Me sinto estapeado, porque assim quis Dolan no twist final de sua mais bem elaborada obra. "Mommy" é um filme cuja palavra "agridoce" definiria plenamente, pois como disse Che em algum momento, "Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás". Ao término do filme, você se vê de pé na porta de Diane dando adeus, agradecendo aos momentos bons e ruins, consciente de que o caminho é tortuoso mas que dele tiramos algo muito precioso: experiência. Dolan sai do lugar comum e nos embarca em uma história que não estereotipa seus personagens, mas sim os tira da tela e os coloca diante de nossos olhos. E por isso é tão doloroso dizer adeus, e por isso a dor de todos nos afeta como se fosse a nossa. Porque dançamos "On ne change pas" na cozinha em uma noite qualquer. Rimos bobamente nessa mesma noite, como se fôssemos imortais. Tomamos um café delicioso juntos, na varanda, e depois tiramos uma foto para registrar e pendurar no mural. Andamos de bicicleta em meio aos carros, jogando compras por trás dos ombros. Pedimos apoio num final de tarde sem luz, no meio da rua. Fomos ao karaokê e cantamos uma música que significa muito (e que fique entre nós). Porque choramos nos momentos de desespero, e também sonhamos com um futuro utópico. O devaneio de Diane ao final do filme é umas das mais belas cenas filmadas e editadas na história do cinema moderno. Algumas lágrimas não pude conter, pois Dolan nessa cena transmite todo o espírito materno universal através da exótica Diane, uma mãe que mistura álcool com seu café enquanto lava roupa, porém uma mãe que na concepção universal, ama sua prole mais do que pode, e como pode. Nem sempre essa massa pensante de carne e osso aguenta o fardo que a vida nos impõe. Nenhum dedo em riste de reprovação, apenas a sensação de mais um capítulo vivido, e claro, algumas cicatrizes. Steve encerra o filme deixando claro que essa história não termina com os créditos finais. Para encerrar essa amável história, Dolan manda seu recado através de uma música:
(...) Sometimes love is not enough and the road gets tough I don’t know why (...) The road is long, we carry on Try to have fun in the meantime.
Que possamos com a força de nossas mãos expandir nossos horizontes do 1:1, sentir o sabor da liberdade e da alegria de viver, apesar das dificuldades.
Ao ler a sinopse ou assistir o trailer de "Wild", logo percebemos que o filme se trata daquele clássico construído nos moldes do monomito, também conhecido como "jornada do herói", onde o personagem principal é "chamado" pelas circunstâncias a partir em uma jornada que resultará em alguma transgressão pessoal. E é exatamente disso que se trata o sétimo longa do já renomado diretor canadense Jean-Marc Vallée (Dallas Buyers Club).
Cheryl (Reese Witherspoon) decide ingressar na Pacific Crast Trail (ou PCT), uma trilha de milhares de quilômetros ao longo das fronteiras dos Estados Unidos e Canadá. Vamos conhecendo o passado de Cheryl e as motivações de sua jornada através de flashbacks e narrações da própria, conforme ela avança os quilômetros e mais quilômetros da trilha.
A montagem do filme é muito eficiente, embora bastante didática. Somos confrontados com certo suspense no primeiro ato do filme, onde os fatos que motivam a personagem a se colocar nessa posição de provação tão intensa são revelados pouco a pouco, intercalando o progressivo presente aos curtos flashes do passado. A música também tem papel fundamental no desenvolvimento da narrativa, pois além de pontuar os acontecimentos do filme, suas letras contam um pouco da história e percepção de Cheryl.
Reese Witherspoon recupera aqui o seu brilho apresentado em sua tão longínqua performance em "Walk the Line", que lhe rendeu um Oscar. Sentimos em cada expressão as dores físicas e emocionais de Cheryl, como se cada movimento e ação escondessem algo que ainda não conseguimos enxergar. A atriz mergulha de corpo e alma no papel e com certeza terá seu trabalho reconhecido nas premiações deste ano. Laura Dern também imputa seu talento nas pouquíssimas, porém muito importantes aparições como a mãe de Cheryl, que tem papel crucial no desenvolvimento da história.
É muito louvável a forma como Jean-Marc ilustra a vulnerabilidade e a força da mulher. A todo o momento ao se deparar com homens no caminho, sentimos o perigo latente rondando a personagem. A mulher está sempre sujeita a sofrer qualquer tipo de violência vinda de homens, seus iguais, seres humanos. Em paralelo, muitos homens fortes e determinados ficam para trás nessa jornada de resistência, enquanto Cheryl segue firme, mostrando que essa tal força conferida ao homem pode muito bem ser superada.
A natureza humana é algo que nos intriga e fascina desde os primórdios da história. Ramos de todas as ciências tentam entender-nos e explicar-nos de diferentes abordagens possíveis. Mas nenhum deles é capaz de proporcionar o autoconhecimento que Cheryl busca quando parte de casa, abandonando sua arruinada vida para encontrar muitas respostas. Muitos quilômetros e provações são necessários para que a personagem entenda que na jornada da vida assim como na sua trilha, não somente os bons momentos são válidos e te levam ao destino final. Cada um dos piores e melhores momentos a afetam de forma que possa se moldar e transformar. É uma analogia brilhante a certo ponto do filme quando Cheryl pega sua gigantesca mala e decide o que é realmente útil na sua viagem, a fim de reduzir o peso que carrega. O mesmo acontece na vida. Carregamos uma gigantesca bagagem de experiências que precisam ser geridas e superadas se quisermos seguir com menos peso nos ombros.
Também no cinema podemos passar por experiências redentoras como a de Cheryl. "Wild" é daqueles filmes que ao se encerrar te preenchem de vida. Enche-te de vontade de inspirar o máximo de ar que possa caber em seus pulmões e viver.
Quando um filme dá certo ou errado, as glórias ou maledicências sempre recaem em cima do diretor, por mais que o êxito dificilmente seja somente dele. Mas particularmente em "Boyhood", Richard Linklater merece todo mérito pelo triunfo do mais ambicioso longa de sua carreira. A ideia parece muito simples: contar a história de um garoto da infância até a juventude, com os mesmos atores ao longo de anos.
Filmar algo por tanto tempo é mais complexo do que se imagina. Pense na quantidade de material bruto para a equipe de edição trabalhar no final dessa empreitada. Pense em como deve ser difícil gerir essas filmagens para que no futuro todo esse amontoado de cenas façam sentido quando cortadas e emparelhadas. E mais ainda, imagine a destreza necessária do diretor para gerir sua equipe para que tudo saia de acordo com o seu olhar, para que a história não perca sua essência ao longo dos anos, para que ele próprio não perca a direção da sua obra. Além disso, a tecnologia evolui muito rapidamente, e é necessário um cuidado maior ainda para que esse material seja esteticamente homogêneo quando editado.
E não somente os fatores técnicos merecem louvor, o texto também. Desde trabalhos anteriores como "Waking Life", Linklater já demonstrava um enorme interesse pelas correntes filosóficas. Claramente que toda essa bagagem intelectual adquirida pelo diretor é embutida na história que conta, e mais ainda em seus personagens. O teor existencialista se instaura no terceiro ato, quando Mason no presente se depara com o futuro, e sua mãe no presente se depara com o passado. O filho se espelha na mãe para avaliar como lidar com o futuro, a mãe se espelha no filho para avaliar sua trajetória através do crescimento dele. Ao dar adeus para sua cria, a mãe dispara:
"Esse é o pior dia da minha vida. Eu sabia que esse dia iria chegar, mas por que está acontecendo agora? Primeiro eu me caso, tenho filhos, me deparo com dois ex-maridos, volto a estudar, me formo, me especializo, mando minhas duas crianças para a faculdade. E o que vem agora? A porra do meu funeral? Eu pensava que teria sido melhor."
E então o filho percebe que aqueles que sempre lhe deram a direção, no final das contas estão tão perdidos e incertos sobre o presente e futuro quanto ele. E nessa fase de incertezas, o professor aparece para dar talvez alguma direção, num longo diálogo que pode ser resumido a: "Quem você quer ser, Mason? O que você quer fazer?".
No final das contas, somos nós os arquitetos da nossa vida, independente de referências externas. Nem sempre escolhemos por quais estradas percorrer nosso caminho, e muitas vezes somos sim, vítimas das circunstâncias. Porém, como diria o filósofo existencialista Jean Paul-Sartré: "O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.".
"Boyhood" é realmente uma jornada. Vemos Mason crescer, seus pais envelhecerem, tudo isso diante de nossos olhos. E é sublime, pois não é datado. Não há letreiros ou vinhetas, é transitório e efêmero como a própria vida. Num instante Mason está deitado nas gramas da escola, com a mochila nas costas, no aguardo de sua mãe; no outro, sentado em meio às montanhas, ao lado de uma garota que poderia facilmente ajudá-lo a reconstituir o ciclo da vida. E é assim que o filme termina, como começou: em contemplação do horizonte, em busca de respostas, no aguardo do futuro tão longínquo, porém logo ali.
Um diálogo entre mãe e filha em meados da projeção sintetiza o filme:
Samantha: O que vai acontecer? Mãe: [chorando] Eu não sei. Samantha: Por que você está chorando? Mãe: Porque eu não tenho todas as respostas.
Richard Linklater também não nos deu todas as respostas, mas nos presenteou com uma primorosa história, como jamais contada antes. Um verdadeiro marco do cinema contemporâneo.
