Somente nas duas últimas décadas, o largo espectro de temas homossexuais conseguiu encontrar um variado e substancioso conjunto de representações no cinema. Gays, lésbicas, bissexuais, drag queens, travestis, entre outros, podem ser encontrados, hoje, em larga escala, em filmes que ultrapassaram o gueto do cinema de classe e que assumem tanto as estruturas de gêneros clássicos, como dramas, comédias e filmes de suspense e de terror, como trazem a orientação sexual para um campo de normalidade que permite se ater a detalhes antes soterrados porque a questão maior já era a ousadia do tema em si.
Embora o cinema gay tenha conseguido renegociar sua posição na produção de filmes, ao longo desses 120 anos de cinema, houve muitos projetos que foram pioneiros em explorar as questões ligadas ao comportamento e ao universo homossexual. Há críticos que insistem que um dos primeiros filmes, o curta-metragem The Dickson Experimental Sound Film, de William Dickson, um filme sonoro realizado mais de 30 anos antes do som chegar de fato ao cinema, teria personagens com um comportamento nitidamente homossexual. O que se vê são dois homens que dançam ao som de um instrumento musical.
Há bastante controvérsia. Alguns estudiosos dizem que o registro da dança entre dois homens teria chocado plateias, enquanto outros afirmam que aquele comportamento seria comum entre homens na época. A época é, no caso, 1895, o ano da “invenção do cinema”. Forçação de barra ou não, outros exemplos de possíveis manifestações homossexuais no cinema podem ser conferidos – e geram polêmica – nos anos seguintes. Em 1907, Georges Méliès dirigiu O Eclipse: Ou a Corte do Sol à Lua, em que um astro-rei viril seduz uma lua efeminada. Alguns estudos dizem que sol e lua seriam do gênero masculino e que o momento do eclipe seria, de fato, uma relação homossexual. A primeira do cinema.
Nos anos seguintes, as comédias flertaram com os temas gays. Algie, The Miner, de Alice Guy-Blaché, mostra um homem efeminado que precisa se livrar do estigma de que “beija cowboys” para conseguir namorar a filha de um ricaço. Charles Chaplin usou roupas femininas em A Mulher e seduziu vários homens. E em A Florida Enchantment, de Sidney Drew, uma mulher engole uma semente mágica que a transforma em homem e seu noivo faz o mesmo e vira um homem “afetado”. Todos estes filmes são da primeira metade da década de 1910 e todos têm um quê de brincadeira. Mas pouco depois disso começaram na Europa as primeiras tentativas de se fazer filmes “sérios” sobre o assunto.
Na Suécia, Mauritz Stiller adaptou o romance Mikaël, de Herman Bang, sobre a relação entre um pintor aclamado e seu pupilo, abalada pela chegada de uma condessa que seduz o jovem, em The Wings, de 1916. O dinamarquês Carl Theodore Dreyer refilmou o livro em 1924 usando o título original, Mikaël. Pela primeira vez, se a história não engoliu algum pioneiro, temos personagens gays representados no cinema. Em 1919, numa Alemanha onde a Constituição considerava a prática homoafetiva como crime, Richard Oswald se une ao físico e sexólogo Magnus Hirschfeld para rodar Diferente dos Outros, que também conta a história de um artista, um músico, e um homem mais jovem. A chantagem contra os homossexuais, algo que era comum no país na época, é um dos temas centrais do filme.
Nas décadas seguintes, censurados ou não, usando subtextos ou sendo mais explícitos, muitos diretores, alguns bastante conceituados, no auge de suas carreiras e heterossexuais, resolveram contar histórias de homoafetividade. De simples romances ao retrato de comportamento de guetos, de cidadãos “comuns” a estereótipos, muitos deles foram bastante felizes em dar sua contribuição para o gênero no cinema. A lista que você acompanha a partir de agora abre uma série que vai tentar vasculhar os mais variados aspectos do cinema, juntando meus filmes preferidos e aqueles que escreveram a história da sétima arte.