Pular para o conteúdo principal

Fragmentado (M. Night Shyamalan, 2016)

GUILHERME W. MACHADO


Bizarro que a volta de Shyamalan ao sucesso (Fragmentado custou apenas 9 milhões e já passou dos 250 nas bilheterias) seja com um filme que: 1) é mais uma extensão – provavelmente a mais radical – de seu tema preferido, o trauma; 2) subverte tanto daquilo que se espera na sua condução dentro do gênero de suspense. Sei que ainda vou me arrepender de escrever sobre esse antes de uma revisão, pois foi realmente uma experiência bem diferente do que eu esperava antes de ir para o cinema, mas no momento é inevitável.

Aliás, esse não é o suspense do M. Night Shyamalan que a maioria dos espectadores, sejam fanboys ou haters, esperaria ver. As marcas de seu cinema são bem conhecidas, a ponto de frequentemente servirem como motivo de piada para seus detratores (principalmente a questão das reviravoltas), mas em Fragmentado o cineasta busca mais uma espécie de reavaliação do próprio estilo. Se antes já agradava apenas um grupo específico de admiradores – dentro dos quais me coloco – que tiram proveito até de seus trabalhos mais rechaçados, creio que seu novo esforço causará um grau ainda maior de insatisfação entre o latente grupo de fans-turn-haters, que não cansam de repetir “Sexto Sentido, Sexto Sentido, Sexto Sentido”.
O que mudou, então? Bastante, mesmo que o tema central seja o trauma (elemento que atinge personagens importantes em absolutamente todos seus filmes), a abordagem de Shyamalan sobre ele é bem diferente. Não há aqui nenhuma redenção dos personagens traumatizados com seus passados, como é o caso, por exemplo, em Sinais (2002). Pelo contrário, em Fragmentado o diretor se recusa, inclusive, a oferecer uma resolução ao arco dos protagonistas. Dessa vez o trauma continua, e sempre continuará enquanto não houver uma sociedade que acredite nas vítimas, por mais improváveis que pareçam suas histórias.

Escolha curiosa, esse final, pois o filme em si é bastante expositivo – outra mudança no estilo do diretor, que costuma guardar seus segredos à sete chaves –, Shyamalan aqui não segura nada que pudesse atrapalhar o decorrer da trama, tudo que precisamos para acompanhar é revelado prontamente nos diálogos ou nos flashbacks. Por outro lado, tudo que não é essencial fica para a nossa imaginação. Muita informação sobre o personagem (os personagens, no caso) de James McAvoy fica, no máximo, subentendida. A natureza do trauma que causou sua condição, por exemplo, é incerta. Temos pedaços de informação que são suficientes para compreender o quadro geral. O mesmo se aplica a Casey (Anya Taylor-Joy, mesma atriz de A Bruxa do ano passado), sabemos a origem de seus problemas psicológicos, mas nunca a extensão completa da história.

Outro revisionismo que Fragmentado propõe dentro da carreira de Shyamalan – e certamente tem vários outros – é em relação ao filme A Vila (2004). Sem entrar em muitos detalhes (na tentativa de manter o texto sem spoilers), quem viu os dois filmes pode constatar que o processo de expectativa vs resultado é invertido. Ambos filmes passam por uma transição entre suspense [psico]lógico e sobrenatural, mas em sentidos diametralmente opostos. Se o filme de 2004 foi criticado por alguns de prometer uma coisa e entregar outra, esse de 2016 percorre precisamente o caminho reverso do anterior.
Não costumo me escudar nisso, mas esse é um filme que realmente preciso de uma revisão. De qualquer forma, a primeira impressão foi bastante positiva, tendo minha estima pelo filme crescido nas horas subsequentes à sessão. Shyamalan pode ter todos defeitos que quiserem apontar – até concordo com alguns – mas sua competência como artesão é incomum no cinema de gênero atual, atrás apenas de um Kiyoshi Kurosawa. Fora que é sempre gratificante perceber o quanto uma obra ressona dentro da filmografia de um autor (afinal, a arte não é algo isolado e nada é concebido numa bolha) tão preocupado com o conjunto geral, seja na direção, que lida excepcionalmente bem com o espaço, ou no texto, muito conciso e consciente do que quer passar.

NOTA (4/5)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Explicação do Final de Birdman

 (Contém Spoilers)                                            TEXTO DE: Matheus R. B. Hentschke    Se inúmeras vezes eu julguei Birdman como pretensioso, terei de ser justo e dizer o mesmo de mim, uma vez que tentar explicar o final de uma obra aberta se encaixa perfeitamente em tal categoria. Entretanto, tentarei faze-lo apenas a título de opinião e com a finalidade de gerar discussões acerca do mesmo e não definir com exatidão o que Iñarritu pretendia com seu final. 

10 Giallos Preferidos (Especial Halloween)

GUILHERME W. MACHADO Então, pra manter a tradição do blog de lançar uma lista temática de terror a cada novo Halloween ( confira aqui a do ano passado ), fico em 2017 com o top de um dos meus subgêneros favoritos: o Giallo. Pra quem não tá familiarizado com o nome  –  e certamente muito do grande público consumidor de terror ainda é alheio à existência dessas pérolas  –  explico rapidamente no parágrafo abaixo, mas sem aprofundar muito, pois não é o propósito aqui fazer um artigo sobre o estilo. Seja para já apreciadores ou para os que nunca sequer ouviram falar, deixo o Giallo como minha recomendação para esse Halloween, frisando  –  para os que torcem o nariz  –  que essa escola de italianos serviu como referência e inspiração para muitos dos que viriam a ser os maiores diretores do terror americano, como John Carpenter, Wes Craven, Tobe Hooper, e até diretores fora do gênero, como Brian De Palma e Quentin Tarantino.

Kill Bill (Quentin Tarantino, 2003/2004)

GUILHERME W. MACHADO A esta altura não é difícil dizer – para a decepção da forte base de fãs de Pulp Fiction – que Kill Bill é o filme que melhor ilustra a carreira de Quentin Tarantino. Difícil mesmo é dizer que Kill Bill é o filme mais representativo de toda década de cinema na qual está inserido: a primeira do século XXI. Mais difícil ainda é dizer isso e ainda tentar explicar os motivos que levam a essa absurda declaração num simples texto (quando tal posto deveria idealmente ser justificado através de um artigo de páginas e páginas), mas é o que tentarei aqui, então já peço desculpas antecipadas pela duração do texto, que paradoxalmente é muito grande para uma postagem na internet e muito curto para o que tenta abordar. Antes de mais nada: ação é cinema. Os esnobes do “cinema arte” que me perdoem – ou também que não perdoem, de nada adianta chorar apenas por ídolos mortos –, mas a verdade é que não há gênero mais essencialmente cinematográfico do que a ação. Não é uma q