"Entre Nós" termina da forma como começou: instigante e apreensivo. Este é um dos maiores êxitos do filme de Paulo Morelli que atraiu certa atenção nacional, e que certamente a mereceu. Se distanciando dos clichês de boa parte dos filmes nacionais exibidos nas salas de cinema atualmente, "Entre Nós" é um drama dominado por uma tensão latente, proporcionada principalmente pelo seu trabalho de som onipresente, que é excepcional, e também pela ambientação visual da história, uma casa afastada em meio a árvores, na escuridão; um ambiente propício para um suspense ou filme de terror, tamanha apreensão causada pelos elementos combinados de imagem e som. Só estes elementos aliados ao roteiro ágil e bem elaborado do diretor já proporcionaram uma experiência totalmente válida. Mas o filme vai além. Ele traça um retrato de personagens muito bem confeccionadas, cada uma com suas particularidades e desejos, o que somente enriquece a narrativa. É sentida a necessidade de mais filmes como este, com uma discussão menos polarizada em personagens pobres e humildes lutando contra as dificuldades sociais do nosso país, fenômeno chamado por alguns de "favelização do cinema"; é requisitada uma maior polarização nas discussões da nova classe média, afinal, ela precisa se ver retratada e se ver no audiovisual. Os sete amigos são pessoas engajadas que discutem sobre música, política, escrevem livros, embutem expressões em línguas estrangeiras em seus diálogos, articulam bem. E nesse meio, há espaço para uma discussão moral que percorre vários territórios. Qual o preço que se paga pelo sucesso? Felipe a certo ponto discutindo sobre política, expõe as suas ideologias e crenças, deixando bem claro a sua ética pessoal. Gus na antemão, inveja o padrão de vida de Felipe, expondo isso abertamente a certo momento, no qual Felipe mais uma vez de forma enigmática deixa bem claro que o amigo não gostaria de estar em sua pele. E todos acabam por fazer isso: ao longo do filme através de diálogos e atitudes, podemos realmente entrar na casa desses amigos e participar dessa jornada emocional. Afinal, o tempo pode apagar tudo? Ou poderia o tempo apenas realçar o sabor amargo das escolhas e decisões tomadas por nós ao longo da vida? Dez anos depois, ao abrir a caixa de madeira onde deixaram estampadas suas impressões futuras em papel, tão frágil quanto eles próprios, os amigos percebem que estas cartas estão tão deterioradas pelo tempo quanto eles mesmos. Percebem que o que foi guardado não se manteve intacto, mas sim, se tornou território para a putrefação, assim como as mentiras e as verdades guardadas por eles em suas próprias caixas. Analogias inteligentíssimas que o diretor insere no visual para ilustrar o campo subjetivo dessas ricas personagens, que consequentemente propiciam um rica história, que termina sem um final delimitado, mas que termina com papel cumprido: germinando questionamentos e inquietando o seu espectador.
"Under the Skin" é um filme extremamente subjetivo e inteiramente sensorial. O seu intuito é deixar aquela sensação de estranheza durante toda a projeção, onde absolutamente nada é entregue de forma inteligível. Só resta ao espectador sentir e supor. O filme todo é fortemente regido pela trilha sonora da competente Mica Levi, que é grande responsável pelo estabelecimento da atmosfera sentida durante absolutamente todo o filme; é uma tensão latente. Jonathan Glazer consegue nos hipnotizar em algumas cenas surrealistas onde imagem e som se combinam de forma aterradora. É impossível não identificar uma adoração ao estilo de Kubrick, tanto visual quanto musical. Porém, é muito cedo para apontar Jonathan como o herdeiro de Kubrick somente por esse trabalho após seu enorme hiatus, mas certamente a película o torna um "one to watch". Ao que se refere a história, como mencionado acima, tudo é bastante subjetivo e só resta aos espectadores criar muitas teorias do que acaba de ser visto. E confesso, isso me incomodou ao término do filme, mas após um longo período de digestão e reflexão, posso afirmar que a experiência é completamente válida. Posso afirmar também, que você nunca assistiu ou assistirá outro filme como esse, lhe agradando ou não; pelo menos algumas cenas serão memoráveis. "Under the Skin" nos confronta com o que é ser humano, e o que nos torna humano. Não se trata da história da natureza de um ser alienígena em um planeta estranho, e sim da natureza humana sendo absorvida por essa criatura. Ao criar empatia pelas pessoas da Terra, ela se vê perdida e vulnerável, algo não presente no começo de sua história, onde ela é o predador e todos os humanos são suas presas. Ao entender o significado de solidão, de perigo, do medo, do amor, do contato sexual, a criatura se vê transformada de forma irreversível. Jonathan aplica uma analogia impecável ao final do filme, quando ao perder a pele humana, o ser extraterrestre percebe que o que se transforma e o que nos torna humanos não é a casca que nos envolve, mas sim o que está por dentro, a forma como nos relacionamos e sentimos nesse planeta.
Há filmes que são coordenados pela ação (efeito causal), outros pelas personagens (onde a jornada delas nos levam a um estado de evolução pessoal, a chamada jornada do herói). "Praia do Futuro" é muito mais um filme sensorial, introspectivo e contemplativo que uma narrativa episódica. O que delimita e nos guia nessa jornada emocional de Donato são os três atos em que o filme é dividido; e é o último desses atos que justifica e arremata toda a história que acompanhamos nos outros dois atos. Karim acerta ao não subestimar a inteligência do espectador narrando os acontecimentos nos mínimos detalhes ou dando explicações didáticas; tudo ocorre com fluidez, sem enrolações, adotando cortes bruscos quando necessário e sintetizando as ideias. O filme pode parecer um tanto vazio e monótono para algumas pessoas, mas se trata de uma produção cinematográfica bastante singular. Não estamos aqui contando uma história de amor homossexual, e sim, como essa condição afeta a vida de uma dessas personagens, e como os eventos que se sucedem a transformam de forma positiva, onde comparado ao início do filme, nosso protagonista evolui e aprende com sua própria história. E quanto as tão faladas cenas de sexo, são suscintas e utilizadas apenas para estabelecer o tom do relacionamento de Donato e Konrad. Não há dúvidas de que o maior êxito de Karim Aïnouz em seu mais recente trabalho seja a estonteante fotografia, onde as mais belas cenas foram arrancadas da Praia do Futuro em Fortaleza - CE, praia que batiza o filme. Outras ótimas cenas foram rodadas na Alemanha, destacando a hipnotizante cena do aquário, que se torna surreal pela forma como foi rodada. O diretor também investe em vários "clipes musicais", onde a música assume o controle e o visual serve apenas de pano de fundo para criar um momento poético dentro da narrativa. "Praia do Futuro" é um deleite para os olhos e um estímulo intelectual que só vem provar o talento do já consagrado Karim. Também vem provar que o cinema Brasileiro está cada dia mais preparado para se arriscar em um cinema mais ousado e menos datado como os inúmeros besteiróis que saem a todo momento.
"Fugi por que lá eu só me sentia livre dentro mar, aqui, me sinto livre todo o tempo. (...) Existem dois tipos de medo: um é de quem finge que nada é perigoso, o outro, de quem sabe que tudo é perigoso."
Indiretamente, Nadine Labaki defende a sua arte por meio da própria. Ao constatar que para deter os conflitos que acometeram a aldeia seria necessário entretenimento, pois, como diz uma das personagens a certo momento, "(o entretenimento) faz esquecer", a diretora expõe sua arte cinematográfica de forma metalinguística através de outras metáforas, colocando a produção cultural como uma porta de saída desse universo tão doloroso. Não é novidade que não é intensa a produção artística no Oriente Médio, por inúmeros motivos como limitações religiosas e de recursos, guerras, entre outros. E por esse motivo, todo e qualquer artista vindo desses países, ainda mais uma mulher, que consiga desenvolver um trabalho sublime como o apresentado em "Et Maintenant, On Va Où?", merece ser ovacionado. A arte é a melhor forma de expressão que o ser humano encontrou. A arte pode ser catártica, pode ser consolo, pode ser denúncia, pode ser escola. E Nadine nos presenteia com um filme que não se inclina para o melodrama, mas não perde a sensibilidade; não apela para o humor, porém não se torna amargo e apolítico; sobra até espaço para alguns números musicais. O roteiro é extremamente inteligente ao expor as artimanhas deste grupo de mulheres que batalham dia-a-dia para manter a paz de seu vilarejo. O texto questiona a masculinidade e o ser mulher no século XXI nesses países, a religião e o que ela ocasiona, os reflexos da guerra na sociedade; e através desses inúmeros questionamentos, somos colocados em confronto com nós mesmos.
Com o seu ato final, "Et Maintenant, On Va Où?" só reforça a ideia de que somos todos iguais, o que muda são apenas as perspectivas. Após tantas batalhas para manter a paz, e depois de tanta turbulência, o filme não poderia se encerrar de forma mais apropriada do que propondo um momento de reflexão:
"La Pianiste", do engenhoso Michael Haneke, nos traz um panorama de como lidamos na atualidade com os nossos relacionamentos amorosos e principalmente sexuais. Desde o início da projeção já percebemos que a relação de Erika com sua mãe não é das mais saudáveis. Claramente controlada por ela desde criança, Erika cresce e se torna uma adulta regida pelas imposições de sua mãe, de horários do trabalho até mesmo decisões de sua não tão bem sucedida carreira. Não é novidade o que as correntes psicológicas dizem sobre como a infância modela o adulto que seremos. A criação rígida de sua mãe influenciou os comportamentos de Érika, principalmente ao que se refere a sua sexualidade reprimida, e como diria Freud, tudo é sexo (ou tem algum relacionamento com sexualidade). Todos possuímos algum tipo de "desvio" sexual, mas em algumas pessoas, esse desvio se manifesta de forma acentuada. No caso de nossa protagonista, ela tem uma forte inclinação por sadomasoquismo e submissão, o que é curioso se manifestar somente na sua sexualidade, já que em sua vida ela é uma adulta controladora, principalmente por sua profissão de professora onde a disciplina é imprescindível. Nessa panorama, confrontamos com um terreno perigoso; a linha tênue entre ser estuprada e simplesmente ter uma relação sexual: o consentimento. Após as manifestações calorosas de amor de Walter, Erika aos poucos vai se abrindo, até o momento em que compartilha os seus mais profundos desejos com ele. Acontece que num jogo de prazer e desentendimento, Walter confunde exatamente essa linha tênue que difere uma agressão violenta de uma agressão prazerosa. O personagem expõe o machismo existente em nossa sociedade quando sugere que a professora não deva dizer nada sobre o incidente no final do filme, pois não se pode humilhar um homem com a exposição de sua sexualidade, porém a mulher sim. O homem está acostumado desde os primórdios da humanidade a ser exaltado pela sexualidade, quando a mulher está acostumada a se manter passiva ao ato sexual, o estabelecendo apenas como forma de concepção. A partir do momento em que Erika compartilha suas fantasias sexuais com Walter, o rapaz perde o respeito e admiração por Erika, e a trata de forma bruta por achar que ela não mais merece seu respeito. Mas porque nossa sociedade tem esse costume arraigado de separar o amor de sexo? Para poder amar uma pessoa você precisa primeiro atuar num ritual de conquista e pureza para somente depois de certo tempo entrar em cena o sexo. E o mesmo acontece no inverso: se o sexo surge de primeira, logo tal relacionamento não pode se desenvolver como sendo digno. O cinismo exposto por Haneke no desenrolar do filme chega a ser desolador, pois afinal, o que é a paixão senão uma ilusão da nossa mente, uma confusão de sensações e reações químicas? E afinal, o que é o amor? Para amar, precisamos estar dispostos, e a partir do momento da disposição, entra em cena nossas projeções. Não é certo dizer que Walter não tinha sentimentos por Erika no início, porém conforme seu idealismo se desfaz diante das revelações, todo o seu sentimento por Erika desce pelo ralo. E o mesmo acontece com Erika; ela cria barreiras para que o vitorioso que conquiste sua confiança seja realmente merecedor de seus sentimentos. Acontece que as projeções de Erika não se fizeram verdadeiras, culminando no desfecho inesperado. Ao final, quando Erika dá uma facada em seu peito na direção do coração, tenho a impressão de que naquele momento ela quis assassinar o amor e qualquer sentimento que houvesse, ou que viesse a haver em sua vida.
