Se eu nunca tivesse assistido à algum outro filme francês antes de "La Collectionneuse", provavelmente aderiria ao sofisma bastante propagado por alguns de que o cinema francês é "pretensioso", "irritantemente intelectualóide", dentre outros adjetivos da estirpe. Isso porque esta terceira parte da saga denominada "Seis Contos da Moral" do diretor Eric Rohmer reúne em sua formatação, um compêndio das qualidades negativas que fornecem combustível para os opositores ferrenhos dos cineastas gálicos.
Iniciando com um prólogo para introduzir seus três protagonistas à narrativa, Rohmer já nos brinda com uma abordagem machista ao enfatizar o belo físico da jovem Haydée em contraponto à discussões de fundo intelectual que contam com a participação dos demais personagens prinicipais, Adrien e Daniel (eles seriam um representativo da "mente pensante" e "vitimas" dela, representativa do "corpo" e da eloquência da "carne" pura e simplesmente que levaria qualquer racionalismo por água abaixo). Tudo isso já serve como uma antecipação do moralismo canhestro que conduzirá a projeção ao longo dos seus quase noventa minutos.
Como se não bastasse, Rohmer em alguns momentos insere divagações de cunho filosófico que soam completamente inorgânicas à trama e parecem estar ali apenas para conferir uma aura de erudição e intelectualidade ao filme. Se Godard (em "Pierrot Le Fou" e "Vivre Sa Vie"), Truffaut (em "Jules et Jim") e até o próprio Rohmer(em "Le Genou de Claire") conseguem, por exemplo, introduzir discursos deste tipo coerentemente e organicamente às suas tramas, aqui as proposições soam com um teor puramente sensacionalista. A discussão filosófica que marca o prólogo de Daniel ou a digressão de Adrien na casa do vendedor de obras de arte - esta última nos momentos finais do filme - , por exemplo, são exemplos concretos de um recurso que chega a ser patético de tão expositivo e inorgânico tamanha a tentativa pretensiosa de tornar a cena forçosamente impressionável, em nada agregando significativamente à composição do personagem ou à sua narrativa.
Rohmer tem momentos inspirados na direção como o belíssimo plano na fronte da casa de campo que mostra Haydée sentada ao chão, no telefone, e Adrien ao fundo recostado na varanda; ou a ótima sequência que mostra Adrien em seu êxtase contemplativo bucólico explanando as razões que o levaram ao "fugere urbem" - tudo, entretanto, acaba esbarrando no principal problema: a completa antipatia de Adrien e Daniel (o último em especial), os dois protagonistas, que em nenhum momento conseguem inspirar qualquer tipo de carisma ou trazer o espectador à sua causa, ao contrário, chegam a soar completamente insuportáveis e refestelados em um puritanismo hipócrita, maçante e medíocre. Já Haydée não decola em praticamente nenhum momento da trama, sua intérprete basicamente atravessa o filme com a mesma expressão facial e corporal o tempo inteiro; além, de, obviamente, pesar a abordagem reducionista e sexista que abrange a dita cuja na composição da película.
Demasiadamente solene e, por vezes, irritantemente moralista, "La Collectioneuse", definitivamente, não figura entre as grandes e atrativas obras do cinema francês, em especial, no contexto da "nouvelle vague", inclusive, lembrando em alguns pontos, os aspectos negativos aos quais os rebeldes oriundos da destacável "Cahiers du Cinéma" se opunham.
Para mim, um dos maiores embustes do cinema mundial. Para muitos, a "obra prima" de Michelangelo Antonioni(o que,a meu ver, chega a ser ofensivo com seu excelente "L'Avventura"), "Blow-Up" é um filme vazio, presunçoso e que tenta a todo tempo se justificar com o visual bonito e o retrato libertário da contracultura européia na década de 60 sob um FALSO verniz intelectual para encobrir o que o filme é, na realidade: uma grande apologia ao nada(e repleto de 'falsos simbolismos', que só viriam a ganhar significados na imaginação dos críticos que idolatram Antonioni). Por ser de um diretor muito famoso, são poucos os que se 'atrevem' a criticar e mostrar suas reais opiniões, mas àqueles que assim como eu, Pauline Kael e tantos outros acham-no pretensioso, arrastado, forçado e muito menos do que aparenta, sintam-se contemplados.
Esse filme me fez entender porque o cineasta François Truffaut afirmou: "Antonioni é o único diretor importante sobre o qual não tenho nada bom para dizer. Ele me entedia, é tão solene e sem graça". Bom, felizmente, ao menos, essa máxima não se aplica para todos os seus filmes, já que "Profissão: Repórter" e "A Aventura", este sim, são filmes seus dignos de nota.
"I am the devil.. and I have come to do the devil’s work”
Esqueça os jogos de 'torture porn' difundidos pela quase interminável franquia "Saw"; ou os pavorosos remakes de filmes clássicos de terror das décadas de 70/80 que invadem os cinemas ano após ano. Rob Zombie conseguiu, aqui, incrivelmente, criar um dos filmes de horror definitivos da contemporaneidade. E não é nenhum exagero afirmar isso, já que "The Devil's Reject" é, do início ao fim, uma autêntica aula de como se realizar uma produção do gênero (ainda que peque na forma que se utiliza para atingir o seu momento clímax, no regresso à casa dos Firefly) - uma dosagem admirável de insanidade, tensão, violência, sadismo e emoção, combinados na tela com uma intensidade incrível (e ainda repleto de um senso de humor subversivo e uma excitante pegada 'western').
Após uma irregular e criticada primeira película, Zombie decidiu reunir os três personagens mais carismáticos de "House of 1000 Corpses" e mergulhá-los em uma estória mais ativa, e nas palavras dele mesmo "criar algo que pudesse agradar tanto os fãs do primeiro filme, como os não fãs". E de fato, revelou-se uma decisão acertadíssima - se antes, tinhamos uma produção que se revelava por vezes tediosa, ao inserir o espectador em situações estáticas e pouco lógicas na casa da família Firefly; aqui, temos um filme cheio de energia que acompanha a tentativa frenética de fuga dos criminosos do cerco da polícia, em especial, do vingativo Xerife Wydell, que pretende fazer justiça com as próprias mãos por conta da morte do irmão pelos vilões em questão.
Já nos momentos iniciais, descobrimos que todos os crimes da família Firefly vieram à tona. A polícia, então, encurrala o clã em sua residência, mas, obviamente, os criminosos não estão dispostos a se entregar, o que desencadeia um conflito armado. Percebendo que não possuem chances contra o imenso poderio armado dos policiais, decidem fugir, mas somente Otis e Baby conseguem escapar da casa, pela rede de esgotos, enquanto, Rufus e a 'Mamma' ficam pelo caminho. Logo, tratam de avisar seu pai, o capitão Spaulding, já que é questão de tempo até que a polícia descubra que este também tem envolvimento com os homicídios.
Enquanto aguardam o capitão Spaulding, para que possam, juntos, tentar fugir das autoridades; Otis e Baby fazem uma família refém em um hotel beira de estrada, dando origem a uma das melhores sequências do filme. Zombie aproveita tal momento, não apenas para criar momentos enervantes de horror e violência física e psicológica, como também, para se aprofundar na psique doentia de seus principais personagens, que se comprazem na dor alheia e no sofrimento humano, submetendo suas vítimas a situações humilhantes: em determinado momento por exemplo, Otis induz uma senhora de meia idade a fazer 'strip tease' e proferir obscenidades em frente ao marido; já em outro, vemos Baby obrigando uma das mulheres presentes a agredir fisicamente a outra. Mas, é claro que o desenvolvimento dos protagonistas não se limita à essa sequência e em diversos outros instantes, somos confrontados com situações que revelam a personalidade daquelas figuras(incluindo também o capitão Spaulding), lhes conferindo tridimensionalidade: já que, ao mesmo tempo que são criminosos insanos e perversos, sentem grande amor e cumplicidade um pelo outro, sendo capazes até mesmo de dar a própria vida em favor dos seus. E Zombie é eficaz ao tornar a dinâmica desse trio bastante convincente, mostrando-se detalhista ao ponto de incluir até mesmo uma cena em que os três discutem sobre a parada em uma sorveteria na beira da estrada, tornando-os muito carismáticos aos olhos do público (não se assuste se você se der conta que está torcendo por eles!)
Quem também recebe tridimensionalidade do roteiro é o xerife Wydell(que pretende extinguir a 'escória'do mundo com as próprias mãos): apesar de ser um cristão fervoroso e um 'homem da lei', Wydell mostra que pode ser tão violento e perverso quanto os criminosos que persegue e acaba perdendo completamente seus escrúpulos para poder saciar sua sede de vingança. Um falso moralista autêntico, que abusa de sua autoridade para depreciar quem ele julga seus 'subalternos' - vejam, por exemplo, o desprezo com que ele trata o crítico de cinema especialista em Groucho Marx, por julgar que esta é uma profissão inútil. Além dos personagens da sequência do hotel, os demais, por sua vez, seguem a cartilha dos personagens de Zombie e estão ali, essencialmente, para serem figuras secundárias da trama que se desencadeia entre Otis, Baby, Spaulding e Wydell: caipiras desbocados, machistas e sujos; mulheres vulgares e por aí vai ...
E lógico, o sucesso na composição dos personagens não seria possível se o elenco não respondesse à altura, já que se mostram contundentes em papéis excêntricos, que tinham tudo para cair na caricatura : Sheri Moon-Zombie prova que não está aí somente por ser esposa do diretor e torna sua Baby uma assassina sádica, irreverente e dócil com os familiares; Sid Haig está ótimo como o insano Spaulding, sempre buscando meios possíveis para salvar a si e aos filhos, mas os destaques, claro, ficam por conta de Bill Moseley e William Forsythe. Moseley encarna magistralmente a perversão e a impulsividade de Otis e Forsythe acerta o tom com seu xerife justiceiro de caráter duvidoso. Todos conseguem tornar as figuras que interpretam intensamente verossímeis. Há ainda a participação de outros veteranos como Danny Trejo, Ken Foree, Leslie Easterbrook, Geoffrey Lewis e Michael Berryman que acabam por acrescentar um brilho a mais na produção.
Outro ponto a se destacar é, claro, a ótima e segura direção de Zombie: há um uso exaustivo da câmera na mão, sempre inquieta e realizando movimentações sufocantes em momentos chave. Zombie também emprega recursos como 'slow motion' e 'freeze frames'(principalmente na cena do confronto na casa ou a magnífica cena final) que só deixam sua narrativa ainda mais estilosa, em técnicas que muito lembram a excentricidade de Quentin Tarantino e Robert Rodriguez. Dispondo de uma fotografia árida, amarelada e granulada, arrisco dizer que "The Devil's Reject" é o filme da atualidade que mais perfeitamente conseguiu reproduzir um clima setentista. Nesse aspecto, o filme é marcado de referências (na maioria das vezes, indiretas) à filmes desse período, como "The Texas Chainsaw Massacre" ou "Black Mamma, White Mamma" e outras produções 'exploitation'. A película também é beneficiada pela sua edição nervosa, que lança mão, muitas vezes, de cortes secos (a cena em que Wydell bate em Baby com um flagelo é um bom exemplo), ou transições feitas de uma cena para outra com estilo (usando muitas vezes o já citado 'congelamento de imagem').
Contando ainda com uma inspirada e perfeita trilha sonora retrô, que atinge o ápice com a sensacional 'Free Bird' do Lynyrd Skynyrd que embala a épica cena final(emocionante!), "The Devil's Reject" é uma verdadeira obra-prima marginal, um clássico 'cult' contemporâneo, que enfrenta muita resistência por parte dos críticos mais conservadores, mas que tem um lugar garantido na galeria de todo fã de uma película insana e envolvente. Acusar a produção de 'violência gratuita' é, portanto, desconhecer os seus objetivos e o público a que se dirige (se você é do tipo que se incomoda com violência, crueldade, palavrões em cena, diálogos verborrágicos...passe longe desse filme!) Em suma, é cinema 'B'.. de alto nível!
Em uma década em que o gênero 'terror' sofria de um descaso impressionante; eis que Kevin Willianson e Wes Craven concebem "Scream", filme que marcou época e devolveu o prestígio ao gênero - tanto em termos de público, como em termos de crítica. Isso porque apresenta uma eficiente combinação entre uma trama 'mainstream', mas, simultaneamente, inteligente.
