Para muitas pessoas, é difícil entrar no clima do humor dos filmes mudos. Muito do que vemos nesses filmes é o chamado ‘pastelão’, e eu não tenho certeza se esse é o tipo de humor que encontra muitos fãs entre os jovens de hoje em dia. (uns tempos atrás eu fiquei surpreso ao descobrir que pouquíssimos dos meus amigos da mesma idade que eu já ouviram falar de Laurel e Hardy)
Eu sou um grande fã desse tipo de comédia, e Buster Keaton é sem dúvidas seu praticamente mais criativo, singelo e preciso (afinal, Buster teria sido engenheiro se não fosse ator). Mas um filme como The General não precisa nem mesmo contar com a bondade do senso de humor contemporâneo para funcionar – é um filme de ação e aventura completo. Muito do que Buster faz aqui ainda impressiona; é um filme sobre trens com a energia frenética de uma locomotiva. Algumas pessoas compararam The General com o filme mais recente da franquia Mad Max, mas eu acho que a correria mecanizada protagonizada por Buster, apesar de menos extravagante, tem ainda menos tempo para deixar o público respirar. (Mesmo quando Buster desce do maquinário para se infiltrar na base unionista, ele tem de enfrentar uma forte chuva e vários outros desconfortos – como armadilhas e um urso selvagem)
Eu já assisti esse filme umas dez vezes, mas toda vez eu ainda digo ‘não!’ para tela em vários momentos – Buster prendendo seu pé em uma corrente, as toras jogadas no meio dos trilhos, o trem retornando bem quando Buster consegue alcançá-lo. Como a comédia sempre está perfeitamente integrada na ação e no enredo, nunca parece que Buster está forçando a barra para obter risos. De fato, The General é mais longo do que um filme como Sherlock Jr., mas parece que tem menos tempo a perder (sem tempo, por exemplo, para ficar brincando de ‘metalinguagem do cinema’). Essa é uma locomotiva que só vai pra frente.
Também não há tempo para melodramas à la Chaplin. Como Orson Welles observou, se há um sentimento passado por The General, é a curiosa dignidade que permeia o longa. Talvez seja por isso que esse seja o filme que melhor represente a personalidade de Buster. Cada olhar de Buster fala mais sobre estoicismo e dignidade do que todo um livro de Sêneca. O personagem de Buster é atrapalhado e engraçado (quem já viu Buster antes sabe que seus tombos lembram um balé), mas ele não é um covarde, e ele não é um palhaço. (isso torna particularmente trágico o fato de que, após essa era dourada dos anos 20, Buster foi forçado a despir a sutileza que havia adquirido para muitas vezes interpretar um tipo mais vulgar de palhaço, o mero alívio cômico que atira tortas nos outros)
Vale dizer que esse é, ironicamente, um dos filmes mais autênticos que existem sobre a guerra civil. Quando os dois exércitos se encontram dos dois lados do riacho, a grandiosidade não deve nada à Griffith ou à Lawrence da Arábia. Há um momento em que soldados estão andando pela mata, com feixes de luz penetrando por entre as árvores, e é uma cena tão bonita que francamente poderia ser emoldurada. Um clássico imortal.
Uma das primeiras obras-primas da história do cinema. Todos sabem que Griffith não foi o inventor das técnicas cinematográficas (significativamente, o uso inteligente de cortes, closes, fades), mas foi um pioneiro ao empregá-las dramaticamente em um filme grandioso.
É interessante que, mesmo sendo um filme de mais de cem anos, castigado pelo tempo (acreditem, o filme era muito mais bonito visualmente para as pessoas que assistiram na época; as versões que temos são a sombra da sombra da fotografia original), que é discutido no mais das vezes academicamente (por sua importância histórica) ou política/moralmente (como na maioria dos comentários aqui), eu me peguei ficando legitimamente entretido com diversos momentos do filme. As cenas de ação (a jovem menina dos Cameron subindo a montanha durante a perseguição; os personagens presos dentro de uma casinha da união, com adversários cercando o local) mostram que tudo o que as pessoas buscam em filmes já estava contido em Griffith – um pouquinho empoeirado, sem rodeios, e muito sentimental para o nosso gosto, mas está tudo lá. As composições visuais de Griffith são majestosas – são casas e florestas filmadas por alguém que indubitavelmente sabe o que está fazendo. A reconstrução do assassinato de Lincoln é maravilhosa, e Lillian Gish, como de costume, é a pessoa mais interessante de se olhar nesse filme.
