manter a tradição do blog de lançar uma lista temática de terror a cada novo Halloween ( confira aqui a do ano passado ), fico em 2017 com o top de um dos meus subgêneros favoritos: o Giallo. Pra quem não tá familiarizado com o nome  –  e certamente muito do grande público consumidor de terror ainda é alheio à existência dessas pérolas  –  explico rapidamente no parágrafo abaixo, mas sem aprofundar muito, pois não é o propósito aqui fazer um artigo sobre o estilo. Seja para já apreciadores ou para os que nunca sequer ouviram falar, deixo o Giallo como minha recomendação para esse Halloween, frisando  –  para os que torcem o nariz  –  que essa escola de italianos serviu como referência e inspiração para muitos dos que viriam a ser os maiores diretores do terror americano, como John Carpenter, Wes Craven, Tobe Hooper, e até diretores fora do gênero, como Brian De Palma e Quentin Tarantino.