De todas as iniciativas relacionadas a trasformar video-games em filmes, as que estão chamando muita atenção são as da Ubisoft Motion Pictures, divisão da produtora de jogos francesa Ubisoft. Como se não bastasse todo o sucesso e faturamento (que já atingiu um bilhão de dólares) das séries Assassins Creed, Splinter Cell, Far Cry e o tão aclamado e esperado “Watch Dogs”, a quantidade de filmes que a empresa pretende lançar é tão grande que desconfiamos que eles estão empenhados a levar o Oscar de roteiro adaptado (tá isso foi só uma piada, mas quem sabe um filme baseado em game seja premiado um dia). Prince of Persia foi um grande sucesso de bilheteria, dando know-how a empresa que já está produzindo filmes para Assassins Creed, Far Cry, Splinter Cell e Watch Dogs. Todos com co-produção de grandes estúdios, como Columbia Pictures e Warner.
Considerando exemplos péssimos de filmes que listamos aqui, resta saber: será que adaptar games é uma boa iniciativa e não atrapalha a experiência do game? Quais serão as principais dificuldades para adaptar um game para o cinema?
Entrevistamos o desenvolvedor, palestrante e especialista em games Felipe Lins (que teve seu game indie "Immanuel" (que você pode jogar no link) destaque na Global Game Jam nesse ano) para refletir um pouco sobre a experiência dos games no cinema:
Na foto: Felipe (com a camiseta LA Noire, segundo da esquerda para direita) ministrando uma palestra/debate com outros profissionais de games na Livraria Saraiva de Fortaleza.
Filmow: Sabemos que existem muitos games que não deram certo no cinema. Fizemos até uma lista de alguns deles, que acabaram dando prejuízo como “Mario Bros” e King of Fighters. Na sua opinião, quais foram os principais motivos? Ao assistir alguns desses filmes, qual foi sua sensação?
Felipe Lins: A maior sensação que tenho ao ver um filme ruim (como os da lista da filmow) está ligada ao motivo que me leva como fã a ir vê-lo: a fidelidade e o espírito do jogo. Quando me deparo com filmes que apenas se utilizam do nome e de vagos elementos do jogo, minha sensação é que aquilo ali foi feito de qualquer jeito. Sem pesquisa, sem acompanhamento dos originais, sem passar por um controle de qualidade, completamente feito com o intuito de aproveitar meramente o nome e (nem sempre) a imagem do personagem. É um pouco revoltante, frustrante mesmo, criar expectativas em cima de uma adaptação e você chegar e só ter um só pensamento: "O que é isso? Tá tudo errado! Nada a ver! Que droga é essa? O que fizeram com a série?"
Filmow: Existem boatos que a Sony vai começar a produzir um filme do game The Last of Us. Esse game teve grande sucesso e tem uma estética muito cinematográfica.Você acha que esse fator já garante um sucesso comercial no cinema?Quais seriam os desafios do diretor ao adaptar um jogo como esse?
Lins: Jogos com um foco muito grande na ação cinematográfica, com uma grande dose de cutscenes já estão com "meio pé" nos filmes. Meio pé, porque o que faz um jogo ser um jogo é justamente as mecânicas que os jogadores utilizam pra interagir com ele. Ao transformar pra outro tipo de mídia, como o cinema, perde-se completamente a parte jogável e muito diretores costumam ignorar completamente isso. Usar somente a história pode ser um tiro no pé, pois se a temática e o roteiro não forem originais, corre o risco de se tornar algo genérico. O desafio de um filme como The Last of Us seria justamente aproveitar os personagens e temática, e "adaptar" a jogabilidade pro cinema, num enredo novo. Se o jogo tem elementos de furtividade e a jogabilidade envolve explorar os ambientes em busca de recursos, enquanto se sobrevive, para avançar na história, o filme precisa manter essa sensação para não descaracterizar sua obra original.
Filmow: Sobre o filme de Assassins Creed: O que achou da escolha de Michael Fassbender como protagonista ? O diretor ainda não foi revelado. Qual você acha que poderia adaptar bem a série de jogos no cinema?
Lins: Eu vou te confessar que eu não acredito muito em escolhas de diretores e atores. Já tivemos bons atores fazendo papéis ruins e atores medíocres fazendo papéis muito bons. Já em matéria de direção, acho que qualquer diretor que se propuser a ser fiel ao estilo de câmera, apresentação e tomadas do jogo original tem tudo pra fazer um bom trabalho. Basta ele se propor a não querer reinventar a roda e querer mudar detalhes que consagraram a série. Lógico, isso faria a fidelidade ser muito maior. Um diretor como Tim Burton que prefere utilizar ambientes mais sombrios e trabalhar dentro do bizarro não seria uma boa opção. Quanto mais...peculiar e genioso for o diretor, menos recomendado. Se fosse pra escolher, eu queria que fosse escolhido o diretor do próprio jogo para trabalhar junto com alguém já experiente, como Gore Verbinsky ou Rob Marshall.
Filmow: O “Gameplay” seria os elementos mais mecânicos do jogo (Golpes, Poderes e modo de jogo, etc). Esses devem, necessariamente serem retratados no cinema ou só o enredo, na sua opinião?
Lins: Retratados tal e qual se torna um desafio, mas que acrescenta muito ao filme. Em Prince of Persia, se tivesse sido explorada a mecânica de exploração detalhada em uma cena ou duas, como no filme Doom, onde exploraram a câmera em 1ª pessoa em um trecho do filme, poderia ter sido muito bacana. Mas se abusar demais pode se tornar cansativo. O enredo é um dos focos principais, mas se não contiver pelo menos o clima geral da jogabilidade, como, por exemplo, Street Fighter que quase não teve movimentos icônicos e "disparos de energia" durante os combates, se torna apenas um filme inspirado na série, e muito propenso a desagradar os fãs. E eles são crueis e detalhistas, basta lembrar de como criticaram a personalidade do agente 47 em Hitman.
Filmow: Felipe, você poderia apontar para nós 5 games que você transformaria em filme? Quais seriam os diretores?
Lins: Fica difícil apontar diretores depois de responder a terceira pergunta. Mas eu gostaria bastante de ver um filme de Mass Effect, Metal Gear, Uncharted, Monkey Island e uma animação da Pixar de Super Mario Bros. Talvez uma adaptação fiel de Full Throttle para os cinemas, seria bem bacana.
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-- Fernando Coelho(Filmow |Facebook|Twitter)