Filme absolutamente encantador. Meu primeiro filme do René Clair, e deixou uma ótima primeira impressão.
O filme é uma farsa que depende de um Macguffin na forma de um bilhete de loteria para desencadear sua comédia de erros.
Eu não havia assistido nenhum filme com René Lefèvre, mas eu sei que ele trabalhou com Renoir em Monsieur Lange (um filme que eu ainda não assisti), mas definitivamente ele me pareceu galã marcante, engraçado e carismático no papel de Michel, o artista um tanto cafajeste que deve para todas as pessoas de sua vizinhança. Annabelle é uma fofura completa no papel da bailarina Beatrice.
O filme vai para lugares inesperados e divertidos de uma Paris fantasiosa e glamourosa. (é verdade, muitos personagens não tem um centavo, mas glamour não é (só) dinheiro) Nós visitamos o covil subterrâneo do vovô Tulipa (um Robin-Hood moderno, me parece), e também passamos uma noite na ópera. Justamente na ópera, durante um número musical, com pétalas de rosas caindo, temos a cena mais bonita do filme. Trata-se, inclusive, de um momento desprovido de palavras, assim como várias outras partes do filme. Le Million é um filme cujo DNA tem muitos traços do cinema mudo. (é quase um filme híbrido, eu diria) Alguns críticos franceses achavam que isso era uma fraqueza do cinema de Clair: sua insistência em utilizar elementos do cinema mudo na era do som. Mas para mim (cada vez mais me interesso pela vivacidade dos melhores filmes mudos) isso parece mais uma virtude. O slapstick silencioso de certas cenas com certeza vai arrancar um sorriso de quem estiver assistindo.
Eu acabo de assistir essa primeira temporada de novo, e estou começando a me convencer que é uma daquelas fitas em que o meu senso crítico fica meio anestesiado pela afeição. Como eu gosto dessa série!
Praticamente tudo dá certo por aqui, em minha opinião. Se a série fosse apenas um registro das últimas décadas da república, já teria material mais do que suficiente para uma estória e tanto, mas eu acho que os idealizadores acertaram a mão em misturar a parte histórica com material fictício original. Muita gente não concorda comigo nisso. Um professor de história uma vez falou pra mim que parou de assistir logo no primeiro episódio quando viu que dois dos personagens principais seriam fictícios; disse que achou uma inovação ‘pós-pós-moderna’ descabida. (seja lá o que isso queira dizer) Mas eu acho que os personagens complementares servem para deixar o mundo de Roma mais complexo, mais ‘espesso’, por assim dizer. Você sente que pessoas poderiam ter vivido nesse mundo, seja ele fiel ao que realmente ocorreu ou não. (e geralmente, quanto mais vivo e detalhado é o playground, mais divertida é a brincadeira) Ao invés de uma crônica mais direta de guerras e desavenças entre patrícios, temos uma coleção entrecruzada de estorietas sobre gente de quase todo tipo nessa época fascinante.
E muito do que é fictício está entre as melhores partes da série. Voreno e Pullo formam um bromance que é impossível não simpatizar. O drama do ‘núcleo familiar’ de Voreno é fundamental pra série funcionar. (Niobe é ótima) Até os personagens fictícios menores são bacanas; dou destaque especial ao Posca, o escravo grego de César, um dos meus favoritos.
Eu quase chamaria Atia de uma personagem fictícia também, visto que ela provavelmente é a que mais difere (nas ações e na personalidade) da sua contraparte histórica. Ela cumpre muito bem um lugar-comum da ficção histórica sobre Roma, o da matrona maquiavélica ambiciosa que sorrateiramente mexe os pauzinhos e influencia os homens importantes de várias maneiras. Não posso deixar de mencionar que Polly Walker é uma das criaturas mais bonitas que eu já vi diante de uma câmera. Dificilmente tenho a oportunidade de ver uma atriz mais velha cujos charmes são tão bem aproveitados. (ah, e eu achei adorável quando ela comparou a sua cena fazendo o ritual do sacrifício do boi com a famosa cena do baile em Carrie)
Quanto aos personagens (um pouco mais) históricos, a coisa interessante é que, embora poucos se pareçam com as figuras que interpretam (com base nas esculturas que temos), por algum motivo eu acho que todos tem o visual exatamente apropriado para a personalidade das mesmas. (aparências adequadas para a virtú, pode-se dizer; talvez seja por isso que os diretores optaram por tantas cenas em que nós vemos esses rostos bem de perto, sempre com uma iluminação dramática) No momento, não consigo pensar nenhum outro filme ou série que rivalize com essa no sentido de retratar essas figuras específicas; em dois minutos eu consigo acreditar que esse é o Júlio César, aquele o Marco Antônio, o Otaviano, o Cícero, a Cleópatra, &c.