É 'mainstream', à medida que investe na trama 'slasher' de um grupo de adolescentes sendo perseguidos(e assassinados de diversas formas) por um assassino mascarado. É a velha fórmula do 'whodunit?', que apesar de batida, rende bons filmes, quando bem empregada. "Scream " não somente usou bem essa fórmula, lançando mão de um ritmo alucinante que prende a atenção do espectador(mérito de Wes Craven, especialista nisso); como também, apresentou uma trama inteligente, repleta de metalinguagem com o gênero ao qual se encaixa - seja através de referências diretas à películas notórias que vão de "Psycho" até "A Nightmare on Elm Street", ou através de menções à clichês consolidados em filmes desta linhagem, muitas vezes, se dispondo de sátira.
Desde a antológica cena inicial(sem dúvida, uma das melhores 'intros' em filmes de terror), o roteiro já mostra sua originalidade - quando vemos o assassino, sadicamente, fazendo um jogo de 'vida ou morte' com a personagem Casey Becker e seu namorado, Steve, através de perguntas e respostas sobre filmes de terror(com direito a uma sacada bastante genial sobre o filme "Friday the 13th", capaz de surpreender até os mais profundos conhecedores da série). Aliás, diga-se de passagem, a cena de abertura já revelou uma ousada decisão de Craven à época: ao 'matar' a atriz mais conhecida da produção(Drew Barrymore) logo nos minutos iniciais. A grosso modo foi uma surpresa no público aos moldes de "Psycho" ou "Dressed to Kill".
Ironicamente, os personagens do filme são conhecedores de todos os clichês que acompanham as produções do gênero, mas, o roteiro cria, inteligentemente, situações em que estes mesmos personagens são obrigados a seguirem(e às vezes, até mesmo a serem) esses clichês que ridicularizam. Em determinada cena, por exemplo, vemos a protagonista Sidney sendo confrontada com um telefonema do vilão em sua residência e afirmando que "os filmes de terror são sempre sobre um assassino estúpido que persegue a mocinha peituda que sobe as escadas da casa quando deveria fugir pela porta da frente", quando, segundos depois, é surpreendida pelo assassino e obrigada a subir as escadas de sua casa. Em outra parte da projeção vemos Randy, o cinéfilo, 'ditando' algumas das regras do gênero, ao mesmo tempo em que outros personagens as seguem, inclusive ele mesmo, quando ao assistir "Halloween", de John Carpenter, grita "Atrás de Você! ", ao ver Laurie Strode encurralada por Michael Myers, no exato momento que o assassino está atrás dele.
Conseguindo satirizar um aspecto habitual nas produções do gênero(o 'sangue falso') e também fazer referência à um histórico personagem de um clássico filme até mesmo na revelação final, "Scream" é uma película que nos surpreende com sua criatividade do início ao fim. Aliás, até no tocante à identidade do assassino, "Scream" conseguiu ser inovador e deixar as platéias da época perplexas, já que ninguém imaginava que
se tratavam, na realidade, de dois assassinos e não, um único. Algo que contribui decisivamente para que todos eliminassem Billy Loomis da lista de suspeitos.
A qualidade do roteiro é tamanha que consegue compensar até alguns poucos pontos negativos - como o uso do recurso em que várias pessoas da cidade possuem a mesma fantasia do assassino, ou até mesmo a motivação deste, que mesmo não soando tão concreta, consegue fazer sentido.
Grande parte do êxito de 'Scream' também se deve aos seus bons personagens, que não se tornam dispensáveis/desimportantes em nenhum momento - ao final da projeção, você descobre que se importou com todos eles, inclusive com os baseados em estereótipos: desde a simpática e relativamente ativa heroína Sidney, a irreverente Tatum, a ambiciosa repórter Gale, o atrapalhado Dewey, o adorável cinéfilo Randy(particularmente, meu personagem favorito) e tantos outros. Isso também se deve ao fato de que os atores, em sua maioria, entregam boas/satisfatórias performances,num balanço final: seja Neve Campbell, David Arquete, Skeet Ulrich, Rose McGowan, Jamie Kennedy ou Courteney Cox(que considero a melhor atuação do corpo dramático), enfim... nem mesmo Mathew Lillard, com seu excêntrico Stu, compõe seu personagem de maneira inadequada.
Wes Craven é eficiente na condução de sua narrativa e, como já mencionado anteriormente, imprime um ritmo ágil e envolvente ao filme: o maior destaque é, sem dúvida, o excelente terceiro ato, que culmina em uma sucessão de acontecimentos simultâneos que prendem a atenção do espectador até a revelação final. Hábil também em criar suspense, Craven nos brinda com alguns momentos que realmente aguçam nossas expectativas sobre o que estar por vir ou por quando pode ser a próxima aparição do assassino(como na sequência inicial ou nas cenas da escola) e, apesar de, algumas vezes, lançar mão de artifícios batidos (como aumentar o som para pontuar o aumento de tensão da cena), é bem sucedido em seu intento.
Pontuado também por uma ótima trilha sonora, que exala jovialidade e intensidade, "Scream" entra para o seleto hall dos filmes mais importantes da história do cinema de 'terror', pois além de ter definido toda uma época, mudou decisivamente os rumos do gênero e influenciou uma série de produções posteriores. Sem exagero nenhum, é possível rotulá-lo como um 'clássico moderno' do gênero, que conseguiu ser paradigmático ao patamar das películas que homenageia. Divertido, envolvente, criativo,esperto e tenso na medida certa.
Com o sucesso de público e a boa aceitação da crítica engrenados na temporada anterior, era lógico que a continuação era questão de tempo. Trazendo, novamente, os mesmos personagens principais de anteriormente; a 'season 2' abandona o tom de 'viver intensamente a juventude' da 'season 1', para focar na proximidade da vida adulta e o término do colegial.
Mais maduros, os protagonistas agora, basicamente, são forçados a enfrentar problemas bem mais sérios e lidar com uma série de incertezas. A começar por Tony - depois de aprontar todas na primeira temporada e ser atropelado por um ônibus, ele está impotente e com as funções psíquicas seriamente comprometidas. Quem mais sofre com isso é Michelle, pois Tony não consegue lembrar-se do relacionamento deles e apesar de suas investidas, está inapta diante da situação. Sid, finalmente, conseguiu consolidar sua vida afetiva e sexual com Cassie, mas o namoro dos dois se vê prejudicado com a distância, já que ela está na Escócia. Além disso, Sid tem de lidar com os problemas familiares crescentes. Chris é expulso da escola e tem de encarar, precocemente, a responsabilidade de procurar um emprego e se sustentar. Mas no meio da dificuldade, ele encontra grande apoio em Jal, desencadeando uma inesperada união. Jal, aliás, aparenta estar disposta se livrar da imagem de 'boa menina'. Maxxie tem de enfrentar a resistência dos pais e ir atrás de seu sonho de ser dançarino e Anwar(que perde essencialmente muita importância nessa temporada) não consegue imaginar o que será de sua vida após o término do ginásio.
Uma das novidades da temporada fica por conta da introdução da personagem Sketch, uma jovem, à primeira vista, bastante tímida. Entretanto, descobrimos que Sketch nutre uma obsessão doentia por Maxxie, mesmo sabendo que este é homossexual, e revela-se uma pessoa inescrupulosa, capaz de cometer as tramas mais sórdidas para atingir seus objetivos;e doentia, chegando ao ponto de envolver os seios diariamente com faixas de pano para se parecer cada vez mais com um menino e poder conquistá-lo. Além disso, a atriz Aimee-Ffion Edwards consegue imprimir insanidade à personagem, transmitindo um certo tom de ameaça. O episódio dedicado à ela(o segundo), por sinal, é muito bom. É uma pena, contudo, que os pontos positivos acabem, praticamente, aí; já que após o segundo episódio, a trama de Sketch passe a se resumir a uma tentativa tola de 'vingança' contra Maxxie, através de um envolvimento com Anwar(armação do tipo que os vilões de 'Malhação' fariam). Aliás, a função de Anwar nessa temporada se resume, basicamente, à isso.
Mas se, por um lado, Anwar perde muito de sua importância no enredo e Maxxie quase não evolui; por outro, acompanhamos um grande crescimento dos demais, ancorados em tramas bastante interessantes: temos, por exemplo, o 'quadrado amoroso' que se forma entre Tony, Michelle, Cassie e Sid, com todos seus desdobramentos posteriores - incluindo a jornada de Tony rumo à sua recuperação, a confusão sentimental cada vez maior de Michelle(que, a propósito, torna-se mais relevante nessa 'season 2') , a degradação de Cassie, e a busca de Sid por coragem para decidir seu destino. Mas é com Chris e Jal, que temos a melhor trama da primeira geração, já que os dois acabam protagonizando uma história de amor repleta de intensidade e dramaticidade, que sofre uma série de reviravoltas, incluindo um inesperado e trágico golpe do destino. Quem também ganha mais importância aqui é Effy, a 'coadjuvante de luxo'(já prenunciando o que estaria por vir), que desempenha um importante papel em um momento-chave da história.
E grande parte da qualidade dessas tramas se deve às interpretações mais seguras de grande parte do elenco. Mike Bailey e Nicholas Hoult, conseguem tornar Sid e Tony mais carismáticos, por exemplo. April Pearson, embora ainda esteja relativamente inexpressiva, melhora em relação à temporada anterior. Kaya Scodelario também defende bem sua Effy.Mas quem de fato se destaca é Hannah Murray, Joe Dempsie e Larissa Wilson. Murray encarna bem o aumento da complexidade de Cassie aqui e a torna ainda mais trágica,enigmática e simultaneamente, apaixonante aos olhos do espectador. Já Dempsie e Wilson se adaptam, com vigor, à poderosa carga dramática que o roteiro lhes injeta.
A direção de Bryan Elsley e Jamie Brittain continua conferindo à série, características de uma produção 'indie'. Aqui, a dupla mexe ainda mais com a emoção dos espectadores, e não desperdiça as objetivações do roteiro - trazendo ainda mais as expressões faciais/emocionais do corpo dramático ao centro da tela, não desviando a câmera nos momentos mais incômodos, enfim.... e tudo é combinado com uma inspirada trilha sonora(que está mais tensa que na temporada anterior). O destaque fica por conta da criação de um mundo onírico no episódio 'Tony'. Mas em contrapartida aos pontos positivos, a segunda temporada enfrenta um problema de inconstância: ao mesmo tempo que temos episódios de grande qualidade como 'Tony','Chris','Jal' ou a emocionante 'season finale', temos também episódios abaixo da média como 'Sid','Michelle' e o patético 'Tony and Maxxie'(a 'season intro'). Além disso, por vezes, o seriado ainda insiste em investir em bizarrices gratuitas, em algumas ocasiões, para provocar comicidade ou choque (como a ridícula cena em que Effy se 'diverte' em um sanitário 'móvel').
Uma temporada que tinha tudo para superar a sua antecessora, mas, se não o faz; ao menos, mantém o nível. No fim das contas, assistir "Skins" continua como uma experiência empolgante, intensa e desprovida de plasticidade e falso moralismo (que costumam se fazer presentes em séries 'teen).
Dentre os muitos motivos para se adorar o cinema setentista, "Carrie", de Brian de Palma, é, sem dúvida, um deles. A produção, que ganhou status de 'clássico' com o decorrer das décadas foi bastante popularizada como um 'terror sobrenatural'. Mas, na realidade, reduzir "Carrie" a apenas um filme de terror é uma incoerência. A película vai muito além disso e o resultado é uma trama densa que nos envolve do início ao fim e nos transmite uma variada gama de emoções.
A história, diretamente adaptada do homônimo de Stephen King (livro ao qual eu, particularmente, ainda não li), nos apresenta a infortunada vida da jovem Carrie White: vítima de uma educação extremamente repressiva de sua mãe Margareth, Carrie sofre por não conseguir ser como os demais adolescentes de sua idade, a ponto de não saber o que é uma menstruação. Por esse motivo, ela é vista como uma 'estranha' pelas pessoas à sua volta, sendo, com frequência, hostilizada; principalmente, pela antipática Chris. Além disso, Carrie é também dotada de poderes telecinéticos, aos quais ainda não consegue controlar, e pode torná-los marcadamente perigosos em situações emocionais extremas. Mas é quando a jovem Sue se sensibiliza com sua situação, após ela ser humilhada no vestiário, que a trama se desenrola, de fato. Sue decide pedir ao seu namorado Tommy, um dos garotos mais populares da escola, para levá-la ao baile de formatura. Ao saber de tal fato, Chris decide fazer mais uma armação contra Carrie, no intento de ridicularizá-la perante todo o colégio - mal sabe ela, entretanto, que será fatal.
