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O Som ao Redor (Kleber Mendonça Filho, 2012)

GUILHERME W. MACHADO

Como o filme de grande cidade que é, O Som ao Redor acaba por abordar uma multiplicidade de temas através de seu mosaico de personagens. Longe de difuso, entretanto, Kleber Mendonça filho consegue manter sua unidade temática da mesma forma que vem fazendo em sua jovem carreira: explorando à exaustão um punhado específico de assuntos que se repetem sistematicamente na estrutura de suas obras. Como muitos grandes cineastas – e digo isso sem emancipá-lo a essa posição tendo apenas dois longas metragens no currículo – Kleber é obcecado.

A questão urbana, de como a cidade manifesta-se através do som; a noção de herança e o seu impacto através das gerações; e os óbvios desníveis sociais no Brasil são alguns dos tópicos mais recorrentes não apenas em O Som ao Redor, como também em Aquarius (2016) e alguns de seus curtas, como Recife Frio (2009). Me chama particular atenção, entretanto, em O Som ao Redor, é como o filme acaba por evidenciar de forma tão generalizada a indiferença humana na cidade. Sinceramente não sei até que ponto esse era ou não o objetivo de Kleber 
– de seu posicionamento político e social todos sabem, mas nesse caso a questão manifesta-se de uma forma um pouco diferente – e francamente pouco importa, o essencial na arte muitas vezes é o resultado, seja ele antecipado ou não.
Essa indiferença é tão intensa e manifesta que, dentre todos elementos no filme, é o que me causa mais impacto. Pode ser a indiferença para com a bola do menino, que horas é chutada para dentro do condomínio apenas para ser devolvida horas depois (e ainda futuramente acabar furada pelo carro da vizinha, que sequer toma conhecimento do acontecido). Pode ser a indiferença para com o drama do porteiro, que após anos de bom serviço será dispensado com uma mão na frente e outra atrás; indiferença essa que, aliás, parte do próprio personagem que manifesta preocupação com a questão, o protagonista João, que preocupa-se com o destino do porteiro apenas enquanto não aparece coisa melhor para fazer naquela noite, para depois prontamente abandonar a questão.

O interessante é que essa indiferença não parte apenas de cima para baixo na hierarquia social, como frequentemente sugere o próprio diretor – e é aqui que digo que não sei até que ponto foi intencional de sua parte. Certo, há uma franca indiferença dos patrões para com os empregados (e esse caso nem precisa de exemplos, pois, como obsessão conhecida de Kleber que é, é algo recorrente em todo filme), mas também há dos empregados para com os patrões, quando aqueles aproveitam-se da ausência destes para fazer uso pessoal das casas. Somam-se a essas as indiferenças dos carros anônimos que se chocam no início (numa cena em princípio aleatória), ou da tal de Lu, que aparentemente ignora os recados românticos pintados para ela em sua rua.
Enfim, fecho o texto retomando a questão da herança, que é tema chave em O Som ao Redor, sendo abordada já de cara quando o filme é aberto com as fotografias antigas que retratam a época da escravidão, da exploração do trabalho, nas estâncias nordestinas. Ou mesmo na icônica imagem de João sendo banhado por uma cachoeira de sangue (herança simbólica de como foi construído o império financeiro de sua família). Vale ressaltar ainda que, diferentemente de muitos filmes brasileiros que interpretam mal as palavras de Glauber Rocha e assumem que apenas importa ter uma ideia, O Som ao Redor é uma obra consciente de que bom cinema é também boa técnica (fotografia, trabalho sonoro e montagem são grandes destaques na obra) e bom domínio da linguagem.


NOTA (4.5/5)



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