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Jornalista e crítico de cinema

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Últimas opiniões enviadas

  • Eric Campi

    Annette pode ser considerado um filme de monstro de Leos Carax. Os monstros de Annette, porém, não são representações mitológicas como era o caso do Mr. Merde, que apareceu pela primeira vez no curta que Carax fez para a antologia Tokyo!, ainda que tomem emprestado uma visualidade que remete à figuras clássicas do cinema de gênero.

    Dessa vez, a monstruosidade que aparece na caracterização dos personagens de Adam Driver e Marion Cotillard, em gestos, reflete uma condição de existência a qual estão amaldiçoados a viver. É como uma reação psicossomática do sofrimento interior, de uma realidade inescapável.

    Maneirista que é, Carax usa dessa imagética não como referência, mas como uma nova forma de retratar essa maldade que transborda para o físico, o único jeito de mostrar um sentimento tão intrínseco que só pode se expressar como performance, como atuação. Henry McHenry, o abusivo, estende os braços e persegue sua vítima com as mãos, igual ao Nosferatu, o vampiro. Anne Desfranoux é o espírito vingativo, fugidia, que corrompe a inocência de quem possui.

    Essa ideia está lá desde o primeiro segundo do filme, que abre com os Sparks gravando a trilha sonora e se misturando com a própria diegese, ao lado do diretor e dos atores que assumem os papéis. Não há barreiras entre o real e o imaginário, o ator e o personagem, a vida e a ficção. O carma do artista é estar sempre performando. É essa ópera maníaca que vai se desenrolar.

    Não há, em Annette, o amor pueril que se traduz em uma corrida ao som de “Modern Love”, do Bowie. Nem o êxtase que explode em fogos de artifício e correnteza para os amantes da Pont-Neuf. Há apenas o sentimento opressivo de um amor egoísta entre Henry e Anne, uma relação fadada à destruição.

    As músicas dos Sparks, com as frases que se repetem em diferentes ritmos e entonações, são as súplicas obsessivas daqueles seres, mais uma tentativa de externalização. Carax filma os números musicais em planos longos, abertos, sem as coreografias de um Fred Astaire, mas tendo a fisicalidade bruta, principalmente de Adam Driver, como guia. São andanças a esmo que se tornam uma dança perturbada.

    Quando vemos o show de stand up de Henry, também é em plano geral, o palco em que ele revela os sentimentos e vontades mais profundas. O cenário da ópera de Anne se abre para o exterior, para a floresta de um conto de fadas sombrio. Formalmente, Carax usa desses espaços abertos porque, com os personagens presos dentro deles mesmos, estão livres para vagar e assombrar aquele mundo.

    É como assombração que os papéis de Anne na ópera aparecem para Henry, com a sobreposição dos planos. Não importa se o que incomoda Henry é a Anne verdadeira ou as figuras que ela representa, porque, sendo todas elas a mesma Anne, o monstro se aflora, o lobo mau vai perseguir a Chapeuzinho Vermelha.

    Sendo representante de um gênero, o musical, acostumado com a artificialidade, a estilização que o diretor propõe pode até parecer mais comum, por falta de palavra melhor, do que o habitual. Mas, nunca menos impactante. A cena que estampa o pôster, da tempestade no barco, é um bom exemplo da expressividade do estilo de Carax. A projeção ao fundo é um artifício que se coloca como tal, uma estética que gera sentimentos, sem significar uma autoconsciência sarcástica.

    É assim também com o grande artifício do filme, que vai carregar o que de mais significativo ele tem a oferecer. O fato de não ser um elemento estranho naquele mundo, que é o que é, traz a força do ato musical final, já que se confunde o que é performance e o que não é. Dessa forma, essa realidade de conto de fadas corrompido que Carax cria, dá ao filme o tom de uma inocência, infantil mesmo, que se perde, uma vez que as figuras animalescas, o macaco de Deus e a sereia demoníaca, degradam o espaço. Não há lugar para a inocência, para a infância. Não há lugar para o felizes para sempre, só para monstros e bonecas abandonadas.

    Sendo assim, com os limites entre a realidade e a ficção borrados, Carax traz para a fábula de terror operática a sua própria pessoalidade. Annette é dedicado à sua filha, que aparece na primeira e na última cena. Dá só pra imaginar o quanto os monstros de Leos Carax são, realmente, os monstros de Leos Carax, mas, o que fica claro com os créditos é que, com a trupe circense de artistas-personagens, o diretor encontrou seu jeito de tentar exorcizar esses demônios.

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  • Eric Campi

    Mais do que um pot-pourri de signos e influências do cinema de terror, o que James Wan tenta fazer em Maligno é um movimento de atualização do que é reconhecido no gênero, num sentido quase dialético. É pegar o estabelecido de tudo o que veio antes, colocar à luz dos meios materiais, técnicos, das linguagens mais contemporâneas e ver o que sai dessa mistura.