A série ganha muito com a interação entre suas partes histórica e fictícia. Assistindo pela segunda vez, eu percebi como cada movimento na estória é meticulosamente planejado.
(e como cada engrenagem leva inevitavelmente para o final trágico; a morte de César é brutal, e de partir o coração)
A fita também é tecnicamente admirável; sem dúvida tem o pedigree HBO. (de fato, o custo excessivo da produção foi o motivo pelo qual ela não durou muito) Em poucos episódios, nós nos familiarizamos com os ambientes da série, e eu mesmo logo esqueci que eram cenários. Eu me sinto como se conhecesse a fachada da casa de Voreno quase tão bem quanto a vila do Chaves. O senado estilo ‘nave espacial’ (que tem mais a ver com filmes do passado e pinturas do que com o verdadeiro templo de Júpiter da época) também é icônico. Até mesmo as malditas pulseiras que são um sine qua non inexplicável do gênero me fazem sorrir e pensar em Kirk Douglas e em Xena a Princesa Guerreira. Sonoramente, acho essa série uma exceção em relação às trilhas remelentas desse gênero – gosto muito das musiquinhas, especialmente o Tema de Niobe.
Uma das coisas que as pessoas criticam nessa série é que não existem muitas ‘batalhas épicas’. E eu até acho que essas pessoas estão certas, mas não ligo muito pra isso. Se a série já era caríssima sem muitas batalhas, um excesso delas sairia por um absurdo. Também vou dizer que estou entre aqueles que acham que é muito difícil fazer uma 'batalha épica' que preste; as vezes prefiro passar sem do que ver outra cópia malfeita de Coração Valente ou Resgate do Soldado Ryan. Eu gosto que o foco da série esteja mais nas intrigas e no drama dos personagens. (sem esquecer também o humor – talvez eu esteja sozinho nisso, mas achei a série muito engraçada; não só os personagens principais brilham nesse quesito, mas também existem vários detalhes engraçados que ocorrem à margem da ação principal (e.g.: o Sr. ‘telejornal ao vivo’)).
Enfim, falei tanto que acho que deveria ter começado esse comentário com um ‘olá amantes da sétima arte’ (a la Maurílio dos Anjos) pra atrair gente que gosta de textão. Em resumo, é uma ótima série, e acho que quem não conhece (e gosta desse tipo de coisa) deveria dar uma chance.
Gary Cooper a contragosto (?) sai por aí pedindo ajuda para realizar a tarefa de pegar um bandido vingativo e seus comparsas. Ninguém quer saber. Talvez exista uma lição a ser aprendida com base nessa situação, mas não sei se ela influenciaria muito na minha apreciação do filme. O fato é que a tensão aumenta no decorrer do filme, Gary Cooper se sai muito bem (ele é o coração da fita, sem dúvida), a cidadezinha no meio do nada é lindamente árida e sombreada, o elenco é fantástico. Enfim, baita filme.
Eu fiquei sabendo da existência de Hermann ou Arminius pela primeira vez ao ler o romance de Robert Graves, I Claudius. Foi interessante descobrir que fizeram uma série sobre a história dessa figura curiosa da história alemã,
o rapaz criado entre os romanos que depois se rebelou e se tornou um líder da tribo germânica dos Queruscos, então uma província do império. (o artigo da Wikipédia sobre Hermann nos diz que por muito tempo ele foi como um símbolo romântico do nacionalismo alemão, inclusive pelos nazistas)
A série é bem decente, eu acho. Bem feita. Hermann (Laurence Rupp) e Thusnelda (Jeanne Goursaud) são ótimos. O Latim na boca dos personagens romanos certamente foi uma ótima jogada. Não conheço tão bem os detalhes para saber quais foram as ‘liberdades históricas’ tomadas, mas aparentemente foram muitas. Folkwin, um dos personagens principais, nunca existiu. Mas isso, para mim, não é problema. A ideia do triângulo amoroso é boa. Eu diria também que o dilema da ambiguidade de pertencer a dois povos ao mesmo tempo é bem explorado, e ressoa para além de Hermann.