Qual a função da arte e consequentemente do cinema? A resposta dessa pergunta vai te dar a impressão final que você vai guardar de "Tom à la ferme". Há quem diga que o que importa é a catarse proporcionada no desfecho, outros acreditam na jornada emocional como um todo, independente da forma como tal filme é construído. Àqueles que buscam uma história redondinha com introdução-desenvolvimento-conclusão, pode se decepcionar um pouco. Apesar de seguir este paradigma, Xavier em seu trabalho mais maduro e seguro, não entrega a situação toda mastigada. Esse é também o trabalho mais concentrado e menos apegado nos tão conhecidos maneirismos do diretor. É natural do ser humano entender o porquê das coisas, e talvez essa seja também mais uma artimanha do diretor para deixar angústia pairando no ar ao não revelar de fato muitos pontos. Ficou claro que "Tom à la ferme" é um filme-exercício, onde Xavier usa da experimentação e combina elementos de grandes diretores como Hitchcock para estabelecer um clima de tensão e suspense constantes, aqui grande mérito de seu compositor Gabriel Yared que dita o tom do filme todo. Também merece menção André Turpin, diretor de fotografia que arrancou belas paisagens canadenses juntamente ao diretor, e estabeleceu um tom frio que impregnou cada tela do filme. Quanto ao plot, como mencionei acima, muitos pontos não ficaram claros, ao menos pra mim. É curioso como a família nunca fala de fato sobre o pai, apesar de ele ser mencionado mais de uma vez. Por que raramente somos confrontados com a relação de Tom e Guillaume? Essa acho mais fácil responder: a história não se trata da relação de amor entre os dois personagens, e sim da forma como Tom precisa lidar com o desfecho dessa história, e como este desfecho culmina em uma nova relação de dependência doentia da família do namorado, numa variável da famosa síndrome de Estocolmo onde a vítima se afeiçoa ao delituoso. Neste aspecto é muito interessante mencionar o êxito no estabelecimento de uma tensão sexual constante presente na relação de Tom com Francis, beirando ao masoquismo. Adentrando nesse campo, fica muito sugestivo em vários momentos uma possível condição homossexual enrustida por Francis que ao tentar esconder a verdadeira condição do falecido irmão, tenta também esconder a sua própria condição; ao reprimir de forma violenta Tom, que é a representação da homossexualidade, ele também reprime sua própria condição. Francis também parece depositar muitas de suas esperanças na permanência de Tom na fazenda, como Tom expõe em seu diálogo com Sarah, dizendo que Francis precisa dele para tomar dos negócios da família. Francis por sua vez na cena final, com sua sugestiva jaqueta com a bandeira dos Estados Unidos e a música "Going to a Town" por Rufus Wainwright, sugere que o bullier tinha intenções de partir para a "América" após internar sua mãe em uma instituição, e talvez, começar uma nova vida como sugere a música a certo ponto: "I've got a life to lead". Só não ficou certo qual seria o papel de Tom nesse novo futuro planejado por Francis.
O que justificaria o psicológico de Tom diante de toda sua submissão nessa situação masoquista, talvez seja a frase que inicia a película:
"Hoje, uma parte de mim morreu e eu não posso chorar, pois esqueci todos os sinônimos para tristeza. Agora, tudo o que posso fazer sem você, é substituí-lo."
"Unfortunately, in America, babies are not found in cola cans. I asked my mother when I was four, and she said they came from eggs laid by rabbis. If you aren't Jewish, they're laid by Catholic nuns. If you're an atheist, they're laid by dirty, lonely prostitutes."
Sorri e chorei, me entristeci e alegrei na mesma proporção. Essa que é a simplicidade recompensadora que te tira um sorriso a força, e põe uma lágrima no teu rosto com igual imposição. Uma das experiências cinematográficas mais válidas e com certeza top 3 de animações favoritas.
"Once there was a little bunny who wanted to run away. So he said to his mother, “I am running away.” “If you run away,” said his mother, “I will run after you. For you are my little bunny.” But the little bunny said, “If you run after me I will become a fish and I will swim away from you.” The mother bunny said, “If you swim away from me I will become a fisherman and I will fish for you.” "If you fish for me," said the little bunny "I will be a bird and I will fly away from you.” "If you become a bird and fly away from me I will be a tree that you come home to.”
Nessa hora eu desabei.
Filme de temática nada inédita nos dias de hoje, apesar de ser relativamente antigo e retratar o "boom" do diálogo sobre câncer, mas que desenvolve uma narrativa única e com muito êxito ao não se ater ao piegas, se apoiando num roteiro extremamente instigante e inteligente. Emma Thompson com certeza merecia mais reconhecimento por essa belíssima interpretação, mas o fato de a obra ser um telefilme atrapalha.
"Twice Born" é um filme que deixa um amargo na boca que não passa. Ao se lembrar das cenas iniciais do filme, com os personagens tão cheios de esperança e sonhos, é impossível não sentir um nó na garganta. O desfecho positivo porém pessimista é um retrato do que é a vida realmente, bem longe de ser um conto de fadas. Um filme de guerra com seu frescor, tendo muito êxito ao optar por não transformar a história num melodrama e nos aproximar se verdade ao enredo, sem apelar para muitos clichês e conservando seu elemento surpresa para o final. A melhor atuação de Penélope Cruz depois de "Volver" e sua ponta e "Vicky Cristina Barcelona". Ela merece mais papéis decentes para mostrar a grande atriz que é.
A cena do Diego no penhasco ao som de "Lullaby" da Sia me destruiu.
- Por que você não fica? - Aonde? - Aqui. Comigo. - Eu esperei um bom tempo pra ouvir isso e olha quando você decide me dizer. - Antes nós não podíamos, agora nós podemos. Pensei que estivesse feliz. - Estou feliz quando estou com você, mas quando não estou, eu tenho nada. - Eu sei que não posso te prometer nada, mas gostaria que você ficasse comigo.
É muito interessante a cena em que Santiago pede que Miguel saia de seu esconderijo para que os dois pudessem caminhar juntos em meio ao povo de sua vila, sem vergonha de dar as mãos e demonstrar o carinho que um tem por outro. Tem analogia mais impactante do que o fato de ninguém poder ver Santiago? Só assim os dois poderiam ser felizes da forma que são, sem esconder a sua natureza. Até que ponto permitimos que o meio social restrinja o nosso ser e o nosso viver? Chega a doer quando Miguel pede que Santiago não vá embora, já que naquele momento eles podem ficar "juntos" pois ninguém consegue os ver. O quão egoísta seria Miguel nessa situação confortável onde ele pudesse manter as aparências e Santiago existiria com o simples propósito de servir às necessidades de Miguel? E tudo isso para que, para deixar a vila satisfeita? Infelizmente é tarde demais. A vida é para ser vivida em vida.
Somente ficou decepcionado com este trabalho do Haneke aqueles que não possuem o mínimo de conhecimento de sua obra. Para aqueles que já conhecem alguns de seus trabalhos ou no mínimo da abordagem do diretor, tenho que certeza que estes terminaram o longa extremamente satisfeitos com a direção tomada. Haneke sempre busca trabalhar os acontecimentos de seus filmes de forma inteligente e nada óbvia. Eu de maneira alguma esperava que a história fosse ter um final feliz, e ficaria muito insatisfeito se isso acontecesse. E não é porque tenho prazer em ver a desgraça através da tela. É porque o bom-mocismo e os finais felizes, estes foram saturados, e agora há um público sedento por ver o outro lado da moeda. Tentar entender através da arte, principalmente cinematográfica, de onde vem o pior do ser humano. Haneke tem esse fascínio com a crueldade e de onde ela surge. E em alguns momentos do filme, ele nos coloca explicita a pergunta que permeia nossas cabeças durante a projeção: por que? A curiosidade causal do ser humano é inata e desde os primórdios tentamos entender o funcionamento do universo. Quando não conseguimos, nos frustramos. E é isso que acontece em "Funny Games". Terminamos o filme sem saber o porque de tais acontecimentos. Talvez o título em português dê um sinal: violência gratuita. A cena do controle remoto é extremamente sagaz, e não esperaria menos de Haneke. Ela explicita que o fato de que nem sempre o controle está em nossas mãos. Muitas vezes estamos a mercê do acaso. E não há reza, mãe, ou sorte que nos ajude nesses momentos.
