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  • Alexssander

    Uma pequena vila indiana, imersa em um núcleo isolado, compreendida no seio do cosmos interno à floresta; vários outros núcleos tão esotéricos quanto irrompem da mata e, alí, na gente simples da agrária, quase coletora Índia, é onde reside um tecido plasmático de relações familiares, suprafamilares e supraterrenas.

    O jogo cinemático da câmera de Ray se dá de maneiras diversas, ora na vereda, ora no interfluxo, sempre Introjetado, porém; quando não está postada em um canto frisado, de vegetação espessa e arbórea- conceptáculo da diversão infantil e das típicas intrigas domésticas-, então, provavelmente, está é flagrando o poder pictórico, quase acético e hagiográfico que as imagens carregam; a câmera: medida do registro, da beleza incrustada à bobina. Uma mise-en-scenè do velado, do mistério, das forças autóctones que regem a natureza; enfim, um estilo do fluxo senhorial, que trafega irresoluto entre os planos, deixa seu rastro a cada centímetro e nunca se evade porquanto seja o messias da impermanência (uma impermanência tesa, contudo- não há, mesmo diante da polissilábica plurivalência desse solado, um relampejo, que seja, de falta de firmeza; existe um linde quilométrico entre a dureza inextricável e a leveza molíssima, vide pluvial; Ray, no entanto, intenta a uma prosódia algo singular: fluxo sempre presente e, no entanto, sempre demarcado pela acentuação de solidez e maturidade). O proscênio da floresta é, como todo, o supremo apóstrofo de Ray, ferramenta privilegiada de sua colagem justaposta. Produto disso: uma dinâmica das regras inatas à natureza, uma comprovação apostólica do qual a esfinge bíblica não é outra coisa senão as imposição sempre orgânicas da racionalidade aborígene. (E o apóstrofo é o raccord que cola os planos como que num impulso filisteu- ajunto da mise-en-scenè, ele dá, à natureza, uma onipresenciência inequiparável.)

    Um exemplo côncavo, que sempre promove maior impressão, ou seja, o despertar do garoto Apur: veja a construção deliberada que antecede à "aurora", a maneira pelo qual a comedida conversação entre mãe e filha serve de primeiro móbil para que se dê o mote do chacoalhão; e o despertar do infante irrompe como que no epíteto desse edifício narrativo, no desvio cabal que se faz entre a soberba do sono e a emergência de volta à vida. E o quadro não dura muito, pelo contrário; sua beleza plácida e açucarada mal se dá, já logo evanesce, e, na profusão aveludada de uma dispersão da imagem, o menino diluí-se no arabesco da transição (e que força há nessa transição, gentilíssima ela é, no entanto…). É irascível e galopante a maneira como a sequência impõe sua doçura tênue, como ela evapora e brutalmente sorve o plano antecedente… Apur, o garoto, terá de se resguardar de pretensões unilaterais, porquanto ele próprio é um módulo desse ambiente fluídico; Apur, em plena meninice e inocência, desvela-se como um predicado do plano e do cosmos. O que condensa os frames um nos outros, o que dá essa aparência de efusão do canto de um quadro ao rabo do outro, é o legato (o raccord que dispõe uma absoluta leveza na clivagem da unidade ontológica do registro, de modo que, ao menos nesses momentos onde de fato a fusão dissolve um plano no outro, sentir-se-á o sabor vaporoso da ausência e, não obstante, também da estadia. Questões da decupagem oriental, talvez… o interfluxo é a personificação de um sujeito sempre ausente e também sempre imanente; reprodução de uma força inabalável que no entanto nunca transpõe um ego impessoal- e a impessoalidade é a cortina que a tudo cobre e, talvez por isso, não facilmente será notada).

    O organismo familiar, esculpido na fôrma de uma dupla ponta de lança: Apur situado em um dos extremos, a tia, seu oposto simétrico, na outra. Porém, a morte, quando vista através da máscara cadavérica, desvela-se como sendo um véu inaudito (outro desses tecidos imanentes) que a todos cobre- e o espaço de tempo que liga o fim de um termo ao fim do outro também não se ouve;

    Comentário contando partes do filme. Mostrar.

    morre a tia e isso é esperado, sucumbe a irmã, e daí o espanto

    . Mas, no caso da tia, ao menos, apropriado é decantar o esquálido manequim e ajuntá-lo de volta ao seio metafísico, residente da natureza- apropriadíssimo então que se dê daquele modo, e que junto a isso, quebre o lacre da inocência e da fantasia entorpecida pelo néctar infantil; produzido está, então, ensaio psíquico, um engodo infernal, na mente da pobre criança, uma presa da ossuda dama.