    Parece ser mais efetivo pensar nessa relação de atualização de cânones do que simplesmente apontar, por exemplo, o quanto que a criatura deve aos efeitos práticos de um John Carpenter ou como a aparição no começo do filme tem ares de um cinema de horror japonês. Nesse sentido, o CGI tem uma função muito importante de manter de pé a encenação que o diretor propõe, mesmo que às vezes ela pareça quase desmoronar.

    Os efeitos digitais servem como uma extensão da técnica do Wan, que sempre prefere usar grandes-angulares, distorcer o espaço, e eleva esse efeito criando uma realidade que se dissolve, que não tem barreiras. O plongée que segue a protagonista por toda a extensão da casa destrói os limites do ambiente, assim como o CGI dilui o cenário nas visões dos assassinatos.

    A estilização e o digital vêm para traduzir os elementos do que se tornou, por assim dizer, clássico, num sentido de embate entre esses imaginários. As conclusões da trama se dão através de gravações em VHS, a delegacia se torna gótica através de filtros e da correção de cores, enquanto o plano geral do instituto científico é completamente digital.

    Com esses efeitos, o diretor cria um espaço modulável, líquido. E, claro, com a influência do Giallo, o Wan usa dessa versatilidade para sugerir uma ameaça que pode estar em qualquer lugar, que fica fora do plano, da câmera que se desloca pelo espaço livremente. Dada a subjetividade do assassino que aparece no cinema do Dario Argento, por exemplo, fica a relação de renovação a partir da posição da personagem da Annabelle Wallis com o vínculo que ela tem com o assassino. É como se o subjetivo do espectador do Giallo fosse o subjetivo da protagonista de Maligno, o voyeurismo e o desejo de matar que sai de quem assiste às mortes e se projeta no assassino.

    O uso das lentes, dos tracking shots, aliados à subjetividade da protagonista que vê tudo sem poder reagir, traz ainda uma ideia, pensando numa outra linguagem contemporânea, de gameficação. A câmera é onipresente, seguimos com ela pelo alto de prédios ao subsolo de Seatle. Cada assassinato é quase uma cut scene, antes da personagem poder retomar o controle do jogo.

    Mesmo quando a visão é mais objetiva, temos uma profundidade de campo, uma certa distância do acontecimento que também se encaixam nessa ideia do videogame: a câmera é sempre capaz de observar tudo, cada movimento, cada golpe da ação. A luta na delegacia assume esse tom de um combate contra os NPCs inimigos que vão se aproximando em ondas.

    O Wan usa então de um certo maneirismo dos diretores que ele homenageia e trata todas essas referências de um jeito meio pós-moderno. Não é uma repetição simples de estética, imagens e fórmulas, porque ele trabalha tudo isso na base do choque, de deslocar o que se espera. É de usar essas referências através de uma linguagem moderna e própria pra chegar numa terceira coisa, numa síntese nova e diferente, por mais absurda que essa terceira coisa seja. Na verdade, ele mira nesse absurdo para conseguir sempre renovar o que se vê.

    Tudo isso se beneficia também de como o diretor lida bem com o jump scare. Já que o mundo é sem barreiras e fluído, uma hora a ameaça, que está sempre esperando no fora de quadro, tem que entrar no quadro. E um simples campo/contra-campo se torna expressivo a partir disso.

    Não importa qual é a criatura ou a qual cânone do terror que ela faz referência, se ela é uma aparição fantasmagórica, um assassino do Slasher, ou uma criatura grotesca. No Maligno de James Wan, diretor em seu auge, ela está sempre prestes a surgir da extremidade do quadro e nunca será do jeito que você esperava que fosse.

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  • Eric Campi

    “Old” deve estar ao lado de “Fim dos Tempos” entre os trabalhos mais experimentais do Shyamalan. Os dois filmes também dividem uma mesma vontade: a de trazer para a tela (ou para o que está fora dela) um perigo invisível, mas não por isso menos letal.

    A restrição que o diretor se coloca, sendo a praia o único cenário na maior parte do filme, potencializa a trama como uma exploração temporal-espacial. A câmera assume essa identidade invisível do tempo que nunca para e corre por esse ambiente inescapável que se impõe através de rochedos gigantescos e um mar sem fim.

    O tempo é implacável, alheio à vida, dores, problemas. Em perspectiva com o eterno, a vida é um instante, insignificante, e assim é a câmera-tempo de Shyamalan, praticamente indiferente à presença de seus personagens. São vários os enquadramentos que não se atém a mostrar um ator, que vacila entre os prisioneiros daquela praia. Em uma cena que envolve uma operação médica arriscada, os vários rostos apreensivos aparecem no quadro apenas em parte e um zoom lento deixa todos para trás e vai focar no céu sobre suas cabeças, o único elemento eterno daquele plano.