A religião é utilizada pelos seres humanos como instrumento de suporte emocional e psicológico diante das incertezas e angústias do nosso processo de vivência. O ser humano é um ser racional e não se conforma com a forma mais básica de sobrevivência; o ser humano precisa viver, no mais amplo significado dessa palavra. Mas por que se apoiar em algo tão insensato, irracional e ilógico como a religião? Não haveria pessoa melhor que Bill Maher para confrontar as certezas absolutas dos religiosos com uma abordagem que em alguns momentos beiram a ridicularização, exatamente pela irracionalidade descarada das justificativas apresentadas por inúmeros representantes religiosos ao redor do mundo. O documentário não é muito acurado ao que se refere documentos para basear seu argumento de confronto com a religião, mas o mais interessante é perceber que não é necessário muito para esfarelar logicamente o discurso de justificativa da Bíblia, ou seja qual for seu "livro" dogmático. Algumas pessoas me perguntam se eu não me sinto desamparado espiritualmente por ser um ateísta, e costumo responder que não, isso desde que descobri "O Livro da Filosofia", um apanhado de todas as teorias filosóficas (inclusive filosofias religiosas) da história da humanidade, que obviamente, expandi em leituras mais aprofundadas sobre inúmeros aspectos do pensamento humano que mais me intrigam. A religião é cruel por manipular as pessoas de forma quase hipnótica por saber bem usar táticas emocionais e psicológicas, criando uma política de medo e incerteza que deixe seus fiéis suscetíveis à indução de um comportamento social que beneficie o controla das pessoas pela religião. Procure a ciência, a filosofia, as artes em geral para se guiar no mundo, nunca a religião. A religião é singular em seu pensamento, e somente trabalha para seu próprio êxito. Através da leitura e a cultura que inúmeros povos desenvolveram ao decorrer dos séculos, temos a possibilidade de investigar e entender as questões da humanidade de forma muito mais honesta e verdadeira. Por que ser singular quando há uma pluralidade de pensamento tão rico para absorvermos? Por que a religião instaura o medo da dúvida através da palavra bíblica, o pecado da blasfêmia, que é o grande check mate para manter os fiéis em suas coleiras.
É impossível não notar as referências ao Hitchcock, como o plot do filme em si que se assemelha ao de "Rear Window"; a palavra "Vertigo" escrita no ônibus quando Carol vê Mrs. House faz referência direta ao grande sucesso do diretor, sem contar que toda a história de substituição de mortos no desenrolar do ato final do filme se trata exatamente do plot de "Vertigo". Apesar de praticamente fundir dois filmes do rei do suspense sem muitas alterações, Woody consegue desenvolver um filme divertido e instigante, com sua própria identidade. Ele não apela para temas musicais obscuros e datados de suspense, mas sim para o seu tradicional jazz nova-iorquino, sem perder a identidade construida em sua filmografia. A química de Keaton e Allen é fenomenal como sempre.
Carol: Larry, I think she's dead! Larry: Try giving her the present.
Larry: Claustrophobia and a dead body - this is a neurotic's jackpot.
Carol: There were no beans, so I was looking in his cupboards. And I came across this urn, okay? And I opened it and there were ashes in it. Larry: Ashes? Did you wash your hands?
Carol: I think she's dead! Larry: I'm thinking of running the marathon. This woman is forever dying.
"I give myself very good advice but I very seldom follow it. That explains the trouble that I'm always in. Be patient, is very good advice. But the waiting makes me curious and I'd love the change. Should something strange begin? Well, I went along my merry way and I never stopped to reason. I should have know there'd be a price to pay, someday. Someday. I give myself very good advice, but I very seldom follow it. Will I ever learn to do the things I should?"
"Às vezes eu fico imaginando de que forma que as coisas acontecem. Primeiro vem um dia, tudo acontece naquele dia. Até chegar a noite, que é a melhor parte. Mas logo depois vem o dia outra vez. E vai, vai, vai. E é sem parar."
Definiria "O Som ao Redor" como uma jornada sensorial, pois um dia após ver o filme, ele ainda continua na minha cabeça. Mas não é por acontecimento x, ou pela cena y; é pela soma dos produtos. Àqueles acostumados ao clássico paradigma introdução-desenvolvimento-conclusão, eu digo: vocês podem se decepcionar. "O Som ao Redor" segue mais a linha de que o que vale é a jornada do que aonde essa jornada te levará. Vi alguns reclamando sobre "o orgasmo que não veio", eu fui um deles, mas como disse no começo dessa resenha, o filme não sai da sua cabeça mesmo após horas do término, e essa situação me causa certa estranheza. O que te marca é o tom que Kleber Mendonça e seus colaboradores conseguem instaurar de forma permanente nos seus sentidos. Vemos um roteiro extremamente lento, quase documental, se preocupando em traçar nos mínimos detalhes as ansiedades e um panorama da classe média brasileira. E quanto ao som, podemos dizer que ele faz jus ao nome do filme. Podemos prestar a atenção de fato no som ao redor, aqueles sons que ignoramos a todo momento por estarmos preocupados demais com a nossa Veja fora do plástico, ou com o tamanho da TV da vizinha, ou quanto custará a mais no condomínio a rescisão do funcionário que dedicou anos de sua vida ao seu serviço. Kleber Mendonça também faz questão de quebrar algumas crendices como a de que as drogas estão somente na favela, os bandidos são de origem pobre e entram no mundo do crime pois não encontram uma melhor saída, entre outras. Merece louvores só pelo fato de sair do clichê "favelístico" do nosso cinema, e procurar uma outra vertente para criar sua história. "O Som ao Redor" deve ser visto como uma inspiração aos artistas do Brasil que desanimam ao ver o panorama cinematográfico atual. Já sabemos da polêmica dos produtores do filme com a Globo Filmes, e essa discussão só vem acalorar um fato: o cinema brasileiro precisa se tornar mais inteligente. As pessoas precisam se tornar mais inteligentes, buscar não somente um entretenimento perecível e vazio de conteúdo mas também bagagem cultural. Kleber foi contra a maré e conseguiu colocar sua obra em notoriedade. Aos produtores, cineastas, roteiristas e artistas do Brasil: não desistam! Tomem "O Som ao Redor" como inspiração para criarem mais obras originais.
“We're all just people, some of us accidentally connected by genetics, a random selection of cells. Nothing more.”
Essa frase descreve bem a linha seguida pelo autor Tracy Letts em seu livro e consequentemente pelo diretor John Wells. O sentimentalismo e o zelo presente no estereótipo da família nuclear, aqui, passa longe. A família Weston é talvez o retrato verdadeiro da maior parte das famílias: desarranjada e sequelada. Cada um tem o seu temperamento, e o roteiro apresenta uma verdadeira exposição de personagens. Cada uma dessas personagens precisam conciliar seus problemas pessoais com os familiares nessa reunião a contragosto que obriga todos a colocarem as cartas na mesa. E esse é realmente um álbum de família, com inúmeros retratos em sua mais ampla variedade. Nesse quesito, aprovo o título PT-BR, que faz jus à história.
Gosto do tom não melodramático que o diretor adota, evitando pieguice para tratar a trama, como por exemplo nem ao menos ter rodado alguma cena do funeral do patriarca da família, sem perder tempo com muitas lamentações. Não é esse o foco do filme, te dar uma reflexão bonita sobre a família e o seu papel dentro dela. "August: Osage County" é um filme cru, cínico, que vem jogar as verdades sobre os laços familiares na sua cara assim como fez Ivy com as suas duas irmãs, sem espaço para os bons costumes. Ver Violet sob o efeito das pílulas é um deleite, pois quem de nós nunca quis ter a chance de berrar a verdade na cara das pessoas, principalmente familiares? Mas claro, a verdade é um mal necessário para manter a ordem social, pois conforme a verdade vai vindo a tona, essa família vai se despedaçando e dispersando.
Atuações? Meryl, Meryl, o que vem a ser você? Talvez a rainha da dramatização mundial, e na minha opinião, a melhor e mais versátil atriz que esse mundo teve a oportunidade de ver. Não tem um papel de Meryl Streep que se confunda, que remeta ao anterior, ou a algum mais antigo. Meryl encarna cada uma de suas personagens como ela própria. Só não digo que ela é a dona do Oscar e outras premiações pois ela foi reconhecida no ano passado por seu trabalho em "The Iron Lady" e as academias costumam revezar as premiações, e como este ano temos o trabalho magistral de Cate Blanchett que há muitos anos vem ensaiando ganhar o Oscar por papel principal, eu aposto que ela sai vitoriosa dessa vez. Julia Roberts que é uma das atrizes mais talentosas de sua geração, mas que lamentavelmente não aparece frequentemente em bons filmes, também triunfa como coadjuvante, e tenho certeza que a estatueta esse ano é dela.
"August: Osage County" é um filme de ações rápidas e para mim foi um prazer acompanhar essa família nesse episódio de suas conturbadas vidas. Digo episódio, porque família sendo o que é, não tenho dúvida de que ainda haja muita história para contar para além dos créditos finais.
Incrivelmente surpreendente e labiríntico. Em vários momentos me senti perdido dentro do inconsciente de Mima, e o desfecho é absolutamente sensacional. Aronofsky pegou uma excelente base para desenvolver "Black Swan", porém reforço que as duas obras são diferentes e excelentes cada uma em sua individualidade. A trilha sonora também merece destaque, dosando o tom de suspense que o anime pedia.