Sissy Spacek parece ter nascido para interpretar Carrie! Spacek compõe a protagonista de forma tão intensa que nos faz viver todas aquelas situações junto com a personagem(tendo sido indicada ao Oscar de 'Melhor Atriz'): por exemplo, quando ela é ridicularizada no vestiário, sofremos com ela; quando ela dança com Tommy no baile, sorrimos com ela; quando ela é vítima da trama sórdida de Chris no baile, nos revoltamos com ela(a ponto de não conseguir, de nenhuma maneira, condená-la em sua implacável vingança); enfim... Spacek interage com o espectador de forma tão tocante que é, indubitavelmente, o ponto alto do filme! Outra que se destaca, sobremaneira, é Piper Laurie, como Margareth White. Margareth é uma fanática religiosa tão extrema que chega a se tornar lunática. Devido a isso, ela reprime a filha incisivamente, fazendo-a crer, por exemplo, que até as espinhas em seu rosto são maneiras de Deus castigá-la e a submete a sessões excruciantes de rezas e sofrimento físico. Mas o que mais nos chama atenção, é que ela faz o que faz não por maldade e sim porque realmente acredita piamente em todas essas sandices. E Laurie consegue encarnar toda a complexidade da sua personagem de forma admirável, sem jamais parecer caricata!
E é pelas mãos talentosas de Brian de Palma que "Carrie"se torna uma experiência ainda mais interessante. Além da escolha acertada de todo o elenco, o diretor é bastante criativo e usa uma série de artifícios para evidenciar os sentimentos da narrativa - ele usa o 'slow motion' combinado com uma canção de acordes suaves para tornar mais poético o momento da menstruação de Carrie; põe Carrie encurralada no ambiente sombrio de sua residência, quase sempre envolto por sombras, por imagens sacras que parecem dirigir-lhe olhares de repreensão; lança mão de uma movimentação de panorâmica, em uma tomada circular, para tornar ainda mais apaixonante a dança de Carrie e Tommy no baile, dando a idéia de como aquilo é significativo para ela; ou ao criar o inferno particular em cores vermelhas no salão de festas após a irrupção da ira e descontrole de Carrie, no clímax; enfim...um trabalho formidável!
Por esses e outros motivos, "Carrie" não é só um filme de 'horror sobrenatural' sobre o terror desencadeado pelos poderes paranormais da protagonista e sim uma trama tocante, repleta de drama, poesia, sentimentos etc. Um ótimo exemplar do saudoso cinema setentista!
Seriados adolescentes tornaram-se marca carimbada no século XXI. As famosas 'high schools' americanas, com seus estudantes atléticos, eram(e ainda são) presença constante nas projeções mundo afora. Entretanto, fugindo do padrão convencional de produções do gênero, o canal E4 lançou, em 2007, a polêmica série "Skins", roteirizada por Bryan Elsley e Jamie Brittain. Dessa vez, nada de mostrar a vida da juventude na alta sociedade ou o embate maniqueísta entre 'cherleaders' malvadas e garotas boazinhas, mas sim a realidade sem limites de oito jovens moradores dos subúrbios britânicos, na cidade de Bristol. A produção causou grande 'frissom', desde seu lançamento, devido às suas cenas de sexo, nudez e uso de drogas.
O calculista Tony lidera o octeto principal; que também conta com sua insegura namorada Michelle, a culta instrumentista Jal, o tresloucado Chris, o virgem Sidney, a perturbada Cassie, o homossexual Maxxie e o muçulmano Anwar. Interpretados por jovens iniciantes no meio artístico, alguns estreantes, os protagonistas de "Skins" em nada se parecem com os jovens idealizados das séries americanas, com rostos bem mais próximos ao visto no cotidiano. Os destaques positivos ficam por conta de Hannah Murray e Joe Dempsie, que compõem de forma divertida seus personagens. Intensos e espirituosos em sua quase totalidade, os personagens constituem a principal força desta temporada e despertam, inevitavelmente, um sentimento de identificação por parte dos espectadores. Uma das ressalvas, contudo, fica por conta da personagem Michelle, uma vez que ela parece existir no seriado apenas em função de Tony (desde sua personalidade até suas ações). Porém, isso é amenizado pela boa química exibida pelo casal, apesar da atuação pouco expressiva de April Pearson.
Além disso, o roteiro acerta por não eufemizar os dramas diários vividos pelos personagens - pois, muito mais do que se preocupar em quem serão os próximos reis do baile de formatura do fim do ano; os jovens de "Skins"enfrentam problemas sérios e reais - sejam eles tabus religiosos, transtornos alimentares, depressão, conflitos de sexualidade, completo abandono familiar, dentre outros. Aliás, o seriado promove, de forma irônica, uma crítica velada aos modelos familiares pós-modernos, já que a grande maioria dos personagens integram famílias disfuncionais ou completamente ausentes. Isso se deve, em grande parte, à forma caricata e ridícula com que os adultos são representados. Ao abolir maniqueísmos, e relativizar os conceitos de 'mocinho' e 'vilão', o roteiro também torna os personagens como objetos de consequência de suas próprias atitudes e mostra que a vida não os redime de pagar, cedo ou tarde, por suas inconsequências. A experiência torna-se menos plástica e mais real, também, com o uso de diálogos mais sinceros e espontâneos; repleto de gírias e palavrões típicos, ditos sem o menor pudor no transcorrer dos episódios. A fotografia não videoclipada também acentua o realismo da série, aliado à trilha sonora repleta de bandas alternativas, o que contribui para conferir uma certa atmosfera 'indie' ao seriado. Outro acerto do seriado, consiste na boa estratégia de dedicar cada episódio à um personagem, o que permite desenvolvê-los melhor; fato que não exclui, de forna alguma, a presença dos demais no capítulo.
E o seriado poderia ser muito mais marcante, se se levasse mais a sério. Todavia, "Skins" peca por, muitas vezes, insistir em tentar provocar comicidade apelando para situações forçadas(o que dizer, por exemplo, dos gritos excessivos e ruidosos de Michelle enquanto ela transa com Tony num quarto, em uma determinada cena, e Jal escuta tudo perfeitamente de outro cômodo distante da casa) e também, exagerando na representação daquela realidade com o claro intento de chocar o espectador(a grande quantidade de xingamentos que o pai de Tony profere contra ele no 'season intro'chega a ser patético). Além disso, em algumas ocasiões, deixa-se de explorar tramas relevantes para focar em situações desnecessárias (como o episódio em que priorizam uma subtrama estúpida de uma ninfeta russa em detrimento de desenvolver com mais profundidade o interessante conflito entre Maxxie e Anwar). Obviamente, se a série fosse desprovida de erros como esse, certamente, estaríamos diante de uma densa produção de drama na tevê aberta.
Não é exagero nenhum afirmar que "Skins" é um 'cult' da atualidade, cujos principais méritos são nos apresentar personagens espirituosos e trazer uma abordagem da adolescência sem plasticidade e moralismos(apesar dos exageros vigentes). O resultado é uma produção calourosa, empolgante e capaz até de provocar um certo choque de realidade no espectador; e mesmo não sendo uma série excepcional, está acima da média das demais produções do gênero, merecendo ser conferida.
Um ano depois de "The Exorcist" ter reconduzido o cinema de horror aos grandes holofotes, foi a vez da produção independente "The Texas Chainsaw Massacre",do jovem diretor Tobe Hooper,abalar as estruturas do gênero. Dessa vez não se lidaria com o medo do sobrenatural,mas sim,com o medo de algo mais concreto,em outras palavras,um confronto direto com a crueldade humana.
Lançando em uma época contestatória e de grande inquietação no mundo,em grande parte,provocado pela paranóia decorrente da Guerra do Vietnã,;é de esperar que o filme tenha captado boa parte dessa atmosfera - veja-se o clima de insanidade e tensão vigente,além dos aspectos da contracultura presentes desde a caracterização dos personagens. O filme apresenta a trajetória de um grupo de cinco jovens hippies que atravessam as áridas paisagens do deserto do Texas para visitar uma propriedade abandonada,e vêem sua viagem de domingo ser transformada em um pesadelo inesperado ao cruzarem com uma demente família, com hábitos canibais,habitante do local. A história,aparentemente simples,entretanto,se desdobra de tal forma a nos apresentar uma das mais genuínas materializações do horror e do nervosismo já feitas.
Tobe Hooper comanda o show de horror que já nos incomoda desde seus momentos iniciais com a sua fotografia imperfeita e documental(algo que foi desintencionalmente ajudado pelo baixo orçamento do projeto).Aliado a isso,temos a caracterização suja e repugnante dos ambientes do filme(veja-se,por exemplo,o sórdido ambiente da casa dos Sawyer,quando Pam adentra um dos cômodos) e uma quase total ausência de trilha sonora(o máximo que temos é a tétrica trilha instrumental nos minutos iniciais) que torna a atmosfera da película ainda mais sinistra. É incrível ver como Hooper consegue manter esse clima atmosférico na película durante toda a projeção,algo que,por si só,já constitui um diferencial e ponto alto da produção.
O desenrolar da película praticamente não perde tempo com fatos secundários: é incisivo e direto. Não tarda para que já estejamos envoltos com o desespero desencadeado por aquela situação enervante. Os principais assassinatos do filme ocorrem,essencialmente, em um curto e frenético intervalo de tempo no fim da primeira metade do filme. Engana-se,entretanto,quem imagina que a película perca sua força aí,ao contrário, - Hooper executa a direção de tal forma,que a cada segundo tudo torna-se mais emocionante,em especial,a partir das tensas cenas de perseguição da última sobrevivente na escuridão do local.
Hooper demonstra,aqui,um grande talento para o manuseio de sua câmera,que nos mostra movimentações sufocantes e ótimas angulações. O maior exemplo,é,sem dúvida, a inesquecível e marcante cena do banquete(uma das mais sádicas já feitas): onde abusa dos 'travellings',fazendo a câmera viajar pelo cenário e lança mão de uma série 'zoons ins'(o que causa ainda mais desconforto no espectador ao dar 'closes' na 'remela' dos olhos da vítima e mais profundamente,em suas pupilas inquietas), aproveitando muito bem a dinâmica perversa instalada entre os vilões a vítima em questão. Observem como o diretor dá esporádicos 'zoons ins' e 'zoons out' até na imagem da Lua no deserto,para reforçar a atmosfera misteriosa e desalentadora da noite na projeção e o sentimento de não ter a quem recorrer naquela situação. É notável que se consigam todos esses efeitos sem jamais apelar para a violência gráfica explícita:em determinado momento, por exemplo,o plano de filmagem desvia no exato momento em que o assassino vai lacerar o corpo da vítima com sua motoserra e em vez de se preocupar em mostrar como ficou o estado do corpo, exibe-se o turbilhão de sangue saltando no avental do vilão; o que não compromete de forma alguma o grau de violência e tensão na cena.
As atuações exageradas do filme e,em alguns momentos,até mesmo ridículas(em especial de Edwin Neal e seu sinistro 'Hitchhiker') contribuem para reforçar o já ressaltado tom de insanidade vigente no filme. Marilyn Burns consegue convencer com a sua Sally extremamente histérica e atormentada nos momentos de desespero,o que lhe conferiu um lugar na galeria das 'scream queens' eternas do cinema de horror. Gunnar Hansen,mesmo no silêncio de seu personagem,compôs o doentio Leatherface,um dos antagonistas mais temidos da história cinematográfica.
Além de tudo,"The Texas Chainsaw Massacre"também acerta por não se preocupar em estabelecer o motivo pelo qual aquilo está acontecendo:apenas está acontecendo,não importa o porquê;fato que realça o clima enigmático e angustiante do filme. E se falei muito de Hooper,anteriormente,não é a toa:é ele a principal estrela desta película.Sem sua direção intensa e beirando ao verossímil,não seria possível ter construído esse verdadeiro divisor de águas na história do gênero 'terror',que,a despeito da polêmica que causou na época,elevou,sobremaneira,a importância dos 'slashers movies'. Um clássico imperdível,que faz merecer a alcunha que recebeu por parte crítica especializada,de 'cinema de verdade'(em alusão a sua ousadia e realismo).
Logo em seu momento inicial,''Everybody Hates Chris'' já introduz uma sequência hilária,prenunciando o tom burlesco e irônico que caracterizará toda a série: ''- Antes de virar comediante,achei que ser adolescente seria a coisa mais maneira do mundo'',diz o protagonista em um monólogo,narrado por ele anos depois.Segue-se então,uma cena que ilustra um devaneio representativo de suas expectativas para a adolescência - mostrando-o com um visual ''cool'' oitentista,saindo de um carro,cercado por garotas e admiradores,chegando em uma festa e sendo aplaudido como ícone de popularidade.Há então,um corte abrupto,para uma cena exibindo Chris acordando após gritos histéricos de sua mãe Rochelle,lhe informando sobre seu atraso para o primeiro dia na nova escola.
