Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore (2022) - Crítica

O grande núcleo e fonte do sucesso de Harry Potter sempre foi, acima de qualquer conceito, plano de fundo ou ambiente, a força da amizade e amor entre seus personagens (perdoem o sentimentalismo). É por isso que Relíquias da Morte: Parte 1 é um grande filme, apesar de seu clima sombrio e de guerra, sem mostrar Hogwarts por um único segundo. Pois mesmo na fuga, nas trevas e na solidão, somos acompanhados e vemos a dinâmica daquele trio que tanto se ama, assim como os amamos. Os Segredos de Dumbledore, um filme que também se passa em tempos sombrios e de trevas, finaliza em um casamento. Bastante simplório, mas uma festa que simboliza alegria, união, amor e amizade. As mesmas fontes que tornaram Harry Potter tão grande.

A cena em si encerra um longa que tenta, com muita ansiedade e desespero, corrigir os equívocos da franquia até ali, especialmente seu segundo capítulo. Contornar arcos de personagens vazios e até irritantes, dar algum sentido para faces modorrentas e introduzir novas figuras que funcionem e tenham algum carisma mesmo que com pouco tempo em tela. Uma tarefa que busca evitar o cancelamento tido como improvável de um arco pertencente a uma das franquias mais lucrativas da história, a colocando acima das tantas polêmicas que envolvem alguns membros do elenco e até a criadora disso tudo. O grande trunfo para conseguir esta hercúlea aventura, é claro, está simbolizado justamente no encerrar com um casamento: relembrar a todos a essência de Harry Potter, seus personagens, seu mundo e suas alegorias.

É uma tarefa pesada, contornar tantos tropeços anteriores. A chegada do roteirista Steve Kloves, que organizou 7 dos 8 filmes de Harry Potter, é um suporte experiente para transformar num roteiro em si as ideias de Rowling, que assinou sozinha os dois primeiros filmes e não conseguiu adaptar bem seu estilo literário para o cinema. Condensar tudo em um filme só para tentar dar continuidade ao mundo proposto é uma missão arriscada, ainda mais com o tanto de núcleos iniciados e ainda não finalizados, e para isto, o ritmo do filme já se inicia declarando muito incisivamente as intenções explícitas e implícitas de seus habitantes. Tanto as dúvidas e sonhos de um Dumbledore solitário e cheio de dor, quanto o amor de Newt por suas criaturas, dois seres de bondade confrontados pelo implacável, cruel e impiedoso séquito de Grindelwald, enquanto esse se enclausura em seu castelo de Nurmengard. 

Yates foi uma improvável escolha para assinar a franquia Harry Potter e sua fantasia e criatividade infinitas, ele oriundo de um cinema mais prático e político. Foi uma escolha ousada que conseguiu atingir um bom equilíbrio na maturidade política e social que aproxima o mundo de Harry Potter ao nosso com suas metáforas. Sem uma história pré-concebida, o diretor aqui tem mais espaço para sua própria preferência visual e narrativa, com o cenário geopolítico e temporal qual se passa a franquia como oportunidades óbvias demais para se perder em relacionar ao nazismo, ainda que não se tenha declarações abertas sobre Hitler - mas o parlamento alemão eximir e permitir a candidatura de Grindelwald não é exatamente uma sugestão sutil. 

A identidade visual do filme, algo nítido desde o ingênuo primeiro Animais Fantásticos e crescente desde então, é análogo aos últimos Harry Potter, ainda reforçados pelo realismo de cenários urbanos europeus: cinza, mofado, umbroso e melancólico. O escuro, por vezes, soa exagerado e até impede a visão do que acontece em tela, como cenas de ação, mas expressam bem a mensagem no texto através da imagem sobre a claustrofobia crescente e uma espécie de anti-escapismo passado pela série e seu reflexo ao mundo real. Desta forma, Yates parece estabelecer a monotonia e tristeza da vida adulta como inevitáveis mesmo dentro de um mundo em que a magia existe. Capaz de maravilhas, recheado de momentos, criaturas e todo um contexto incríveis, brilhantes, mas com uma inescapável inclinação para a perversidade, aí ainda mais brutal que a dos "trouxas". Magia não como sinônimo de mágico, mas transmitidos como um elemento humano natural. O bem e o mal, muitas vezes o segundo sendo capaz de mais desgraças do que o outro lado consiga corrigir em tempo hábil. 