Mommy
4.3 1,2K Assista AgoraMe sinto estapeado, porque assim quis Dolan no twist final de sua mais bem elaborada obra. "Mommy" é um filme cuja palavra "agridoce" definiria plenamente, pois como disse Che em algum momento, "Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás". Ao término do filme, você se vê de pé na porta de Diane dando adeus, agradecendo aos momentos bons e ruins, consciente de que o caminho é tortuoso mas que dele tiramos algo muito precioso: experiência. Dolan sai do lugar comum e nos embarca em uma história que não estereotipa seus personagens, mas sim os tira da tela e os coloca diante de nossos olhos. E por isso é tão doloroso dizer adeus, e por isso a dor de todos nos afeta como se fosse a nossa. Porque dançamos "On ne change pas" na cozinha em uma noite qualquer. Rimos bobamente nessa mesma noite, como se fôssemos imortais. Tomamos um café delicioso juntos, na varanda, e depois tiramos uma foto para registrar e pendurar no mural. Andamos de bicicleta em meio aos carros, jogando compras por trás dos ombros. Pedimos apoio num final de tarde sem luz, no meio da rua. Fomos ao karaokê e cantamos uma música que significa muito (e que fique entre nós). Porque choramos nos momentos de desespero, e também sonhamos com um futuro utópico. O devaneio de Diane ao final do filme é umas das mais belas cenas filmadas e editadas na história do cinema moderno. Algumas lágrimas não pude conter, pois Dolan nessa cena transmite todo o espírito materno universal através da exótica Diane, uma mãe que mistura álcool com seu café enquanto lava roupa, porém uma mãe que na concepção universal, ama sua prole mais do que pode, e como pode. Nem sempre essa massa pensante de carne e osso aguenta o fardo que a vida nos impõe. Nenhum dedo em riste de reprovação, apenas a sensação de mais um capítulo vivido, e claro, algumas cicatrizes. Steve encerra o filme deixando claro que essa história não termina com os créditos finais. Para encerrar essa amável história, Dolan manda seu recado através de uma música:
(...)
Sometimes love is not enough and the road gets tough
I don’t know why
(...)
The road is long, we carry on
Try to have fun in the meantime.
Que possamos com a força de nossas mãos expandir nossos horizontes do 1:1, sentir o sabor da liberdade e da alegria de viver, apesar das dificuldades.
Livre
3.8 1,2K Assista AgoraAo ler a sinopse ou assistir o trailer de "Wild", logo percebemos que o filme se trata daquele clássico construído nos moldes do monomito, também conhecido como "jornada do herói", onde o personagem principal é "chamado" pelas circunstâncias a partir em uma jornada que resultará em alguma transgressão pessoal. E é exatamente disso que se trata o sétimo longa do já renomado diretor canadense Jean-Marc Vallée (Dallas Buyers Club).
Cheryl (Reese Witherspoon) decide ingressar na Pacific Crast Trail (ou PCT), uma trilha de milhares de quilômetros ao longo das fronteiras dos Estados Unidos e Canadá. Vamos conhecendo o passado de Cheryl e as motivações de sua jornada através de flashbacks e narrações da própria, conforme ela avança os quilômetros e mais quilômetros da trilha.
A montagem do filme é muito eficiente, embora bastante didática. Somos confrontados com certo suspense no primeiro ato do filme, onde os fatos que motivam a personagem a se colocar nessa posição de provação tão intensa são revelados pouco a pouco, intercalando o progressivo presente aos curtos flashes do passado. A música também tem papel fundamental no desenvolvimento da narrativa, pois além de pontuar os acontecimentos do filme, suas letras contam um pouco da história e percepção de Cheryl.
Reese Witherspoon recupera aqui o seu brilho apresentado em sua tão longínqua performance em "Walk the Line", que lhe rendeu um Oscar. Sentimos em cada expressão as dores físicas e emocionais de Cheryl, como se cada movimento e ação escondessem algo que ainda não conseguimos enxergar. A atriz mergulha de corpo e alma no papel e com certeza terá seu trabalho reconhecido nas premiações deste ano. Laura Dern também imputa seu talento nas pouquíssimas, porém muito importantes aparições como a mãe de Cheryl, que tem papel crucial no desenvolvimento da história.
É muito louvável a forma como Jean-Marc ilustra a vulnerabilidade e a força da mulher. A todo o momento ao se deparar com homens no caminho, sentimos o perigo latente rondando a personagem. A mulher está sempre sujeita a sofrer qualquer tipo de violência vinda de homens, seus iguais, seres humanos. Em paralelo, muitos homens fortes e determinados ficam para trás nessa jornada de resistência, enquanto Cheryl segue firme, mostrando que essa tal força conferida ao homem pode muito bem ser superada.
A natureza humana é algo que nos intriga e fascina desde os primórdios da história. Ramos de todas as ciências tentam entender-nos e explicar-nos de diferentes abordagens possíveis. Mas nenhum deles é capaz de proporcionar o autoconhecimento que Cheryl busca quando parte de casa, abandonando sua arruinada vida para encontrar muitas respostas. Muitos quilômetros e provações são necessários para que a personagem entenda que na jornada da vida assim como na sua trilha, não somente os bons momentos são válidos e te levam ao destino final. Cada um dos piores e melhores momentos a afetam de forma que possa se moldar e transformar. É uma analogia brilhante a certo ponto do filme quando Cheryl pega sua gigantesca mala e decide o que é realmente útil na sua viagem, a fim de reduzir o peso que carrega. O mesmo acontece na vida. Carregamos uma gigantesca bagagem de experiências que precisam ser geridas e superadas se quisermos seguir com menos peso nos ombros.
Também no cinema podemos passar por experiências redentoras como a de Cheryl. "Wild" é daqueles filmes que ao se encerrar te preenchem de vida. Enche-te de vontade de inspirar o máximo de ar que possa caber em seus pulmões e viver.
Boyhood: Da Infância à Juventude
4.0 3,7K Assista AgoraQuando um filme dá certo ou errado, as glórias ou maledicências sempre recaem em cima do diretor, por mais que o êxito dificilmente seja somente dele. Mas particularmente em "Boyhood", Richard Linklater merece todo mérito pelo triunfo do mais ambicioso longa de sua carreira. A ideia parece muito simples: contar a história de um garoto da infância até a juventude, com os mesmos atores ao longo de anos.
Filmar algo por tanto tempo é mais complexo do que se imagina. Pense na quantidade de material bruto para a equipe de edição trabalhar no final dessa empreitada. Pense em como deve ser difícil gerir essas filmagens para que no futuro todo esse amontoado de cenas façam sentido quando cortadas e emparelhadas. E mais ainda, imagine a destreza necessária do diretor para gerir sua equipe para que tudo saia de acordo com o seu olhar, para que a história não perca sua essência ao longo dos anos, para que ele próprio não perca a direção da sua obra. Além disso, a tecnologia evolui muito rapidamente, e é necessário um cuidado maior ainda para que esse material seja esteticamente homogêneo quando editado.
E não somente os fatores técnicos merecem louvor, o texto também. Desde trabalhos anteriores como "Waking Life", Linklater já demonstrava um enorme interesse pelas correntes filosóficas. Claramente que toda essa bagagem intelectual adquirida pelo diretor é embutida na história que conta, e mais ainda em seus personagens. O teor existencialista se instaura no terceiro ato, quando Mason no presente se depara com o futuro, e sua mãe no presente se depara com o passado. O filho se espelha na mãe para avaliar como lidar com o futuro, a mãe se espelha no filho para avaliar sua trajetória através do crescimento dele. Ao dar adeus para sua cria, a mãe dispara:
"Esse é o pior dia da minha vida. Eu sabia que esse dia iria chegar, mas por que está acontecendo agora? Primeiro eu me caso, tenho filhos, me deparo com dois ex-maridos, volto a estudar, me formo, me especializo, mando minhas duas crianças para a faculdade. E o que vem agora? A porra do meu funeral? Eu pensava que teria sido melhor."
E então o filho percebe que aqueles que sempre lhe deram a direção, no final das contas estão tão perdidos e incertos sobre o presente e futuro quanto ele. E nessa fase de incertezas, o professor aparece para dar talvez alguma direção, num longo diálogo que pode ser resumido a: "Quem você quer ser, Mason? O que você quer fazer?".
No final das contas, somos nós os arquitetos da nossa vida, independente de referências externas. Nem sempre escolhemos por quais estradas percorrer nosso caminho, e muitas vezes somos sim, vítimas das circunstâncias. Porém, como diria o filósofo existencialista Jean Paul-Sartré: "O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.".
"Boyhood" é realmente uma jornada. Vemos Mason crescer, seus pais envelhecerem, tudo isso diante de nossos olhos. E é sublime, pois não é datado. Não há letreiros ou vinhetas, é transitório e efêmero como a própria vida. Num instante Mason está deitado nas gramas da escola, com a mochila nas costas, no aguardo de sua mãe; no outro, sentado em meio às montanhas, ao lado de uma garota que poderia facilmente ajudá-lo a reconstituir o ciclo da vida. E é assim que o filme termina, como começou: em contemplação do horizonte, em busca de respostas, no aguardo do futuro tão longínquo, porém logo ali.
Um diálogo entre mãe e filha em meados da projeção sintetiza o filme:
Samantha: O que vai acontecer?
Mãe: [chorando] Eu não sei.
Samantha: Por que você está chorando?
Mãe: Porque eu não tenho todas as respostas.
Richard Linklater também não nos deu todas as respostas, mas nos presenteou com uma primorosa história, como jamais contada antes. Um verdadeiro marco do cinema contemporâneo.