A partir daí,a série mostrará ao espectador alguns episódios da infortunada vida do comediante Chris Rock,negro(a referência à esse fato é crucial,já que a negritude do protagonista e sua família são aspectos essenciais para diversas objetivações do roteiro),em sua adolescência no bairro do Brooklyn,na década de 80.Obviamente,em um tom hiperbólico e pândego;sem pretensão alguma de representar com fidedignidade como os fatos ocorreram na realidade,mas apenas com o intuito de captar a essência dos acontecimentos e criar situações risíveis;''Everybody Hates Chris'' se desenrola,apostando em ótimos personagens,tramas envolventes e técnicas narrativas criativas;sempre satirizando(e criticando) diversos aspectos daquela sociedade oitentista norte-americana consumista,segregacionista,desigual e cheia de vícios.
A sátira e a crítica já começam quando a mãe de Chris decide enviá-lo para a ''Corleone High School'',uma escola do outro lado da cidade,por acreditar que lá ele receberá uma educação melhor.Tudo por um único e simples motivo:Lá é uma escola de brancos.Já há aí,uma clara denúncia à desigualdade de tratamento conferido às duas etnias. Para chegar na escola,Chris tem de pegar dois transportes coletivos e estar sempre pontualmente na parada.Chegando lá,ele terá de lidar com a intolerância e a indiferença de uma série de alunos que não se aproximam dele pelo simples fato de ser negro.E todo esse preconceito encontra personificação máxima na figura de Caruso:o valentão da escola,que já começa a atormentá-lo no primeiro dia de aula,por conta da cor de sua pele;algo que imputará à Chris perseguições diárias,com a pena de sempre ficar preso no armário na hora da saída ou ter que fugir do linchamento da trupe do vilão escolar no caminho para alcançar o ponto de ônibus.Felizmente,ele poderá contar com a amizade de Greg,que apesar de branco,sofre por não conseguir se adaptar ao modelo comportamental da maioria dos adolescentes daquele meio:Greg é um nerd nem um pouco descolado,tão pouco atraente. Vale mencionar também,que na Corleone,Chris irá se deparar com a hilária e contraditória professora Morello:Apesar de claramente racista e cheia de estereótipos absurdos sobre o povo negro;Morello não trata Chris com indiferença,tão pouco é adepta do ódio racial,ao contrário,aparenta sentir pena dele e toma atitudes,que embora completamente estúpidas,são bem intencionadas e visam ''ajudá-lo''.
E o calvário de Chris não para por aí:ele terá de lidar em casa com o peso de ser o filho mais velho e os conflitos familiares;com as diversas figuras de seu bairro periférico e ainda por cima,pagará o preço por não ser considerado 'interessante' aos demais jovens,o que o leva a ser rejeitado até mesmo pelos outros adolescentes negros. Julius,seu pai,é um homem trabalhador e dedicado à mulher e a prole.É bastante avarento e materialista.Insiste em tratar Chris como um adulto. Rochelle,sua mãe,é uma dona de casa neurótica,consumista,tempestiva e encrenqueira.É muito preocupada com o que as pessoas pensam e faz de tudo para manter a melhor aparência possível de sua família frente ao corpo social(descrita pelo próprio protagonista como uma mulher pobre e soberba).Apesar de tudo,ama muito o marido e os filhos.Sempre responsabiliza Chris por tudo de ruim que acontece na residência e lhe aplica rígidas punições,quase sempre,injustas. Tonya,a irmã mais nova,é uma menina levada,traquina e irresponsável,que sente um prazer sádico em prejudicar o irmão mais velho. Drew,é o irmão do meio e representa tudo aquilo que o irmão queria ser,mas não é:descolado,popular,atraente e sortudo.Além de tudo,parece ser mais velho que o próprio Chris e conquista Tasha,objeto da paixão platônica do protagonista. E ainda há os habitantes marcantes daquele Brooklyn ficcional oitentista:Jeromo,um assaltante cínico,que todos os dias rouba 1 dólar de Chris;Golpe Baixo,um morador de rua alucinado,dentre outros.
E aí,reside um dos principais acertos do seriado:o texto e a direção de Andrew Orenstein poderiam muito bem se perder em suas atribuições,ao retratar com intensa dramaticidade esse universo desagradável onde Chris vive.Todavia,tudo é abordado de forma irreverente e cômica,conseguindo o incrível efeito de nos fazer rir de todas aquelas situações,sem deixar em nenhum momento que fiquemos alheios à todos os problemas enfrentados pelo azarado herói.Por exemplo,é impossível,não se conscientizar da repugnância daquele ambiente escolar extremamente hostil da Corleone High School. Além disso,são usadas todas as características viciosas dos personagens para criar situações caricaturais,através de diálogos engraçados,planos imaginários e saudosas 'gags' visuais;como pode ser percebido nas ótimas piadas sobre o consumismo e a soberba de Rochelle ou sobre a avareza de Julius;os momentos impagáveis dos assaltos diários de Jeromo consentidos por Chris,dentre outros. E claro,é impossível deixar de se mencionar a brilhante técnica da voz em 'off' do narrador onisciente(o próprio Chris Rock),que traça comentários sarcásticos muito bem elaborados,algo que funciona espetacularmente.
Para completar,a série ainda está ancorada em ótimas interpretações.A começar por Tyler James Williams que entrega uma performance bastante satisfatória como o desventurado Chris,obtendo efeitos hilários através de suas expressões faciais exageradas.Os outros destaques ficam por conta de Tichina Arnold,Terry Crews e Jacqueline Mazzarella,aos quais acertam magistralmente na composição da histérica Rochelle,do cauteloso Julius e da esdrúxula Morello,respectivamente.
Contando ainda com uma bela e nostálgica trilha sonora,repleta de flashbacks memoráveis das décadas de 70 e 80,''Everybody Hates Chris'' reafirma-se como uma das melhores produções de comédia da atualidade,completamente compromissada e bem sucedida no objetivo de fazer um humor orgânico e bem elaborado.
Um filme atípico,que traz um olhar maduro,cru e pessimista sobre a dinâmica de relacionamentos afetivos humanos.
''Closer:Perto Demais'' é um daqueles filmes que não se mostra eufêmico em nenhum momento de sua projeção.Ao contrário,está claro ser objetivo de seu cineasta,não poupar o espectador de qualquer emoção evidenciada pelo roteiro,seja ela de qualquer intensidade.Dessa forma,somos,quase que constantemente,confrontados com diálogos ácidos e fortes,que ilustram a dura realidade representativa do universo do longa:em determinado momento,por exemplo,vemos o personagem Dan(Jude Law) afirmando friamente à Alice(Natalie Portman) que irá deixá-la para viver uma história de amor com Anna(Julia Roberts),por achar que a última poderá fazê-lo mais feliz.
Desta forma,o roteiro vai mostrando sua força,ao retratar o ser humano como uma criatura complexa e imprevisível,quase sempre tomando atitudes paradoxais,e decisões as quais podem despertar arrependimento segundos depois.Tal fato acaba justificando a volatilidade da duração dos relacionamentos que se desenrolam entre os quatro protagonistas,aos quais estão,inevitavelmente,envolvidos em uma rede de mentiras,intrigas,traições e amores efêmeros. Olhando por esse prisma,pode-se constatar que até mesmo o amor,tema tão recorrente em obras cinematográficas,recebe uma abordagem diferente em ''Closer'':nesta película,o amor é mostrado como mais uma forma de egoísmo por parte de seus personagens,já que muitas das atitudes tomadas por estes no tocante à vida amorosa,são pensadas,única e exclusivamente,em função de seus próprios interesses.E em determinados momentos,o amor é até mesmo relegado ao plano secundário:veja-se,por exemplo,na cena em que Anna afirma friamente à Larry(Clive Owen) que o traiu com Dan,e quando indagada por aquele,cruamente,se fez sexo oral no último,ela subentende que sim e ainda sugere que foi algo bastante prazeroso.Não satisfeito,Larry parece estar convicto que Anna pensa em deixá-lo apenas porque Dan dá mais satisfação à ela no ato sexual,sequer cogitando a hipótese de que ela possa estar vivendo um matrimônio infeliz e sentimentalmente falho.
E se somos confrontados com situações atípicas que denotam a qualidade do roteiro;esse mesmo texto não decepciona ao nos fornecer,também,uma excepcional composição de seus personagens,acertando até mesmo ao incluir detalhes que se referem à alguma característica da personalidade de cada um deles. Anna é uma fotógrafa,acostumada a captar em suas fotografias o sorriso e felicidade de outras pessoas,mas revela-se incapaz,de captar o sorriso e felicidade em sua própria vida.É claramente fraca e insegura,mas procura sempre se mostrar forte quando se tratam dos conflitos impostos pela teia afetiva da película. Dan é um escritor de obituários,mas que possui um sonho fracassado de ser escritor.Há aí uma clara referência à morte de suas perspectivas;mas ao conhecer Anna e Alice,parece haver um reavivamento de suas pretensões,que o levam à escrever um romance chamado ''O Aquário'',que,ironicamente,tem uma temática muito semelhante às vivenciadas por ele na vida real.Além disso,Dan é um sujeito que aparenta,muitas vezes,não sentir nenhum remorso de suas atitudes,por mais cruéis que possam ser. Larry é um dermatologista e sua descrição,lhe evidencia como alguém que está sempre obsesso em tentar sentir o interior de seus afetos,através do contato com a pele.Este mesmo,revela-se como um homem bastante intenso ao se entregar aos fatos;mas também tempestivo e ciumento,transmutando-se em vingativo e manipulador,ao sofrer uma decepção. E Alice,uma personagem enigmática,que parece sentir um receio dos homens e de se atirar às paixões da vida;algo que pode ser ilustrado em sua condição noturna de 'stripper',no papel de uma mulher atraente que pode ser apenas contemplada visualmente,mas nunca,tocada.E a decepção que sofre com Dan,acaba sendo o ponto catalisador de suas incertezas.Mas,ao mesmo tempo,Alice acaba se mostrando a menos inconstante e egoísta;além da mais forte e madura dos quatro,o que pode ser confirmado na revelação final.
Tais personagens não seriam tão bem sucedidos em suas atribuições,não fosse as performances magníficas de seu elenco:e já tornou-se convencional falar que Natalie Portman e Clive Owen são os maiores destaques deste corpo dramático.Não seria nenhum pouco injusto,se os dois tivessem angariado as premiações do Oscar para as categorias de atuação,aos quais foram indicados.Portman demonstra uma grande segurança na composição de sua Alice;já Owen,mostra-se notório por imprimir expressões faciais e corporais devastadoras à seu Larry,perfeitamente encaixáveis com cada sensação que o personagem explana durante a projeção.
Mike Nichols faz um ótimo trabalho à frente da direção,por demonstrar uma simplicidade arrebatadora e extremamente eficiente em seus planos fílmicos.A estratégia de manter as câmeras sempre focadas no rosto dos personagens é extremamente adequada para reforçar o tom intimista e introspectivo da projeção,além de reiterar a principal força de ''Closer'',que são seus diálogos.Nichols também aproveita a fotografia e acerta ao demonstrar Londres como um local repleto de impessoalidade,indiferença e individualismo;como,por exemplo,ao retratar os protagonistas em meio à multidão e invisíveis entre si,até que algo chamativo aconteça para aproximá-los. Infelizmente,às vezes,o filme erra ao não se preocupar com a passagem de tempo,sucedendo tudo ''apressado demais'',mostrando os acontecimentos como se se desenrolassem de forma artificial.Entretanto,torna-se algo irrelevante no balanço final.
Um dos melhores filmes da atualidade,''Closer:Perto Demais'' é,sem dúvida,uma obra prima contemporânea.Trazendo uma visão de mundo pessimista,típica da maioria das pessoas do século XXI;a película se torna única,eficaz e original,por distanciar-se das idealizações que cercam as produções do gênero e nos presentear com quatro protagonistas alegóricos que tem como característica marcante,o fato de serem humanos e verossímeis em uma obra de ficção:complexos,indecisos e imperfeitos.
A Colecionadora
3.8 49 Assista AgoraSe eu nunca tivesse assistido à algum outro filme francês antes de "La Collectionneuse", provavelmente aderiria ao sofisma bastante propagado por alguns de que o cinema francês é "pretensioso", "irritantemente intelectualóide", dentre outros adjetivos da estirpe. Isso porque esta terceira parte da saga denominada "Seis Contos da Moral" do diretor Eric Rohmer reúne em sua formatação, um compêndio das qualidades negativas que fornecem combustível para os opositores ferrenhos dos cineastas gálicos.
