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Últimas opiniões enviadas

  • Vítor

    Quantos filmes pioneiros de um gênero podem dizer que iniciam com imagens tão definidoras de sua essência tal como um fotógrafo de olhos assanhados, recém chegado na Tailândia? Mas... ao mesmo tempo, quantos desses filmes têm a "proeza" de desperdiçar todas essas possibilidades?

    Quero dizer, ao contrário de diversas outras obras inauguradoras de gênero, Lenzi já abre as portas dos longas de canibais tendo muita consciência de quais seriam as características mais potentes desse tipo de imagem. Entretanto, infelizmente, faz isso sem saber como desenvolvê-las, acabando, até mesmo, por chafurdar em incoerência.

    No seu auge, organiza-se toda essa abjeção do exploitation com grande competência, enfia-se no meio do mato e filma suas imagens apelativas articulando-as como uma ontologia anti-antropológica. Daí aquela junção de imagens provinda de uma convulsão de lembranças do protagonista que vão dos tailandeses lutando box às cobras da selva, à tortura dos nativos, às baratas, ao assassinato que ele mesmo cometeu... Isto é, vê-se a abjeção como o único esperanto possível entre diferentes culturas; como aquilo que há de mais imanente na natureza (c.f. as imagens criminosas de violência animal) e, por isso mesmo, como aquilo que expõe a impossibilidade de se identificar com o outro (c.f. a cômica cena do tailândes tomando whisky).

    Mas isso é um ponto muito mais flertado do que consumado, pois, ao final, tudo descamba em contradição no momento que Lenzi, sem mais nem menos, pensa que, apesar de filmar tudo do modo mais abjeto possível (toda a exploração explícita da produção com os animais, com aquele povo, com sua representação distorcida...), pode traduzir hipocrisia em flores. Daí todo o drama à la Pocahontas sem menor fundamento, deixando um ar de cinismo e falsidade que, surpreendentemente, sequer parece consciente de si mesmo.

    Ora, quanta falta de autoconsciência é necessária para se filmar uma cabra sendo decapitada e uma borboleta como símbolo lírico numa mesmíssima cena... de parto!?

    Apesar de toda uma pré-organização fundamental em relação ao que há de melhor no gênero, o que se vê ao final da experiência são imagens tolas que contrastam com um começo tão interessante. Quando o helicóptero deixa de ser filmado como um símbolo de resgate e se transforma num objeto estranho ao protagonista — agora, aconchegado à selva —, a hipocrisia do cineasta já deixou de ser abjeção potente e se tornou mera nulidade.

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  • Vítor

    Diz-se que em Les amants du Pont-Neuf, o filme seguinte a este, Carax sentiu a necessidade de confrontar a realidade, fazer um filme oposto a Mauvais Sang. Todavia, o curioso e mais belo é que, para o cineasta, tanto faz estar com os pés no chão ou com a cabeça nas nuvens, ambas vias sempre desembocarão numa mesma superfície: a da sua sublime ópera de imagens.

    Por esse sentido, ainda mais curioso é pensar como as duas obras se encontram em polos paradoxais. Para se confrontar o mundano, filma-se um dos filmes mais caros da França; para se filmar a extrema ficção, confronta-se a economia drástica. De outro modo, na rua, acha-se o amor com mil fogos de artifício; na fantasia, acha-o através de encantadores reflexos turvos do transporte público.

    Basicamente, parece que o autor está se desafiando incessantemente, colocando novos empecilhos à sua criatividade para catapultá-la de vez. Sempre explorando uma nova rota que logre em desembarcar, novamente, nessa monumental dimensão da cinética rimada.

    Um lugar que para se alcançar depende em muito de toda uma insanidade dos gestos e das situações. Desvario quase essencial para que a matéria possa ser esculpida. Isto é, seu ponto de vazão.

    A respeito disso, inclusive, em muito ele se aproxima do velho francês da Nouvelle Vague (como na própria narrativa em questão, que agiganta seus personagens caricatos e transforma a história num filme de gênero farsesco). Entretanto, com a diferença de que essa criatividade nonsense não se manifesta como inúmeros pontos heterogêneos de autoquestionamento e iconoclastia. Ao contrário, cada gesto tresloucado integra um pedaço de inventividade que se interliga com todos os outros tal qual um gigantesco mosaico homogêneo — de mesmas intenções, temáticas e, no que há de mais essencial, de mesmas formas.