Entre Nós
3.6 619 Assista Agora"Entre Nós" termina da forma como começou: instigante e apreensivo. Este é um dos maiores êxitos do filme de Paulo Morelli que atraiu certa atenção nacional, e que certamente a mereceu. Se distanciando dos clichês de boa parte dos filmes nacionais exibidos nas salas de cinema atualmente, "Entre Nós" é um drama dominado por uma tensão latente, proporcionada principalmente pelo seu trabalho de som onipresente, que é excepcional, e também pela ambientação visual da história, uma casa afastada em meio a árvores, na escuridão; um ambiente propício para um suspense ou filme de terror, tamanha apreensão causada pelos elementos combinados de imagem e som. Só estes elementos aliados ao roteiro ágil e bem elaborado do diretor já proporcionaram uma experiência totalmente válida. Mas o filme vai além. Ele traça um retrato de personagens muito bem confeccionadas, cada uma com suas particularidades e desejos, o que somente enriquece a narrativa. É sentida a necessidade de mais filmes como este, com uma discussão menos polarizada em personagens pobres e humildes lutando contra as dificuldades sociais do nosso país, fenômeno chamado por alguns de "favelização do cinema"; é requisitada uma maior polarização nas discussões da nova classe média, afinal, ela precisa se ver retratada e se ver no audiovisual. Os sete amigos são pessoas engajadas que discutem sobre música, política, escrevem livros, embutem expressões em línguas estrangeiras em seus diálogos, articulam bem. E nesse meio, há espaço para uma discussão moral que percorre vários territórios. Qual o preço que se paga pelo sucesso? Felipe a certo ponto discutindo sobre política, expõe as suas ideologias e crenças, deixando bem claro a sua ética pessoal. Gus na antemão, inveja o padrão de vida de Felipe, expondo isso abertamente a certo momento, no qual Felipe mais uma vez de forma enigmática deixa bem claro que o amigo não gostaria de estar em sua pele. E todos acabam por fazer isso: ao longo do filme através de diálogos e atitudes, podemos realmente entrar na casa desses amigos e participar dessa jornada emocional. Afinal, o tempo pode apagar tudo? Ou poderia o tempo apenas realçar o sabor amargo das escolhas e decisões tomadas por nós ao longo da vida? Dez anos depois, ao abrir a caixa de madeira onde deixaram estampadas suas impressões futuras em papel, tão frágil quanto eles próprios, os amigos percebem que estas cartas estão tão deterioradas pelo tempo quanto eles mesmos. Percebem que o que foi guardado não se manteve intacto, mas sim, se tornou território para a putrefação, assim como as mentiras e as verdades guardadas por eles em suas próprias caixas. Analogias inteligentíssimas que o diretor insere no visual para ilustrar o campo subjetivo dessas ricas personagens, que consequentemente propiciam um rica história, que termina sem um final delimitado, mas que termina com papel cumprido: germinando questionamentos e inquietando o seu espectador.
Sob a Pele
3.2 1,4K Assista Agora"Under the Skin" é um filme extremamente subjetivo e inteiramente sensorial. O seu intuito é deixar aquela sensação de estranheza durante toda a projeção, onde absolutamente nada é entregue de forma inteligível. Só resta ao espectador sentir e supor. O filme todo é fortemente regido pela trilha sonora da competente Mica Levi, que é grande responsável pelo estabelecimento da atmosfera sentida durante absolutamente todo o filme; é uma tensão latente. Jonathan Glazer consegue nos hipnotizar em algumas cenas surrealistas onde imagem e som se combinam de forma aterradora. É impossível não identificar uma adoração ao estilo de Kubrick, tanto visual quanto musical. Porém, é muito cedo para apontar Jonathan como o herdeiro de Kubrick somente por esse trabalho após seu enorme hiatus, mas certamente a película o torna um "one to watch". Ao que se refere a história, como mencionado acima, tudo é bastante subjetivo e só resta aos espectadores criar muitas teorias do que acaba de ser visto. E confesso, isso me incomodou ao término do filme, mas após um longo período de digestão e reflexão, posso afirmar que a experiência é completamente válida. Posso afirmar também, que você nunca assistiu ou assistirá outro filme como esse, lhe agradando ou não; pelo menos algumas cenas serão memoráveis. "Under the Skin" nos confronta com o que é ser humano, e o que nos torna humano. Não se trata da história da natureza de um ser alienígena em um planeta estranho, e sim da natureza humana sendo absorvida por essa criatura. Ao criar empatia pelas pessoas da Terra, ela se vê perdida e vulnerável, algo não presente no começo de sua história, onde ela é o predador e todos os humanos são suas presas. Ao entender o significado de solidão, de perigo, do medo, do amor, do contato sexual, a criatura se vê transformada de forma irreversível. Jonathan aplica uma analogia impecável ao final do filme, quando ao perder a pele humana, o ser extraterrestre percebe que o que se transforma e o que nos torna humanos não é a casca que nos envolve, mas sim o que está por dentro, a forma como nos relacionamos e sentimos nesse planeta.
Praia do Futuro
3.4 934 Assista AgoraHá filmes que são coordenados pela ação (efeito causal), outros pelas personagens (onde a jornada delas nos levam a um estado de evolução pessoal, a chamada jornada do herói). "Praia do Futuro" é muito mais um filme sensorial, introspectivo e contemplativo que uma narrativa episódica. O que delimita e nos guia nessa jornada emocional de Donato são os três atos em que o filme é dividido; e é o último desses atos que justifica e arremata toda a história que acompanhamos nos outros dois atos. Karim acerta ao não subestimar a inteligência do espectador narrando os acontecimentos nos mínimos detalhes ou dando explicações didáticas; tudo ocorre com fluidez, sem enrolações, adotando cortes bruscos quando necessário e sintetizando as ideias. O filme pode parecer um tanto vazio e monótono para algumas pessoas, mas se trata de uma produção cinematográfica bastante singular. Não estamos aqui contando uma história de amor homossexual, e sim, como essa condição afeta a vida de uma dessas personagens, e como os eventos que se sucedem a transformam de forma positiva, onde comparado ao início do filme, nosso protagonista evolui e aprende com sua própria história. E quanto as tão faladas cenas de sexo, são suscintas e utilizadas apenas para estabelecer o tom do relacionamento de Donato e Konrad. Não há dúvidas de que o maior êxito de Karim Aïnouz em seu mais recente trabalho seja a estonteante fotografia, onde as mais belas cenas foram arrancadas da Praia do Futuro em Fortaleza - CE, praia que batiza o filme. Outras ótimas cenas foram rodadas na Alemanha, destacando a hipnotizante cena do aquário, que se torna surreal pela forma como foi rodada. O diretor também investe em vários "clipes musicais", onde a música assume o controle e o visual serve apenas de pano de fundo para criar um momento poético dentro da narrativa. "Praia do Futuro" é um deleite para os olhos e um estímulo intelectual que só vem provar o talento do já consagrado Karim. Também vem provar que o cinema Brasileiro está cada dia mais preparado para se arriscar em um cinema mais ousado e menos datado como os inúmeros besteiróis que saem a todo momento.
"Fugi por que lá eu só me sentia livre dentro mar, aqui, me sinto livre todo o tempo. (...) Existem dois tipos de medo: um é de quem finge que nada é perigoso, o outro, de quem sabe que tudo é perigoso."
E Agora, Aonde Vamos?
4.2 144Indiretamente, Nadine Labaki defende a sua arte por meio da própria. Ao constatar que para deter os conflitos que acometeram a aldeia seria necessário entretenimento, pois, como diz uma das personagens a certo momento, "(o entretenimento) faz esquecer", a diretora expõe sua arte cinematográfica de forma metalinguística através de outras metáforas, colocando a produção cultural como uma porta de saída desse universo tão doloroso. Não é novidade que não é intensa a produção artística no Oriente Médio, por inúmeros motivos como limitações religiosas e de recursos, guerras, entre outros. E por esse motivo, todo e qualquer artista vindo desses países, ainda mais uma mulher, que consiga desenvolver um trabalho sublime como o apresentado em "Et Maintenant, On Va Où?", merece ser ovacionado. A arte é a melhor forma de expressão que o ser humano encontrou. A arte pode ser catártica, pode ser consolo, pode ser denúncia, pode ser escola. E Nadine nos presenteia com um filme que não se inclina para o melodrama, mas não perde a sensibilidade; não apela para o humor, porém não se torna amargo e apolítico; sobra até espaço para alguns números musicais. O roteiro é extremamente inteligente ao expor as artimanhas deste grupo de mulheres que batalham dia-a-dia para manter a paz de seu vilarejo. O texto questiona a masculinidade e o ser mulher no século XXI nesses países, a religião e o que ela ocasiona, os reflexos da guerra na sociedade; e através desses inúmeros questionamentos, somos colocados em confronto com nós mesmos.
Com o seu ato final, "Et Maintenant, On Va Où?" só reforça a ideia de que somos todos iguais, o que muda são apenas as perspectivas. Após tantas batalhas para manter a paz, e depois de tanta turbulência, o filme não poderia se encerrar de forma mais apropriada do que propondo um momento de reflexão:
E agora, para aonde vamos?
Eu Sou um Cyborg, e Daí?
3.9 186Um megatron de arroz pra digerir as dificuldades da vida.
A Professora de Piano
4.0 685 Assista Agora"La Pianiste", do engenhoso Michael Haneke, nos traz um panorama de como lidamos na atualidade com os nossos relacionamentos amorosos e principalmente sexuais. Desde o início da projeção já percebemos que a relação de Erika com sua mãe não é das mais saudáveis. Claramente controlada por ela desde criança, Erika cresce e se torna uma adulta regida pelas imposições de sua mãe, de horários do trabalho até mesmo decisões de sua não tão bem sucedida carreira. Não é novidade o que as correntes psicológicas dizem sobre como a infância modela o adulto que seremos. A criação rígida de sua mãe influenciou os comportamentos de Érika, principalmente ao que se refere a sua sexualidade reprimida, e como diria Freud, tudo é sexo (ou tem algum relacionamento com sexualidade). Todos possuímos algum tipo de "desvio" sexual, mas em algumas pessoas, esse desvio se manifesta de forma acentuada. No caso de nossa protagonista, ela tem uma forte inclinação por sadomasoquismo e submissão, o que é curioso se manifestar somente na sua sexualidade, já que em sua vida ela é uma adulta controladora, principalmente por sua profissão de professora onde a disciplina é imprescindível. Nessa panorama, confrontamos com um terreno perigoso; a linha tênue entre ser estuprada e simplesmente ter uma relação sexual: o consentimento. Após as manifestações calorosas de amor de Walter, Erika aos poucos vai se abrindo, até o momento em que compartilha os seus mais profundos desejos com ele. Acontece que num jogo de prazer e desentendimento, Walter confunde exatamente essa linha tênue que difere uma agressão violenta de uma agressão prazerosa. O personagem expõe o machismo existente em nossa sociedade quando sugere que a professora não deva dizer nada sobre o incidente no final do filme, pois não se pode humilhar um homem com a exposição de sua sexualidade, porém a mulher sim. O homem está acostumado desde os primórdios da humanidade a ser exaltado pela sexualidade, quando a mulher está acostumada a se manter passiva ao ato sexual, o estabelecendo apenas como forma de concepção. A partir do momento em que Erika compartilha suas fantasias sexuais com Walter, o rapaz perde o respeito e admiração por Erika, e a trata de forma bruta por achar que ela não mais merece seu respeito. Mas porque nossa sociedade tem esse costume arraigado de separar o amor de sexo? Para poder amar uma pessoa você precisa primeiro atuar num ritual de conquista e pureza para somente depois de certo tempo entrar em cena o sexo. E o mesmo acontece no inverso: se o sexo surge de primeira, logo tal relacionamento não pode se desenvolver como sendo digno. O cinismo exposto por Haneke no desenrolar do filme chega a ser desolador, pois afinal, o que é a paixão senão uma ilusão da nossa mente, uma confusão de sensações e reações químicas? E afinal, o que é o amor? Para amar, precisamos estar dispostos, e a partir do momento da disposição, entra em cena nossas projeções. Não é certo dizer que Walter não tinha sentimentos por Erika no início, porém conforme seu idealismo se desfaz diante das revelações, todo o seu sentimento por Erika desce pelo ralo. E o mesmo acontece com Erika; ela cria barreiras para que o vitorioso que conquiste sua confiança seja realmente merecedor de seus sentimentos. Acontece que as projeções de Erika não se fizeram verdadeiras, culminando no desfecho inesperado. Ao final, quando Erika dá uma facada em seu peito na direção do coração, tenho a impressão de que naquele momento ela quis assassinar o amor e qualquer sentimento que houvesse, ou que viesse a haver em sua vida.