Iniciando com um prólogo para introduzir seus três protagonistas à narrativa, Rohmer já nos brinda com uma abordagem machista ao enfatizar o belo físico da jovem Haydée em contraponto à discussões de fundo intelectual que contam com a participação dos demais personagens prinicipais, Adrien e Daniel (eles seriam um representativo da "mente pensante" e "vitimas" dela, representativa do "corpo" e da eloquência da "carne" pura e simplesmente que levaria qualquer racionalismo por água abaixo).
Tudo isso já serve como uma antecipação do moralismo canhestro que conduzirá a projeção ao longo dos seus quase noventa minutos.
Como se não bastasse, Rohmer em alguns momentos insere divagações de cunho filosófico que soam completamente inorgânicas à trama e parecem estar ali apenas para conferir uma aura de erudição e intelectualidade ao filme. Se Godard (em "Pierrot Le Fou" e "Vivre Sa Vie"), Truffaut (em "Jules et Jim") e até o próprio Rohmer(em "Le Genou de Claire") conseguem, por exemplo, introduzir discursos deste tipo coerentemente e organicamente às suas tramas, aqui as proposições soam com um teor puramente sensacionalista. A discussão filosófica que marca o prólogo de Daniel ou a digressão de Adrien na casa do vendedor de obras de arte - esta última nos momentos finais do filme - , por exemplo, são exemplos concretos de um recurso que chega a ser patético de tão expositivo e inorgânico tamanha a tentativa pretensiosa de tornar a cena forçosamente impressionável, em nada agregando significativamente à composição do personagem ou à sua narrativa.
Rohmer tem momentos inspirados na direção como o belíssimo plano na fronte da casa de campo que mostra Haydée sentada ao chão, no telefone, e Adrien ao fundo recostado na varanda; ou a ótima sequência que mostra Adrien em seu êxtase contemplativo bucólico explanando as razões que o levaram ao "fugere urbem" - tudo, entretanto, acaba esbarrando no principal problema: a completa antipatia de Adrien e Daniel (o último em especial), os dois protagonistas, que em nenhum momento conseguem inspirar qualquer tipo de carisma ou trazer o espectador à sua causa, ao contrário, chegam a soar completamente insuportáveis e refestelados em um puritanismo hipócrita, maçante e medíocre. Já Haydée não decola em praticamente nenhum momento da trama, sua intérprete basicamente atravessa o filme com a mesma expressão facial e corporal o tempo inteiro; além, de, obviamente, pesar a abordagem reducionista e sexista que abrange a dita cuja na composição da película.
Demasiadamente solene e, por vezes, irritantemente moralista, "La Collectioneuse", definitivamente, não figura entre as grandes e atrativas obras do cinema francês, em especial, no contexto da "nouvelle vague", inclusive, lembrando em alguns pontos, os aspectos negativos aos quais os rebeldes oriundos da destacável "Cahiers du Cinéma" se opunham.
Blow-Up: Depois Daquele Beijo
3.9 370 Assista AgoraPara mim, um dos maiores embustes do cinema mundial. Para muitos, a "obra prima" de Michelangelo Antonioni(o que,a meu ver, chega a ser ofensivo com seu excelente "L'Avventura"), "Blow-Up" é um filme vazio, presunçoso e que tenta a todo tempo se justificar com o visual bonito e o retrato libertário da contracultura européia na década de 60 sob um FALSO verniz intelectual para encobrir o que o filme é, na realidade: uma grande apologia ao nada(e repleto de 'falsos simbolismos', que só viriam a ganhar significados na imaginação dos críticos que idolatram Antonioni). Por ser de um diretor muito famoso, são poucos os que se 'atrevem' a criticar e mostrar suas reais opiniões, mas àqueles que assim como eu, Pauline Kael e tantos outros acham-no pretensioso, arrastado, forçado e muito menos do que aparenta, sintam-se contemplados.
Blow-Up: Depois Daquele Beijo
3.9 370 Assista AgoraEsse filme me fez entender porque o cineasta François Truffaut afirmou: "Antonioni é o único diretor importante sobre o qual não tenho nada bom para dizer. Ele me entedia, é tão solene e sem graça". Bom, felizmente, ao menos, essa máxima não se aplica para todos os seus filmes, já que "Profissão: Repórter" e "A Aventura", este sim, são filmes seus dignos de nota.
Rejeitados pelo Diabo
3.7 617 Assista Agora"I am the devil.. and I have come to do the devil’s work”
Esqueça os jogos de 'torture porn' difundidos pela quase interminável franquia "Saw"; ou os pavorosos remakes de filmes clássicos de terror das décadas de 70/80 que invadem os cinemas ano após ano. Rob Zombie conseguiu, aqui, incrivelmente, criar um dos filmes de horror definitivos da contemporaneidade. E não é nenhum exagero afirmar isso, já que "The Devil's Reject" é, do início ao fim, uma autêntica aula de como se realizar uma produção do gênero (ainda que peque na forma que se utiliza para atingir o seu momento clímax, no regresso à casa dos Firefly) - uma dosagem admirável de insanidade, tensão, violência, sadismo e emoção, combinados na tela com uma intensidade incrível (e ainda repleto de um senso de humor subversivo e uma excitante pegada 'western').
Após uma irregular e criticada primeira película, Zombie decidiu reunir os três personagens mais carismáticos de "House of 1000 Corpses" e mergulhá-los em uma estória mais ativa, e nas palavras dele mesmo "criar algo que pudesse agradar tanto os fãs do primeiro filme, como os não fãs". E de fato, revelou-se uma decisão acertadíssima - se antes, tinhamos uma produção que se revelava por vezes tediosa, ao inserir o espectador em situações estáticas e pouco lógicas na casa da família Firefly; aqui, temos um filme cheio de energia que acompanha a tentativa frenética de fuga dos criminosos do cerco da polícia, em especial, do vingativo Xerife Wydell, que pretende fazer justiça com as próprias mãos por conta da morte do irmão pelos vilões em questão.
Já nos momentos iniciais, descobrimos que todos os crimes da família Firefly vieram à tona. A polícia, então, encurrala o clã em sua residência, mas, obviamente, os criminosos não estão dispostos a se entregar, o que desencadeia um conflito armado. Percebendo que não possuem chances contra o imenso poderio armado dos policiais, decidem fugir, mas somente Otis e Baby conseguem escapar da casa, pela rede de esgotos, enquanto, Rufus e a 'Mamma' ficam pelo caminho. Logo, tratam de avisar seu pai, o capitão Spaulding, já que é questão de tempo até que a polícia descubra que este também tem envolvimento com os homicídios.
Enquanto aguardam o capitão Spaulding, para que possam, juntos, tentar fugir das autoridades; Otis e Baby fazem uma família refém em um hotel beira de estrada, dando origem a uma das melhores sequências do filme. Zombie aproveita tal momento, não apenas para criar momentos enervantes de horror e violência física e psicológica, como também, para se aprofundar na psique doentia de seus principais personagens, que se comprazem na dor alheia e no sofrimento humano, submetendo suas vítimas a situações humilhantes: em determinado momento por exemplo, Otis induz uma senhora de meia idade a fazer 'strip tease' e proferir obscenidades em frente ao marido; já em outro, vemos Baby obrigando uma das mulheres presentes a agredir fisicamente a outra.
Mas, é claro que o desenvolvimento dos protagonistas não se limita à essa sequência e em diversos outros instantes, somos confrontados com situações que revelam a personalidade daquelas figuras(incluindo também o capitão Spaulding), lhes conferindo tridimensionalidade: já que, ao mesmo tempo que são criminosos insanos e perversos, sentem grande amor e cumplicidade um pelo outro, sendo capazes até mesmo de dar a própria vida em favor dos seus. E Zombie é eficaz ao tornar a dinâmica desse trio bastante convincente, mostrando-se detalhista ao ponto de incluir até mesmo uma cena em que os três discutem sobre a parada em uma sorveteria na beira da estrada, tornando-os muito carismáticos aos olhos do público (não se assuste se você se der conta que está torcendo por eles!)
Quem também recebe tridimensionalidade do roteiro é o xerife Wydell(que pretende extinguir a 'escória'do mundo com as próprias mãos): apesar de ser um cristão fervoroso e um 'homem da lei', Wydell mostra que pode ser tão violento e perverso quanto os criminosos que persegue e acaba perdendo completamente seus escrúpulos para poder saciar sua sede de vingança. Um falso moralista autêntico, que abusa de sua autoridade para depreciar quem ele julga seus 'subalternos' - vejam, por exemplo, o desprezo com que ele trata o crítico de cinema especialista em Groucho Marx, por julgar que esta é uma profissão inútil.
Além dos personagens da sequência do hotel, os demais, por sua vez, seguem a cartilha dos personagens de Zombie e estão ali, essencialmente, para serem figuras secundárias da trama que se desencadeia entre Otis, Baby, Spaulding e Wydell: caipiras desbocados, machistas e sujos; mulheres vulgares e por aí vai ...
E lógico, o sucesso na composição dos personagens não seria possível se o elenco não respondesse à altura, já que se mostram contundentes em papéis excêntricos, que tinham tudo para cair na caricatura : Sheri Moon-Zombie prova que não está aí somente por ser esposa do diretor e torna sua Baby uma assassina sádica, irreverente e dócil com os familiares; Sid Haig está ótimo como o insano Spaulding, sempre buscando meios possíveis para salvar a si e aos filhos, mas os destaques, claro, ficam por conta de Bill Moseley e William Forsythe. Moseley encarna magistralmente a perversão e a impulsividade de Otis e Forsythe acerta o tom com seu xerife justiceiro de caráter duvidoso. Todos conseguem tornar as figuras que interpretam intensamente verossímeis.
Há ainda a participação de outros veteranos como Danny Trejo, Ken Foree, Leslie Easterbrook, Geoffrey Lewis e Michael Berryman que acabam por acrescentar um brilho a mais na produção.
Outro ponto a se destacar é, claro, a ótima e segura direção de Zombie: há um uso exaustivo da câmera na mão, sempre inquieta e realizando movimentações sufocantes em momentos chave. Zombie também emprega recursos como 'slow motion' e 'freeze frames'(principalmente na cena do confronto na casa ou a magnífica cena final) que só deixam sua narrativa ainda mais estilosa, em técnicas que muito lembram a excentricidade de Quentin Tarantino e Robert Rodriguez. Dispondo de uma fotografia árida, amarelada e granulada, arrisco dizer que "The Devil's Reject" é o filme da atualidade que mais perfeitamente conseguiu reproduzir um clima setentista. Nesse aspecto, o filme é marcado de referências (na maioria das vezes, indiretas) à filmes desse período, como "The Texas Chainsaw Massacre" ou "Black Mamma, White Mamma" e outras produções 'exploitation'.
A película também é beneficiada pela sua edição nervosa, que lança mão, muitas vezes, de cortes secos (a cena em que Wydell bate em Baby com um flagelo é um bom exemplo), ou transições feitas de uma cena para outra com estilo (usando muitas vezes o já citado 'congelamento de imagem').
Contando ainda com uma inspirada e perfeita trilha sonora retrô, que atinge o ápice com a sensacional 'Free Bird' do Lynyrd Skynyrd que embala a épica cena final(emocionante!), "The Devil's Reject" é uma verdadeira obra-prima marginal, um clássico 'cult' contemporâneo, que enfrenta muita resistência por parte dos críticos mais conservadores, mas que tem um lugar garantido na galeria de todo fã de uma película insana e envolvente. Acusar a produção de 'violência gratuita' é, portanto, desconhecer os seus objetivos e o público a que se dirige (se você é do tipo que se incomoda com violência, crueldade, palavrões em cena, diálogos verborrágicos...passe longe desse filme!)
Em suma, é cinema 'B'.. de alto nível!
Pânico
3.6 1,6K Assista AgoraEm uma década em que o gênero 'terror' sofria de um descaso impressionante; eis que Kevin Willianson e Wes Craven concebem "Scream", filme que marcou época e devolveu o prestígio ao gênero - tanto em termos de público, como em termos de crítica. Isso porque apresenta uma eficiente combinação entre uma trama 'mainstream', mas, simultaneamente, inteligente.
É 'mainstream', à medida que investe na trama 'slasher' de um grupo de adolescentes sendo perseguidos(e assassinados de diversas formas) por um assassino mascarado. É a velha fórmula do 'whodunit?', que apesar de batida, rende bons filmes, quando bem empregada. "Scream " não somente usou bem essa fórmula, lançando mão de um ritmo alucinante que prende a atenção do espectador(mérito de Wes Craven, especialista nisso); como também, apresentou uma trama inteligente, repleta de metalinguagem com o gênero ao qual se encaixa - seja através de referências diretas à películas notórias que vão de "Psycho" até "A Nightmare on Elm Street", ou através de menções à clichês consolidados em filmes desta linhagem, muitas vezes, se dispondo de sátira.
