Uncharted: Fora do Mapa (2022) - Crítica

Se o conceito mais charmoso da série de games Uncharted foi como levou à mídia o espírito aventuresco e romântico dos Indiana Jones, faz sentido uma correlação entre as séries e os meios, com cutscenes que sempre clamaram a um certo apelo pela adaptação na sétima arte das peripécias de Nathan Drake - afinal, nunca aprendem que não é a beleza dos cenários ou a diversão da história que garante a eficácia da transição pro cinema - e seria desnecessário citar exemplos, já que a proporção de filmes sobre games bons pra ruins não deve chegar a 10%. 

Porém, se ainda não houve amostras suficientes pra se aceitar a inadaptabilidade de jogos pro cinema, Uncharted ainda se prejudica por evocar uma franquia que passa de suas três décadas e cujas ferramentas e estilos narrativos já estão em desuso há tempos por saturação e rejeição do público - algo que o próprio Spielberg não conseguiu renovar no malfadado quarto filme.

O resultado é uma síntese bem previsível do que há de pior no blockbuster contemporâneo, um pastiche que poderia facilmente estar inserido obscuramente no MCU. É um Indiana Jones na fórmula Marvel, com suas piadas intromissivas e uma montagem frenética e descabida carente de estímulos incessantes, deixando a ação desconexa - quando não até escura. Essa proposta, que já era bem nítida no trailer, fica visível logo no início do longa, usando o artifício do in media res (abrir com uma cena do meio da fita) já para abocanhar o espectador e inserir no clima idealizado pelos cineastas. A cena em si é a queda do avião cargueiro, numa ação excessivamente computadorizada e com uma carpintaria visualmente desestimulante e desértica, além da sonoplastia preguiçosa. 

O positivo desta introdução é que ela realmente é fiel com o que é entregue no restante de suas mais de duas horas. É curioso lembrar de outro longa aventuresco recente, o Jungle Cruise da Disney, que por mais pasteurizado que seja, numa progressão narrativa que parece cada vez mais escapar da autonomia do diretor nas mãos do algoritmo de produtores, oferece vislumbres que sugerem o romantismo das aventuras clássicas - claro que transmutados para o ritmo moderno, afinal, falamos de uma grande empresa que jamais irá ceder a caprichos de "autores". 

Uncharted, do contrário, dirigido por Ruben Fleischer (que de bom fez Zumbilândia e nada mais), é um filme protocolar e automático feito sob contrato, algo perfeito pra grandes estúdios, já que não interfere numa visão geral para infindáveis sequências e que possa causar estranheza num espectador cada vez mais domesticado e adestrado para uma fórmula repetida. Isto vindo numa semana em que Francis Ford Coppola, diretor da trilogia Poderoso Chefão, Apocalypse Now e A Conversação, anunciar que vai tirar grana do próprio bolso pra dirigir um longa visionário e original que nenhuma grande produtora quer bancar, causa uma tristeza e desesperança para o cinema, ao menos o de blockbuster, que mesmo voltados para o comércio popular, cada vez mais se desprendem do potencial que o cinema oferece, satisfeitos no que é, como diz Coppola, "Protótipo de filme que é feito repetidamente para parecer diferente".

A própria persona de Holland, um dos atores mais "hots" da atualidade, é um indício desse esquema uniforme e verticalizado. Não há distinção nenhuma de sua atuação para a de Peter Parker, e os rápidos desvios para uma personalidade mais cafajeste e rebelde de Drake, parecem mais uma paródia ou uma tentativa de um adolescente tentar ser levado a sério por um adulto do que de fato um comportamento legítimo. A carreira de Holland, que até esboçou bons momentos em No Way Home, principalmente no epílogo ao encontrar uma MJ que não o reconhece mais, está estagnada e o ator toma rumos tão preguiçosos e óbvios quanto as ações de seus personagens, como se demonstrar ânimo e ingenuidade fosse suficiente para desenvolver qualquer ser-humano. Uncharted parece mais um exibicionismo do corpo de Holland e seu suposto carisma do que um longa de gênero, e o desinteresse na resolução dos puzzles, solucionados sem cerimônia e com muita sonolência, é um indicativo forte disto. 

É uma anamorfidade tão sem graça e entediante, que torna a própria crítica constrangida e difícil, pois não há desafios em Uncharted. É um filme concebido por computador e que tenta agradar uma massa cada vez mais treinada para não questionar ou imaginar, somente aceitar. Um filme feito para se olhar no celular durante sem problema de perder nada de interessante, e que o rosto de Holland nos Stories é mais de interesse a um público-alvo do que a própria trama e sua execução, no máximo inserindo nisto algumas referências pontuais que tendem a agradar os gamers que ainda não aceitam nada que não a extrema fidelidade e cópia de jogo para filme. 

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