Tom na Fazenda
3.7 368 Assista Agora{Contém spoilers}
Qual a função da arte e consequentemente do cinema? A resposta dessa pergunta vai te dar a impressão final que você vai guardar de "Tom à la ferme". Há quem diga que o que importa é a catarse proporcionada no desfecho, outros acreditam na jornada emocional como um todo, independente da forma como tal filme é construído. Àqueles que buscam uma história redondinha com introdução-desenvolvimento-conclusão, pode se decepcionar um pouco. Apesar de seguir este paradigma, Xavier em seu trabalho mais maduro e seguro, não entrega a situação toda mastigada. Esse é também o trabalho mais concentrado e menos apegado nos tão conhecidos maneirismos do diretor. É natural do ser humano entender o porquê das coisas, e talvez essa seja também mais uma artimanha do diretor para deixar angústia pairando no ar ao não revelar de fato muitos pontos. Ficou claro que "Tom à la ferme" é um filme-exercício, onde Xavier usa da experimentação e combina elementos de grandes diretores como Hitchcock para estabelecer um clima de tensão e suspense constantes, aqui grande mérito de seu compositor Gabriel Yared que dita o tom do filme todo. Também merece menção André Turpin, diretor de fotografia que arrancou belas paisagens canadenses juntamente ao diretor, e estabeleceu um tom frio que impregnou cada tela do filme. Quanto ao plot, como mencionei acima, muitos pontos não ficaram claros, ao menos pra mim. É curioso como a família nunca fala de fato sobre o pai, apesar de ele ser mencionado mais de uma vez. Por que raramente somos confrontados com a relação de Tom e Guillaume? Essa acho mais fácil responder: a história não se trata da relação de amor entre os dois personagens, e sim da forma como Tom precisa lidar com o desfecho dessa história, e como este desfecho culmina em uma nova relação de dependência doentia da família do namorado, numa variável da famosa síndrome de Estocolmo onde a vítima se afeiçoa ao delituoso. Neste aspecto é muito interessante mencionar o êxito no estabelecimento de uma tensão sexual constante presente na relação de Tom com Francis, beirando ao masoquismo. Adentrando nesse campo, fica muito sugestivo em vários momentos uma possível condição homossexual enrustida por Francis que ao tentar esconder a verdadeira condição do falecido irmão, tenta também esconder a sua própria condição; ao reprimir de forma violenta Tom, que é a representação da homossexualidade, ele também reprime sua própria condição. Francis também parece depositar muitas de suas esperanças na permanência de Tom na fazenda, como Tom expõe em seu diálogo com Sarah, dizendo que Francis precisa dele para tomar dos negócios da família. Francis por sua vez na cena final, com sua sugestiva jaqueta com a bandeira dos Estados Unidos e a música "Going to a Town" por Rufus Wainwright, sugere que o bullier tinha intenções de partir para a "América" após internar sua mãe em uma instituição, e talvez, começar uma nova vida como sugere a música a certo ponto: "I've got a life to lead". Só não ficou certo qual seria o papel de Tom nesse novo futuro planejado por Francis.
O que justificaria o psicológico de Tom diante de toda sua submissão nessa situação masoquista, talvez seja a frase que inicia a película:
"Hoje, uma parte de mim morreu e eu não posso chorar, pois esqueci todos os sinônimos para tristeza. Agora, tudo o que posso fazer sem você, é substituí-lo."
Mary e Max: Uma Amizade Diferente
4.5 2,4K"Unfortunately, in America, babies are not found in cola cans. I asked my mother when I was four, and she said they came from eggs laid by rabbis. If you aren't Jewish, they're laid by Catholic nuns. If you're an atheist, they're laid by dirty, lonely prostitutes."
Sorri e chorei, me entristeci e alegrei na mesma proporção. Essa que é a simplicidade recompensadora que te tira um sorriso a força, e põe uma lágrima no teu rosto com igual imposição. Uma das experiências cinematográficas mais válidas e com certeza top 3 de animações favoritas.
Uma Lição de Vida
4.1 63 Assista Agora"Once there was a little bunny who wanted to run away. So he said to his mother, “I am running away.” “If you run away,” said his mother, “I will run after you. For you are my little bunny.” But the little bunny said, “If you run after me I will become a fish and I will swim away from you.” The mother bunny said, “If you swim away from me I will become a fisherman and I will fish for you.” "If you fish for me," said the little bunny "I will be a bird and I will fly away from you.” "If you become a bird and fly away from me I will be a tree that you come home to.”
Nessa hora eu desabei.
Filme de temática nada inédita nos dias de hoje, apesar de ser relativamente antigo e retratar o "boom" do diálogo sobre câncer, mas que desenvolve uma narrativa única e com muito êxito ao não se ater ao piegas, se apoiando num roteiro extremamente instigante e inteligente. Emma Thompson com certeza merecia mais reconhecimento por essa belíssima interpretação, mas o fato de a obra ser um telefilme atrapalha.
Prova de Redenção
4.2 363"Twice Born" é um filme que deixa um amargo na boca que não passa. Ao se lembrar das cenas iniciais do filme, com os personagens tão cheios de esperança e sonhos, é impossível não sentir um nó na garganta. O desfecho positivo porém pessimista é um retrato do que é a vida realmente, bem longe de ser um conto de fadas. Um filme de guerra com seu frescor, tendo muito êxito ao optar por não transformar a história num melodrama e nos aproximar se verdade ao enredo, sem apelar para muitos clichês e conservando seu elemento surpresa para o final. A melhor atuação de Penélope Cruz depois de "Volver" e sua ponta e "Vicky Cristina Barcelona". Ela merece mais papéis decentes para mostrar a grande atriz que é.
A cena do Diego no penhasco ao som de "Lullaby" da Sia me destruiu.
Contra Corrente
4.0 408- Por que você não fica?
- Aonde?
- Aqui. Comigo.
- Eu esperei um bom tempo pra ouvir isso e olha quando você decide me dizer.
- Antes nós não podíamos, agora nós podemos. Pensei que estivesse feliz.
- Estou feliz quando estou com você, mas quando não estou, eu tenho nada.
- Eu sei que não posso te prometer nada, mas gostaria que você ficasse comigo.
É muito interessante a cena em que Santiago pede que Miguel saia de seu esconderijo para que os dois pudessem caminhar juntos em meio ao povo de sua vila, sem vergonha de dar as mãos e demonstrar o carinho que um tem por outro. Tem analogia mais impactante do que o fato de ninguém poder ver Santiago? Só assim os dois poderiam ser felizes da forma que são, sem esconder a sua natureza. Até que ponto permitimos que o meio social restrinja o nosso ser e o nosso viver? Chega a doer quando Miguel pede que Santiago não vá embora, já que naquele momento eles podem ficar "juntos" pois ninguém consegue os ver. O quão egoísta seria Miguel nessa situação confortável onde ele pudesse manter as aparências e Santiago existiria com o simples propósito de servir às necessidades de Miguel? E tudo isso para que, para deixar a vila satisfeita? Infelizmente é tarde demais. A vida é para ser vivida em vida.
Violência Gratuita
3.8 739 Assista AgoraSomente ficou decepcionado com este trabalho do Haneke aqueles que não possuem o mínimo de conhecimento de sua obra. Para aqueles que já conhecem alguns de seus trabalhos ou no mínimo da abordagem do diretor, tenho que certeza que estes terminaram o longa extremamente satisfeitos com a direção tomada. Haneke sempre busca trabalhar os acontecimentos de seus filmes de forma inteligente e nada óbvia. Eu de maneira alguma esperava que a história fosse ter um final feliz, e ficaria muito insatisfeito se isso acontecesse. E não é porque tenho prazer em ver a desgraça através da tela. É porque o bom-mocismo e os finais felizes, estes foram saturados, e agora há um público sedento por ver o outro lado da moeda. Tentar entender através da arte, principalmente cinematográfica, de onde vem o pior do ser humano. Haneke tem esse fascínio com a crueldade e de onde ela surge. E em alguns momentos do filme, ele nos coloca explicita a pergunta que permeia nossas cabeças durante a projeção: por que? A curiosidade causal do ser humano é inata e desde os primórdios tentamos entender o funcionamento do universo. Quando não conseguimos, nos frustramos. E é isso que acontece em "Funny Games". Terminamos o filme sem saber o porque de tais acontecimentos. Talvez o título em português dê um sinal: violência gratuita. A cena do controle remoto é extremamente sagaz, e não esperaria menos de Haneke. Ela explicita que o fato de que nem sempre o controle está em nossas mãos. Muitas vezes estamos a mercê do acaso. E não há reza, mãe, ou sorte que nos ajude nesses momentos.