Desde a antológica cena inicial(sem dúvida, uma das melhores 'intros' em filmes de terror), o roteiro já mostra sua originalidade - quando vemos o assassino, sadicamente, fazendo um jogo de 'vida ou morte' com a personagem Casey Becker e seu namorado, Steve, através de perguntas e respostas sobre filmes de terror(com direito a uma sacada bastante genial sobre o filme "Friday the 13th", capaz de surpreender até os mais profundos conhecedores da série). Aliás, diga-se de passagem, a cena de abertura já revelou uma ousada decisão de Craven à época: ao 'matar' a atriz mais conhecida da produção(Drew Barrymore) logo nos minutos iniciais. A grosso modo foi uma surpresa no público aos moldes de "Psycho" ou "Dressed to Kill".
Ironicamente, os personagens do filme são conhecedores de todos os clichês que acompanham as produções do gênero, mas, o roteiro cria, inteligentemente, situações em que estes mesmos personagens são obrigados a seguirem(e às vezes, até mesmo a serem) esses clichês que ridicularizam. Em determinada cena, por exemplo, vemos a protagonista Sidney sendo confrontada com um telefonema do vilão em sua residência e afirmando que "os filmes de terror são sempre sobre um assassino estúpido que persegue a mocinha peituda que sobe as escadas da casa quando deveria fugir pela porta da frente", quando, segundos depois, é surpreendida pelo assassino e obrigada a subir as escadas de sua casa. Em outra parte da projeção vemos Randy, o cinéfilo, 'ditando' algumas das regras do gênero, ao mesmo tempo em que outros personagens as seguem, inclusive ele mesmo, quando ao assistir "Halloween", de John Carpenter, grita "Atrás de Você! ", ao ver Laurie Strode encurralada por Michael Myers, no exato momento que o assassino está atrás dele.
Conseguindo satirizar um aspecto habitual nas produções do gênero(o 'sangue falso') e também fazer referência à um histórico personagem de um clássico filme até mesmo na revelação final, "Scream" é uma película que nos surpreende com sua criatividade do início ao fim. Aliás, até no tocante à identidade do assassino, "Scream" conseguiu ser inovador e deixar as platéias da época perplexas, já que ninguém imaginava que
se tratavam, na realidade, de dois assassinos e não, um único. Algo que contribui decisivamente para que todos eliminassem Billy Loomis da lista de suspeitos.
A qualidade do roteiro é tamanha que consegue compensar até alguns poucos pontos negativos - como o uso do recurso em que várias pessoas da cidade possuem a mesma fantasia do assassino, ou até mesmo a motivação deste, que mesmo não soando tão concreta, consegue fazer sentido.
Grande parte do êxito de 'Scream' também se deve aos seus bons personagens, que não se tornam dispensáveis/desimportantes em nenhum momento - ao final da projeção, você descobre que se importou com todos eles, inclusive com os baseados em estereótipos: desde a simpática e relativamente ativa heroína Sidney, a irreverente Tatum, a ambiciosa repórter Gale, o atrapalhado Dewey, o adorável cinéfilo Randy(particularmente, meu personagem favorito) e tantos outros. Isso também se deve ao fato de que os atores, em sua maioria, entregam boas/satisfatórias performances,num balanço final: seja Neve Campbell, David Arquete, Skeet Ulrich, Rose McGowan, Jamie Kennedy ou Courteney Cox(que considero a melhor atuação do corpo dramático), enfim... nem mesmo Mathew Lillard, com seu excêntrico Stu, compõe seu personagem de maneira inadequada.
Wes Craven é eficiente na condução de sua narrativa e, como já mencionado anteriormente, imprime um ritmo ágil e envolvente ao filme: o maior destaque é, sem dúvida, o excelente terceiro ato, que culmina em uma sucessão de acontecimentos simultâneos que prendem a atenção do espectador até a revelação final. Hábil também em criar suspense, Craven nos brinda com alguns momentos que realmente aguçam nossas expectativas sobre o que estar por vir ou por quando pode ser a próxima aparição do assassino(como na sequência inicial ou nas cenas da escola) e, apesar de, algumas vezes, lançar mão de artifícios batidos (como aumentar o som para pontuar o aumento de tensão da cena), é bem sucedido em seu intento.
Pontuado também por uma ótima trilha sonora, que exala jovialidade e intensidade, "Scream" entra para o seleto hall dos filmes mais importantes da história do cinema de 'terror', pois além de ter definido toda uma época, mudou decisivamente os rumos do gênero e influenciou uma série de produções posteriores. Sem exagero nenhum, é possível rotulá-lo como um 'clássico moderno' do gênero, que conseguiu ser paradigmático ao patamar das películas que homenageia.
Divertido, envolvente, criativo,esperto e tenso na medida certa.
Skins - Juventude à Flor da Pele (2ª Temporada)
4.5 486 Assista AgoraCom o sucesso de público e a boa aceitação da crítica engrenados na temporada anterior, era lógico que a continuação era questão de tempo. Trazendo, novamente, os mesmos personagens principais de anteriormente; a 'season 2' abandona o tom de 'viver intensamente a juventude' da 'season 1', para focar na proximidade da vida adulta e o término do colegial.
Mais maduros, os protagonistas agora, basicamente, são forçados a enfrentar problemas bem mais sérios e lidar com uma série de incertezas. A começar por Tony - depois de aprontar todas na primeira temporada e ser atropelado por um ônibus, ele está impotente e com as funções psíquicas seriamente comprometidas. Quem mais sofre com isso é Michelle, pois Tony não consegue lembrar-se do relacionamento deles e apesar de suas investidas, está inapta diante da situação. Sid, finalmente, conseguiu consolidar sua vida afetiva e sexual com Cassie, mas o namoro dos dois se vê prejudicado com a distância, já que ela está na Escócia. Além disso, Sid tem de lidar com os problemas familiares crescentes. Chris é expulso da escola e tem de encarar, precocemente, a responsabilidade de procurar um emprego e se sustentar. Mas no meio da dificuldade, ele encontra grande apoio em Jal, desencadeando uma inesperada união. Jal, aliás, aparenta estar disposta se livrar da imagem de 'boa menina'. Maxxie tem de enfrentar a resistência dos pais e ir atrás de seu sonho de ser dançarino e Anwar(que perde essencialmente muita importância nessa temporada) não consegue imaginar o que será de sua vida após o término do ginásio.
Uma das novidades da temporada fica por conta da introdução da personagem Sketch, uma jovem, à primeira vista, bastante tímida. Entretanto, descobrimos que Sketch nutre uma obsessão doentia por Maxxie, mesmo sabendo que este é homossexual, e revela-se uma pessoa inescrupulosa, capaz de cometer as tramas mais sórdidas para atingir seus objetivos;e doentia, chegando ao ponto de envolver os seios diariamente com faixas de pano para se parecer cada vez mais com um menino e poder conquistá-lo. Além disso, a atriz Aimee-Ffion Edwards consegue imprimir insanidade à personagem, transmitindo um certo tom de ameaça. O episódio dedicado à ela(o segundo), por sinal, é muito bom.
É uma pena, contudo, que os pontos positivos acabem, praticamente, aí; já que após o segundo episódio, a trama de Sketch passe a se resumir a uma tentativa tola de 'vingança' contra Maxxie, através de um envolvimento com Anwar(armação do tipo que os vilões de 'Malhação' fariam). Aliás, a função de Anwar nessa temporada se resume, basicamente, à isso.
Mas se, por um lado, Anwar perde muito de sua importância no enredo e Maxxie quase não evolui; por outro, acompanhamos um grande crescimento dos demais, ancorados em tramas bastante interessantes: temos, por exemplo, o 'quadrado amoroso' que se forma entre Tony, Michelle, Cassie e Sid, com todos seus desdobramentos posteriores - incluindo a jornada de Tony rumo à sua recuperação, a confusão sentimental cada vez maior de Michelle(que, a propósito, torna-se mais relevante nessa 'season 2') , a degradação de Cassie, e a busca de Sid por coragem para decidir seu destino. Mas é com Chris e Jal, que temos a melhor trama da primeira geração, já que os dois acabam protagonizando uma história de amor repleta de intensidade e dramaticidade, que sofre uma série de reviravoltas, incluindo um inesperado e trágico golpe do destino. Quem também ganha mais importância aqui é Effy, a 'coadjuvante de luxo'(já prenunciando o que estaria por vir), que desempenha um importante papel em um momento-chave da história.
E grande parte da qualidade dessas tramas se deve às interpretações mais seguras de grande parte do elenco. Mike Bailey e Nicholas Hoult, conseguem tornar Sid e Tony mais carismáticos, por exemplo. April Pearson, embora ainda esteja relativamente inexpressiva, melhora em relação à temporada anterior. Kaya Scodelario também defende bem sua Effy.Mas quem de fato se destaca é Hannah Murray, Joe Dempsie e Larissa Wilson. Murray encarna bem o aumento da complexidade de Cassie aqui e a torna ainda mais trágica,enigmática e simultaneamente, apaixonante aos olhos do espectador. Já Dempsie e Wilson se adaptam, com vigor, à poderosa carga dramática que o roteiro lhes injeta.
A direção de Bryan Elsley e Jamie Brittain continua conferindo à série, características de uma produção 'indie'. Aqui, a dupla mexe ainda mais com a emoção dos espectadores, e não desperdiça as objetivações do roteiro - trazendo ainda mais as expressões faciais/emocionais do corpo dramático ao centro da tela, não desviando a câmera nos momentos mais incômodos, enfim.... e tudo é combinado com uma inspirada trilha sonora(que está mais tensa que na temporada anterior). O destaque fica por conta da criação de um mundo onírico no episódio 'Tony'.
Mas em contrapartida aos pontos positivos, a segunda temporada enfrenta um problema de inconstância: ao mesmo tempo que temos episódios de grande qualidade como 'Tony','Chris','Jal' ou a emocionante 'season finale', temos também episódios abaixo da média como 'Sid','Michelle' e o patético 'Tony and Maxxie'(a 'season intro'). Além disso, por vezes, o seriado ainda insiste em investir em bizarrices gratuitas, em algumas ocasiões, para provocar comicidade ou choque (como a ridícula cena em que Effy se 'diverte' em um sanitário 'móvel').
Uma temporada que tinha tudo para superar a sua antecessora, mas, se não o faz; ao menos, mantém o nível. No fim das contas, assistir "Skins" continua como uma experiência empolgante, intensa e desprovida de plasticidade e falso moralismo (que costumam se fazer presentes em séries 'teen).
Carrie, a Estranha
3.7 1,4K Assista AgoraDentre os muitos motivos para se adorar o cinema setentista, "Carrie", de Brian de Palma, é, sem dúvida, um deles. A produção, que ganhou status de 'clássico' com o decorrer das décadas foi bastante popularizada como um 'terror sobrenatural'. Mas, na realidade, reduzir "Carrie" a apenas um filme de terror é uma incoerência. A película vai muito além disso e o resultado é uma trama densa que nos envolve do início ao fim e nos transmite uma variada gama de emoções.
A história, diretamente adaptada do homônimo de Stephen King (livro ao qual eu, particularmente, ainda não li), nos apresenta a infortunada vida da jovem Carrie White: vítima de uma educação extremamente repressiva de sua mãe Margareth, Carrie sofre por não conseguir ser como os demais adolescentes de sua idade, a ponto de não saber o que é uma menstruação. Por esse motivo, ela é vista como uma 'estranha' pelas pessoas à sua volta, sendo, com frequência, hostilizada; principalmente, pela antipática Chris. Além disso, Carrie é também dotada de poderes telecinéticos, aos quais ainda não consegue controlar, e pode torná-los marcadamente perigosos em situações emocionais extremas.
Mas é quando a jovem Sue se sensibiliza com sua situação, após ela ser humilhada no vestiário, que a trama se desenrola, de fato. Sue decide pedir ao seu namorado Tommy, um dos garotos mais populares da escola, para levá-la ao baile de formatura. Ao saber de tal fato, Chris decide fazer mais uma armação contra Carrie, no intento de ridicularizá-la perante todo o colégio - mal sabe ela, entretanto, que será fatal.