Quanto às cenas de combate, certamente elas são muito bonitas. Mas eu sempre acho que cenas desse tipo exageram um pouquinho na sala de edição e ficam um tiquinho melosas. Prefiro quando essas cenas são mais secas, estilo Barry Lyndon. Talvez seja preconceito meu, acho que nem vou mais comentar esse tipo de coisa.
Imagino que essa série vá continuar, e creio que há potencial aqui. Muitas coisas interessantes acontecem mais adiante na vida de Hermann. É esperar pra ver se esses eventos vão ser bem explorados.
Fiquei curioso em relação em a esse filme por causa da ideia de um contanto entre os dois dos maiores impérios do mundo antigo (i.e. os Romanos e a dinastia Han) e também pelo elenco interessante. Mas infelizmente vou ter que concordar com os comentários negativos daqui; pouca coisa dá certo nessa produção. Faz tempo que eu não vejo um desses filmes ‘épicos’ chineses, então não sei se é uma peculiaridade desse filme, mas realmente achei a edição muito estranha, e alguns flashbacks parecem desnecessários. Apesar dos valores de produção elevados, as cenas de combate entre exércitos não são satisfatórias; fica um pouco melhor quando os personagens principais lutam um contra um. No mais, o filme é excessivamente melodramático (trocentos personagens esquecíveis morrem, e é preciso ter muita boa vontade pra dar a mínima), e cheio de ‘lições de moral’ transmitidas da maneira mais piegas possível (‘a paz entre as raças é possível’, ‘guerra não leva a nada’, &c). John Cusack, coitado, em toda cena me parecia que ele estava pensando, ‘meu deus, vamos acabar logo com isso para eu receber meu dinheiro e ir pra casa’. Jackie Chan nunca é totalmente ruim, mas esse está longe de ser um dos filmes em que ele melhor demonstra seus talentos como ator, performer de artes marciais ou comediante físico. Mas vou admitir que gostei do Adrien Brody; sua atuação parece ser propositalmente brega e grandiloquente, e rende algumas risadas.
(Um último detalhe: obviamente o filme não é historicamente preciso. Isso é praticamente irrelevante pra mim, mas estou apenas alertando aqueles que estão buscando uma representação fiel dessas nações em 48AC.)
Peter Bogdanovich já era um dos meus diretores favoritos antes de eu assistir esse filme, e agora minha admiração está ainda mais confirmada. Falando sério, faz muito tempo que eu não rio tanto com um filme. Barbra Streisand (cujo personagem é uma mistura de Katherine Hepburn em Bringing Up Baby e Pernalonga) se apaixona por Ryan O’Neal (que é o típico professor distraído, como Cary Grant também em Bringing Up Baby ou Henry Fonda em Três Noites de Eva), e eles se envolvem em uma estória ridícula em que todos os personagens estão atrás de malas convenientemente idênticas. O filme é tão colorido e louco que parece um desenho animado. Difícil de explicar porque funciona tão bem, mas o filme me conquistou.
David Thewlis encarna um personagem que, pelo que eu entendi, não consegue fazer uma conexão genuína com ninguém. Os bonequinhos com vozes e rostos idênticos nos ajudam a perceber que o protagonista acha que todo o resto do mundo forma um ‘eles’ indiferenciado (isso é, até a personagem de Jennifer Jason Leigh aparecer como um raio de esperança).
É um filme extremamente triste, mas bem minimalista se comparado com os outros filmes em que Kaufman esteve envolvido. Eu ainda prefiro Adaptação e Sinédoque Nova Iorque, mas achei esse melhor do que Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças.