Religulous
4.1 245A religião é utilizada pelos seres humanos como instrumento de suporte emocional e psicológico diante das incertezas e angústias do nosso processo de vivência. O ser humano é um ser racional e não se conforma com a forma mais básica de sobrevivência; o ser humano precisa viver, no mais amplo significado dessa palavra. Mas por que se apoiar em algo tão insensato, irracional e ilógico como a religião? Não haveria pessoa melhor que Bill Maher para confrontar as certezas absolutas dos religiosos com uma abordagem que em alguns momentos beiram a ridicularização, exatamente pela irracionalidade descarada das justificativas apresentadas por inúmeros representantes religiosos ao redor do mundo. O documentário não é muito acurado ao que se refere documentos para basear seu argumento de confronto com a religião, mas o mais interessante é perceber que não é necessário muito para esfarelar logicamente o discurso de justificativa da Bíblia, ou seja qual for seu "livro" dogmático. Algumas pessoas me perguntam se eu não me sinto desamparado espiritualmente por ser um ateísta, e costumo responder que não, isso desde que descobri "O Livro da Filosofia", um apanhado de todas as teorias filosóficas (inclusive filosofias religiosas) da história da humanidade, que obviamente, expandi em leituras mais aprofundadas sobre inúmeros aspectos do pensamento humano que mais me intrigam. A religião é cruel por manipular as pessoas de forma quase hipnótica por saber bem usar táticas emocionais e psicológicas, criando uma política de medo e incerteza que deixe seus fiéis suscetíveis à indução de um comportamento social que beneficie o controla das pessoas pela religião. Procure a ciência, a filosofia, as artes em geral para se guiar no mundo, nunca a religião. A religião é singular em seu pensamento, e somente trabalha para seu próprio êxito. Através da leitura e a cultura que inúmeros povos desenvolveram ao decorrer dos séculos, temos a possibilidade de investigar e entender as questões da humanidade de forma muito mais honesta e verdadeira. Por que ser singular quando há uma pluralidade de pensamento tão rico para absorvermos? Por que a religião instaura o medo da dúvida através da palavra bíblica, o pecado da blasfêmia, que é o grande check mate para manter os fiéis em suas coleiras.
Um Misterioso Assassinato em Manhattan
3.9 183 Assista AgoraÉ impossível não notar as referências ao Hitchcock, como o plot do filme em si que se assemelha ao de "Rear Window"; a palavra "Vertigo" escrita no ônibus quando Carol vê Mrs. House faz referência direta ao grande sucesso do diretor, sem contar que toda a história de substituição de mortos no desenrolar do ato final do filme se trata exatamente do plot de "Vertigo". Apesar de praticamente fundir dois filmes do rei do suspense sem muitas alterações, Woody consegue desenvolver um filme divertido e instigante, com sua própria identidade. Ele não apela para temas musicais obscuros e datados de suspense, mas sim para o seu tradicional jazz nova-iorquino, sem perder a identidade construida em sua filmografia. A química de Keaton e Allen é fenomenal como sempre.
Carol: Larry, I think she's dead!
Larry: Try giving her the present.
Larry: Claustrophobia and a dead body - this is a neurotic's jackpot.
Carol: There were no beans, so I was looking in his cupboards. And I came across this urn, okay? And I opened it and there were ashes in it.
Larry: Ashes? Did you wash your hands?
Carol: I think she's dead!
Larry: I'm thinking of running the marathon. This woman is forever dying.
Alice no País das Maravilhas
4.0 767 Assista Agora"I give myself very good advice but I very seldom follow it. That explains the trouble that I'm always in. Be patient, is very good advice. But the waiting makes me curious and I'd love the change. Should something strange begin? Well, I went along my merry way and I never stopped to reason. I should have know there'd be a price to pay, someday. Someday. I give myself very good advice, but I very seldom follow it. Will I ever learn to do the things I should?"
Nebraska
4.1 1,0K Assista Agora"You can all just go fuck yourselves."
Amarelo Manga
3.8 542 Assista Agora"Às vezes eu fico imaginando de que forma que as coisas acontecem. Primeiro vem um dia, tudo acontece naquele dia. Até chegar a noite, que é a melhor parte. Mas logo depois vem o dia outra vez. E vai, vai, vai. E é sem parar."
O Som ao Redor
3.8 1,1K Assista AgoraDefiniria "O Som ao Redor" como uma jornada sensorial, pois um dia após ver o filme, ele ainda continua na minha cabeça. Mas não é por acontecimento x, ou pela cena y; é pela soma dos produtos. Àqueles acostumados ao clássico paradigma introdução-desenvolvimento-conclusão, eu digo: vocês podem se decepcionar. "O Som ao Redor" segue mais a linha de que o que vale é a jornada do que aonde essa jornada te levará. Vi alguns reclamando sobre "o orgasmo que não veio", eu fui um deles, mas como disse no começo dessa resenha, o filme não sai da sua cabeça mesmo após horas do término, e essa situação me causa certa estranheza. O que te marca é o tom que Kleber Mendonça e seus colaboradores conseguem instaurar de forma permanente nos seus sentidos. Vemos um roteiro extremamente lento, quase documental, se preocupando em traçar nos mínimos detalhes as ansiedades e um panorama da classe média brasileira. E quanto ao som, podemos dizer que ele faz jus ao nome do filme. Podemos prestar a atenção de fato no som ao redor, aqueles sons que ignoramos a todo momento por estarmos preocupados demais com a nossa Veja fora do plástico, ou com o tamanho da TV da vizinha, ou quanto custará a mais no condomínio a rescisão do funcionário que dedicou anos de sua vida ao seu serviço. Kleber Mendonça também faz questão de quebrar algumas crendices como a de que as drogas estão somente na favela, os bandidos são de origem pobre e entram no mundo do crime pois não encontram uma melhor saída, entre outras. Merece louvores só pelo fato de sair do clichê "favelístico" do nosso cinema, e procurar uma outra vertente para criar sua história. "O Som ao Redor" deve ser visto como uma inspiração aos artistas do Brasil que desanimam ao ver o panorama cinematográfico atual. Já sabemos da polêmica dos produtores do filme com a Globo Filmes, e essa discussão só vem acalorar um fato: o cinema brasileiro precisa se tornar mais inteligente. As pessoas precisam se tornar mais inteligentes, buscar não somente um entretenimento perecível e vazio de conteúdo mas também bagagem cultural. Kleber foi contra a maré e conseguiu colocar sua obra em notoriedade. Aos produtores, cineastas, roteiristas e artistas do Brasil: não desistam! Tomem "O Som ao Redor" como inspiração para criarem mais obras originais.
Tabu
4.1 110 Assista Agora"Se amaldiçoo o dia em que o conheci, é porque a esse, sucedeu o dia da separação."
Álbum de Família
3.9 1,4K Assista Agora“We're all just people, some of us accidentally connected by genetics, a random selection of cells. Nothing more.”
Essa frase descreve bem a linha seguida pelo autor Tracy Letts em seu livro e consequentemente pelo diretor John Wells. O sentimentalismo e o zelo presente no estereótipo da família nuclear, aqui, passa longe. A família Weston é talvez o retrato verdadeiro da maior parte das famílias: desarranjada e sequelada. Cada um tem o seu temperamento, e o roteiro apresenta uma verdadeira exposição de personagens. Cada uma dessas personagens precisam conciliar seus problemas pessoais com os familiares nessa reunião a contragosto que obriga todos a colocarem as cartas na mesa. E esse é realmente um álbum de família, com inúmeros retratos em sua mais ampla variedade. Nesse quesito, aprovo o título PT-BR, que faz jus à história.
Gosto do tom não melodramático que o diretor adota, evitando pieguice para tratar a trama, como por exemplo nem ao menos ter rodado alguma cena do funeral do patriarca da família, sem perder tempo com muitas lamentações. Não é esse o foco do filme, te dar uma reflexão bonita sobre a família e o seu papel dentro dela. "August: Osage County" é um filme cru, cínico, que vem jogar as verdades sobre os laços familiares na sua cara assim como fez Ivy com as suas duas irmãs, sem espaço para os bons costumes. Ver Violet sob o efeito das pílulas é um deleite, pois quem de nós nunca quis ter a chance de berrar a verdade na cara das pessoas, principalmente familiares? Mas claro, a verdade é um mal necessário para manter a ordem social, pois conforme a verdade vai vindo a tona, essa família vai se despedaçando e dispersando.
Atuações? Meryl, Meryl, o que vem a ser você? Talvez a rainha da dramatização mundial, e na minha opinião, a melhor e mais versátil atriz que esse mundo teve a oportunidade de ver. Não tem um papel de Meryl Streep que se confunda, que remeta ao anterior, ou a algum mais antigo. Meryl encarna cada uma de suas personagens como ela própria. Só não digo que ela é a dona do Oscar e outras premiações pois ela foi reconhecida no ano passado por seu trabalho em "The Iron Lady" e as academias costumam revezar as premiações, e como este ano temos o trabalho magistral de Cate Blanchett que há muitos anos vem ensaiando ganhar o Oscar por papel principal, eu aposto que ela sai vitoriosa dessa vez. Julia Roberts que é uma das atrizes mais talentosas de sua geração, mas que lamentavelmente não aparece frequentemente em bons filmes, também triunfa como coadjuvante, e tenho certeza que a estatueta esse ano é dela.
"August: Osage County" é um filme de ações rápidas e para mim foi um prazer acompanhar essa família nesse episódio de suas conturbadas vidas. Digo episódio, porque família sendo o que é, não tenho dúvida de que ainda haja muita história para contar para além dos créditos finais.
Perfect Blue
4.3 815Incrivelmente surpreendente e labiríntico. Em vários momentos me senti perdido dentro do inconsciente de Mima, e o desfecho é absolutamente sensacional. Aronofsky pegou uma excelente base para desenvolver "Black Swan", porém reforço que as duas obras são diferentes e excelentes cada uma em sua individualidade. A trilha sonora também merece destaque, dosando o tom de suspense que o anime pedia.