A escalação de Mads Mikkelsen, substituindo um Johnny Depp em ostracismo, intensifica esta proposta. Depp, mais pomposo e caricato, construiu seu Grindewald como alguém a ser temido, sim, mas claramente fictício, opulente, extravagante. Mads, com seu rosto pontiagudo, proeminente, com ossos e traços marcantes, expressa cansaço e impaciência mesmo que seus olhos e boca estejam imóveis. É um ditador claro, com sua oratória e calma não disfarces, mas justamente alarmes inquietantes de sua real natureza. 

Essa proposta de Yates, é claro, apresenta seus altos e baixos. O reflexo com o real legitima e engrandece a identificação, mas também causa fadiga e um certo aborrecimento com a monocromia estética que ele tenta passar, até deprimindo pela falta de vida dos cenários. Isto, ao menos, expande ainda mais os raros vislumbres da magia dita "boa", beneficial. É proposital e coerente, entretanto, que ela seja menos visual, menos elemento de feitiços, do que da própria relação dos habitantes daquele mundo. A magia no olhar e palavras de Jacob para Queenie, de Newt para Tina e seus animais, de Dumbledore para seus alunos. Nisto, Yates, tão criticado, parece ter entendido verdadeiramente as histórias de Rowling. São os personagens que o transformam, não o poder. 

E é por isso, que mais do que nunca, o enfoque esteja nos seus personagens, que correm para lá e para cá em acontecimentos pouco lúdicos e progressivos como história, e mais uma desculpa para desenvolver suas figuras e passarmos mais tempo com eles, criando empatia e compreensão com suas dores, alegrias e anseios. O que Rowling nunca conseguiu transmitir nos filmes, e até por isso é certo apostar na mão de Kloves, é conseguir humanizar não somente os novos chegados, ainda que mal apareçam, mas tenham um tom de caracterização tão certeiro que logo nos acostumamos e apreciamos a sua companhia, como a divertida e obstinada professora Hicks, mas também velhos conhecidos. O maior beneficiado neste arco de redenção proposto pela franquia, é o Credence de Ezra Miller, protagonista até então dos piores momentos de ambos os filmes anteriores, sem nunca encontrar a composição correta de seu vazio personagem, irritando mesmo na fragilidade. O que parecia um furo de plot ou um cliffhanger barato ao término de Crimes de Grindelwald, ganha um peso canônico que redime não somente seu personagem como humaniza outro, dando a sensação de um melodrama contundente e não somente verborragia textual. 

Os crimes, não de Grindewald, mas dos filmes anteriores, foram muitos cinematograficamente falando, ainda que não tão desastrosos como vejo muitos dizerem (e nunca entenderei a boa vontade com tantos filmes medíocres e sem personalidade da Marvel, sempre tão bem cotados em sites de crítica). Segredos de Dumbledore, com a chegada de Kloves, busca a reorganização deste universo. Ele, Rowling e Yates resgatam, para isso, o grande espírito de Harry Potter, que é o amor entre suas figuras, para a tela, fortalecendo também nosso vínculo com eles. A magia é forte, mas não por ser fantasiosa. E sim, justamente, como um vislumbre de encontrá-la mesmo na monotonia e depressão do cotidiano real, algo expresso nos cenários de Yates. É a luz acesa na padaria de Jacob contrastando com a rua silenciosa e tingida do branco da neve e o escuro das lâmpadas apagadas. Só espero que, ao contrário de Grindewald, não seja tarde demais para a franquia com o grande público, e possamos ver um encerrar desta trama nos cinemas. É uma nova reviravolta consciente, e para o melhor. 

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