The Batman (2022) - Crítica

Se a tendência do cinema blockbuster hoje é a representatividade, finalmente chegou a vez dos Emos. O Batman de Pattinson se introduz numa ambientação de terror e logo se assume no pessimismo do Noir, mas é na figura que se encara no espelho de um Bruce Wayne pálido e com maquiagem ao redor dos olhos que escorre pelo rosto distorcido e angustiado, com a franja longa caindo pela face, que a grande aura do filme se revela através desse delírio de um bilionário autodestrutivo e depressivo com crise de identidade.

A própria revelação que finalmente escancara a reviravolta do personagem, afinal, está no contraste com o vilão da vez, o Charada de Paul Dano, que assim como outros bandidos de Gotham, idolatravam o morcego e utilizavam seu codinome para justificar as ações. A comparação é claramente compreendida na expressão por trás da máscara de Bruce, espantado ao perceber as nuances que por pouco não colidiram. O niilismo se contorcendo, num caso para a esperança e no outro para a psicopatia, por simples equação de classes sociais e oportunidade. Tem pouco de nobre nas razões iniciais do Battinson além do ego de preservar a memória da família acima da dignidade individual, e a individuação de Bruce tende a vir somente na continuação, após todas as revelações que fragilizam e forçam novo sentido para suas atitudes. 

Acaba sendo, para além das homenagens óbvias e direcionadas acima do próprio gênero em si (não o Noir clássico, mas os contos modernos de detetive de Fincher ou o clima urbano sórdido de Scorsese), uma sequência espiritual natural ao Coringa de Todd Phillips, no pior e no melhor sentido. As ambições políticas de refletir a realidade socioeconômica contemporânea e os deveres morais de quem tem o poder de realizar isso incorporados pelo Bruce de Pattinson e o Comissário Gordon de Jeffrey Wright, ainda que características perenes aos personagens em variados períodos, se aproximam em tom visual do Joker de Phoenix, um estrondoso sucesso que rendeu até Oscar para o estúdio. Uma piscina filosófica e intelectual para quem não conhece o mar. Entretanto, Matt Reeves também encontra nessa abordagem as razões perfeitas para mergulhar na autoindulgência blindada pela atmosfera de superioridade que parece cercar a obra pelo simples fato de se desvencilhar do que costuma ser oferecido em longas de heróis - leia-se da Marvel. Ser sério e lento parece ser o suficiente para muitos o rotularem de masterpiece, ou trabalho para adultos. 

Naturalmente que não é para tanto, mas assim como o Joker, se ignorado um pouco esse ranço surgido de uma fanbase ávida por ser mais respeitada ao consumir HQs (algo parecido com leitores de mangás que chamam de seinen qualquer obra com algum sangue, como se isso os tornasse maduros), o frescor e a ousadia, ainda assim, são inquestionáveis para retratar o personagem, que mesmo permitindo aspectos mais obscuros e ambíguos em sua natureza, por muitas décadas foi respaldado na caricatura típica das HQs nas mãos de Burton e Schumacher. Nolan revolucionou o gênero com sua trilogia, mas ser sombrio não é necessariamente ser bom, como provou Snyder, e a tarefa de Reeves é bem complexa: oferecer um contraponto a quem não aguenta mais a Marvel, mas sem ignorar o material de origem e a necessidade de ser...bem...divertido, afinal, ainda é um mundo com um sujeito que se fantasia de Batman e vilões excêntricos, por mais que se opte por explicá-los como consequência social. 

Os traços mais ingênuos deste novo Batman são o que tornam o protagonista, se não cercado exatamente por uma grande história, talvez o mais fascinante Bruce Wayne da sétima arte, justamente por sua natureza jovem (Batman em seu segundo ano, ainda que a referência nas HQs seja o Ano Um), raivosa, imatura e depressiva numa Gotham basicamente disforme e visível somente pelos neons de lojas, inexistindo sequer uma arquitetura de decadência, oprimindo na completa escuridão que parece aguardar o perigo a qualquer lado. 

Há bastante interesse gerado pelas figuras de Gotham, cujo texto revela uma aproximação moral como na supracitada relação de Wayne e o Charada, ambas figuras enraivecidas pelo sistema, mas cuja canalização se deu basicamente pelo alcance monetário. Reeves usa das sombras do Noir para imprimir o primeiro filme que de fato utiliza do renome de "maior detetive do mundo" para o Batman, acima do mero herói, mas de fato se inspira no estilo de ação estilosa, chamativa e frontal de John Wick, para misturar a dita diversão neste universo político pessimista coringuesto. E nisto, cria sequências impressionantes e estimulantes como as metralhadoras que iluminam o breu contra a armadura de Batman, ou uma explosão criando um único contraste entre o fundo e o movimento do homem-morcego. 

É uma mitologia pelo visual, de uma figura bem descrita pelo diretor como um "rockstar" recluso, sendo esse rockstar um fã de emocore crescido nos anos 2000 e que se apropria bem na geração mais deprimida e ansiosa da história. O Battinson, assim, é a representação Batmanesca do herói pela geração Millenial: melancólico, taciturno e um tanto dramático. São os trejeitos do ator e sua aparência vampiresca que atraem a empatia pelo sujeito muito mais do que o conceito de um bilionário sofrido, afinal, como dito em Parasita, "é fácil ser generoso quando se é rico", e logo, sua filantropia não seria suficiente. 

É o uso certeiro do casting e uma seleção de bons momentos, entre a ação estilizada e a climatização sombria, que fazem os melhores momentos desse Batman instigante, diluídos numa trama super-extensa, expositiva e verborrágica que se prolonga sem ritmo numa investigação muito menos interessante e misteriosa do que tem noção. Reeves e sua equipe sintetizam bem uma safra ambivalente de blockbusters que ainda não encontraram o ponto entre o cartunesco enjoativo e a sobriedade arrastada. Como projeto visual, esse Batman encara muito bem a melhor faceta possível do morcegão moderno. Como textual, bem...também. Um retrato perfeito da era do twitter, em que todo mundo parece saber muito sobre tudo, quando na verdade fez um resumo mais ou menos do primeiro parágrafo da Wikipedia, ou então do "Filosofia para preguiçosos". 

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