O que aconteceu até agora na nona temporada de RuPaul’s Drag Race

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Já vi oito episódios da nona temporada de RuPaul’s Drag Race e ainda não tenho uma drag preferida. Acho que a Trinity vai ganhar. Eureka saiu num acidente infeliz. Valentina não tem cacife. Alexis Michelle pensa que é melhor do que é de verdade. Sasha Velour precisa dar uma boa arrancada se quiser brilhar desse ponto em diante. O mesmo vale para Peppermint, embora ela tenha feito a melhor coreografia de lipsync da história do programa. Shea Couleé parece uma ótima concorrente, mas só mostrou lapsos  de brilho e não um brilho intenso.

Vimos pouco de todas, mas não acho que o nível das competidoras esteja ruim, tenho uma outra hipótese: a temporada se concentrou, até agora, em quem nunca esteve nem um pouquinho perto de ganhar nada de jeito nenhum. No talento, Jaymes, Kimora Black, Charlie Hides, Cynthia Lee Fountaine, Aja e Farrah Moan, somadas, não dão meia Courtney Act. Só que elas são personagens excelentes e eu tenho certeza de que lá na produção de Drag Race ninguém pôde resistir a contar essas histórias.

A primeira a sair foi a esquisitíssima Jaymes Mansfield. Quem acampanha o reality há muito tempo sabe que os patinhos feios despertam a curiosidade e que o patinho não é feio porque é feio,  mas porque não se encaixa. Na primeira temporada havia Tammie Brown, uma drag que parece ter como missão de vida deixar o público desconfortável. Mas era de propósito que ela fazia assim. Ficou claro que o estilo de Tammie Brown não era bem o do tipo de participante que Drag Race coroava. As temporadas seguintes também tiveram gente excêntrica, até que Sharon Needles conseguiu esculpir a esquisitice e levar o troféu para casa na quarta edição do programa.

Só que o problema de Jaymes Mansfield era outro. Nada do que ela fez deu certo. No Untucked, ela parecia deslocada e desconfortável. Seu ponto de partida era a comédia, mas a parte engraçada não apareceu. Ela estava nervosa, não demonstrava traquejo nem versatilidade. As outras competidoras perceberam e demorou minutos para que, tanto elas como a edição do programa, começassem a tratar Mansfield como café-com-leite. A história dela, como ali não poderia deixar de ser, foi a de alguém que encontrou uma barreira intransponível bem na hora em que precisava se livrar de todos os limites. Essa história é necessariamente verdadeira ou faz justiça à vida  da participante? Não importa. O que importa é que, no universo que se revela em Drag Race, Jaymes Mansfield foi a primeira a sair e virou um símbolo para todas as que já perderam feio.

Kimora Black não é muito interessante. Acho que toda temporada tem aquela drag que só quer ser bonita, e com essas eu implico. No caso de Kimora, era até engraçado ver a diferença entre o que ela pensava de si (em estilo, carisma, essas coisas) e a realidade do que conseguiu demonstrar.  Ela nem teve muito tempo de tela. Charlie Hides, a terceira a sair, não acrescentou muito no que diz respeito ao propósito da competição, mas o arco dela também teve um aceno ao que talvez seja o tema principal de Drag Race desde o começo, a autoestima. Com mais de 50 anos, nem ela nem a edição deixaram de destacar as diferenças que a idade traz.