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A General
4.4 174 Assista AgoraPara muitas pessoas, é difícil entrar no clima do humor dos filmes mudos. Muito do que vemos nesses filmes é o chamado ‘pastelão’, e eu não tenho certeza se esse é o tipo de humor que encontra muitos fãs entre os jovens de hoje em dia. (uns tempos atrás eu fiquei surpreso ao descobrir que pouquíssimos dos meus amigos da mesma idade que eu já ouviram falar de Laurel e Hardy)
Eu sou um grande fã desse tipo de comédia, e Buster Keaton é sem dúvidas seu praticamente mais criativo, singelo e preciso (afinal, Buster teria sido engenheiro se não fosse ator). Mas um filme como The General não precisa nem mesmo contar com a bondade do senso de humor contemporâneo para funcionar – é um filme de ação e aventura completo. Muito do que Buster faz aqui ainda impressiona; é um filme sobre trens com a energia frenética de uma locomotiva. Algumas pessoas compararam The General com o filme mais recente da franquia Mad Max, mas eu acho que a correria mecanizada protagonizada por Buster, apesar de menos extravagante, tem ainda menos tempo para deixar o público respirar. (Mesmo quando Buster desce do maquinário para se infiltrar na base unionista, ele tem de enfrentar uma forte chuva e vários outros desconfortos – como armadilhas e um urso selvagem)
Eu já assisti esse filme umas dez vezes, mas toda vez eu ainda digo ‘não!’ para tela em vários momentos – Buster prendendo seu pé em uma corrente, as toras jogadas no meio dos trilhos, o trem retornando bem quando Buster consegue alcançá-lo. Como a comédia sempre está perfeitamente integrada na ação e no enredo, nunca parece que Buster está forçando a barra para obter risos. De fato, The General é mais longo do que um filme como Sherlock Jr., mas parece que tem menos tempo a perder (sem tempo, por exemplo, para ficar brincando de ‘metalinguagem do cinema’). Essa é uma locomotiva que só vai pra frente.
Também não há tempo para melodramas à la Chaplin. Como Orson Welles observou, se há um sentimento passado por The General, é a curiosa dignidade que permeia o longa. Talvez seja por isso que esse seja o filme que melhor represente a personalidade de Buster. Cada olhar de Buster fala mais sobre estoicismo e dignidade do que todo um livro de Sêneca. O personagem de Buster é atrapalhado e engraçado (quem já viu Buster antes sabe que seus tombos lembram um balé), mas ele não é um covarde, e ele não é um palhaço. (isso torna particularmente trágico o fato de que, após essa era dourada dos anos 20, Buster foi forçado a despir a sutileza que havia adquirido para muitas vezes interpretar um tipo mais vulgar de palhaço, o mero alívio cômico que atira tortas nos outros)
Vale dizer que esse é, ironicamente, um dos filmes mais autênticos que existem sobre a guerra civil. Quando os dois exércitos se encontram dos dois lados do riacho, a grandiosidade não deve nada à Griffith ou à Lawrence da Arábia. Há um momento em que soldados estão andando pela mata, com feixes de luz penetrando por entre as árvores, e é uma cena tão bonita que francamente poderia ser emoldurada.
Um clássico imortal.
O Nascimento de uma Nação
3.0 231Uma das primeiras obras-primas da história do cinema. Todos sabem que Griffith não foi o inventor das técnicas cinematográficas (significativamente, o uso inteligente de cortes, closes, fades), mas foi um pioneiro ao empregá-las dramaticamente em um filme grandioso.
É interessante que, mesmo sendo um filme de mais de cem anos, castigado pelo tempo (acreditem, o filme era muito mais bonito visualmente para as pessoas que assistiram na época; as versões que temos são a sombra da sombra da fotografia original), que é discutido no mais das vezes academicamente (por sua importância histórica) ou política/moralmente (como na maioria dos comentários aqui), eu me peguei ficando legitimamente entretido com diversos momentos do filme. As cenas de ação (a jovem menina dos Cameron subindo a montanha durante a perseguição; os personagens presos dentro de uma casinha da união, com adversários cercando o local) mostram que tudo o que as pessoas buscam em filmes já estava contido em Griffith – um pouquinho empoeirado, sem rodeios, e muito sentimental para o nosso gosto, mas está tudo lá. As composições visuais de Griffith são majestosas – são casas e florestas filmadas por alguém que indubitavelmente sabe o que está fazendo. A reconstrução do assassinato de Lincoln é maravilhosa, e Lillian Gish, como de costume, é a pessoa mais interessante de se olhar nesse filme.