Sissy Spacek parece ter nascido para interpretar Carrie! Spacek compõe a protagonista de forma tão intensa que nos faz viver todas aquelas situações junto com a personagem(tendo sido indicada ao Oscar de 'Melhor Atriz'): por exemplo, quando ela é ridicularizada no vestiário, sofremos com ela; quando ela dança com Tommy no baile, sorrimos com ela; quando ela é vítima da trama sórdida de Chris no baile, nos revoltamos com ela(a ponto de não conseguir, de nenhuma maneira, condená-la em sua implacável vingança); enfim... Spacek interage com o espectador de forma tão tocante que é, indubitavelmente, o ponto alto do filme!
Outra que se destaca, sobremaneira, é Piper Laurie, como Margareth White. Margareth é uma fanática religiosa tão extrema que chega a se tornar lunática. Devido a isso, ela reprime a filha incisivamente, fazendo-a crer, por exemplo, que até as espinhas em seu rosto são maneiras de Deus castigá-la e a submete a sessões excruciantes de rezas e sofrimento físico. Mas o que mais nos chama atenção, é que ela faz o que faz não por maldade e sim porque realmente acredita piamente em todas essas sandices. E Laurie consegue encarnar toda a complexidade da sua personagem de forma admirável, sem jamais parecer caricata!
E é pelas mãos talentosas de Brian de Palma que "Carrie"se torna uma experiência ainda mais interessante. Além da escolha acertada de todo o elenco, o diretor é bastante criativo e usa uma série de artifícios para evidenciar os sentimentos da narrativa - ele usa o 'slow motion' combinado com uma canção de acordes suaves para tornar mais poético o momento da menstruação de Carrie; põe Carrie encurralada no ambiente sombrio de sua residência, quase sempre envolto por sombras, por imagens sacras que parecem dirigir-lhe olhares de repreensão; lança mão de uma movimentação de panorâmica, em uma tomada circular, para tornar ainda mais apaixonante a dança de Carrie e Tommy no baile, dando a idéia de como aquilo é significativo para ela; ou ao criar o inferno particular em cores vermelhas no salão de festas após a irrupção da ira e descontrole de Carrie, no clímax; enfim...um trabalho formidável!
Por esses e outros motivos, "Carrie" não é só um filme de 'horror sobrenatural' sobre o terror desencadeado pelos poderes paranormais da protagonista e sim uma trama tocante, repleta de drama, poesia, sentimentos etc.
Um ótimo exemplar do saudoso cinema setentista!
Skins - Juventude à Flor da Pele (1ª Temporada)
4.4 768 Assista AgoraSeriados adolescentes tornaram-se marca carimbada no século XXI. As famosas 'high schools' americanas, com seus estudantes atléticos, eram(e ainda são) presença constante nas projeções mundo afora. Entretanto, fugindo do padrão convencional de produções do gênero, o canal E4 lançou, em 2007, a polêmica série "Skins", roteirizada por Bryan Elsley e Jamie Brittain. Dessa vez, nada de mostrar a vida da juventude na alta sociedade ou o embate maniqueísta entre 'cherleaders' malvadas e garotas boazinhas, mas sim a realidade sem limites de oito jovens moradores dos subúrbios britânicos, na cidade de Bristol. A produção causou grande 'frissom', desde seu lançamento, devido às suas cenas de sexo, nudez e uso de drogas.
O calculista Tony lidera o octeto principal; que também conta com sua insegura namorada Michelle, a culta instrumentista Jal, o tresloucado Chris, o virgem Sidney, a perturbada Cassie, o homossexual Maxxie e o muçulmano Anwar. Interpretados por jovens iniciantes no meio artístico, alguns estreantes, os protagonistas de "Skins" em nada se parecem com os jovens idealizados das séries americanas, com rostos bem mais próximos ao visto no cotidiano. Os destaques positivos ficam por conta de Hannah Murray e Joe Dempsie, que compõem de forma divertida seus personagens.
Intensos e espirituosos em sua quase totalidade, os personagens constituem a principal força desta temporada e despertam, inevitavelmente, um sentimento de identificação por parte dos espectadores. Uma das ressalvas, contudo, fica por conta da personagem Michelle, uma vez que ela parece existir no seriado apenas em função de Tony (desde sua personalidade até suas ações). Porém, isso é amenizado pela boa química exibida pelo casal, apesar da atuação pouco expressiva de April Pearson.
Além disso, o roteiro acerta por não eufemizar os dramas diários vividos pelos personagens - pois, muito mais do que se preocupar em quem serão os próximos reis do baile de formatura do fim do ano; os jovens de "Skins"enfrentam problemas sérios e reais - sejam eles tabus religiosos, transtornos alimentares, depressão, conflitos de sexualidade, completo abandono familiar, dentre outros. Aliás, o seriado promove, de forma irônica, uma crítica velada aos modelos familiares pós-modernos, já que a grande maioria dos personagens integram famílias disfuncionais ou completamente ausentes. Isso se deve, em grande parte, à forma caricata e ridícula com que os adultos são representados.
Ao abolir maniqueísmos, e relativizar os conceitos de 'mocinho' e 'vilão', o roteiro também torna os personagens como objetos de consequência de suas próprias atitudes e mostra que a vida não os redime de pagar, cedo ou tarde, por suas inconsequências.
A experiência torna-se menos plástica e mais real, também, com o uso de diálogos mais sinceros e espontâneos; repleto de gírias e palavrões típicos, ditos sem o menor pudor no transcorrer dos episódios. A fotografia não videoclipada também acentua o realismo da série, aliado à trilha sonora repleta de bandas alternativas, o que contribui para conferir uma certa atmosfera 'indie' ao seriado.
Outro acerto do seriado, consiste na boa estratégia de dedicar cada episódio à um personagem, o que permite desenvolvê-los melhor; fato que não exclui, de forna alguma, a presença dos demais no capítulo.
E o seriado poderia ser muito mais marcante, se se levasse mais a sério. Todavia, "Skins" peca por, muitas vezes, insistir em tentar provocar comicidade apelando para situações forçadas(o que dizer, por exemplo, dos gritos excessivos e ruidosos de Michelle enquanto ela transa com Tony num quarto, em uma determinada cena, e Jal escuta tudo perfeitamente de outro cômodo distante da casa) e também, exagerando na representação daquela realidade com o claro intento de chocar o espectador(a grande quantidade de xingamentos que o pai de Tony profere contra ele no 'season intro'chega a ser patético). Além disso, em algumas ocasiões, deixa-se de explorar tramas relevantes para focar em situações desnecessárias (como o episódio em que priorizam uma subtrama estúpida de uma ninfeta russa em detrimento de desenvolver com mais profundidade o interessante conflito entre Maxxie e Anwar).
Obviamente, se a série fosse desprovida de erros como esse, certamente, estaríamos diante de uma densa produção de drama na tevê aberta.
Não é exagero nenhum afirmar que "Skins" é um 'cult' da atualidade, cujos principais méritos são nos apresentar personagens espirituosos e trazer uma abordagem da adolescência sem plasticidade e moralismos(apesar dos exageros vigentes). O resultado é uma produção calourosa, empolgante e capaz até de provocar um certo choque de realidade no espectador; e mesmo não sendo uma série excepcional, está acima da média das demais produções do gênero, merecendo ser conferida.
O Massacre da Serra Elétrica
3.7 1,0K Assista AgoraUm ano depois de "The Exorcist" ter reconduzido o cinema de horror aos grandes holofotes, foi a vez da produção independente "The Texas Chainsaw Massacre",do jovem diretor Tobe Hooper,abalar as estruturas do gênero. Dessa vez não se lidaria com o medo do sobrenatural,mas sim,com o medo de algo mais concreto,em outras palavras,um confronto direto com a crueldade humana.
Lançando em uma época contestatória e de grande inquietação no mundo,em grande parte,provocado pela paranóia decorrente da Guerra do Vietnã,;é de esperar que o filme tenha captado boa parte dessa atmosfera - veja-se o clima de insanidade e tensão vigente,além dos aspectos da contracultura presentes desde a caracterização dos personagens.
O filme apresenta a trajetória de um grupo de cinco jovens hippies que atravessam as áridas paisagens do deserto do Texas para visitar uma propriedade abandonada,e vêem sua viagem de domingo ser transformada em um pesadelo inesperado ao cruzarem com uma demente família, com hábitos canibais,habitante do local. A história,aparentemente simples,entretanto,se desdobra de tal forma a nos apresentar uma das mais genuínas materializações do horror e do nervosismo já feitas.
Tobe Hooper comanda o show de horror que já nos incomoda desde seus momentos iniciais com a sua fotografia imperfeita e documental(algo que foi desintencionalmente ajudado pelo baixo orçamento do projeto).Aliado a isso,temos a caracterização suja e repugnante dos ambientes do filme(veja-se,por exemplo,o sórdido ambiente da casa dos Sawyer,quando Pam adentra um dos cômodos) e uma quase total ausência de trilha sonora(o máximo que temos é a tétrica trilha instrumental nos minutos iniciais) que torna a atmosfera da película ainda mais sinistra. É incrível ver como Hooper consegue manter esse clima atmosférico na película durante toda a projeção,algo que,por si só,já constitui um diferencial e ponto alto da produção.
O desenrolar da película praticamente não perde tempo com fatos secundários: é incisivo e direto. Não tarda para que já estejamos envoltos com o desespero desencadeado por aquela situação enervante. Os principais assassinatos do filme ocorrem,essencialmente, em um curto e frenético intervalo de tempo no fim da primeira metade do filme. Engana-se,entretanto,quem imagina que a película perca sua força aí,ao contrário, - Hooper executa a direção de tal forma,que a cada segundo tudo torna-se mais emocionante,em especial,a partir das tensas cenas de perseguição da última sobrevivente na escuridão do local.
Hooper demonstra,aqui,um grande talento para o manuseio de sua câmera,que nos mostra movimentações sufocantes e ótimas angulações. O maior exemplo,é,sem dúvida, a inesquecível e marcante cena do banquete(uma das mais sádicas já feitas): onde abusa dos 'travellings',fazendo a câmera viajar pelo cenário e lança mão de uma série 'zoons ins'(o que causa ainda mais desconforto no espectador ao dar 'closes' na 'remela' dos olhos da vítima e mais profundamente,em suas pupilas inquietas), aproveitando muito bem a dinâmica perversa instalada entre os vilões a vítima em questão. Observem como o diretor dá esporádicos 'zoons ins' e 'zoons out' até na imagem da Lua no deserto,para reforçar a atmosfera misteriosa e desalentadora da noite na projeção e o sentimento de não ter a quem recorrer naquela situação.
É notável que se consigam todos esses efeitos sem jamais apelar para a violência gráfica explícita:em determinado momento, por exemplo,o plano de filmagem desvia no exato
momento em que o assassino vai lacerar o corpo da vítima com sua motoserra e em vez de se preocupar em mostrar como ficou o estado do corpo, exibe-se o turbilhão de sangue saltando no avental do vilão; o que não compromete de forma alguma o grau de violência e tensão na cena.
As atuações exageradas do filme e,em alguns momentos,até mesmo ridículas(em especial de Edwin Neal e seu sinistro 'Hitchhiker') contribuem para reforçar o já ressaltado tom de insanidade vigente no filme. Marilyn Burns consegue convencer com a sua Sally extremamente histérica e atormentada nos momentos de desespero,o que lhe conferiu um lugar na galeria das 'scream queens' eternas do cinema de horror. Gunnar Hansen,mesmo no silêncio de seu personagem,compôs o doentio Leatherface,um dos antagonistas mais temidos da história cinematográfica.
Além de tudo,"The Texas Chainsaw Massacre"também acerta por não se preocupar em estabelecer o motivo pelo qual aquilo está acontecendo:apenas está acontecendo,não importa o porquê;fato que realça o clima enigmático e angustiante do filme. E se falei muito de Hooper,anteriormente,não é a toa:é ele a principal estrela desta película.Sem sua direção intensa e beirando ao verossímil,não seria possível ter construído esse verdadeiro divisor de águas na história do gênero 'terror',que,a despeito da polêmica que causou na época,elevou,sobremaneira,a importância dos 'slashers movies'.
Um clássico imperdível,que faz merecer a alcunha que recebeu por parte crítica especializada,de 'cinema de verdade'(em alusão a sua ousadia e realismo).