Para mim, a saída de Charlie foi a mais marcante. Ela foi a que se negou a dublar [lipsyncar?haha] pela própria vida. Quer dizer: Charlie ficou respeitosamente no palco, sem dar um passo para a frente ou para trás e dublou sem nem fingir entusiasmo. No ideário das participantes do programa, que é aquele conjunto feito das ideias que são marteladas por todas elas desde a primeira temporada, o que Charlie fez foi um verdadeiro crime. Todas falam em deixar a vida no palco, dizem que aquela é a oportunidade de uma vida, que se fosse para fazer pela metade seria melhor ficar em casa. Eu acho que essa tem que ser a postura de quem quer competir, é claro, mas também entendo o que Charlie Hides fez. Sempre tem uma certa classe em quem se nega a fazer o que todo mundo faz, principalmente quando isso é garantia de suicídio social. De certa forma, a desistência de Charlie quebra um pouco a história que o programa quer contar e vira um contraponto ao que aconteceu com Jaymes Mansfield na primeira eliminação. Jaymes saiu chorando porque estar fora de Drag Race era uma espécie de morte, enquanto Charlie, do alto de sua experiência, foi embora como quem afirma que vai continuar fazendo o que já fazia antes do reality show. E isso é muito legal porque, sem negar a importância de RPDR, assim como The Voice não é dono da música, Drag Race também não deve ser dono da arte drag. “Eu sei cantar”, Charlie disse, “dublar é uma coisa que eu não faço”.  Ué, mas ela sabia que teria que dublar! Sim, e quando a hora chegou, ela virou as costas e saiu andando. Esse é um orgulho que eu compreendo.

O que eu não entendo é o apelo do drag de Cynthia Lee Fountaine. É verdade que ela parece uma das pessoas mais queridas do planeta, mas pouca gente fez coisas tão sem sentido. Na oitava temporada Cynthia foi eliminada com um shortinho bem abaixo da competição. Teve uma segunda chance e mostrou que não tinha o que mostrar. Pôde fazer a Kim Kardashian, e o resultado foi… triste. Mas vocês a viram no Untucked ou naqueles momentos de descontração (meio ensaiados, mas tudo bem) enquanto as meninas se pintam? Ela não só tem histórias boas para contar, como ainda por cima oferece aquele tipo de companheirismo que é um dos pilares do discurso de Drag Race. Essa participação grande que Cynthia Lee Fountaine teve, mesmo quando não tinha a menor chance de vencer, mostra que o programa parece mais preocupado com personagens do que com competidoras. Por não ser boa no jogo e não ter uma história destacada, alguém como Farrah Moan passa sem deixar rastros.

You look like Linda Evangelista

Para mim, o que esta nona edição teve de melhor, até agora, foi o potencial mêmico de mais uma competidora que não teve a menor chance: Aja. Eu acho que Aja é do nível de Shangela, quando Shangela era recém chegada. Aja não sabe se maquiar, nem se vestir, nem atuar, nem cantar e, pelo que demonstrou no Untucked, não era lá um poço de bondade. Seu melhor momento foi  quando descarregou sua frustração em Valentina, no que até agora é o meme mais engraçado de 2017.

A raiva de Aja foi uma das coisas mais gostosas que eu já vi na vida. É um momento que só RPDR é capaz de produzir. Eu tenho certeza de que aquele diálogo não foi previamente escrito porque ator nenhum poderia fingir toda aquela variedade de sentimentos. Tem inveja? Aham. Tem indignação por injustiça? Sim. Tem tensão sexual? Também tem. Ainda por cima, Aja declama  tudo com uma sinceridade que eu só tinha visto em crianças, especificamente aquelas sem filtro algum e insensíveis ao subtexto que pode aparecer em qualquer frase que uma pessoa fala. Só alguém completamente despreparado para ter um surto assim, para demonstrar tudo o que sente enquanto diz só uma parte do que queria dizer.

Por tudo isso, a nona temporada fica na média. Não vai ser a melhor. Não tem gente brilhante e carismática como Bianca Del Rio, Raja ou Jinx Monsoon, mas também não é um mar de drags pouco interessantes como foi a sétima edição (e eu digo isso em retrospecto, porque na época eu me lembro de ter gostado até de Violet Chachki). O programa vai continuar tendo seu apelo por causa de suas histórias universais e porque, entre outras coisas, RuPaul Charles é a elegância em pessoa.

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