    É que o distúrbio é a chave principal de seu equilíbrio intrincado. Cada loucura é nada mais que uma nova possibilidade de se cristalizar o mundo humano em um novíssimo espetáculo musicado.

    Por exemplo, qual seria a melhor coreografia para acompanhar uma canção de David Bowie? Para Carax, ela só poderia advir de um jovem que explode em movimento após sentir o cimento em seu ventre...

    Em suma, guiada pelo desvario, a afasia das paixões só se locupleta num mundo que não esse. O único que consegue dialetizar o distúrbio através de um esquema de quadros inquietos. O único que pode engendrar ordem através da conjugação cinética extremada. O único que entrevê uma dimensão onde inúmeras agitações de luzes e sombras versam perfeitamente entre si.

    Um mundo superiormente cinematográfico afinal.

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  • Vítor

    Ao contrário do que seu conclave bajulador constantemente vomita na mídia, os melhores dotes de Tarantino nunca tiveram nada a ver com seu pretenso conhecimento enciclopédico sobre filmes B. Pelo contrário, se há realmente algo de famoso sobre o realizador que mereça ser exaltado, isso está muito mais nas suas conjunturas cênicas alicerçadas nos diálogos (no instante do drama e dos corpos falantes) do que em todo penduricalho pop que os acompanha.

    Como o próprio realizador dizia na época de Kill Bill, seus longas anteriores faziam parte do “mundo de Quentin”, enquanto a história de vingança era sua primeira incursão no “mundo do cinema”. Assim, mesmo aos trancos e barrancos, o caminho mais promissor que a sua carreira fez foi de Reservoir Dogs até Jackie Brown, tendo em 2003 um reboot do tal trajeto, com novos caprichos para chamar de "visão do autor". De um lado, um tortuoso (mas inegavelmente positivo) caminho de se achar os próprios diálogos, o próprio método de atuação e o conjunto de cena que poderia executar bem tudo isso. De outro, o caminho mais extravagante possível (mais fácil e mais recompensador), que vê em cada plano uma chance de reformulação débil pseudoconceitual suficientemente escandalosa.

    Diante disso tudo, Django Unchained surge como um conflito por si só. Uma espécie de malformação desta nova trajetória, mas que inegavelmente ainda faz parte da mesma trilha. Complicação que se torna benéfica quando, no seu auge, contraria todas as pistas (que já começam pelo título), e consegue se opor a tal óbvia tentativa de reformulação conceitual de um western.

    Em algum nível, o que ocorre é um tipo de retorno desengonçado a tal primeira fase de carreira em que se tentava formar algo próprio. Um cisco da potência de Jackie Brown. Isto é, enquanto lá a extravagância paródica do blaxploitation se metamorfoseava num comedido filme de personagem, aqui (numa proporção indubitavelmente menor), o duelo de balas e poses badass dos spaghetti é suplantado pelo duelo verborrágico. A partir daí, se há algo de bom na obra em questão, isto surge quando Tarantino se opõe totalmente a Kill Bill, adentrando o gênero proposto apenas para se negar a realizá-lo.

    Oposição mais do que bem-vinda, pois se na obra com Uma Thurman existia uma malfadada necessidade de tentar reformular à risca filmes de luta (de kung fu, samurais, ninjas...) e enchê-los de purpurina, ao se voltar para o Velho Oeste, o realizador não se envergonha de assumir o que ele realmente sabe fazer. Pelo contrário, ele expõe como o seu estilo é o que há de mais alienígena em um bang bang.

    Por isso mesmo, a figura estrangeira de Christopher Waltz acaba por ser um dos maiores trunfos a tal ideia. Ele opera de modo totalmente inverso ao anterior Hans Landa, pois, enquanto que em Inglorious Basterds a funcionalidade (e pose) de sua persona advinham do mutismo dos fantoches que o rodeavam (um esquema muito fácil de contraste, criar um figurão através do gaguejar daqueles que não conseguem acompanhá-lo), Dr. Schultz funciona justamente por usar do seu vocabulário rebuscado para incitar uma resposta num outro alguém. Em outras palavras, a sua figura é o que inaugura essa conspurcação do western que, no que há de mais interessante, faz com que personagens típicos do gênero (como o Marshall, o ricaço dono de terras ou qualquer caipira do Texas) sempre fiquem desconcertados com suas provocações, obrigando-os a reagirem nesse mesmo tom estranho — e um tanto quanto fantasioso — que segue a cordialidade cívica à risca, priorizando a negociata verbal acima de qualquer tiroteio.