O Milhão
3.8 17Filme absolutamente encantador. Meu primeiro filme do René Clair, e deixou uma ótima primeira impressão.
O filme é uma farsa que depende de um Macguffin na forma de um bilhete de loteria para desencadear sua comédia de erros.
Eu não havia assistido nenhum filme com René Lefèvre, mas eu sei que ele trabalhou com Renoir em Monsieur Lange (um filme que eu ainda não assisti), mas definitivamente ele me pareceu galã marcante, engraçado e carismático no papel de Michel, o artista um tanto cafajeste que deve para todas as pessoas de sua vizinhança. Annabelle é uma fofura completa no papel da bailarina Beatrice.
O filme vai para lugares inesperados e divertidos de uma Paris fantasiosa e glamourosa. (é verdade, muitos personagens não tem um centavo, mas glamour não é (só) dinheiro) Nós visitamos o covil subterrâneo do vovô Tulipa (um Robin-Hood moderno, me parece), e também passamos uma noite na ópera. Justamente na ópera, durante um número musical, com pétalas de rosas caindo, temos a cena mais bonita do filme. Trata-se, inclusive, de um momento desprovido de palavras, assim como várias outras partes do filme. Le Million é um filme cujo DNA tem muitos traços do cinema mudo. (é quase um filme híbrido, eu diria) Alguns críticos franceses achavam que isso era uma fraqueza do cinema de Clair: sua insistência em utilizar elementos do cinema mudo na era do som. Mas para mim (cada vez mais me interesso pela vivacidade dos melhores filmes mudos) isso parece mais uma virtude. O slapstick silencioso de certas cenas com certeza vai arrancar um sorriso de quem estiver assistindo.
Roma (1ª Temporada)
4.5 148 Assista AgoraEu acabo de assistir essa primeira temporada de novo, e estou começando a me convencer que é uma daquelas fitas em que o meu senso crítico fica meio anestesiado pela afeição. Como eu gosto dessa série!
Praticamente tudo dá certo por aqui, em minha opinião. Se a série fosse apenas um registro das últimas décadas da república, já teria material mais do que suficiente para uma estória e tanto, mas eu acho que os idealizadores acertaram a mão em misturar a parte histórica com material fictício original. Muita gente não concorda comigo nisso. Um professor de história uma vez falou pra mim que parou de assistir logo no primeiro episódio quando viu que dois dos personagens principais seriam fictícios; disse que achou uma inovação ‘pós-pós-moderna’ descabida. (seja lá o que isso queira dizer) Mas eu acho que os personagens complementares servem para deixar o mundo de Roma mais complexo, mais ‘espesso’, por assim dizer. Você sente que pessoas poderiam ter vivido nesse mundo, seja ele fiel ao que realmente ocorreu ou não. (e geralmente, quanto mais vivo e detalhado é o playground, mais divertida é a brincadeira) Ao invés de uma crônica mais direta de guerras e desavenças entre patrícios, temos uma coleção entrecruzada de estorietas sobre gente de quase todo tipo nessa época fascinante.
E muito do que é fictício está entre as melhores partes da série. Voreno e Pullo formam um bromance que é impossível não simpatizar. O drama do ‘núcleo familiar’ de Voreno é fundamental pra série funcionar. (Niobe é ótima) Até os personagens fictícios menores são bacanas; dou destaque especial ao Posca, o escravo grego de César, um dos meus favoritos.
Eu quase chamaria Atia de uma personagem fictícia também, visto que ela provavelmente é a que mais difere (nas ações e na personalidade) da sua contraparte histórica. Ela cumpre muito bem um lugar-comum da ficção histórica sobre Roma, o da matrona maquiavélica ambiciosa que sorrateiramente mexe os pauzinhos e influencia os homens importantes de várias maneiras. Não posso deixar de mencionar que Polly Walker é uma das criaturas mais bonitas que eu já vi diante de uma câmera. Dificilmente tenho a oportunidade de ver uma atriz mais velha cujos charmes são tão bem aproveitados. (ah, e eu achei adorável quando ela comparou a sua cena fazendo o ritual do sacrifício do boi com a famosa cena do baile em Carrie)
Quanto aos personagens (um pouco mais) históricos, a coisa interessante é que, embora poucos se pareçam com as figuras que interpretam (com base nas esculturas que temos), por algum motivo eu acho que todos tem o visual exatamente apropriado para a personalidade das mesmas. (aparências adequadas para a virtú, pode-se dizer; talvez seja por isso que os diretores optaram por tantas cenas em que nós vemos esses rostos bem de perto, sempre com uma iluminação dramática) No momento, não consigo pensar nenhum outro filme ou série que rivalize com essa no sentido de retratar essas figuras específicas; em dois minutos eu consigo acreditar que esse é o Júlio César, aquele o Marco Antônio, o Otaviano, o Cícero, a Cleópatra, &c.
