Review – “O Matador” a aposta brasileira da Netflix

Retratar o sertão nordestino não é nenhuma novidade para o cenário artístico nacional, nomes consagrados como Guimarães Rosa e Glauber Rocha já exploraram a versatilidade da região em obras reconhecidas em circuitos nacionais e internacionais, como o romance “Grande Sertão: Veredas” e no filme de 1964 “Deus e o Diabo na Terra do Sol”.  A vida árdua do sertanejo continua atraindo a atenção de artistas e do público até hoje e o como prova disso foi lançado recentemente o primeiro longa metragem produzido pela Netflix, “O Matador” sob a direção de Marcelo Galvão.

A produção conta, por meio de um narrador, a história de Cabeleira, que deixado a própria sorte no cruel Sertão nordestino ainda bebê acabou por ser resgatado e criado por um matador profissional da região conhecido como Sete Orelhas, O Matador dos Matadores. Essa relação entre a criança e o homem se dá de modo inábil, carecendo do que uma criança precisaria durante seu desenvolvimento, como demonstração de afeto, porém é o único laço daquele que viria a receber a alcunha de Matados dos Matadores, como o seu pai postiço. Quando Sete Orelhas desaparece o menino se vê sozinho em meio ao sertão e acaba por empreender uma jornada de busca que desemboca no início da sua própria carreira como matador.

Além desse fio condutor o longa possui outras subtramas que acabam por quebrar momentaneamente o ritmo da história e para um espectador menos atento talvez chegue a ficar até mesmo confuso, mas o roteiro é o maior trunfo da obra, pois termina de forma redonda e coerente, não deixa nenhuma ponta solta e o conflito principal do personagem tem uma resolução satisfatória. A forma de contar a história por meio de um narrador personagem para interlocutores personagens remete a cultura falada e as histórias passadas de geração em geração pela região e foi um acerto do diretor, permitindo a inserção de personagens e acontecimentos relevantes para os acontecimentos principais de forma orgânica.

Diversos personagens excêntricos são apresentados durante a 1h40 min. do filme e compõem o cenário como o francês Monsieur Blanchard e sua família com trajes, personalidades e até mesmo idioma que não se mesclam aos locais, o destemperado e hipocondríaco oficial da lei Quatro Olhos, também conhecemos “Tenente”, vítima de do coronelismo da época em busca de vingança, dentre outros com menos tempo de tela. Existe ainda por trás um caráter místico que parece reger esses personagens associado ao poder do dinheiro, aqui representado pela raríssima Turmalina Paraíba, que segundo o narrador amaldiçoa a vida dos homens.

O Matador

O filme causa um certo estranhamento desde o início apresentando créditos duplos e com nomes demais que posteriormente não são aproveitados na história, como é o caso de Mel Lisboa, que aparece por alguns segundos. A maioria das tomadas externas são boas e bem executadas, porém as cenas em ambientes internos parecem mal enquadradas e pouco naturais, deixando a desejar quanto à imersão total naquele contexto regional, a diferença nas atuações também causa algum estranhamento e prejudica o resultado final. A fotografia é bonita e captura toda a aridez e dureza do sertão e junto a trilha sonora são contribuições bem positivas para o registro.

O filme tem erros e acertos e serve como um bom entretenimento, mas não funciona como uma obra grandiosa sobre os conflitos sociais dos sertanejos, acaba por ficar muito aquém dos seus predecessores e portanto será facilmente esquecido. Mas o esforço é válido e espero que a Netflix continue produzindo filmes brasileiros até acertar o tom, o próximo poderia conter uma narrativa mais enxuta, sem essa característica de seriados de inserir personagens demais e contar histórias demais num espaço de tempo reduzido para melhor explorar os recursos disponíveis.

Elenco

Diogo Morgado como Cabeleira
Nill Marcondes
Deto Montenegro como Sete Orelhas
Maria de Medeiros
Etienne Chicot como Monsieur Blanchard
Mel Lisboa
Daniela Galli
Igor Cotrim
Thaís Cabral
Will Roberts como o caçador de recompensas americano Gringo

 

Autoria de Henrique Santos

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