    Enquanto se sucedem um amontoado de acontecimentos bizarros, a câmera passeia pela praia em longos planos, cada hora se detendo em algum elemento, importante ou não para a ação. Essas sequências são essenciais para estabelecer o ritmo do filme. Assim como os anos passam em questão de segundos para aquelas pessoas, ou seja, de forma acelerada, também acelerada é a narrativa, um fluxo rápido e crescente de tensão.

    Nesse sentido, os planos longos são quase blocos de ação e cada corte revela uma nova espiral dramática, um possível envelhecimento dos personagens, fazendo uma montagem quase cruel nessa passagem temporal. E o Shyamalan usa dessa indiferença da câmera com os personagens, esses enquadramentos deslocados, para esconder as mudanças físicas de seus atores, revelando aos poucos através de planos detalhes ou com alguma interferência visual em primeiro plano.

    Sendo a praia o cenário principal, quase um personagem em si, fica evidente o talento do diretor em sempre encontrar novos jeitos de filmar o espaço, de encenar esses blocos cada um de uma forma específica para tirar o que dali tem de mais expressivo, seja um modo impressionista de trazer para a linguagem uma subjetividade dos personagens quando esses tentam fugir dali, seja com um simples tracking shot que vai de um lado para o outro mostrando primeiro um dos momentos de ápice emocional do filme, afastando-se para observar as ondas do mar e voltando para ver os desdobramentos daquele acontecimento.

    “Old” é uma experiência implacável, muito por usar de alguns arquétipos para tecer comentários sobre a sociedade e preencher o choque com questões existenciais. A família principal do filme é composta por imigrantes, um homem negro pode ser o assassino de uma mulher branca, o médico branco rico tenta se impor a um enfermeiro de raízes orientais. O efeito da passagem da vida se coloca duplamente, em relação aos papeis sociais impostos e às consequências físicas e mentais do envelhecimento. Mais aliado a um cinema de gênero, o filme usa dos corpos para dar um peso palpável a sua ameaça, partindo de uma exposição gráfica de feridas e deformações que somam a repulsa ao turbilhão de choques e velocidade.

    Nesse balanço entre a futilidade de uma vida que não se vive e os anos que passam nesse processo, vem o tema tão caro ao diretor de um olhar infantil, de quem se permite focar seu tempo para construir um castelo de areia, que se permite viver o que o presente tem a oferecer. “Old” talvez seja o filme em que o autor Shyamalan se coloque mais presente metalinguisticamente. O personagem que ele interpreta é o observador, que deixa seus prisioneiros na ilha e, através da câmera, vê como irão reagir.

    Não deixa de ser um experimento sádico, o do personagem e o do diretor, que tem seus motivos para criar uma situação dessa, por mais que o filme seja inspirado por uma HQ. É um cinismo que aparece muito em “Old” como um humor proposital pelo estranhamento. Talvez seja até incomum para o diretor, mas serve também para discutir as responsabilidades, ou falta delas, para o autor. É mesmo um movimento, quase um manifesto, por uma inocência libertadora que o Shyamalan sempre prega, independente dos custos que essa experiência pode cobrar.

    Por isso, é irônico que seus filmes gerem tanta rejeição, muito por conta de uma falta de naturalismo, de diálogos pouco sutis, ou da artificialidade a qual ele se propõe. Quando se está muito preocupado com o real, com o sério e o conhecido, é justamente essa inocência libertadora que se perde. O cinema do Shyamalan é o que vê na crença no fantástico, na imaginação pueril, a saída para toda a ameaça da realidade.

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  • Filmow
    Filmow

    O Oscar 2017 está logo aí e teremos o nosso tradicional BOLÃO DO OSCAR FILMOW!

    Serão 3 vencedores no Bolão com prêmios da loja Chico Rei para os três participantes que mais acertarem nas categorias da premiação. (O 1º lugar vai ganhar um kit da Chico Rei com 01 camiseta + 01 caneca + 01 almofada; o 2º lugar 01 camiseta da Chico Rei; e o 3º lugar 01 almofada da Chico Rei.)

    Vem participar da brincadeira com a gente, acesse https://filmow.com/bolao-do-oscar/ para votar.
    Boa sorte! :)

    * Lembrando que faremos uma transmissão ao vivo via Facebook e Youtube da Casa Filmow na noite da cerimônia, dia 26 de fevereiro. Confirme presença no evento https://www.facebook.com/events/250416102068445/

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