A série ganha muito com a interação entre suas partes histórica e fictícia. Assistindo pela segunda vez, eu percebi como cada movimento na estória é meticulosamente planejado.
(e como cada engrenagem leva inevitavelmente para o final trágico; a morte de César é brutal, e de partir o coração)
A fita também é tecnicamente admirável; sem dúvida tem o pedigree HBO. (de fato, o custo excessivo da produção foi o motivo pelo qual ela não durou muito) Em poucos episódios, nós nos familiarizamos com os ambientes da série, e eu mesmo logo esqueci que eram cenários. Eu me sinto como se conhecesse a fachada da casa de Voreno quase tão bem quanto a vila do Chaves. O senado estilo ‘nave espacial’ (que tem mais a ver com filmes do passado e pinturas do que com o verdadeiro templo de Júpiter da época) também é icônico. Até mesmo as malditas pulseiras que são um sine qua non inexplicável do gênero me fazem sorrir e pensar em Kirk Douglas e em Xena a Princesa Guerreira. Sonoramente, acho essa série uma exceção em relação às trilhas remelentas desse gênero – gosto muito das musiquinhas, especialmente o Tema de Niobe.
Uma das coisas que as pessoas criticam nessa série é que não existem muitas ‘batalhas épicas’. E eu até acho que essas pessoas estão certas, mas não ligo muito pra isso. Se a série já era caríssima sem muitas batalhas, um excesso delas sairia por um absurdo. Também vou dizer que estou entre aqueles que acham que é muito difícil fazer uma 'batalha épica' que preste; as vezes prefiro passar sem do que ver outra cópia malfeita de Coração Valente ou Resgate do Soldado Ryan. Eu gosto que o foco da série esteja mais nas intrigas e no drama dos personagens. (sem esquecer também o humor – talvez eu esteja sozinho nisso, mas achei a série muito engraçada; não só os personagens principais brilham nesse quesito, mas também existem vários detalhes engraçados que ocorrem à margem da ação principal (e.g.: o Sr. ‘telejornal ao vivo’)).
Enfim, falei tanto que acho que deveria ter começado esse comentário com um ‘olá amantes da sétima arte’ (a la Maurílio dos Anjos) pra atrair gente que gosta de textão. Em resumo, é uma ótima série, e acho que quem não conhece (e gosta desse tipo de coisa) deveria dar uma chance.
Matar ou Morrer
4.1 205 Assista AgoraGary Cooper a contragosto (?) sai por aí pedindo ajuda para realizar a tarefa de pegar um bandido vingativo e seus comparsas. Ninguém quer saber. Talvez exista uma lição a ser aprendida com base nessa situação, mas não sei se ela influenciaria muito na minha apreciação do filme. O fato é que a tensão aumenta no decorrer do filme, Gary Cooper se sai muito bem (ele é o coração da fita, sem dúvida), a cidadezinha no meio do nada é lindamente árida e sombreada, o elenco é fantástico. Enfim, baita filme.
Bárbaros (1ª Temporada)
3.7 86 Assista AgoraEu fiquei sabendo da existência de Hermann ou Arminius pela primeira vez ao ler o romance de Robert Graves, I Claudius. Foi interessante descobrir que fizeram uma série sobre a história dessa figura curiosa da história alemã,
o rapaz criado entre os romanos que depois se rebelou e se tornou um líder da tribo germânica dos Queruscos, então uma província do império. (o artigo da Wikipédia sobre Hermann nos diz que por muito tempo ele foi como um símbolo romântico do nacionalismo alemão, inclusive pelos nazistas)
A série é bem decente, eu acho. Bem feita. Hermann (Laurence Rupp) e Thusnelda (Jeanne Goursaud) são ótimos. O Latim na boca dos personagens romanos certamente foi uma ótima jogada. Não conheço tão bem os detalhes para saber quais foram as ‘liberdades históricas’ tomadas, mas aparentemente foram muitas. Folkwin, um dos personagens principais, nunca existiu. Mas isso, para mim, não é problema. A ideia do triângulo amoroso é boa. Eu diria também que o dilema da ambiguidade de pertencer a dois povos ao mesmo tempo é bem explorado, e ressoa para além de Hermann.