    O pai da família é quem provê o pé-de-meia e, enquanto não for reconhecido como erudito e dramaturgo nato, resguardar-se-á ao escrutínio laboral de um patrão que lhe sugará as idilícas e apaixonadas forças. Porém, como já dito, da natureza nenhum assobio se ouve, e é aí mesmo, nessa sutileza gatuna, aonde reside a mordacidade das coisas: e as traças hão de comer a celulose, o pigmento, o sonho, as ideias- só há de o autor saber quando já estiver completamente investido no julgo de outrem.
    .....
    Cito-ação: a justaposição que indica a brincadeira sempre célebre, sempre amena e temperada. Os irmãos [Apur e Durga] avançam na relva e, imiscuídos em sua vegetação barroca e inextricável, ensejam à chegada do maquinário britânico. O trem, fera e besta titânica, cuspindo fumaça e rasgando a relva (e se a relva é barroca porquanto fosse um insípido emaranhado, a fumaça impressionista que turva o horizonte é a nuvem de granizo azulado dos trens de Monet). Esse monstro do Novo-Mundo é a crítica que se faz ao liberalismo selvagem e imperialista dos facínoras ingleses e, contudo, ele não é a centralidade seja do tema, seja da sequência: que nem os filmes de Ozu, marca um aspecto de transição e compõe, de modo sútil, crítica oblíqua; contudo, e não poderia ser diferente, o idílio da descoberta sempre se agiganta diante do motivo fílmico, e, como que por contraste, a crítica- de importância perene, mas não autoritária- fica em segundo-plano, em virtude de um bem maior. E a cito-ação pode, desse modo, respirar esperançosa e do grande-plano gozar, idealmente, de toda sua virtude espetacular e icônica.

    A dança na chuva antecede à crIpta também chuvosa: uma harmonia alarida na qual as gotas são como que impelidas, geometricamente, à flora na qual emudeçem; escançadas por um crivo bramânico, encharcam ao plano no qual a garota empreende, com destreza e sapiência, a fenícia juvenil. O movimento não é somente descendente, contudo, e no menor concurso de tempo logo se saberá: em razão dos meandros da vida, o inverso também é comprovado, e a ascese ao além-terra é o seu movimento por excelência; para isso, não é necessário que as regras logicamente esperadas se articulem, à medida que as explicações causais são dispensáveis (só se espera que o grande plano possa lhe roubar a beleza para, então, exudar-se com ela). Dado isso acontecer, a mise-en-scenè chega no centro cabresto de sua fúria eclipsar, a configuração de uma fuga completa à cólera climática que escorre dos planos; e o sabor taciturno e enegrecido do ambiente engole a família no câmbio transcendental que aos poucos sorve a vida pelos meios da chaga febril. O assobio do vento é agora um grunhido, e, tão forte seja ele, ao sair da casa leva junto a alma dos enfermos.

    Um plano singelo deposita na floresta a fúria sincera e também irrefletida do irmão agora sozinho: Apur, no emaranhado lúgubre da floresta; de seu rosto só se vêem os olhos estáticos e vidrados, o semblante murcho e relapso (e o enquadramento sápido crucia a senciência de quem o vê). A concatenação dos quadros abraça um programa de nova impermanência, e os poucos planos que emergem nessa jangada já estão soterrados na dispersão onírica da cadeia monástica- uma integridade estranha, de onde um se insere no outro, deixa para trás o seu traço fantasmático e ainda assim está presente; fora isso, a leveza da tela, salvo o seu conteúdo difícil de digerir, é o que permite a dispersão "dura", porque consistente, da montagem (uma fumaça ébria e sólida é a fronte dessa transição na qual o raccord esfumaça-se). Uma outro construção tensional é feita pela mãe, que, num diálogo, financia o levante do pomo: um choro agudo revestido pela metáfora semântica do som agridoce da cítara, uma ondulação do desgosto e da beleza incôngrua da vida.
    Mais uma vez Apur aparece no meio da floresta, um tecido reveste o seu pescoço e ele enfim aparenta-se investido na permanência de um quadro que aquietou-se, de um plano que firme se fez, seguindo plenamente a panacéia do fluxo- a montagem e as qualidades pictóricas, fotogênicas, das unidades cinematográficas, seguem o itinerário de desenvolvimento e deslumbramento do filme (da felicidade e do descobrimento à maneira de criança, até o endurecimento flexível mas marcado da transição à adolescência).

    Essa obra tem um estilo singular. Num escopo europeu, ela seria talvez o rebento típico de um neorrealismo itálico cingido a um tropo poético talvez do impressionismo francês. Algo nesse interstício quem sabe poderia prover um binóculo hermenêutico que, contudo, não teria como diminuir a imparidade inigualável da mise-en-scenè indiana do estilo de Ray- uma jóia reluzente encontrada no epicentro do gênio artístico do diretor.

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  • Alexssander

    Engraçado,onírico, e inventivo.um filme que ao tentar falar sobre ``nada´´ acaba abordando e produzindo muita coisa. A simples problematização e grandiosidade de uma trama tao simples, e tao irrelevante, reflete de maneira cristalina a genialidade e o talento dos diretores e do elenco, gênios que conseguem impor a jocosidade intrínseca a cenas que em outro filme, provavelmente teriam escopo dramático .

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  • Nenhum recado para Alexssander.

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