    Bastaria ver que, Calvin Candie — o grande antagonista interpretado por um ator estelar, tal como Tarantino sempre adora filmar — é um homem mais habituado às conversas sobre a mesa de jantar do que às pistolas e cavalos; um personagem construído para ter seu grande clímax vilanesco numa cena de puro improviso (o famigerado momento que o ator se corta) que substitui a pólvora. Até mais que isso, também poderíamos olhar para Stephen, uma espécie de antagonista oculto que é nada mais do que o velho escravo chefe, um homem que tem a própria língua como o instrumento da função que ocupa.

    Mas, claro, o que cito até então são justamente os melhores momentos da obra, os trechos de malformação do caminho, porém, como eu disse, esse ainda é um filme pertencente a trajetória pop de Tarantino, guardando, inevitavelmente, diversos dos seus defeitos. Estes que em 2012 já estavam num alto ponto de deterioração do delírio autoral, fazendo consequentemente com que seus malogros retumbassem na tela "protegidos" pelo selo do "autorismo".

    Quero dizer, se Dr. Schultz se importa mais com o verbo do que com tiroteios, isso não é inteiramente vero com seu diretor e é completamente o inverso com seu protagonista, posto para estrelar diversas cenas toscas de bang bang. Afinal, são estes os momentos que o realizador tenta suprir qualquer construção com torrentes de sangue que não mais possuem o significado do gore ou do filme violento, no lugar, adquire o forçoso significado do “tarantinesco”.

    Daí que surge aquele alvoroço desleixado da morte de Candie, que só demonstra uma coreografia inicial interessante para desembocar em intensificação bruta e desajeitada, com o slow motion e os espirros de tinta tentando suplantar qualquer inteligência cênica que poderia se ter, por exemplo, a partir dos diversos pontos de vistas de um tiroteio ou de trocentas outras inventividades usuais aos spaghetti.

    O mesmo malogro que ocorre com a última sequência do filme, que atinge os píncaros da negligência ao optar por realizar um último bang bang onde nem mais o disparo possui relevância; tudo é fruto de violência frouxa: indolência com os atores (que não precisam fazer mais nada além de permanecerem imóveis, esperando o protagonista alvejá-los) que se encerra na facilidade da explosão truculenta — novamente, a “visceralidade” e “intensificação” como arremedo dos bons tiroteios.

    Basicamente, a mesma grandiloquência estética de sempre, que, aliás, nem sequer precisa ser evidenciada através dos momentos de troca de tiros, porque até uma simples situação de conversação também repete essa estrutura decadente da encenação. Afinal, não se precisa mais pensar em decupagem, posicionamento ou qualquer outra besteira para se filmar um espaço com mais de duas pessoas conversando, basta repetir uma movimentação já mui conhecida de sua carreira para que seu selo autoral salvaguarde a qualidade.

    Em um último exemplo da autoria intoxicante, o quão mais forte seria se Quentin largasse suas manias de metralhar músicas de efeito por toda a metragem e a cena de tiro de Django fosse realmente a primeira vez que ouvimos rap na trilha?

    Bem, ao final, o que resta para se dizer sobre Django Unchained está em sua cena da fogueira, e na diferença de seu uso se comparado a última vez que seu diretor utilizou da metáfora em Kill Bill Vol. 2. Em suma, se este é um projeto hiper pop que não chafurda que nem o de 2004 é porque da história de Pai Mei para a de Siegfried houve alguma remissão. Ok, ainda há a baboseira de Broomhilda e a completa falta de autoconsciência do diretor sobre sua inabilidade romanesca (como o sangue que mancha a plantação de algodão), mas, de outra forma, toda essa referenciação conceitual, desta vez, é algo virtual e não totalizante como era com o mestre do kung fu — e consequentemente com o filme inteiro —, disso, sobram certos espaços para se desprender desses novos compromissos e se voltar àqueles de início de carreira. Um projeto medíocre que vez ou outra respira para ganhar genuínos bons momentos.

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