Todo Mundo Odeia o Chris (1ª Temporada)
4.4 373 Assista AgoraLogo em seu momento inicial,''Everybody Hates Chris'' já introduz uma sequência hilária,prenunciando o tom burlesco e irônico que caracterizará toda a série:
''- Antes de virar comediante,achei que ser adolescente seria a coisa mais maneira do mundo'',diz o protagonista em um monólogo,narrado por ele anos depois.Segue-se então,uma cena que ilustra um devaneio representativo de suas expectativas para a adolescência - mostrando-o com um visual ''cool'' oitentista,saindo de um carro,cercado por garotas e admiradores,chegando em uma festa e sendo aplaudido como ícone de popularidade.Há então,um corte abrupto,para uma cena exibindo Chris acordando após gritos histéricos de sua mãe Rochelle,lhe informando sobre seu atraso para o primeiro dia na nova escola.
A partir daí,a série mostrará ao espectador alguns episódios da infortunada vida do comediante Chris Rock,negro(a referência à esse fato é crucial,já que a negritude do protagonista e sua família são aspectos essenciais para diversas objetivações do roteiro),em sua adolescência no bairro do Brooklyn,na década de 80.Obviamente,em um tom hiperbólico e pândego;sem pretensão alguma de representar com fidedignidade como os fatos ocorreram na realidade,mas apenas com o intuito de captar a essência dos acontecimentos e criar situações risíveis;''Everybody Hates Chris'' se desenrola,apostando em ótimos personagens,tramas envolventes e técnicas narrativas criativas;sempre satirizando(e criticando) diversos aspectos daquela sociedade oitentista norte-americana consumista,segregacionista,desigual e cheia de vícios.
A sátira e a crítica já começam quando a mãe de Chris decide enviá-lo para a ''Corleone High School'',uma escola do outro lado da cidade,por acreditar que lá ele receberá uma educação melhor.Tudo por um único e simples motivo:Lá é uma escola de brancos.Já há aí,uma clara denúncia à desigualdade de tratamento conferido às duas etnias.
Para chegar na escola,Chris tem de pegar dois transportes coletivos e estar sempre pontualmente na parada.Chegando lá,ele terá de lidar com a intolerância e a indiferença de uma série de alunos que não se aproximam dele pelo simples fato de ser negro.E todo esse preconceito encontra personificação máxima na figura de Caruso:o valentão da escola,que já começa a atormentá-lo no primeiro dia de aula,por conta da cor de sua pele;algo que imputará à Chris perseguições diárias,com a pena de sempre ficar preso no armário na hora da saída ou ter que fugir do linchamento da trupe do vilão escolar no caminho para alcançar o ponto de ônibus.Felizmente,ele poderá contar com a amizade de Greg,que apesar de branco,sofre por não conseguir se adaptar ao modelo comportamental da maioria dos adolescentes daquele meio:Greg é um nerd nem um pouco descolado,tão pouco atraente.
Vale mencionar também,que na Corleone,Chris irá se deparar com a hilária e contraditória professora Morello:Apesar de claramente racista e cheia de estereótipos absurdos sobre o povo negro;Morello não trata Chris com indiferença,tão pouco é adepta do ódio racial,ao contrário,aparenta sentir pena dele e toma atitudes,que embora completamente estúpidas,são bem intencionadas e visam ''ajudá-lo''.
E o calvário de Chris não para por aí:ele terá de lidar em casa com o peso de ser o filho mais velho e os conflitos familiares;com as diversas figuras de seu bairro periférico e ainda por cima,pagará o preço por não ser considerado 'interessante' aos demais jovens,o que o leva a ser rejeitado até mesmo pelos outros adolescentes negros.
Julius,seu pai,é um homem trabalhador e dedicado à mulher e a prole.É bastante avarento e materialista.Insiste em tratar Chris como um adulto.
Rochelle,sua mãe,é uma dona de casa neurótica,consumista,tempestiva e encrenqueira.É muito preocupada com o que as pessoas pensam e faz de tudo para manter a melhor aparência possível de sua família frente ao corpo social(descrita pelo próprio protagonista como uma mulher pobre e soberba).Apesar de tudo,ama muito o marido e os filhos.Sempre responsabiliza Chris por tudo de ruim que acontece na residência e lhe aplica rígidas punições,quase sempre,injustas.
Tonya,a irmã mais nova,é uma menina levada,traquina e irresponsável,que sente um prazer sádico em prejudicar o irmão mais velho.
Drew,é o irmão do meio e representa tudo aquilo que o irmão queria ser,mas não é:descolado,popular,atraente e sortudo.Além de tudo,parece ser mais velho que o próprio Chris e conquista Tasha,objeto da paixão platônica do protagonista.
E ainda há os habitantes marcantes daquele Brooklyn ficcional oitentista:Jeromo,um assaltante cínico,que todos os dias rouba 1 dólar de Chris;Golpe Baixo,um morador de rua alucinado,dentre outros.
E aí,reside um dos principais acertos do seriado:o texto e a direção de Andrew Orenstein poderiam muito bem se perder em suas atribuições,ao retratar com intensa dramaticidade esse universo desagradável onde Chris vive.Todavia,tudo é abordado de forma irreverente e cômica,conseguindo o incrível efeito de nos fazer rir de todas aquelas situações,sem deixar em nenhum momento que fiquemos alheios à todos os problemas enfrentados pelo azarado herói.Por exemplo,é impossível,não se conscientizar da repugnância daquele ambiente escolar extremamente hostil da Corleone High School.
Além disso,são usadas todas as características viciosas dos personagens para criar situações caricaturais,através de diálogos engraçados,planos imaginários e saudosas 'gags' visuais;como pode ser percebido nas ótimas piadas sobre o consumismo e a soberba de Rochelle ou sobre a avareza de Julius;os momentos impagáveis dos assaltos diários de Jeromo consentidos por Chris,dentre outros.
E claro,é impossível deixar de se mencionar a brilhante técnica da voz em 'off' do narrador onisciente(o próprio Chris Rock),que traça comentários sarcásticos muito bem elaborados,algo que funciona espetacularmente.
Para completar,a série ainda está ancorada em ótimas interpretações.A começar por Tyler James Williams que entrega uma performance bastante satisfatória como o desventurado Chris,obtendo efeitos hilários através de suas expressões faciais exageradas.Os outros destaques ficam por conta de Tichina Arnold,Terry Crews e Jacqueline Mazzarella,aos quais acertam magistralmente na composição da histérica Rochelle,do cauteloso Julius e da esdrúxula Morello,respectivamente.
Contando ainda com uma bela e nostálgica trilha sonora,repleta de flashbacks memoráveis das décadas de 70 e 80,''Everybody Hates Chris'' reafirma-se como uma das melhores produções de comédia da atualidade,completamente compromissada e bem sucedida no objetivo de fazer um humor orgânico e bem elaborado.
Closer: Perto Demais
3.9 3,3K Assista AgoraUm filme atípico,que traz um olhar maduro,cru e pessimista sobre a dinâmica de relacionamentos afetivos humanos.
''Closer:Perto Demais'' é um daqueles filmes que não se mostra eufêmico em nenhum momento de sua projeção.Ao contrário,está claro ser objetivo de seu cineasta,não poupar o espectador de qualquer emoção evidenciada pelo roteiro,seja ela de qualquer intensidade.Dessa forma,somos,quase que constantemente,confrontados com diálogos ácidos e fortes,que ilustram a dura realidade representativa do universo do longa:em determinado momento,por exemplo,vemos o personagem Dan(Jude Law) afirmando friamente à Alice(Natalie Portman) que irá deixá-la para viver uma história de amor com Anna(Julia Roberts),por achar que a última poderá fazê-lo mais feliz.
Desta forma,o roteiro vai mostrando sua força,ao retratar o ser humano como uma criatura complexa e imprevisível,quase sempre tomando atitudes paradoxais,e decisões as quais podem despertar arrependimento segundos depois.Tal fato acaba justificando a volatilidade da duração dos relacionamentos que se desenrolam entre os quatro protagonistas,aos quais estão,inevitavelmente,envolvidos em uma rede de mentiras,intrigas,traições e amores efêmeros.
Olhando por esse prisma,pode-se constatar que até mesmo o amor,tema tão recorrente em obras cinematográficas,recebe uma abordagem diferente em ''Closer'':nesta película,o amor é mostrado como mais uma forma de egoísmo por parte de seus personagens,já que muitas das atitudes tomadas por estes no tocante à vida amorosa,são pensadas,única e exclusivamente,em função de seus próprios interesses.E em determinados momentos,o amor é até mesmo relegado ao plano secundário:veja-se,por exemplo,na cena em que Anna afirma friamente à Larry(Clive Owen) que o traiu com Dan,e quando indagada por aquele,cruamente,se fez sexo oral no último,ela subentende que sim e ainda sugere que foi algo bastante prazeroso.Não satisfeito,Larry parece estar convicto que Anna pensa em deixá-lo apenas porque Dan dá mais satisfação à ela no ato sexual,sequer cogitando a hipótese de que ela possa estar vivendo um matrimônio infeliz e sentimentalmente falho.
E se somos confrontados com situações atípicas que denotam a qualidade do roteiro;esse mesmo texto não decepciona ao nos fornecer,também,uma excepcional composição de seus personagens,acertando até mesmo ao incluir detalhes que se referem à alguma característica da personalidade de cada um deles.
Anna é uma fotógrafa,acostumada a captar em suas fotografias o sorriso e felicidade de outras pessoas,mas revela-se incapaz,de captar o sorriso e felicidade em sua própria vida.É claramente fraca e insegura,mas procura sempre se mostrar forte quando se tratam dos conflitos impostos pela teia afetiva da película.
Dan é um escritor de obituários,mas que possui um sonho fracassado de ser escritor.Há aí uma clara referência à morte de suas perspectivas;mas ao conhecer Anna e Alice,parece haver um reavivamento de suas pretensões,que o levam à escrever um romance chamado ''O Aquário'',que,ironicamente,tem uma temática muito semelhante às vivenciadas por ele na vida real.Além disso,Dan é um sujeito que aparenta,muitas vezes,não sentir nenhum remorso de suas atitudes,por mais cruéis que possam ser.
Larry é um dermatologista e sua descrição,lhe evidencia como alguém que está sempre obsesso em tentar sentir o interior de seus afetos,através do contato com a pele.Este mesmo,revela-se como um homem bastante intenso ao se entregar aos fatos;mas também tempestivo e ciumento,transmutando-se em vingativo e manipulador,ao sofrer uma decepção.
E Alice,uma personagem enigmática,que parece sentir um receio dos homens e de se atirar às paixões da vida;algo que pode ser ilustrado em sua condição noturna de 'stripper',no papel de uma mulher atraente que pode ser apenas contemplada visualmente,mas nunca,tocada.E a decepção que sofre com Dan,acaba sendo o ponto catalisador de suas incertezas.Mas,ao mesmo tempo,Alice acaba se mostrando a menos inconstante e egoísta;além da mais forte e madura dos quatro,o que pode ser confirmado na revelação final.
Tais personagens não seriam tão bem sucedidos em suas atribuições,não fosse as performances magníficas de seu elenco:e já tornou-se convencional falar que Natalie Portman e Clive Owen são os maiores destaques deste corpo dramático.Não seria nenhum pouco injusto,se os dois tivessem angariado as premiações do Oscar para as categorias de atuação,aos quais foram indicados.Portman demonstra uma grande segurança na composição de sua Alice;já Owen,mostra-se notório por imprimir expressões faciais e corporais devastadoras à seu Larry,perfeitamente encaixáveis com cada sensação que o personagem explana durante a projeção.
Mike Nichols faz um ótimo trabalho à frente da direção,por demonstrar uma simplicidade arrebatadora e extremamente eficiente em seus planos fílmicos.A estratégia de manter as câmeras sempre focadas no rosto dos personagens é extremamente adequada para reforçar o tom intimista e introspectivo da projeção,além de reiterar a principal força de ''Closer'',que são seus diálogos.Nichols também aproveita a fotografia e acerta ao demonstrar Londres como um local repleto de impessoalidade,indiferença e individualismo;como,por exemplo,ao retratar os protagonistas em meio à multidão e invisíveis entre si,até que algo chamativo aconteça para aproximá-los.
Infelizmente,às vezes,o filme erra ao não se preocupar com a passagem de tempo,sucedendo tudo ''apressado demais'',mostrando os acontecimentos como se se desenrolassem de forma artificial.Entretanto,torna-se algo irrelevante no balanço final.
Um dos melhores filmes da atualidade,''Closer:Perto Demais'' é,sem dúvida,uma obra prima contemporânea.Trazendo uma visão de mundo pessimista,típica da maioria das pessoas do século XXI;a película se torna única,eficaz e original,por distanciar-se das idealizações que cercam as produções do gênero e nos presentear com quatro protagonistas alegóricos que tem como característica marcante,o fato de serem humanos e verossímeis em uma obra de ficção:complexos,indecisos e imperfeitos.
Para Sempre Lilya
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