Quanto às cenas de combate, certamente elas são muito bonitas. Mas eu sempre acho que cenas desse tipo exageram um pouquinho na sala de edição e ficam um tiquinho melosas. Prefiro quando essas cenas são mais secas, estilo Barry Lyndon. Talvez seja preconceito meu, acho que nem vou mais comentar esse tipo de coisa.
Imagino que essa série vá continuar, e creio que há potencial aqui. Muitas coisas interessantes acontecem mais adiante na vida de Hermann. É esperar pra ver se esses eventos vão ser bem explorados.
Batalha dos Impérios
3.3 88Fiquei curioso em relação em a esse filme por causa da ideia de um contanto entre os dois dos maiores impérios do mundo antigo (i.e. os Romanos e a dinastia Han) e também pelo elenco interessante. Mas infelizmente vou ter que concordar com os comentários negativos daqui; pouca coisa dá certo nessa produção. Faz tempo que eu não vejo um desses filmes ‘épicos’ chineses, então não sei se é uma peculiaridade desse filme, mas realmente achei a edição muito estranha, e alguns flashbacks parecem desnecessários. Apesar dos valores de produção elevados, as cenas de combate entre exércitos não são satisfatórias; fica um pouco melhor quando os personagens principais lutam um contra um. No mais, o filme é excessivamente melodramático (trocentos personagens esquecíveis morrem, e é preciso ter muita boa vontade pra dar a mínima), e cheio de ‘lições de moral’ transmitidas da maneira mais piegas possível (‘a paz entre as raças é possível’, ‘guerra não leva a nada’, &c). John Cusack, coitado, em toda cena me parecia que ele estava pensando, ‘meu deus, vamos acabar logo com isso para eu receber meu dinheiro e ir pra casa’. Jackie Chan nunca é totalmente ruim, mas esse está longe de ser um dos filmes em que ele melhor demonstra seus talentos como ator, performer de artes marciais ou comediante físico. Mas vou admitir que gostei do Adrien Brody; sua atuação parece ser propositalmente brega e grandiloquente, e rende algumas risadas.
(Um último detalhe: obviamente o filme não é historicamente preciso. Isso é praticamente irrelevante pra mim, mas estou apenas alertando aqueles que estão buscando uma representação fiel dessas nações em 48AC.)
Essa Pequena é uma Parada
4.0 66 Assista AgoraPeter Bogdanovich já era um dos meus diretores favoritos antes de eu assistir esse filme, e agora minha admiração está ainda mais confirmada. Falando sério, faz muito tempo que eu não rio tanto com um filme. Barbra Streisand (cujo personagem é uma mistura de Katherine Hepburn em Bringing Up Baby e Pernalonga) se apaixona por Ryan O’Neal (que é o típico professor distraído, como Cary Grant também em Bringing Up Baby ou Henry Fonda em Três Noites de Eva), e eles se envolvem em uma estória ridícula em que todos os personagens estão atrás de malas convenientemente idênticas. O filme é tão colorido e louco que parece um desenho animado. Difícil de explicar porque funciona tão bem, mas o filme me conquistou.
Anomalisa
3.8 497 Assista AgoraNão imaginava que Charlie Kaufman iria dirigir uma animação stop-motion.
David Thewlis encarna um personagem que, pelo que eu entendi, não consegue fazer uma conexão genuína com ninguém. Os bonequinhos com vozes e rostos idênticos nos ajudam a perceber que o protagonista acha que todo o resto do mundo forma um ‘eles’ indiferenciado (isso é, até a personagem de Jennifer Jason Leigh aparecer como um raio de esperança).
É um filme extremamente triste, mas bem minimalista se comparado com os outros filmes em que Kaufman esteve envolvido. Eu ainda prefiro Adaptação e Sinédoque Nova Iorque, mas achei esse melhor do que Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças.