Annette pode ser considerado um filme de monstro de Leos Carax. Os monstros de Annette, porém, não são representações mitológicas como era o caso do Mr. Merde, que apareceu pela primeira vez no curta que Carax fez para a antologia Tokyo!, ainda que tomem emprestado uma visualidade que remete à figuras clássicas do cinema de gênero.
Dessa vez, a monstruosidade que aparece na caracterização dos personagens de Adam Driver e Marion Cotillard, em gestos, reflete uma condição de existência a qual estão amaldiçoados a viver. É como uma reação psicossomática do sofrimento interior, de uma realidade inescapável.
Maneirista que é, Carax usa dessa imagética não como referência, mas como uma nova forma de retratar essa maldade que transborda para o físico, o único jeito de mostrar um sentimento tão intrínseco que só pode se expressar como performance, como atuação. Henry McHenry, o abusivo, estende os braços e persegue sua vítima com as mãos, igual ao Nosferatu, o vampiro. Anne Desfranoux é o espírito vingativo, fugidia, que corrompe a inocência de quem possui.
Essa ideia está lá desde o primeiro segundo do filme, que abre com os Sparks gravando a trilha sonora e se misturando com a própria diegese, ao lado do diretor e dos atores que assumem os papéis. Não há barreiras entre o real e o imaginário, o ator e o personagem, a vida e a ficção. O carma do artista é estar sempre performando. É essa ópera maníaca que vai se desenrolar.
Não há, em Annette, o amor pueril que se traduz em uma corrida ao som de “Modern Love”, do Bowie. Nem o êxtase que explode em fogos de artifício e correnteza para os amantes da Pont-Neuf. Há apenas o sentimento opressivo de um amor egoísta entre Henry e Anne, uma relação fadada à destruição.
As músicas dos Sparks, com as frases que se repetem em diferentes ritmos e entonações, são as súplicas obsessivas daqueles seres, mais uma tentativa de externalização. Carax filma os números musicais em planos longos, abertos, sem as coreografias de um Fred Astaire, mas tendo a fisicalidade bruta, principalmente de Adam Driver, como guia. São andanças a esmo que se tornam uma dança perturbada.
Quando vemos o show de stand up de Henry, também é em plano geral, o palco em que ele revela os sentimentos e vontades mais profundas. O cenário da ópera de Anne se abre para o exterior, para a floresta de um conto de fadas sombrio. Formalmente, Carax usa desses espaços abertos porque, com os personagens presos dentro deles mesmos, estão livres para vagar e assombrar aquele mundo.
É como assombração que os papéis de Anne na ópera aparecem para Henry, com a sobreposição dos planos. Não importa se o que incomoda Henry é a Anne verdadeira ou as figuras que ela representa, porque, sendo todas elas a mesma Anne, o monstro se aflora, o lobo mau vai perseguir a Chapeuzinho Vermelha.
Sendo representante de um gênero, o musical, acostumado com a artificialidade, a estilização que o diretor propõe pode até parecer mais comum, por falta de palavra melhor, do que o habitual. Mas, nunca menos impactante. A cena que estampa o pôster, da tempestade no barco, é um bom exemplo da expressividade do estilo de Carax. A projeção ao fundo é um artifício que se coloca como tal, uma estética que gera sentimentos, sem significar uma autoconsciência sarcástica.
É assim também com o grande artifício do filme, que vai carregar o que de mais significativo ele tem a oferecer. O fato de não ser um elemento estranho naquele mundo, que é o que é, traz a força do ato musical final, já que se confunde o que é performance e o que não é. Dessa forma, essa realidade de conto de fadas corrompido que Carax cria, dá ao filme o tom de uma inocência, infantil mesmo, que se perde, uma vez que as figuras animalescas, o macaco de Deus e a sereia demoníaca, degradam o espaço. Não há lugar para a inocência, para a infância. Não há lugar para o felizes para sempre, só para monstros e bonecas abandonadas.
Sendo assim, com os limites entre a realidade e a ficção borrados, Carax traz para a fábula de terror operática a sua própria pessoalidade. Annette é dedicado à sua filha, que aparece na primeira e na última cena. Dá só pra imaginar o quanto os monstros de Leos Carax são, realmente, os monstros de Leos Carax, mas, o que fica claro com os créditos é que, com a trupe circense de artistas-personagens, o diretor encontrou seu jeito de tentar exorcizar esses demônios.
Mais do que um pot-pourri de signos e influências do cinema de terror, o que James Wan tenta fazer em Maligno é um movimento de atualização do que é reconhecido no gênero, num sentido quase dialético. É pegar o estabelecido de tudo o que veio antes, colocar à luz dos meios materiais, técnicos, das linguagens mais contemporâneas e ver o que sai dessa mistura.
Parece ser mais efetivo pensar nessa relação de atualização de cânones do que simplesmente apontar, por exemplo, o quanto que a criatura deve aos efeitos práticos de um John Carpenter ou como a aparição no começo do filme tem ares de um cinema de horror japonês. Nesse sentido, o CGI tem uma função muito importante de manter de pé a encenação que o diretor propõe, mesmo que às vezes ela pareça quase desmoronar.
Os efeitos digitais servem como uma extensão da técnica do Wan, que sempre prefere usar grandes-angulares, distorcer o espaço, e eleva esse efeito criando uma realidade que se dissolve, que não tem barreiras. O plongée que segue a protagonista por toda a extensão da casa destrói os limites do ambiente, assim como o CGI dilui o cenário nas visões dos assassinatos.
A estilização e o digital vêm para traduzir os elementos do que se tornou, por assim dizer, clássico, num sentido de embate entre esses imaginários. As conclusões da trama se dão através de gravações em VHS, a delegacia se torna gótica através de filtros e da correção de cores, enquanto o plano geral do instituto científico é completamente digital.
Com esses efeitos, o diretor cria um espaço modulável, líquido. E, claro, com a influência do Giallo, o Wan usa dessa versatilidade para sugerir uma ameaça que pode estar em qualquer lugar, que fica fora do plano, da câmera que se desloca pelo espaço livremente. Dada a subjetividade do assassino que aparece no cinema do Dario Argento, por exemplo, fica a relação de renovação a partir da posição da personagem da Annabelle Wallis com o vínculo que ela tem com o assassino. É como se o subjetivo do espectador do Giallo fosse o subjetivo da protagonista de Maligno, o voyeurismo e o desejo de matar que sai de quem assiste às mortes e se projeta no assassino.
O uso das lentes, dos tracking shots, aliados à subjetividade da protagonista que vê tudo sem poder reagir, traz ainda uma ideia, pensando numa outra linguagem contemporânea, de gameficação. A câmera é onipresente, seguimos com ela pelo alto de prédios ao subsolo de Seatle. Cada assassinato é quase uma cut scene, antes da personagem poder retomar o controle do jogo.
Mesmo quando a visão é mais objetiva, temos uma profundidade de campo, uma certa distância do acontecimento que também se encaixam nessa ideia do videogame: a câmera é sempre capaz de observar tudo, cada movimento, cada golpe da ação. A luta na delegacia assume esse tom de um combate contra os NPCs inimigos que vão se aproximando em ondas.
O Wan usa então de um certo maneirismo dos diretores que ele homenageia e trata todas essas referências de um jeito meio pós-moderno. Não é uma repetição simples de estética, imagens e fórmulas, porque ele trabalha tudo isso na base do choque, de deslocar o que se espera. É de usar essas referências através de uma linguagem moderna e própria pra chegar numa terceira coisa, numa síntese nova e diferente, por mais absurda que essa terceira coisa seja. Na verdade, ele mira nesse absurdo para conseguir sempre renovar o que se vê.
Tudo isso se beneficia também de como o diretor lida bem com o jump scare. Já que o mundo é sem barreiras e fluído, uma hora a ameaça, que está sempre esperando no fora de quadro, tem que entrar no quadro. E um simples campo/contra-campo se torna expressivo a partir disso.
Não importa qual é a criatura ou a qual cânone do terror que ela faz referência, se ela é uma aparição fantasmagórica, um assassino do Slasher, ou uma criatura grotesca. No Maligno de James Wan, diretor em seu auge, ela está sempre prestes a surgir da extremidade do quadro e nunca será do jeito que você esperava que fosse.
“Old” deve estar ao lado de “Fim dos Tempos” entre os trabalhos mais experimentais do Shyamalan. Os dois filmes também dividem uma mesma vontade: a de trazer para a tela (ou para o que está fora dela) um perigo invisível, mas não por isso menos letal.
A restrição que o diretor se coloca, sendo a praia o único cenário na maior parte do filme, potencializa a trama como uma exploração temporal-espacial. A câmera assume essa identidade invisível do tempo que nunca para e corre por esse ambiente inescapável que se impõe através de rochedos gigantescos e um mar sem fim.
O tempo é implacável, alheio à vida, dores, problemas. Em perspectiva com o eterno, a vida é um instante, insignificante, e assim é a câmera-tempo de Shyamalan, praticamente indiferente à presença de seus personagens. São vários os enquadramentos que não se atém a mostrar um ator, que vacila entre os prisioneiros daquela praia. Em uma cena que envolve uma operação médica arriscada, os vários rostos apreensivos aparecem no quadro apenas em parte e um zoom lento deixa todos para trás e vai focar no céu sobre suas cabeças, o único elemento eterno daquele plano.
Enquanto se sucedem um amontoado de acontecimentos bizarros, a câmera passeia pela praia em longos planos, cada hora se detendo em algum elemento, importante ou não para a ação. Essas sequências são essenciais para estabelecer o ritmo do filme. Assim como os anos passam em questão de segundos para aquelas pessoas, ou seja, de forma acelerada, também acelerada é a narrativa, um fluxo rápido e crescente de tensão.
Nesse sentido, os planos longos são quase blocos de ação e cada corte revela uma nova espiral dramática, um possível envelhecimento dos personagens, fazendo uma montagem quase cruel nessa passagem temporal. E o Shyamalan usa dessa indiferença da câmera com os personagens, esses enquadramentos deslocados, para esconder as mudanças físicas de seus atores, revelando aos poucos através de planos detalhes ou com alguma interferência visual em primeiro plano.
Sendo a praia o cenário principal, quase um personagem em si, fica evidente o talento do diretor em sempre encontrar novos jeitos de filmar o espaço, de encenar esses blocos cada um de uma forma específica para tirar o que dali tem de mais expressivo, seja um modo impressionista de trazer para a linguagem uma subjetividade dos personagens quando esses tentam fugir dali, seja com um simples tracking shot que vai de um lado para o outro mostrando primeiro um dos momentos de ápice emocional do filme, afastando-se para observar as ondas do mar e voltando para ver os desdobramentos daquele acontecimento.
“Old” é uma experiência implacável, muito por usar de alguns arquétipos para tecer comentários sobre a sociedade e preencher o choque com questões existenciais. A família principal do filme é composta por imigrantes, um homem negro pode ser o assassino de uma mulher branca, o médico branco rico tenta se impor a um enfermeiro de raízes orientais. O efeito da passagem da vida se coloca duplamente, em relação aos papeis sociais impostos e às consequências físicas e mentais do envelhecimento. Mais aliado a um cinema de gênero, o filme usa dos corpos para dar um peso palpável a sua ameaça, partindo de uma exposição gráfica de feridas e deformações que somam a repulsa ao turbilhão de choques e velocidade.
Nesse balanço entre a futilidade de uma vida que não se vive e os anos que passam nesse processo, vem o tema tão caro ao diretor de um olhar infantil, de quem se permite focar seu tempo para construir um castelo de areia, que se permite viver o que o presente tem a oferecer. “Old” talvez seja o filme em que o autor Shyamalan se coloque mais presente metalinguisticamente. O personagem que ele interpreta é o observador, que deixa seus prisioneiros na ilha e, através da câmera, vê como irão reagir.
Não deixa de ser um experimento sádico, o do personagem e o do diretor, que tem seus motivos para criar uma situação dessa, por mais que o filme seja inspirado por uma HQ. É um cinismo que aparece muito em “Old” como um humor proposital pelo estranhamento. Talvez seja até incomum para o diretor, mas serve também para discutir as responsabilidades, ou falta delas, para o autor. É mesmo um movimento, quase um manifesto, por uma inocência libertadora que o Shyamalan sempre prega, independente dos custos que essa experiência pode cobrar.
Por isso, é irônico que seus filmes gerem tanta rejeição, muito por conta de uma falta de naturalismo, de diálogos pouco sutis, ou da artificialidade a qual ele se propõe. Quando se está muito preocupado com o real, com o sério e o conhecido, é justamente essa inocência libertadora que se perde. O cinema do Shyamalan é o que vê na crença no fantástico, na imaginação pueril, a saída para toda a ameaça da realidade.
“A Menina que Matou os Pais” e “O Menino que Matou Meus Pais” partem da ideia de contrapor depoimentos contrários, de contar duas versões de um mesmo acontecimento esperando que, no processo, surja uma terceira versão, talvez mais próxima da verdade dos fatos. Esse experimento, porém, é sabotado pela nulidade individual de cada filme e da forma explícita com que o diretor aponta as diferenças entre as visões dos protagonistas.
Ambos os filmes confiam em narrativas extremamente elípticas, cheias de pulos no tempo, para tentar dar conta de uma contextualização de quais seriam os eventos que levaram ao assassinato dos pais de Suzane von Richthofen, mas esses eventos parecem até aleatórios na necessidade de pintar um quadro geral, com grossas pinceladas de brigas familiares e relacionamentos abusivos.
Chega a ser surpreendente, no mau sentido, como o assassinato em si é encenado de um jeito tão distante e pouco impactante, talvez numa busca por uma imparcialidade que não existe, mesmo porque as duas versões suportam um ponto de vista específico e, talvez inconscientemente, os filmes colocam a personagem da von Richthofen como a grande manipuladora dos fatos. São três versões dela: a psicopata drogada, a virgem angelical que amava os pais e a menina de classe média que se perdeu na vida por culpa de um cafajeste. Nenhuma das três é confiável, obviamente.
Por isso que “O Menino que Matou Meus Pais” é um pouco superior ao outro, por lidar com essa narração não confiável da personagem e colocar em xeque as atitudes abusivas do namorado, ainda que essa desconstrução fique restrita a apenas esse filme e perca força quando colocamos um do lado do outro. Nesse ponto, faz mais sentido a mudança na performance do Leonardo Bittencourt. Já a Suzane da Carla Diaz parece sempre estar num filme completamente diferente. Enquanto toda a mise-en-scène tenta ser mais realista, quase documental em alguns momentos, a performance cheia de maneirismos da atriz vai muito mais pra uma direção de artificialidade que o filme nunca sustenta.
É um problema que vem do mesmo lugar da distância que o diretor Maurício Eça toma dos eventos. A atriz acredita numa versão estilizada da história, do depoimento mentiroso, e às vezes parece que o filme pede mesmo essa fuga do realismo true crime, mas fica a sensação de que, quando o diretor embarca nisso, é sem querer, é por falta de controle, como na fotografia digital ensolarada na cena do podium do campeonato de aeromodelismo ou em todas as cenas dos dois filmes que se passam em uma balada, que na verdade revelam um amadorismo na encenação toda.
As escolhas de Eça acabam tendo um efeito contrário. Em vez de manter uma distância mais analítica do todo, elas só evidenciam todas as obviedades do projeto. Não só o maniqueísmo das performances, que vai da Carla Diaz extremamente infantilizada à psicopata com cabelo no rosto fazendo cara de malvada, mas também de todos os artifícios usados para que os dois depoimentos forneçam visões contrárias.
Não é um exercício de sutileza entre os filmes, em que o contexto e a subjetividade dos acontecimentos revelam facetas diferentes, mas uma inversão total de responsabilidades. Falas trocam da boca de um personagem para o outro, as atuações mudam completamente, as situações são, muitas vezes, opostas. Só que duas visões distintas não criam magicamente uma síntese confiável. Dessa dialética não sai nada, só experimentos manipulativos que ainda sofrem pela falta de uma visão mais expressiva sobre os acontecimentos individuais.
Do todo, a única afirmação que o diretor parece fazer com mais ênfase é a de uma condenação ao uso de drogas e de uma juventude perdida. Dada a opção por um distanciamento que se julga imparcial e analítico, não é um bom sinal que o que fica dos dois filmes seja só uma crítica moralista.
Villeneuve trabalha numa chave muito mais funcional do que propriamente sensível. Diretor que gosta de usar a lentidão e a contemplação, em Duna parece estar até num ritmo acelerado (para ele), tendo o texto como recurso principal e a imagem como simples recurso ilustrativo.
Talvez seja uma tentativa falha de minimalismo, de resolver as cenas em dois ou três planos, mas que acaba apenas revelando uma inexpressividade de tudo, uma confusão entre o simples e o simplista.
É a dificuldade de transitar entre as linguagens literária e cinematográfica fantasiada de respeito pelo texto. Incapaz de encontrar as equivalências que falava Bazin, opta por filmar a verborragia expositiva da maneira mais formal e plástica possível. São cenas e cenas de diálogos que fazem a trama andar, enfeitadas com alguma firula estética, seja uma iluminação misteriosa ou um cenário grandiloquente de plano de fundo. A sobriedade de pretensões artísticas reduz a encenação à comunicação de informações funcionais e uma estética cerimoniosa, como se, ao tratar o texto com misticismo, conseguisse extrair daí alguma intensidade.
A abordagem mais fria e distanciada do Villeneuve tem esse efeito de deixar tudo em um tom monocórdio, nivelado, o que tira qualquer impacto possível dos acontecimentos. O encontro entre Leto e o Barão Harkonnen, vivido por Stellan Skarsgård, que na teoria deveria ser um grande momento de virada, é completamente inexpressivo. Em comparação, Blade Runner 2049 quebrava eventualmente sua passividade com uma certa brutalidade, já Duna tenta ser mais limpinho e palatável e ainda esconde as explosões de violência no fora de quadro.
O universo sci-fi de Duna também sofre com a austeridade que resulta no sentimento de falta de imaginação. Os espaços interiores são sempre muito vazios e grandiosos, de uma aristocracia decadente, uma mistura de passado histórico com elementos futuristas chiques, mas que é muito genérico. É um mundo sem peso, sem identidade, que minimiza seus elementos, seus objetos de cena, como se buscasse uma sofisticação discreta enquanto estiliza nas cores e na iluminação. O Villeneuve tem uma ideia muito clara de uma arte higiênica que parece querer elevar a ficção científica para algo de bom gosto fino, o que, inclusive, serve mal para um filme que tem todas as características de um blockbuster, de um símbolo da cultura pop.
Mesmo o CGI é genérico ao tentar criar esses ambientes fantásticos, principalmente a cidade em Arrakis, em que é difícil distinguir exatamente como é aquele lugar, distinguir além de uma ideia vaga sobre ser uma representação sci-fi de um país do Oriente Médio. Nesse sentido, Duna é bem menos competente do que muitos dos filmes que usaram a obra original como inspiração, como por exemplo o mal falado O Destino de Júpiter, das Wachowskis.
Mais do que ser um especial de comédia sobre como é estar isolado, Inside também tenta registrar uma adaptação da criação artística perante esse isolamento. Esse registro funciona muito melhor quando aparece inserido nos esquetes de Burnham do que nas intervenções dedicadas ao próprio fazer do filme.
Como diz Bordwell (no caso, sobre a adaptação num primeiro momento da chegada do som no cinema), as restrições também servem para forçar uma certa experimentação, para a busca de soluções criativas. Logo no início fica clara a preocupação do comediante em recriar em casa os efeitos que ele costuma usar no palco: a iluminação acoplada na cabeça pra refletir a luz no globo de discoteca, por exemplo.
Burnham tem mais liberdade, inclusive, para criar piadas com a própria linguagem cinematográfica, já que não fica restrito às possibilidades do palco. A montagem ganha importância cômica, às vezes num estilo meio Monty Python de encerrar uma piada abruptamente pra destacar o absurdo da situação.
O comediante entende que, se o cinema tem a predileção por criar uma representação da realidade (mesmo que falsa), o confinamento transforma a realidade em um ambiente virtual, a vida através das telas e da rede social. Essa ideia cria alguns dos melhores momentos do filme, usando a linguagem dos vídeos de reaction e gameplay como comentários sobre o que se tornou a vivência insegura e depressiva do isolamento.
Apoiado em um cinismo autoconsciente e autodepreciativo, o texto de Bo Burnham passeia entre discussões políticas e pessoais, tendo como um centro temático a relação do indivíduo com o mundo (que passa a se fazer presente no interior, não mais na “vida lá fora”), seja ao usar o “cancelamento” das redes sociais para entender seu papel como comunicador e se colocar, ironicamente, como um mártir pelo bem da comédia, seja ao assumir uma persona inspirada em um Fred Rogers da vida, quando um fantoche de meia engajado escancara a ironia do homem branco que nunca deixa de lado seu ímpeto opressivo mesmo quando tenta se “desconstruir”.
O filme acaba perdendo o ar de experimento depois do Intermission, quando passa a depender demais de um ato performático de Burnham com dificuldades de terminar o próprio projeto. Pode até ser tudo muito genuíno, mas soa como um manifesto forçado, até porque, mesmo fazendo um filme sobre isso, gravar-se chorando em frente ao espelho não deixa de ser um artifício manipulativo.
Inside passa por uma trajetória que chega a espelhar a do artista, de uma exaustão final, de uma dificuldade até em resolver seus últimos esquetes visualmente sem repetir a combinação “zoom-in lento/back projection”. Mas, mesmo isso soma à sensação opressora de esgotamento que o filme registra.
Como documentação, mesmo que encenada, de um artista em crise com seu trabalho, Inside é pouco mais que uma tentativa bem-intencionada, como arte que surge a partir dessa experiência em isolamento, porém, o filme atinge um belo equilíbrio entre o riso e a melancolia.
"Uma fantasia do absurdo", foi como Hitchcock descreveu North By Northwest. "No mundo da publicidade, não existe mentira, apenas exagero", diz o personagem de Cary Grant, um publicitário, no início do filme.
Não é à toa que North by Northwest impõe os mais absurdos perigos a Roger Thornhill, que passa de "homem errado" a "agente secreto e super-herói" da Guerra Fria.
Os vilões do outro lado da cortina de ferro são engenhosos, sorrateiros. Misturam-se e desaparecem em plena vista, como na segunda visita à mansão de Townsend, na faca que surge inesperadamente nas costas de uma vítima e no piloto invisível do avião no milharal. Mas Thornhill é imbatível, irresistível: o cidadão americano que salva os segredos do país no Monte Rushmore, igualando-se aos grandes presidentes dos EUA.
Hitchcock faz em North by Northwest uma propaganda pró-Estados Unidos conscientemente sarcástica e exagerada. Afinal, é assim o mundo da publicidade.
Todos os elementos característicos de Christopher Nolan estão em ‘Tenet’ elevados á última potência: o conceito pseudo-científico, a fotografia lavada, a falta de geografia clara das cenas de ação, a montagem em ritmo frenético que trunca mais do que flui, a esposa morta, a brincadeira com a lógica do tempo na narrativa, a exposição barata e ininteligível, os personagens que são simples dispositivos para fazer a trama andar, os diálogos mal escritos. Tudo aqui funciona em prol da visão de cinema e de mundo do diretor, num filme que é tudo o que este quer e pode oferecer. ‘Tenet’ é a obra-prima de Christopher Nolan.
O sub-gênero da viagem no tempo não podia faltar na filmografia do britânico, assim como a ideia da viagem em si não poderia ser simples como em um ‘De Volta para o Futuro’ da vida. Por que, em vez de voltar e viver momentos do passado, o viajante não poderia presenciar o tempo com a entropia do mundo e de objetos revertida, como alguém que assiste a um filme rebobinando? Conceito criado. Com potencial visual e metalinguístico ímpar. Agora é só escrever qualquer coisa que justifique minimante cenas de balas, carros e explosões de prédios ao contrário. E no fluxo normal. E ao contrário de novo.
O fiapo da trama gira em torno de um agente americano (John David Washington) que é dado como morto e, por isso, está livre para aprender sobre os rumos da possível Terceira Guerra Mundial, “muito mais fatal do que qualquer conflito atômico”, como diz um dos personagens. Essa guerra envolve os tais objetos com a entropia revertida que aparentemente estão chegando do futuro.
Devidamente sem nome nem história prévia, o personagem de Washington é apenas mais uma engrenagem do sistema, que tenta se destacar e se colocar como Protagonista de uma história sobre a qual ele não tem controle. E clama por esse protagonismo da maneira mais Nolan possível: dizendo “eu sou o protagonista”. A individualidade, que Nolan enxerga como a grande virtude de seus heróis, é retratada pela pouca profundidade de campo com que o personagem é enfocado, isolando-o do mundo como um zé-ninguém e ao mesmo tempo como um salvador da pátria que prefere ser um lobo solitário. Esse paradoxo também se contrapõe com outra ideia cara ao diretor, a do belicismo. Afinal, uma guerra não é feita por indivíduos, mas por um conjunto de soldados, o exército.
Apesar do paradoxo estar presente conscientemente, ele não existe para levantar discussões, criar fruição, mas para justificar o caminho que o filme quer percorrer, desembocando num terceiro ato pensado para potencializar a imagética da guerra que acontece simultaneamente em um compasso progressivo e regressivo no tempo. Qualquer possível desdobramento temático, gerado pela ideia da viagem no tempo ou pela jornada dos personagens, é suprimido para não ofuscar os set-pieces que o diretor pensou para ilustrar visualmente o conceito que ele criou.
“Se estamos vivos agora, não quer dizer que cumprimos a nossa missão no futuro?”, pergunta o protagonista. “Não interessa”, diz, quase literalmente, Neil (Robert Pattison), “precisamos chegar na cena em que explodimos o avião só que ao contrário”. Assim são os diálogos que perpassam praticamente toda a primeira metade do filme, com os personagens andando por locações exuberantes e soltando termos “técnicos” risíveis como o “movimento de pinça temporal”. O que o público precisa saber é que a dupla vai se deslocar do lugar A ao lugar B. Como, quando, onde, por quê? Não interessa.
Em determinado momento a cientista interpretada por Clémence Poésy, cuja única função é ser expositiva, chega a dizer “Não pense, sinta”. Apesar de ser um conselho válido, dada a artificialidade das explicações, é difícil sentir alguma coisa com o filme parando de cinco em cinco minutos para tentar se explicar. Aliás, é difícil sentir qualquer coisa em qualquer filme do Nolan. Como já deve ter ficado claro, aqui é ainda pior.
Não há, em ‘Tenet’, potencial dramático, apenas potencial mecânico.
Se o filme concorrer ao Oscar de Melhor Montagem, por exemplo, não é porque ela cria sequências paralelas cheias de novas significações, mas simplesmente porque deve ser o trabalho mais ingrato do mundo montar uma sequência de guerra em que um time anda pra frente no tempo e outro anda pra trás.
E se não basta que o vilão seja apenas o catalisador do conflito sem mais nem menos, a motivação dele se baseia na frase “se eu não posso te ter, ninguém pode”. Taí outro trabalho ingrato o do Kenneth Branagh: desempenhar o papel de um vilão russo com mania de ser Deus e que bebe muita vodca. Óbvio que ele bebe muita vodca, ele não é russo?
Mas, como estamos falando de um filme do mesmo diretor de ‘A Origem’ e da trilogia ‘Batman’, o elemento que talvez seja mais característico deste é a esposa do vilão, que carrega o arquétipo nolaniano da esposa morta. Aqui, potencializada como a esposa morta-viva, ela vive para poder reencontrar e ter o filho ao seu lado. Não é só o Leonardo DiCaprio que piraria na moça, uma vez que o protagonista também. Esse relacionamento não poderia ser menos caloroso. Não só a meticulosidade e a falta de sentimentos na filmografia poderiam atestar para algum grau de psicopatia do diretor, agora com a personagem orgulhosa de suas cicatrizes, pálida e cadavérica interpretada por Elizabeth Debicki, o grau do distúrbio foi extrapolado, talvez estando mais relacionado a um certo tesão por cadáveres, vai saber. Enfim, é ou não é o suprassumo do Nolan?
Mesmo que ‘Tenet’ seja extremamente básico em sua linguagem, às vezes até beirando o amadorismo tanto no roteiro quanto na decupagem de cenas como a emboscada na estrada, isso acaba criando um paradoxo extra. É inegável que é assim que Christopher Nolan pensa o fazer cinematográfico. O que importa é a brincadeira matemática, não a tessitura narrativa, é testar ao máximo as representações visuais de seu conceito temporal, não dramatizar ou filosofar em cima disso. Essa é a forma que ele encontrou de imprimir o máximo de autoralidade, com todas as suas batidas características e seus interesses.
Como suprime qualquer potencial cinematográfico que não seja a técnica encontrada para demonstrar o tempo rebobinado, e que sim, cria momentos visualmente inspirados como a luta no corredor, a única faísca de genialidade aparece na cena do interrogatório, algo puramente criativo, de abordagem realmente inusitada, auxiliada pelas luzes vermelha e azul, representando os dois fluxos temporais.
Curioso que a cena do interrogatório seja o melhor momento dos longos 150 minutos, porque ela acontece justamente no meio do filme, que marca não só virada em relação ao tempo para os protagonistas, quanto a diferença da primeira metade predominantemente expositiva com a segunda predominantemente de ação. E ‘Tenet’ é um filme não de equilíbrio, mas de choque entre ideias e resultados diametralmente opostos.
O choque entre a exacerbação do individualismo do protagonista e a ode ao coletivo dos homens na guerra; entre o conceito mais complexo da filmografia do Nolan e as explicações mais mal escritas e esfarrapadas; entre o sentir e o entender; entre atores excepcionais e os personagens mais rasos; entre as melhores ideias e as piores execuções. Vemos todos esses embates em tela, tudo se colide, tal qual as linhas temporais que estão prestes a se sobrepor uma sobre a outra no contexto da trama. É o longa que é em si todo paradoxal, como se nada nele se combinasse, mas surgisse do choque essa coisa destrambelhada que de alguma forma diz muito sobre o que o filme é e como o filme é.
Nesse sentido, outra cena parece ser chave para entender esse sentimento. A cena em que Washington e Pattinson pulam numa espécie de bungee jump ao contrário para chegar ao topo de um prédio apresenta-se como a alegoria perfeita. Nolan chega em seu auge, mas o faz caindo.
No filme, a direção do fluxo temporal depende do ponto de vista. O protagonista pode estar com a entropia revertida, mas o que ele vê é o mundo invertido. É como um passageiro de um carro. Se o carro vai pra frente, ele vê o mundo indo pra trás, se o carro vai para trás, ele vê o mundo indo para frente. Assim se completa a estrutura palindrômica do filme.
Também assim deve ser a experiência de quem assiste a ‘Tenet’. De um ponto de vista, essa é a obra-prima de Nolan, do outro, pode ser incompreensível e quase inassistível. Pelo bem da famosa nota que aparentemente todo filme deve ganhar a nível de parâmetro, eu fico no meio, como se estivesse na catraca que te leva para frente ou para trás no tempo, no ponto médio, na cena do interrogatório. Tendo tanto à nota 1 quanto à nota 5. Depende do ponto de vista.
A franquia “Jurassic Park” nunca conseguiu se desvencilhar completamente do marco que foi o filme original. As duas sequências (a pior, talvez, seja a dirigida pelo mesmo Steven Spielberg) fracassaram ao tentar recriar o frescor do primeiro. “Dinossauros não assustam mais ninguém” dizia a requel “Jurassic World”, com uma piscadela metalinguística que pareceu agradar aos fãs e aos acionistas (esses que seriam devorados pelos dinossauros se fizessem parte daquele mundo). Agora, é J.A. Bayona quem tenta nos convencer de novo a voltar para as ilhas que abrigaram o parque. Ainda que continue derivativo, “Reino Ameaçado” se beneficia do olhar apurado de seu diretor para as convenções do gênero.
A trama é uma bobagem. Tão grande que a maior reviravolta é vomitada por um dos personagens lá pro final do filme e não carrega nenhuma implicação dramática. Mesmo o Owen Grady de Chriss Pratt tem pouco a fazer a não ser posar de Indiana Jones genérico com um recém-adquirido senso de humor. E os personagens de Rafe Spall, Justice Smith e Daniella Pineda cumprem apenas funções narrativas.
Como se o público fosse incapaz de absorver novos símbolos “Jurassic World: Reino Ameaçado” segue o que parece ser uma marca do cinema pipoca contemporâneo e aposta na nostalgia forçada, característica que funcionou com “Star Wars: O Despertar da Força”, mas não com “Círculo de Fogo: A Revolta”, pra ficar em dois exemplos recentes. Dessa vez voltam os empresários unilaterais que viram comida de dinossauro, os militares inescrupulosos, os velociraptors, o cientista meio louco, o milionário ideologista, o T-rex-machina… E dá-lhe rimas visuais com os capítulos anteriores.
Pelo menos, aqui, o diretor se presta a desconstruir alguns desses símbolos, mesmo que nem todas as descontruções funcionem. Dessa vez, por exemplo, a ilha está em perigo e são os dinossauros que precisam ser salvos. A câmera mostra mais de uma vez as botas de Bryce Dallas Howard para se certificar de que ela não usa mais os saltos do filme anterior. Os braquiossauros correm para fugir da erupção de um vulcão. Os velociraptors… Bom, os velociraptors passam por uma mudança que chega a ser desrespeitosa com o incrível terceiro ato do filme original. É nesses soluços de criatividade, porém, que o longa se sustenta.
Bayona é um diretor que entende de gênero e se esforça pra aproximar sua obra do terror fantástico. Desde a sequência inicial, o realizador faz bom uso do suspense através de uma fotografia que prioriza as sombras e o contraluz, assim como no plano sem cortes da giosfera submersa, que, ao não tirar a câmera de dentro da esfera, passa uma sensação de confinamento e falta de ar ao espectador.
É na segunda metade que, enfim, Bayona assume de vez sua predileção pelas convenções de gênero, quando a ação migra para uma mansão de estilo gótico que abriga o melhor que “Reino Ameaçado” tem a oferecer. Como se não fosse divertido o suficiente ver dinossauros comendo pessoas imbecis, o cineasta nos brinda com suas melhores composições visuais. A apresentação do indoraptor no leilão é plasticamente perfeita. Assim como a sequência entre os dioramas do minimuseu da mansão, quando todas as luzes se apagam e vemos apenas a sombra do animal passando ao fundo ou quando estas voltam a acender e a cada novo espaço que é iluminado aumenta-se o medo da fera reaparecer.
O auge do simbolismo do terror fantástico vem com o dinossauro que anda pelos telhados da mansão à luz da lua enquanto a câmera de Bayona dá cambalhotas para acompanha-lo e na sequência em que Maisie (vivida por Isabella Sermon) se esconde debaixo dos lençóis de sua cama. É a brincadeira com o gênero. O monstro se aproxima sorrateiramente pela janela e puxa o cobertor com uma pata estendida. A imagem típica dos filmes-pesadelos.
Fica parecendo que o diretor só pode se libertar depois de passar por cada batida exigida pelos produtores e aguardada pelo público. Espera-se, portanto, que nas continuações que certamente virão, a boa visão de um diretor não seja ofuscada por exigências formulaicas do estúdio e que venha acompanhada de uma dramaturgia ao menos convincente.
Steven Soderbergh é um cara que costuma alternar entre “filme comercial” e “filme de festival”. Esse acaba sendo uma mistura dos dois: um filme de assalto com humor absurdo, mas dirigido de um jeito “cult”.
O longa acompanha os irmãos Logan (Chaning Tatum e Adam Driver), dois caipirões de West Virginia, na tentativa de assaltar o cofre de um autódromo. Pra isso, eles precisam da ajuda do especialista em explosivos vivido por Daniel Craig. O brilho do filme é esse trio. Todos estão hilários ao assumir verdadeiras caricaturas do modo de ser do interior americano. Destaque pro Daniel Craig que deixa a pompa e o sotaque inglês pra assumir uma personalidade explosiva, de voz fina e sotaque carregado. Os três fazem rir o tempo inteiro.
A estrutura narrativa é bem parecida com a de 11 Homens e Um Segredo, também dirigido pelo Soderbergh. Mas, em vez de focar no luxo dos golpistas ricos, o foco é nas classes mais baixas. Sobram alguns comentários sociais sobre a pobreza e o capitalismo, mas esse não é o foco principal do filme.
A direção, como de costume, é cirúrgica, seca, com planos estáticos precisos. Mas, nem sempre consegue acompanhar o timing cômico dos atores. Por essa proposta “cult”, o filme se arrasta em alguns momentos, possui tempos mortos mais do que o necessário, mas nada que comprometa o divertido roteiro.
O terceiro ato revela um pequeno twist que pode incomodar grande parte dos espectadores, mas na verdade amarra a temática do filme perfeitamente, sendo corajoso ao praticamente mudar o gênero a que se filia, abandonando as piadas e focando no drama e na investigação policial.
A melhor descrição sobre o filme é feita por ele mesmo: é uma espécie Ocean’s Seven-Eleven (ou Onze homens e um segredo do mercadinho das classes baixas). Nota 4/5
Depois da comédia de humor negro O Lagosta, o grego Yorgos Lanthimos continua desfilando sua misantropia por aí, só que dessa vez filiado ao suspense atmosférico, ecoando O Iluminado, inclusive nos planos de steadycam em corredores compridos.
O filme mostra a história de uma família aparentemente funcional que começa a colapsar quando algo do passado do patriarca (vivido por Colin Farrel) volta na figura de Martin (Barry Kheogan). O trio principal é completado pela Anna de Nicole Kidman. Todos os atores continuam recitando suas falas de modo monocórdico e sem (aparente) emoção, e é aí que o elenco brilha, ao transmitir essa emoção mesmo que os personagens não o façam. E esse tipo de interpretação é essencial tematicamente para o filme: ao demonstrar que sempre há podridão escondida embaixo das aparências perfeitas (tema que acaba ressoando também a filmografia de David Lynch). O filme discute o senso de justiça e poder, inclusive divinos, e por isso o diretor mantém as câmeras no nível do teto, como se mostrasse que um ser superior está sempre a espreita, recurso que também colabora pra que os personagens pareçam sempre pequenos nos ambientes.
Como de costume na filmografia de Lanthimos, o roteiro traz diversas situações fantasiosas e a falta de explicações pode incomodar os mais céticos. Mesmo que ainda traga pitadas de humor (muito) negro, o filme não brilha com os sarcasmo e ironia de The Lobster, por exemplo, e a misantropia acaba sendo representada mesmo pelo suspense e por imagens chocantes, visual ou metaforicamente. O terceiro ato é de uma tensão crescente que te faz querer fechar os olhos várias vezes durante o clímax. A podridão daquela família, e daquele mundo, demonstra um ódio do diretor perante a sociedade que em alguns momentos pode parecer puro exagero, mas não dá pra negar que é uma ótima incursão do grego no suspense. Nota 4/5
O filme reconta a partida de tênis entre Billie Jean King e Bobby Riggs que, em meio à reivindicações por salários igualitários para as mulheres, tomou ares de disputa entre os gêneros. Como o resultado da partida pode ser encontrado facilmente na internet, o roteiro acertadamente foca nas relações de cada um dos dois protagonistas, interpretados por Emma Stone e Steve Carrel. Ambos se saem bem mas, apesar de ter menos tempo em tela, Steve Carrel se destaca. O personagem dele é mais complexo, usa o machismo para se promover mesmo sem necessariamente acreditar no que fala, ainda mais por ser sustentado pela esposa. Para Stone, resta a parte panfletária do longa, que exagera com frases prontas e clichês “progressistas”.
O filme se perde um pouco em um triângulo amoroso, ao não desenvolver direito os personagens envolvidos, assim como também não desenvolve alguns personagens que possuem peso na trama, caso do estilista de King.
A direção de Valerie Faris e Jonathan Dayton (Pequena Miss Sunshine) é concisa mas carece de grandes momentos, e o roteiro também não se arrisca. O filme empolga mesmo no ato final, ao filmar de maneira competente o duelo entre os dois, que parece mostrar os próprios atores jogando tênis.
Mesmo com uma discussão importante e momentos divertidos, Battle of the Sexes se mantém superficial. Nota 3/5
A Pixar fazendo você sair com os olhos inchados de novo. O filme segue a cartilha do estúdio: personagem pequeno tendo que desbravar um mundo novo e grandioso. Dessa vez, o mundo é o dos mortos durante o Dia de los muertos.
O design do mundo dos mortos é perfeito, suntuoso, contrastando com a modesta vila dos vivos. A fotografia constantemente emula uma câmera real, como em perseguições com câmeras na mão.
Não há nenhuma grande novidade no filme, mas o envolvimento emocional é total quando o longa começa a discutir sobre a morte e a importância da família. A adaptação da cultura mexicana é feita de maneira exemplar, com a ideia das oferendas e dos guias espirituais.
A animação é fantástica como esperado, como a covinha e a pinta do protagonista, mas o destaque é mesmo da Mama Coco (que dá o título da versão original) e sua humanidade. Nota 4/5
Musical dirigido por Michael Gracey (em sua estreia) mostra que o diretor tem estilo. As transações são poderosas e significativas e os números musicais são bem dirigidos e tem ótimas resoluções visuais.
Mas tudo o que o diretor faz bem nos números musicais, ele faz mal nas encenações. Nenhuma relação funciona e tudo parece extremamente superficial, mesmo quando o filme tenta dar algum peso dramático. O roteiro falha em criar conflitos palpáveis, tanto pela falta de desenvolvimento dos personagens, principalmente da trupe de P.T. Barnum (nenhuma das “aberrações” é mais do que pura maquiagem e nenhuma história), quanto pela afetação das situações. Hugh Jackman segura o personagem simplesmente por causa de seu carisma.
O romance de Zac Efron e Zendaya soa deslocado e só convence no número musical dedicado aos dois. Aliás, o filme só funciona nos números musicais, ao ponto de eu rezar para que a resolução dos conflitos finais fossem todos através dos números, sem diálogos ou encenações fake.
A trilha sonora empolga, mesmo que incomode por ser totalmente pop e moderna inserida em um filme de época. A história só existe pra ligar os bons números musicais. Sorte do espectador. Nota 2/5
Filme sobre a patinadora Tonya Harding, menina de classe baixa que se envolveu em diversos incidentes durante a vida enquanto tentava se destacar nas olimpíadas dominadas pela riqueza e elegância.
O roteiro utiliza-se do recurso do narrador não confiável (pense em Bentinho de Dom Casmurro). A narrativa segue os “relatos” de vários personagens envolvidos. Inclusive, o diretor Craig Gillespie faz com que muitos deles quebrem a quarta parede e falem com o público no meio da cena.
A direção e a fotografia mantém a câmera sempre em movimento: às vezes parecendo patinar mesmo quando Tonya está fora do ringue, às vezes parecendo brigar com os personagens, com movimentos bruscos em meio àquele mundo tomado por violência.
Como um dos personagens chega a falar, a história é repleta de pessoas idiotas. Só Tonya e sua mãe saem dessa descrição, sendo que a segunda está mais para a definição de “cruel”, sendo que agradá-la é o verdadeiro motivo de Tonya querer conquistar o mundo dos esportes.
Margot Robbie e Allison Janney estão maravilhosas e devem ser indicadas ao Oscar. O filme perde um pouco o ritmo na metade do segundo ato, mas no terceiro retoma e encerra com uma rima, visual e temática, fantástica. Nota: 4,5/5
Estreia de Greta Gerwig (Frances Ha) na direção mostra uma história semibiográfica sobre amadurecimento feminino. É daqueles filmes com aura indie mas que acaba conquistando as grandes audiências.
Saoirse Ronan domina o papel da protagonista perfeitamente, mostrando uma inocência conciliada com uma vontade de se rebelar e desbravar o mundo. A relação com a mãe é o centro emocional do filme, e Laurie Metcalf destrói como uma mulher dura, mandona demais, porém vulnerável.
Gerwig constrói planos com enquadramentos inusitados e utiliza a montagem para demonstrar pequenas nuances no relacionamento das duas, como na cena em que param uma briga porque acharam o vestido perfeito, interrompida por um corte seco.
O roteiro encena acontecimentos comuns à qualquer adolescente (de qualquer gênero ou orientação sexual), o que torna o filme universal, ao contrário do que parece num primeiro momento. É emocionante relacionar o amadurecimento de cada um de nós com a da protagonista. Nota 4/5
Grande cotado para o Oscar de melhor filme é um longa que discute o ódio, a empatia, a sociedade. Uma mãe (Frances McDormand) usa três outdoors para forçar a polícia a investigar o assassinato da filha, criando reações diversas nos moradores da cidade.
O ódio passa a florescer em vários dos personagens, desde policiais racistas, cidadãos comuns, até na própria protagonista. Existe um paralelo entre setores conservadores e progressistas daquela cidade, o que mostra que a violência parte dos dois lados.
McDormand é devastadora no papel da mãe de luto. O filme usa a personagem como meios para criticar a sociedade em geral, como se Ebbing fosse um microcosmo do nosso mundo.
O roteiro é inteligente no uso do humor, com piadas ácidas que, em vez de amenizar as cenas mais carregadas dramaticamente, ajudam a deixá-las ainda mais tensas. Também é notável perceber que o foco do longa não é a investigação em si, mas as reações que ela gera nos habitantes.
Outros destaques são Woody Harrelson, o centro moral do filme (talvez o único personagem equilibrado) e Sam Rockwell, cujo arco do personagem é o mais interessante e emocionante.
O design de produção e a fotografia brincam com as cores avermelhadas, que costumam representar a violência e a passionalidade, não por acaso essa é a cor da protagonista e de seus outdoors, assim como a cor do fogo, também importante para a trama. Repare que o vermelho, assim como o azul do personagem de Rockwell, aparece numa cena chave que acontece em um bar. O final dúbio leva os questionamentos para o público que, depois de uma lição sobre empatia, passa a pensar melhor sobre os próprios atos na vida real. Nota 4,5/5
O longa independente e de baixíssimo orçamento de Sean Baker. Acompanha moradores de um project (hotéis baratos usados como moradia por pessoas de baixa renda) na Florida, próximo aos parques da Disney.
O roteiro utiliza de situações que parecem improvisadas para mostrar o dia-a-dia de Moonnee e sua mãe. É admirável o trabalho de Baker aqui ao encenar tudo de maneira absurdamente natural, parecendo mesmo feito sem ensaios (mas só parecendo). Ele e o diretor de fotografia Alexis Zabe mantém a câmera quase sempre na altura das crianças, o que nos faz acompanhar a história pela perspectiva delas, raramente acompanhando outros pontos de vista, como o do gerente vivido por Willem Dafoe. Por isso mesmo, uma das principais informações do filme só é percebida pelo espectador depois de repetidos planos da menina Moonee no banho, uma vez que ela não entende o que está acontecendo fora do banheiro. Por consequência, o público também não.
E a amadora Brooklyn Prince é fantástica no papel da menina, demonstrando um carisma e um domínio perfeitos. Uma das últimas cenas é desconcertante, quando Brooklyn atinge seu ápice dramático de uma forma que muito ator profissional bem mais velho do que ela não consegue.
A situação de pobreza quase extrema faz com que as personagens arrumem formas para se distanciar da crueldade de suas realidades. Elas desbravam aquele mundo como se fossem os verdadeiros parques da Disney. Para isso, Baker e o diretor de fotografia usam lentes grande-angulares fazendo com que todos os cenários pareçam maiores, mundos novos a serem descobertos, sensação trazida também pelos nomes dos lugares (Mundo Laranja, Castelo Mágico, Futureland, etc). A própria cor roxa, que costuma significar algo extramundano, fantástico, aparece em todo o hotel, mostrando a tentativa das crianças de verem o mundo de uma forma fantasiosa. E se o personagem de Dafoe transita entre a crueldade e a fantasia, ao cuidar das crianças ao mesmo tempo em que arca com as responsabilidades de gerente, um dos planos o mostra no meio do roxo e do branco, as cores que representam os dois mundos, na parede do hotel.
E o final, gravado por Baker sem autorização, num “modo guerrilha” com um Iphone, emociona absurdamente ao dar um pouco de respiro pro sofrimento das crianças. Nota 5/5
Existe uma máxima no teatro que diz para não colocar no fundo do palco nada que distraia o público do que está acontecendo nos primeiros planos. No novo filme de Woody Allen, a fotografia é o que nos distrai e a história o que ninguém consegue prestar atenção.
Vittorio Storario (diretor de fotografia de Apocalypse Now) faz um trabalho extraordinário aqui, sendo uma pena que o filme não tenha saído a tempo das premiações, porque certamente merecia reconhecimento. A lógica visual trabalha com duas cores principais: o azul e o laranja.
O laranja representa o mundo de Ginny (Kate Winslet) e Mickey (Justin Timberlake), que têm propensões à imaginação e ao melodrama (Winslet como ex-atriz e Timberlake como pretenso dramaturgo). E o azul representa a crueza da realidade do marido de Ginny, Humpty (Jim Belushi).
Assim, a fotografia brinca com essas luzes nos altos e baixos pelos quais passam os personagens, com cenas em que as cores transformam todo o quadro engolindo tudo o que está em cena, muitas vezes variando entre o laranja e o azul dentro do mesmo plano.
A Wonder Wheel do título aparece tanto na propensão dos personagens de se colocarem em um mundo fantasioso (wonder), nas reviravoltas da trama e na movimentação de câmera: muito movimentos, planos longos seguindo os personagens e aproximação e distanciamento dos rostos dos atores sem cortes.
E tirando o foco dessa fotografia incrível, em algum lugar existe uma história sobre uma uma esposa que foge de seu marido mafioso, uma dona de casa, um triângulo amoroso, um salva-vidas e um filho incendiário. Tudo muito aquém do que Allen tem a oferecer. Melhor nem prestar atenção. 3/5
Joe Wright (Orgulho e Preconceito e Desejo e Reparação) é um diretor extravagante tanto quanto o Churchill de Gary Oldman. O filme já abre com um plano lindíssimo em plongê (de cima para baixo) do teto do congresso inglês que desce até enquadrar o orador.
Esse tipo de plano mirabolante é constante no filme, seja em uma rima visual com um plongê em um campo de guerra totalmente destruído, ou andando pelos longos corredores que levam à sala em que as estratégias de guerra são elaboradas.
Da mesma forma, extravagante é a caracterização de Gary Oldman (perfeito) como Winston Churchill, com seu robe rosa, temperamento explosivo e dificuldade de se conectar com as pessoas em volta. Dificuldade essa representada pelo diretor de fotografia ao isolar o personagem em um elevador cujas laterais são completamente tomadas pela escuridão, ou no enquadramento em que o rosto de Churchill aparece preso dentro da pequena janela em uma porta. A iluminação soturna com muita contraluz e pequenos focos distribuídos pelo ambiente auxiliam essa percepção.
A trama acompanha um pequeno espaço de tempo, que envolve a resolução dos planos de guerra em Dunkirk e um tratado de paz. Assim como a extravagância de Churchill afasta seus possíveis aliados, a do diretor do filme acaba afastando também o público, que não sente o peso da situação.
Por mais que seja tecnicamente perfeito, existe um incômodo senso de distanciamento com a história que acompanhamos. E, ao contrário da resolução brega e automasturbatória que o personagem encontra, no final, o cidadão comum não se engaja com os esforços dialéticos do Churchill de Joe Wright. Nota: 3,5/5
Assistir a Call Me By Your Name é como ter um romance inesperado no interior da Itália, banhar-se num rio, ouvir música clássica no piano e ler livros de filosofia deitado na rede em um dia ensolarado no campo.
O romance e o tesão pulsam por todo o longa. A intelectualidade do Oliver de Armie Hammer é sedutora, mesmo quando o (bem colocado) tom de arrogância aparece em sua voz. O Elio de Timotheé Chalamet é desconstruído durante a narrativa, transformando sua segurança em insegurança.
Os momentos íntimos são construídos aos poucos e a aproximação dos dois surge a partir de diversas cenas mostrando o cotidiano, que vai se alterando a partir da dinâmica dos atores. Tudo regado a diversas citações literárias, músicas e cenários bucólicos deslumbrantes.
Em meio a isso, há uma discussão belíssima sobre a sexualidade, as possibilidades da vida e a coragem de tomar certos atos. Assim como os frutos (e romances) que nascem “em algum lugar da Italia”, CMBYN é pra ser saboreado. 4,5/5
Depois do sucesso de Eu Não Sou Seu Negro, nomeado ao Oscar de Melhor Documentário, o haitiano Raoul Peck lança mais um filme carregado de significado político. Acompanhamos Marx, desde quando seu encontro com Engels até a escritura do Manifesto Comunista.
Ele acaba sofrendo de um mal parecido com o de “Destino de uma nação”: para encenar os grandes feitos e desmistificar os personagens históricos, acaba perdendo em peso dramático. A estrutura é básica e direção (ironicamente) conservadora.
Mas o filme ganha pontos ao representar o contexto histórico da revolução industrial, a miséria e exploração do proletariado. Também, Marx e Angels ganham complexidade nas discussões de seus paradoxos (Engels era filho de um dono de fábricas, afinal) e em suas relações pessoais.
O roteiro a todo momento constrói a ideologia dos pensadores com verdadeiros embates intelectuais. Jorram citações sobre o materialismo e a dialética hegeliana, por exemplo. Fica clara a importância de ambos para a luta dos trabalhadores e a conquista de direitos. Enfim, o filme parece querer provar a frase que abre o manifesto, sobre a história da humanidade ser a história da luta de classes. As imagens dos conflitos do séc. XX que fecha a narrativa não deixa muitas dúvidas sobre a questão. Nota 4/5
Disaster Artist é o filme que deu o Globo de Ouro (e provavelmente uma indicação ao Oscar) para James Franco. Ele interpreta o estranhíssimo Tommy Wiseau, personagem real que escreveu, produziu, dirigiu e atuou naquele que é considerado o pior filme de todos os tempos.
A atuação dele é o núcleo do filme. Franco mantém todos os enigmas de Wiseau (de onde ele veio, de onde tirou o sotaque e o dinheiro todo que tem…) ao mesmo tempo em que o humaniza e dá dimensão dramática. Você se importa com ele, torce por ele e se emociona com suas motivações.
Ao mesmo tempo em que o ator consegue reproduzir os maneirismos, expressões e a voz de Wiseau de maneira hilária, o personagem é complexo e chega a assustar algumas atitudes que toma durante a produção de The Room. Tudo em favor de um “sonho hollywoodiano”, de perseguir as próprias vontades. O filme faz uma verdadeira ode ao artista outsider que luta para produzir sua arte. Se, às vezes, acaba caindo em alguns momentos edificantes demais, as curiosidades sobre a produção real do filme de Wiseau e a empatia que o personagem de Franco cria no espectador mantém o nível de Disaster Artist.
Há ainda diversas participações de famosos (Zac Efron, Bryan Cranston…) e uma cena pós-créditos muito engraçada pra quem viu o The Room original. 4/5
Doentes de Amor é estruturalmente uma comédia romântica convencional: homem e mulher se conhecem, ficam juntos, algo atrapalha o relacionamento e os faz duvidar de que vão ficar juntos para sempre, os problemas se resolvem e fica tudo bem.
Porém, o roteiro de Emily Gordon (baseado na própria história real) evita cair nas convenções do gênero. O senso de realidade ajuda na identificação com o casal principal (com Emily interpretada por Zoe Kazan e o comediante Kumail Najiani interpretado por ele mesmo).
Há cenas muito sinceras e engraçadas na relação dos dois, e a química dos atores é perfeita. O roteiro também se beneficia do fato de que Emily se ausenta no segundo ato inteiro, obrigando Kumail a se relacionar com os pais da protagonista (brilhantemente vividos por Holy Hunter e Ray Romano). Aí fica uma disputa entre Kumail e as duas famílias, com o comediante tendo que lidar com a questão cultural paquistanesa do casamento arranjado e dos pais de Emily não aprovando o relacionamento dos dois.
Daí o humor situacional ganha toques de humor negro, o que dá um respiro para o gênero. Existe uma ou outra subtrama desnecessária, mas The Big Sick acaba representando uma brisa nova para as comédias românticas (o que pode, inclusive, garantir indicações ao Oscar). 4/5
Annette
3.5 118 Assista AgoraAnnette pode ser considerado um filme de monstro de Leos Carax. Os monstros de Annette, porém, não são representações mitológicas como era o caso do Mr. Merde, que apareceu pela primeira vez no curta que Carax fez para a antologia Tokyo!, ainda que tomem emprestado uma visualidade que remete à figuras clássicas do cinema de gênero.
Dessa vez, a monstruosidade que aparece na caracterização dos personagens de Adam Driver e Marion Cotillard, em gestos, reflete uma condição de existência a qual estão amaldiçoados a viver. É como uma reação psicossomática do sofrimento interior, de uma realidade inescapável.
Maneirista que é, Carax usa dessa imagética não como referência, mas como uma nova forma de retratar essa maldade que transborda para o físico, o único jeito de mostrar um sentimento tão intrínseco que só pode se expressar como performance, como atuação. Henry McHenry, o abusivo, estende os braços e persegue sua vítima com as mãos, igual ao Nosferatu, o vampiro. Anne Desfranoux é o espírito vingativo, fugidia, que corrompe a inocência de quem possui.
Essa ideia está lá desde o primeiro segundo do filme, que abre com os Sparks gravando a trilha sonora e se misturando com a própria diegese, ao lado do diretor e dos atores que assumem os papéis. Não há barreiras entre o real e o imaginário, o ator e o personagem, a vida e a ficção. O carma do artista é estar sempre performando. É essa ópera maníaca que vai se desenrolar.
Não há, em Annette, o amor pueril que se traduz em uma corrida ao som de “Modern Love”, do Bowie. Nem o êxtase que explode em fogos de artifício e correnteza para os amantes da Pont-Neuf. Há apenas o sentimento opressivo de um amor egoísta entre Henry e Anne, uma relação fadada à destruição.
As músicas dos Sparks, com as frases que se repetem em diferentes ritmos e entonações, são as súplicas obsessivas daqueles seres, mais uma tentativa de externalização. Carax filma os números musicais em planos longos, abertos, sem as coreografias de um Fred Astaire, mas tendo a fisicalidade bruta, principalmente de Adam Driver, como guia. São andanças a esmo que se tornam uma dança perturbada.
Quando vemos o show de stand up de Henry, também é em plano geral, o palco em que ele revela os sentimentos e vontades mais profundas. O cenário da ópera de Anne se abre para o exterior, para a floresta de um conto de fadas sombrio. Formalmente, Carax usa desses espaços abertos porque, com os personagens presos dentro deles mesmos, estão livres para vagar e assombrar aquele mundo.
É como assombração que os papéis de Anne na ópera aparecem para Henry, com a sobreposição dos planos. Não importa se o que incomoda Henry é a Anne verdadeira ou as figuras que ela representa, porque, sendo todas elas a mesma Anne, o monstro se aflora, o lobo mau vai perseguir a Chapeuzinho Vermelha.
Sendo representante de um gênero, o musical, acostumado com a artificialidade, a estilização que o diretor propõe pode até parecer mais comum, por falta de palavra melhor, do que o habitual. Mas, nunca menos impactante. A cena que estampa o pôster, da tempestade no barco, é um bom exemplo da expressividade do estilo de Carax. A projeção ao fundo é um artifício que se coloca como tal, uma estética que gera sentimentos, sem significar uma autoconsciência sarcástica.
É assim também com o grande artifício do filme, que vai carregar o que de mais significativo ele tem a oferecer. O fato de não ser um elemento estranho naquele mundo, que é o que é, traz a força do ato musical final, já que se confunde o que é performance e o que não é. Dessa forma, essa realidade de conto de fadas corrompido que Carax cria, dá ao filme o tom de uma inocência, infantil mesmo, que se perde, uma vez que as figuras animalescas, o macaco de Deus e a sereia demoníaca, degradam o espaço. Não há lugar para a inocência, para a infância. Não há lugar para o felizes para sempre, só para monstros e bonecas abandonadas.
Sendo assim, com os limites entre a realidade e a ficção borrados, Carax traz para a fábula de terror operática a sua própria pessoalidade. Annette é dedicado à sua filha, que aparece na primeira e na última cena. Dá só pra imaginar o quanto os monstros de Leos Carax são, realmente, os monstros de Leos Carax, mas, o que fica claro com os créditos é que, com a trupe circense de artistas-personagens, o diretor encontrou seu jeito de tentar exorcizar esses demônios.
Maligno
3.3 1,2KMais do que um pot-pourri de signos e influências do cinema de terror, o que James Wan tenta fazer em Maligno é um movimento de atualização do que é reconhecido no gênero, num sentido quase dialético. É pegar o estabelecido de tudo o que veio antes, colocar à luz dos meios materiais, técnicos, das linguagens mais contemporâneas e ver o que sai dessa mistura.
Parece ser mais efetivo pensar nessa relação de atualização de cânones do que simplesmente apontar, por exemplo, o quanto que a criatura deve aos efeitos práticos de um John Carpenter ou como a aparição no começo do filme tem ares de um cinema de horror japonês. Nesse sentido, o CGI tem uma função muito importante de manter de pé a encenação que o diretor propõe, mesmo que às vezes ela pareça quase desmoronar.
Os efeitos digitais servem como uma extensão da técnica do Wan, que sempre prefere usar grandes-angulares, distorcer o espaço, e eleva esse efeito criando uma realidade que se dissolve, que não tem barreiras. O plongée que segue a protagonista por toda a extensão da casa destrói os limites do ambiente, assim como o CGI dilui o cenário nas visões dos assassinatos.
A estilização e o digital vêm para traduzir os elementos do que se tornou, por assim dizer, clássico, num sentido de embate entre esses imaginários. As conclusões da trama se dão através de gravações em VHS, a delegacia se torna gótica através de filtros e da correção de cores, enquanto o plano geral do instituto científico é completamente digital.
Com esses efeitos, o diretor cria um espaço modulável, líquido. E, claro, com a influência do Giallo, o Wan usa dessa versatilidade para sugerir uma ameaça que pode estar em qualquer lugar, que fica fora do plano, da câmera que se desloca pelo espaço livremente. Dada a subjetividade do assassino que aparece no cinema do Dario Argento, por exemplo, fica a relação de renovação a partir da posição da personagem da Annabelle Wallis com o vínculo que ela tem com o assassino. É como se o subjetivo do espectador do Giallo fosse o subjetivo da protagonista de Maligno, o voyeurismo e o desejo de matar que sai de quem assiste às mortes e se projeta no assassino.
O uso das lentes, dos tracking shots, aliados à subjetividade da protagonista que vê tudo sem poder reagir, traz ainda uma ideia, pensando numa outra linguagem contemporânea, de gameficação. A câmera é onipresente, seguimos com ela pelo alto de prédios ao subsolo de Seatle. Cada assassinato é quase uma cut scene, antes da personagem poder retomar o controle do jogo.
Mesmo quando a visão é mais objetiva, temos uma profundidade de campo, uma certa distância do acontecimento que também se encaixam nessa ideia do videogame: a câmera é sempre capaz de observar tudo, cada movimento, cada golpe da ação. A luta na delegacia assume esse tom de um combate contra os NPCs inimigos que vão se aproximando em ondas.
O Wan usa então de um certo maneirismo dos diretores que ele homenageia e trata todas essas referências de um jeito meio pós-moderno. Não é uma repetição simples de estética, imagens e fórmulas, porque ele trabalha tudo isso na base do choque, de deslocar o que se espera. É de usar essas referências através de uma linguagem moderna e própria pra chegar numa terceira coisa, numa síntese nova e diferente, por mais absurda que essa terceira coisa seja. Na verdade, ele mira nesse absurdo para conseguir sempre renovar o que se vê.
Tudo isso se beneficia também de como o diretor lida bem com o jump scare. Já que o mundo é sem barreiras e fluído, uma hora a ameaça, que está sempre esperando no fora de quadro, tem que entrar no quadro. E um simples campo/contra-campo se torna expressivo a partir disso.
Não importa qual é a criatura ou a qual cânone do terror que ela faz referência, se ela é uma aparição fantasmagórica, um assassino do Slasher, ou uma criatura grotesca. No Maligno de James Wan, diretor em seu auge, ela está sempre prestes a surgir da extremidade do quadro e nunca será do jeito que você esperava que fosse.
Tempo
3.1 1,1K Assista Agora“Old” deve estar ao lado de “Fim dos Tempos” entre os trabalhos mais experimentais do Shyamalan. Os dois filmes também dividem uma mesma vontade: a de trazer para a tela (ou para o que está fora dela) um perigo invisível, mas não por isso menos letal.
A restrição que o diretor se coloca, sendo a praia o único cenário na maior parte do filme, potencializa a trama como uma exploração temporal-espacial. A câmera assume essa identidade invisível do tempo que nunca para e corre por esse ambiente inescapável que se impõe através de rochedos gigantescos e um mar sem fim.
O tempo é implacável, alheio à vida, dores, problemas. Em perspectiva com o eterno, a vida é um instante, insignificante, e assim é a câmera-tempo de Shyamalan, praticamente indiferente à presença de seus personagens. São vários os enquadramentos que não se atém a mostrar um ator, que vacila entre os prisioneiros daquela praia. Em uma cena que envolve uma operação médica arriscada, os vários rostos apreensivos aparecem no quadro apenas em parte e um zoom lento deixa todos para trás e vai focar no céu sobre suas cabeças, o único elemento eterno daquele plano.
Enquanto se sucedem um amontoado de acontecimentos bizarros, a câmera passeia pela praia em longos planos, cada hora se detendo em algum elemento, importante ou não para a ação. Essas sequências são essenciais para estabelecer o ritmo do filme. Assim como os anos passam em questão de segundos para aquelas pessoas, ou seja, de forma acelerada, também acelerada é a narrativa, um fluxo rápido e crescente de tensão.
Nesse sentido, os planos longos são quase blocos de ação e cada corte revela uma nova espiral dramática, um possível envelhecimento dos personagens, fazendo uma montagem quase cruel nessa passagem temporal. E o Shyamalan usa dessa indiferença da câmera com os personagens, esses enquadramentos deslocados, para esconder as mudanças físicas de seus atores, revelando aos poucos através de planos detalhes ou com alguma interferência visual em primeiro plano.
Sendo a praia o cenário principal, quase um personagem em si, fica evidente o talento do diretor em sempre encontrar novos jeitos de filmar o espaço, de encenar esses blocos cada um de uma forma específica para tirar o que dali tem de mais expressivo, seja um modo impressionista de trazer para a linguagem uma subjetividade dos personagens quando esses tentam fugir dali, seja com um simples tracking shot que vai de um lado para o outro mostrando primeiro um dos momentos de ápice emocional do filme, afastando-se para observar as ondas do mar e voltando para ver os desdobramentos daquele acontecimento.
“Old” é uma experiência implacável, muito por usar de alguns arquétipos para tecer comentários sobre a sociedade e preencher o choque com questões existenciais. A família principal do filme é composta por imigrantes, um homem negro pode ser o assassino de uma mulher branca, o médico branco rico tenta se impor a um enfermeiro de raízes orientais. O efeito da passagem da vida se coloca duplamente, em relação aos papeis sociais impostos e às consequências físicas e mentais do envelhecimento. Mais aliado a um cinema de gênero, o filme usa dos corpos para dar um peso palpável a sua ameaça, partindo de uma exposição gráfica de feridas e deformações que somam a repulsa ao turbilhão de choques e velocidade.
Nesse balanço entre a futilidade de uma vida que não se vive e os anos que passam nesse processo, vem o tema tão caro ao diretor de um olhar infantil, de quem se permite focar seu tempo para construir um castelo de areia, que se permite viver o que o presente tem a oferecer. “Old” talvez seja o filme em que o autor Shyamalan se coloque mais presente metalinguisticamente. O personagem que ele interpreta é o observador, que deixa seus prisioneiros na ilha e, através da câmera, vê como irão reagir.
Não deixa de ser um experimento sádico, o do personagem e o do diretor, que tem seus motivos para criar uma situação dessa, por mais que o filme seja inspirado por uma HQ. É um cinismo que aparece muito em “Old” como um humor proposital pelo estranhamento. Talvez seja até incomum para o diretor, mas serve também para discutir as responsabilidades, ou falta delas, para o autor. É mesmo um movimento, quase um manifesto, por uma inocência libertadora que o Shyamalan sempre prega, independente dos custos que essa experiência pode cobrar.
Por isso, é irônico que seus filmes gerem tanta rejeição, muito por conta de uma falta de naturalismo, de diálogos pouco sutis, ou da artificialidade a qual ele se propõe. Quando se está muito preocupado com o real, com o sério e o conhecido, é justamente essa inocência libertadora que se perde. O cinema do Shyamalan é o que vê na crença no fantástico, na imaginação pueril, a saída para toda a ameaça da realidade.
O Menino que Matou Meus Pais
3.0 514 Assista Agora“A Menina que Matou os Pais” e “O Menino que Matou Meus Pais” partem da ideia de contrapor depoimentos contrários, de contar duas versões de um mesmo acontecimento esperando que, no processo, surja uma terceira versão, talvez mais próxima da verdade dos fatos. Esse experimento, porém, é sabotado pela nulidade individual de cada filme e da forma explícita com que o diretor aponta as diferenças entre as visões dos protagonistas.
Ambos os filmes confiam em narrativas extremamente elípticas, cheias de pulos no tempo, para tentar dar conta de uma contextualização de quais seriam os eventos que levaram ao assassinato dos pais de Suzane von Richthofen, mas esses eventos parecem até aleatórios na necessidade de pintar um quadro geral, com grossas pinceladas de brigas familiares e relacionamentos abusivos.
Chega a ser surpreendente, no mau sentido, como o assassinato em si é encenado de um jeito tão distante e pouco impactante, talvez numa busca por uma imparcialidade que não existe, mesmo porque as duas versões suportam um ponto de vista específico e, talvez inconscientemente, os filmes colocam a personagem da von Richthofen como a grande manipuladora dos fatos. São três versões dela: a psicopata drogada, a virgem angelical que amava os pais e a menina de classe média que se perdeu na vida por culpa de um cafajeste. Nenhuma das três é confiável, obviamente.
Por isso que “O Menino que Matou Meus Pais” é um pouco superior ao outro, por lidar com essa narração não confiável da personagem e colocar em xeque as atitudes abusivas do namorado, ainda que essa desconstrução fique restrita a apenas esse filme e perca força quando colocamos um do lado do outro. Nesse ponto, faz mais sentido a mudança na performance do Leonardo Bittencourt. Já a Suzane da Carla Diaz parece sempre estar num filme completamente diferente. Enquanto toda a mise-en-scène tenta ser mais realista, quase documental em alguns momentos, a performance cheia de maneirismos da atriz vai muito mais pra uma direção de artificialidade que o filme nunca sustenta.
É um problema que vem do mesmo lugar da distância que o diretor Maurício Eça toma dos eventos. A atriz acredita numa versão estilizada da história, do depoimento mentiroso, e às vezes parece que o filme pede mesmo essa fuga do realismo true crime, mas fica a sensação de que, quando o diretor embarca nisso, é sem querer, é por falta de controle, como na fotografia digital ensolarada na cena do podium do campeonato de aeromodelismo ou em todas as cenas dos dois filmes que se passam em uma balada, que na verdade revelam um amadorismo na encenação toda.
As escolhas de Eça acabam tendo um efeito contrário. Em vez de manter uma distância mais analítica do todo, elas só evidenciam todas as obviedades do projeto. Não só o maniqueísmo das performances, que vai da Carla Diaz extremamente infantilizada à psicopata com cabelo no rosto fazendo cara de malvada, mas também de todos os artifícios usados para que os dois depoimentos forneçam visões contrárias.
Não é um exercício de sutileza entre os filmes, em que o contexto e a subjetividade dos acontecimentos revelam facetas diferentes, mas uma inversão total de responsabilidades. Falas trocam da boca de um personagem para o outro, as atuações mudam completamente, as situações são, muitas vezes, opostas. Só que duas visões distintas não criam magicamente uma síntese confiável. Dessa dialética não sai nada, só experimentos manipulativos que ainda sofrem pela falta de uma visão mais expressiva sobre os acontecimentos individuais.
Do todo, a única afirmação que o diretor parece fazer com mais ênfase é a de uma condenação ao uso de drogas e de uma juventude perdida. Dada a opção por um distanciamento que se julga imparcial e analítico, não é um bom sinal que o que fica dos dois filmes seja só uma crítica moralista.
Duna: Parte 1
3.8 1,6K Assista AgoraVilleneuve trabalha numa chave muito mais funcional do que propriamente sensível. Diretor que gosta de usar a lentidão e a contemplação, em Duna parece estar até num ritmo acelerado (para ele), tendo o texto como recurso principal e a imagem como simples recurso ilustrativo.
Talvez seja uma tentativa falha de minimalismo, de resolver as cenas em dois ou três planos, mas que acaba apenas revelando uma inexpressividade de tudo, uma confusão entre o simples e o simplista.
É a dificuldade de transitar entre as linguagens literária e cinematográfica fantasiada de respeito pelo texto. Incapaz de encontrar as equivalências que falava Bazin, opta por filmar a verborragia expositiva da maneira mais formal e plástica possível. São cenas e cenas de diálogos que fazem a trama andar, enfeitadas com alguma firula estética, seja uma iluminação misteriosa ou um cenário grandiloquente de plano de fundo. A sobriedade de pretensões artísticas reduz a encenação à comunicação de informações funcionais e uma estética cerimoniosa, como se, ao tratar o texto com misticismo, conseguisse extrair daí alguma intensidade.
A abordagem mais fria e distanciada do Villeneuve tem esse efeito de deixar tudo em um tom monocórdio, nivelado, o que tira qualquer impacto possível dos acontecimentos. O encontro entre Leto e o Barão Harkonnen, vivido por Stellan Skarsgård, que na teoria deveria ser um grande momento de virada, é completamente inexpressivo. Em comparação, Blade Runner 2049 quebrava eventualmente sua passividade com uma certa brutalidade, já Duna tenta ser mais limpinho e palatável e ainda esconde as explosões de violência no fora de quadro.
O universo sci-fi de Duna também sofre com a austeridade que resulta no sentimento de falta de imaginação. Os espaços interiores são sempre muito vazios e grandiosos, de uma aristocracia decadente, uma mistura de passado histórico com elementos futuristas chiques, mas que é muito genérico. É um mundo sem peso, sem identidade, que minimiza seus elementos, seus objetos de cena, como se buscasse uma sofisticação discreta enquanto estiliza nas cores e na iluminação. O Villeneuve tem uma ideia muito clara de uma arte higiênica que parece querer elevar a ficção científica para algo de bom gosto fino, o que, inclusive, serve mal para um filme que tem todas as características de um blockbuster, de um símbolo da cultura pop.
Mesmo o CGI é genérico ao tentar criar esses ambientes fantásticos, principalmente a cidade em Arrakis, em que é difícil distinguir exatamente como é aquele lugar, distinguir além de uma ideia vaga sobre ser uma representação sci-fi de um país do Oriente Médio. Nesse sentido, Duna é bem menos competente do que muitos dos filmes que usaram a obra original como inspiração, como por exemplo o mal falado O Destino de Júpiter, das Wachowskis.
Bo Burnham: Inside
4.3 109 Assista AgoraMais do que ser um especial de comédia sobre como é estar isolado, Inside também tenta registrar uma adaptação da criação artística perante esse isolamento. Esse registro funciona muito melhor quando aparece inserido nos esquetes de Burnham do que nas intervenções dedicadas ao próprio fazer do filme.
Como diz Bordwell (no caso, sobre a adaptação num primeiro momento da chegada do som no cinema), as restrições também servem para forçar uma certa experimentação, para a busca de soluções criativas. Logo no início fica clara a preocupação do comediante em recriar em casa os efeitos que ele costuma usar no palco: a iluminação acoplada na cabeça pra refletir a luz no globo de discoteca, por exemplo.
Burnham tem mais liberdade, inclusive, para criar piadas com a própria linguagem cinematográfica, já que não fica restrito às possibilidades do palco. A montagem ganha importância cômica, às vezes num estilo meio Monty Python de encerrar uma piada abruptamente pra destacar o absurdo da situação.
O comediante entende que, se o cinema tem a predileção por criar uma representação da realidade (mesmo que falsa), o confinamento transforma a realidade em um ambiente virtual, a vida através das telas e da rede social. Essa ideia cria alguns dos melhores momentos do filme, usando a linguagem dos vídeos de reaction e gameplay como comentários sobre o que se tornou a vivência insegura e depressiva do isolamento.
Apoiado em um cinismo autoconsciente e autodepreciativo, o texto de Bo Burnham passeia entre discussões políticas e pessoais, tendo como um centro temático a relação do indivíduo com o mundo (que passa a se fazer presente no interior, não mais na “vida lá fora”), seja ao usar o “cancelamento” das redes sociais para entender seu papel como comunicador e se colocar, ironicamente, como um mártir pelo bem da comédia, seja ao assumir uma persona inspirada em um Fred Rogers da vida, quando um fantoche de meia engajado escancara a ironia do homem branco que nunca deixa de lado seu ímpeto opressivo mesmo quando tenta se “desconstruir”.
O filme acaba perdendo o ar de experimento depois do Intermission, quando passa a depender demais de um ato performático de Burnham com dificuldades de terminar o próprio projeto. Pode até ser tudo muito genuíno, mas soa como um manifesto forçado, até porque, mesmo fazendo um filme sobre isso, gravar-se chorando em frente ao espelho não deixa de ser um artifício manipulativo.
Inside passa por uma trajetória que chega a espelhar a do artista, de uma exaustão final, de uma dificuldade até em resolver seus últimos esquetes visualmente sem repetir a combinação “zoom-in lento/back projection”. Mas, mesmo isso soma à sensação opressora de esgotamento que o filme registra.
Como documentação, mesmo que encenada, de um artista em crise com seu trabalho, Inside é pouco mais que uma tentativa bem-intencionada, como arte que surge a partir dessa experiência em isolamento, porém, o filme atinge um belo equilíbrio entre o riso e a melancolia.
Intriga Internacional
4.1 347 Assista Agora"Uma fantasia do absurdo", foi como Hitchcock descreveu North By Northwest. "No mundo da publicidade, não existe mentira, apenas exagero", diz o personagem de Cary Grant, um publicitário, no início do filme.
Não é à toa que North by Northwest impõe os mais absurdos perigos a Roger Thornhill, que passa de "homem errado" a "agente secreto e super-herói" da Guerra Fria.
Os vilões do outro lado da cortina de ferro são engenhosos, sorrateiros. Misturam-se e desaparecem em plena vista, como na segunda visita à mansão de Townsend, na faca que surge inesperadamente nas costas de uma vítima e no piloto invisível do avião no milharal. Mas Thornhill é imbatível, irresistível: o cidadão americano que salva os segredos do país no Monte Rushmore, igualando-se aos grandes presidentes dos EUA.
Hitchcock faz em North by Northwest uma propaganda pró-Estados Unidos conscientemente sarcástica e exagerada. Afinal, é assim o mundo da publicidade.
Tenet
3.4 1,3K Assista AgoraTodos os elementos característicos de Christopher Nolan estão em ‘Tenet’ elevados á última potência: o conceito pseudo-científico, a fotografia lavada, a falta de geografia clara das cenas de ação, a montagem em ritmo frenético que trunca mais do que flui, a esposa morta, a brincadeira com a lógica do tempo na narrativa, a exposição barata e ininteligível, os personagens que são simples dispositivos para fazer a trama andar, os diálogos mal escritos. Tudo aqui funciona em prol da visão de cinema e de mundo do diretor, num filme que é tudo o que este quer e pode oferecer. ‘Tenet’ é a obra-prima de Christopher Nolan.
O sub-gênero da viagem no tempo não podia faltar na filmografia do britânico, assim como a ideia da viagem em si não poderia ser simples como em um ‘De Volta para o Futuro’ da vida. Por que, em vez de voltar e viver momentos do passado, o viajante não poderia presenciar o tempo com a entropia do mundo e de objetos revertida, como alguém que assiste a um filme rebobinando? Conceito criado. Com potencial visual e metalinguístico ímpar. Agora é só escrever qualquer coisa que justifique minimante cenas de balas, carros e explosões de prédios ao contrário. E no fluxo normal. E ao contrário de novo.
O fiapo da trama gira em torno de um agente americano (John David Washington) que é dado como morto e, por isso, está livre para aprender sobre os rumos da possível Terceira Guerra Mundial, “muito mais fatal do que qualquer conflito atômico”, como diz um dos personagens. Essa guerra envolve os tais objetos com a entropia revertida que aparentemente estão chegando do futuro.
Devidamente sem nome nem história prévia, o personagem de Washington é apenas mais uma engrenagem do sistema, que tenta se destacar e se colocar como Protagonista de uma história sobre a qual ele não tem controle. E clama por esse protagonismo da maneira mais Nolan possível: dizendo “eu sou o protagonista”. A individualidade, que Nolan enxerga como a grande virtude de seus heróis, é retratada pela pouca profundidade de campo com que o personagem é enfocado, isolando-o do mundo como um zé-ninguém e ao mesmo tempo como um salvador da pátria que prefere ser um lobo solitário. Esse paradoxo também se contrapõe com outra ideia cara ao diretor, a do belicismo. Afinal, uma guerra não é feita por indivíduos, mas por um conjunto de soldados, o exército.
Apesar do paradoxo estar presente conscientemente, ele não existe para levantar discussões, criar fruição, mas para justificar o caminho que o filme quer percorrer, desembocando num terceiro ato pensado para potencializar a imagética da guerra que acontece simultaneamente em um compasso progressivo e regressivo no tempo. Qualquer possível desdobramento temático, gerado pela ideia da viagem no tempo ou pela jornada dos personagens, é suprimido para não ofuscar os set-pieces que o diretor pensou para ilustrar visualmente o conceito que ele criou.
“Se estamos vivos agora, não quer dizer que cumprimos a nossa missão no futuro?”, pergunta o protagonista. “Não interessa”, diz, quase literalmente, Neil (Robert Pattison), “precisamos chegar na cena em que explodimos o avião só que ao contrário”. Assim são os diálogos que perpassam praticamente toda a primeira metade do filme, com os personagens andando por locações exuberantes e soltando termos “técnicos” risíveis como o “movimento de pinça temporal”. O que o público precisa saber é que a dupla vai se deslocar do lugar A ao lugar B. Como, quando, onde, por quê? Não interessa.
Em determinado momento a cientista interpretada por Clémence Poésy, cuja única função é ser expositiva, chega a dizer “Não pense, sinta”. Apesar de ser um conselho válido, dada a artificialidade das explicações, é difícil sentir alguma coisa com o filme parando de cinco em cinco minutos para tentar se explicar. Aliás, é difícil sentir qualquer coisa em qualquer filme do Nolan. Como já deve ter ficado claro, aqui é ainda pior.
Não há, em ‘Tenet’, potencial dramático, apenas potencial mecânico.
Se o filme concorrer ao Oscar de Melhor Montagem, por exemplo, não é porque ela cria sequências paralelas cheias de novas significações, mas simplesmente porque deve ser o trabalho mais ingrato do mundo montar uma sequência de guerra em que um time anda pra frente no tempo e outro anda pra trás.
E se não basta que o vilão seja apenas o catalisador do conflito sem mais nem menos, a motivação dele se baseia na frase “se eu não posso te ter, ninguém pode”. Taí outro trabalho ingrato o do Kenneth Branagh: desempenhar o papel de um vilão russo com mania de ser Deus e que bebe muita vodca. Óbvio que ele bebe muita vodca, ele não é russo?
Mas, como estamos falando de um filme do mesmo diretor de ‘A Origem’ e da trilogia ‘Batman’, o elemento que talvez seja mais característico deste é a esposa do vilão, que carrega o arquétipo nolaniano da esposa morta. Aqui, potencializada como a esposa morta-viva, ela vive para poder reencontrar e ter o filho ao seu lado. Não é só o Leonardo DiCaprio que piraria na moça, uma vez que o protagonista também. Esse relacionamento não poderia ser menos caloroso. Não só a meticulosidade e a falta de sentimentos na filmografia poderiam atestar para algum grau de psicopatia do diretor, agora com a personagem orgulhosa de suas cicatrizes, pálida e cadavérica interpretada por Elizabeth Debicki, o grau do distúrbio foi extrapolado, talvez estando mais relacionado a um certo tesão por cadáveres, vai saber. Enfim, é ou não é o suprassumo do Nolan?
Mesmo que ‘Tenet’ seja extremamente básico em sua linguagem, às vezes até beirando o amadorismo tanto no roteiro quanto na decupagem de cenas como a emboscada na estrada, isso acaba criando um paradoxo extra. É inegável que é assim que Christopher Nolan pensa o fazer cinematográfico. O que importa é a brincadeira matemática, não a tessitura narrativa, é testar ao máximo as representações visuais de seu conceito temporal, não dramatizar ou filosofar em cima disso. Essa é a forma que ele encontrou de imprimir o máximo de autoralidade, com todas as suas batidas características e seus interesses.
Como suprime qualquer potencial cinematográfico que não seja a técnica encontrada para demonstrar o tempo rebobinado, e que sim, cria momentos visualmente inspirados como a luta no corredor, a única faísca de genialidade aparece na cena do interrogatório, algo puramente criativo, de abordagem realmente inusitada, auxiliada pelas luzes vermelha e azul, representando os dois fluxos temporais.
Curioso que a cena do interrogatório seja o melhor momento dos longos 150 minutos, porque ela acontece justamente no meio do filme, que marca não só virada em relação ao tempo para os protagonistas, quanto a diferença da primeira metade predominantemente expositiva com a segunda predominantemente de ação. E ‘Tenet’ é um filme não de equilíbrio, mas de choque entre ideias e resultados diametralmente opostos.
O choque entre a exacerbação do individualismo do protagonista e a ode ao coletivo dos homens na guerra; entre o conceito mais complexo da filmografia do Nolan e as explicações mais mal escritas e esfarrapadas; entre o sentir e o entender; entre atores excepcionais e os personagens mais rasos; entre as melhores ideias e as piores execuções. Vemos todos esses embates em tela, tudo se colide, tal qual as linhas temporais que estão prestes a se sobrepor uma sobre a outra no contexto da trama. É o longa que é em si todo paradoxal, como se nada nele se combinasse, mas surgisse do choque essa coisa destrambelhada que de alguma forma diz muito sobre o que o filme é e como o filme é.
Nesse sentido, outra cena parece ser chave para entender esse sentimento. A cena em que Washington e Pattinson pulam numa espécie de bungee jump ao contrário para chegar ao topo de um prédio apresenta-se como a alegoria perfeita. Nolan chega em seu auge, mas o faz caindo.
No filme, a direção do fluxo temporal depende do ponto de vista. O protagonista pode estar com a entropia revertida, mas o que ele vê é o mundo invertido. É como um passageiro de um carro. Se o carro vai pra frente, ele vê o mundo indo pra trás, se o carro vai para trás, ele vê o mundo indo para frente. Assim se completa a estrutura palindrômica do filme.
Também assim deve ser a experiência de quem assiste a ‘Tenet’. De um ponto de vista, essa é a obra-prima de Nolan, do outro, pode ser incompreensível e quase inassistível. Pelo bem da famosa nota que aparentemente todo filme deve ganhar a nível de parâmetro, eu fico no meio, como se estivesse na catraca que te leva para frente ou para trás no tempo, no ponto médio, na cena do interrogatório. Tendo tanto à nota 1 quanto à nota 5. Depende do ponto de vista.
Jurassic World: Reino Ameaçado
3.4 1,1K Assista AgoraA franquia “Jurassic Park” nunca conseguiu se desvencilhar completamente do marco que foi o filme original. As duas sequências (a pior, talvez, seja a dirigida pelo mesmo Steven Spielberg) fracassaram ao tentar recriar o frescor do primeiro. “Dinossauros não assustam mais ninguém” dizia a requel “Jurassic World”, com uma piscadela metalinguística que pareceu agradar aos fãs e aos acionistas (esses que seriam devorados pelos dinossauros se fizessem parte daquele mundo). Agora, é J.A. Bayona quem tenta nos convencer de novo a voltar para as ilhas que abrigaram o parque. Ainda que continue derivativo, “Reino Ameaçado” se beneficia do olhar apurado de seu diretor para as convenções do gênero.
A trama é uma bobagem. Tão grande que a maior reviravolta é vomitada por um dos personagens lá pro final do filme e não carrega nenhuma implicação dramática. Mesmo o Owen Grady de Chriss Pratt tem pouco a fazer a não ser posar de Indiana Jones genérico com um recém-adquirido senso de humor. E os personagens de Rafe Spall, Justice Smith e Daniella Pineda cumprem apenas funções narrativas.
Como se o público fosse incapaz de absorver novos símbolos “Jurassic World: Reino Ameaçado” segue o que parece ser uma marca do cinema pipoca contemporâneo e aposta na nostalgia forçada, característica que funcionou com “Star Wars: O Despertar da Força”, mas não com “Círculo de Fogo: A Revolta”, pra ficar em dois exemplos recentes. Dessa vez voltam os empresários unilaterais que viram comida de dinossauro, os militares inescrupulosos, os velociraptors, o cientista meio louco, o milionário ideologista, o T-rex-machina… E dá-lhe rimas visuais com os capítulos anteriores.
Pelo menos, aqui, o diretor se presta a desconstruir alguns desses símbolos, mesmo que nem todas as descontruções funcionem. Dessa vez, por exemplo, a ilha está em perigo e são os dinossauros que precisam ser salvos. A câmera mostra mais de uma vez as botas de Bryce Dallas Howard para se certificar de que ela não usa mais os saltos do filme anterior. Os braquiossauros correm para fugir da erupção de um vulcão. Os velociraptors… Bom, os velociraptors passam por uma mudança que chega a ser desrespeitosa com o incrível terceiro ato do filme original. É nesses soluços de criatividade, porém, que o longa se sustenta.
Bayona é um diretor que entende de gênero e se esforça pra aproximar sua obra do terror fantástico. Desde a sequência inicial, o realizador faz bom uso do suspense através de uma fotografia que prioriza as sombras e o contraluz, assim como no plano sem cortes da giosfera submersa, que, ao não tirar a câmera de dentro da esfera, passa uma sensação de confinamento e falta de ar ao espectador.
É na segunda metade que, enfim, Bayona assume de vez sua predileção pelas convenções de gênero, quando a ação migra para uma mansão de estilo gótico que abriga o melhor que “Reino Ameaçado” tem a oferecer. Como se não fosse divertido o suficiente ver dinossauros comendo pessoas imbecis, o cineasta nos brinda com suas melhores composições visuais. A apresentação do indoraptor no leilão é plasticamente perfeita. Assim como a sequência entre os dioramas do minimuseu da mansão, quando todas as luzes se apagam e vemos apenas a sombra do animal passando ao fundo ou quando estas voltam a acender e a cada novo espaço que é iluminado aumenta-se o medo da fera reaparecer.
O auge do simbolismo do terror fantástico vem com o dinossauro que anda pelos telhados da mansão à luz da lua enquanto a câmera de Bayona dá cambalhotas para acompanha-lo e na sequência em que Maisie (vivida por Isabella Sermon) se esconde debaixo dos lençóis de sua cama. É a brincadeira com o gênero. O monstro se aproxima sorrateiramente pela janela e puxa o cobertor com uma pata estendida. A imagem típica dos filmes-pesadelos.
Fica parecendo que o diretor só pode se libertar depois de passar por cada batida exigida pelos produtores e aguardada pelo público. Espera-se, portanto, que nas continuações que certamente virão, a boa visão de um diretor não seja ofuscada por exigências formulaicas do estúdio e que venha acompanhada de uma dramaturgia ao menos convincente.
Nota: 3/5
Logan Lucky: Roubo em Família
3.4 254 Assista AgoraSteven Soderbergh é um cara que costuma alternar entre “filme comercial” e “filme de festival”. Esse acaba sendo uma mistura dos dois: um filme de assalto com humor absurdo, mas dirigido de um jeito “cult”.
O longa acompanha os irmãos Logan (Chaning Tatum e Adam Driver), dois caipirões de West Virginia, na tentativa de assaltar o cofre de um autódromo. Pra isso, eles precisam da ajuda do especialista em explosivos vivido por Daniel Craig. O brilho do filme é esse trio. Todos estão hilários ao assumir verdadeiras caricaturas do modo de ser do interior americano. Destaque pro Daniel Craig que deixa a pompa e o sotaque inglês pra assumir uma personalidade explosiva, de voz fina e sotaque carregado. Os três fazem rir o tempo inteiro.
A estrutura narrativa é bem parecida com a de 11 Homens e Um Segredo, também dirigido pelo Soderbergh. Mas, em vez de focar no luxo dos golpistas ricos, o foco é nas classes mais baixas. Sobram alguns comentários sociais sobre a pobreza e o capitalismo, mas esse não é o foco principal do filme.
A direção, como de costume, é cirúrgica, seca, com planos estáticos precisos. Mas, nem sempre consegue acompanhar o timing cômico dos atores. Por essa proposta “cult”, o filme se arrasta em alguns momentos, possui tempos mortos mais do que o necessário, mas nada que comprometa o divertido roteiro.
O terceiro ato revela um pequeno twist que pode incomodar grande parte dos espectadores, mas na verdade amarra a temática do filme perfeitamente, sendo corajoso ao praticamente mudar o gênero a que se filia, abandonando as piadas e focando no drama e na investigação policial.
A melhor descrição sobre o filme é feita por ele mesmo: é uma espécie Ocean’s Seven-Eleven (ou Onze homens e um segredo do mercadinho das classes baixas). Nota 4/5
O Sacrifício do Cervo Sagrado
3.7 1,2K Assista AgoraDepois da comédia de humor negro O Lagosta, o grego Yorgos Lanthimos continua desfilando sua misantropia por aí, só que dessa vez filiado ao suspense atmosférico, ecoando O Iluminado, inclusive nos planos de steadycam em corredores compridos.
O filme mostra a história de uma família aparentemente funcional que começa a colapsar quando algo do passado do patriarca (vivido por Colin Farrel) volta na figura de Martin (Barry Kheogan). O trio principal é completado pela Anna de Nicole Kidman. Todos os atores continuam recitando suas falas de modo monocórdico e sem (aparente) emoção, e é aí que o elenco brilha, ao transmitir essa emoção mesmo que os personagens não o façam. E esse tipo de interpretação é essencial tematicamente para o filme: ao demonstrar que sempre há podridão escondida embaixo das aparências perfeitas (tema que acaba ressoando também a filmografia de David Lynch). O filme discute o senso de justiça e poder, inclusive divinos, e por isso o diretor mantém as câmeras no nível do teto, como se mostrasse que um ser superior está sempre a espreita, recurso que também colabora pra que os personagens pareçam sempre pequenos nos ambientes.
Como de costume na filmografia de Lanthimos, o roteiro traz diversas situações fantasiosas e a falta de explicações pode incomodar os mais céticos. Mesmo que ainda traga pitadas de humor (muito) negro, o filme não brilha com os sarcasmo e ironia de The Lobster, por exemplo, e a misantropia acaba sendo representada mesmo pelo suspense e por imagens chocantes, visual ou metaforicamente. O terceiro ato é de uma tensão crescente que te faz querer fechar os olhos várias vezes durante o clímax. A podridão daquela família, e daquele mundo, demonstra um ódio do diretor perante a sociedade que em alguns momentos pode parecer puro exagero, mas não dá pra negar que é uma ótima incursão do grego no suspense. Nota 4/5
A Guerra dos Sexos
3.7 316 Assista AgoraO filme reconta a partida de tênis entre Billie Jean King e Bobby Riggs que, em meio à reivindicações por salários igualitários para as mulheres, tomou ares de disputa entre os gêneros. Como o resultado da partida pode ser encontrado facilmente na internet, o roteiro acertadamente foca nas relações de cada um dos dois protagonistas, interpretados por Emma Stone e Steve Carrel. Ambos se saem bem mas, apesar de ter menos tempo em tela, Steve Carrel se destaca. O personagem dele é mais complexo, usa o machismo para se promover mesmo sem necessariamente acreditar no que fala, ainda mais por ser sustentado pela esposa. Para Stone, resta a parte panfletária do longa, que exagera com frases prontas e clichês “progressistas”.
O filme se perde um pouco em um triângulo amoroso, ao não desenvolver direito os personagens envolvidos, assim como também não desenvolve alguns personagens que possuem peso na trama, caso do estilista de King.
A direção de Valerie Faris e Jonathan Dayton (Pequena Miss Sunshine) é concisa mas carece de grandes momentos, e o roteiro também não se arrisca. O filme empolga mesmo no ato final, ao filmar de maneira competente o duelo entre os dois, que parece mostrar os próprios atores jogando tênis.
Mesmo com uma discussão importante e momentos divertidos, Battle of the Sexes se mantém superficial. Nota 3/5
Viva: A Vida é Uma Festa
4.5 2,5K Assista AgoraA Pixar fazendo você sair com os olhos inchados de novo. O filme segue a cartilha do estúdio: personagem pequeno tendo que desbravar um mundo novo e grandioso. Dessa vez, o mundo é o dos mortos durante o Dia de los muertos.
O design do mundo dos mortos é perfeito, suntuoso, contrastando com a modesta vila dos vivos. A fotografia constantemente emula uma câmera real, como em perseguições com câmeras na mão.
Não há nenhuma grande novidade no filme, mas o envolvimento emocional é total quando o longa começa a discutir sobre a morte e a importância da família. A adaptação da cultura mexicana é feita de maneira exemplar, com a ideia das oferendas e dos guias espirituais.
A animação é fantástica como esperado, como a covinha e a pinta do protagonista, mas o destaque é mesmo da Mama Coco (que dá o título da versão original) e sua humanidade. Nota 4/5
O Rei do Show
3.9 897 Assista AgoraMusical dirigido por Michael Gracey (em sua estreia) mostra que o diretor tem estilo. As transações são poderosas e significativas e os números musicais são bem dirigidos e tem ótimas resoluções visuais.
Mas tudo o que o diretor faz bem nos números musicais, ele faz mal nas encenações. Nenhuma relação funciona e tudo parece extremamente superficial, mesmo quando o filme tenta dar algum peso dramático. O roteiro falha em criar conflitos palpáveis, tanto pela falta de desenvolvimento dos personagens, principalmente da trupe de P.T. Barnum (nenhuma das “aberrações” é mais do que pura maquiagem e nenhuma história), quanto pela afetação das situações. Hugh Jackman segura o personagem simplesmente por causa de seu carisma.
O romance de Zac Efron e Zendaya soa deslocado e só convence no número musical dedicado aos dois. Aliás, o filme só funciona nos números musicais, ao ponto de eu rezar para que a resolução dos conflitos finais fossem todos através dos números, sem diálogos ou encenações fake.
A trilha sonora empolga, mesmo que incomode por ser totalmente pop e moderna inserida em um filme de época. A história só existe pra ligar os bons números musicais. Sorte do espectador. Nota 2/5
Eu, Tonya
4.1 1,4K Assista AgoraFilme sobre a patinadora Tonya Harding, menina de classe baixa que se envolveu em diversos incidentes durante a vida enquanto tentava se destacar nas olimpíadas dominadas pela riqueza e elegância.
O roteiro utiliza-se do recurso do narrador não confiável (pense em Bentinho de Dom Casmurro). A narrativa segue os “relatos” de vários personagens envolvidos. Inclusive, o diretor Craig Gillespie faz com que muitos deles quebrem a quarta parede e falem com o público no meio da cena.
A direção e a fotografia mantém a câmera sempre em movimento: às vezes parecendo patinar mesmo quando Tonya está fora do ringue, às vezes parecendo brigar com os personagens, com movimentos bruscos em meio àquele mundo tomado por violência.
Como um dos personagens chega a falar, a história é repleta de pessoas idiotas. Só Tonya e sua mãe saem dessa descrição, sendo que a segunda está mais para a definição de “cruel”, sendo que agradá-la é o verdadeiro motivo de Tonya querer conquistar o mundo dos esportes.
Margot Robbie e Allison Janney estão maravilhosas e devem ser indicadas ao Oscar. O filme perde um pouco o ritmo na metade do segundo ato, mas no terceiro retoma e encerra com uma rima, visual e temática, fantástica. Nota: 4,5/5
Lady Bird: A Hora de Voar
3.8 2,1K Assista AgoraEstreia de Greta Gerwig (Frances Ha) na direção mostra uma história semibiográfica sobre amadurecimento feminino. É daqueles filmes com aura indie mas que acaba conquistando as grandes audiências.
Saoirse Ronan domina o papel da protagonista perfeitamente, mostrando uma inocência conciliada com uma vontade de se rebelar e desbravar o mundo. A relação com a mãe é o centro emocional do filme, e Laurie Metcalf destrói como uma mulher dura, mandona demais, porém vulnerável.
Gerwig constrói planos com enquadramentos inusitados e utiliza a montagem para demonstrar pequenas nuances no relacionamento das duas, como na cena em que param uma briga porque acharam o vestido perfeito, interrompida por um corte seco.
O roteiro encena acontecimentos comuns à qualquer adolescente (de qualquer gênero ou orientação sexual), o que torna o filme universal, ao contrário do que parece num primeiro momento. É emocionante relacionar o amadurecimento de cada um de nós com a da protagonista. Nota 4/5
Três Anúncios Para um Crime
4.2 2,0K Assista AgoraGrande cotado para o Oscar de melhor filme é um longa que discute o ódio, a empatia, a sociedade. Uma mãe (Frances McDormand) usa três outdoors para forçar a polícia a investigar o assassinato da filha, criando reações diversas nos moradores da cidade.
O ódio passa a florescer em vários dos personagens, desde policiais racistas, cidadãos comuns, até na própria protagonista. Existe um paralelo entre setores conservadores e progressistas daquela cidade, o que mostra que a violência parte dos dois lados.
McDormand é devastadora no papel da mãe de luto. O filme usa a personagem como meios para criticar a sociedade em geral, como se Ebbing fosse um microcosmo do nosso mundo.
O roteiro é inteligente no uso do humor, com piadas ácidas que, em vez de amenizar as cenas mais carregadas dramaticamente, ajudam a deixá-las ainda mais tensas. Também é notável perceber que o foco do longa não é a investigação em si, mas as reações que ela gera nos habitantes.
Outros destaques são Woody Harrelson, o centro moral do filme (talvez o único personagem equilibrado) e Sam Rockwell, cujo arco do personagem é o mais interessante e emocionante.
O design de produção e a fotografia brincam com as cores avermelhadas, que costumam representar a violência e a passionalidade, não por acaso essa é a cor da protagonista e de seus outdoors, assim como a cor do fogo, também importante para a trama. Repare que o vermelho, assim como o azul do personagem de Rockwell, aparece numa cena chave que acontece em um bar. O final dúbio leva os questionamentos para o público que, depois de uma lição sobre empatia, passa a pensar melhor sobre os próprios atos na vida real. Nota 4,5/5
Projeto Flórida
4.1 1,0KO longa independente e de baixíssimo orçamento de Sean Baker. Acompanha moradores de um project (hotéis baratos usados como moradia por pessoas de baixa renda) na Florida, próximo aos parques da Disney.
O roteiro utiliza de situações que parecem improvisadas para mostrar o dia-a-dia de Moonnee e sua mãe. É admirável o trabalho de Baker aqui ao encenar tudo de maneira absurdamente natural, parecendo mesmo feito sem ensaios (mas só parecendo). Ele e o diretor de fotografia Alexis Zabe mantém a câmera quase sempre na altura das crianças, o que nos faz acompanhar a história pela perspectiva delas, raramente acompanhando outros pontos de vista, como o do gerente vivido por Willem Dafoe. Por isso mesmo, uma das principais informações do filme só é percebida pelo espectador depois de repetidos planos da menina Moonee no banho, uma vez que ela não entende o que está acontecendo fora do banheiro. Por consequência, o público também não.
E a amadora Brooklyn Prince é fantástica no papel da menina, demonstrando um carisma e um domínio perfeitos. Uma das últimas cenas é desconcertante, quando Brooklyn atinge seu ápice dramático de uma forma que muito ator profissional bem mais velho do que ela não consegue.
A situação de pobreza quase extrema faz com que as personagens arrumem formas para se distanciar da crueldade de suas realidades. Elas desbravam aquele mundo como se fossem os verdadeiros parques da Disney. Para isso, Baker e o diretor de fotografia usam lentes grande-angulares fazendo com que todos os cenários pareçam maiores, mundos novos a serem descobertos, sensação trazida também pelos nomes dos lugares (Mundo Laranja, Castelo Mágico, Futureland, etc). A própria cor roxa, que costuma significar algo extramundano, fantástico, aparece em todo o hotel, mostrando a tentativa das crianças de verem o mundo de uma forma fantasiosa. E se o personagem de Dafoe transita entre a crueldade e a fantasia, ao cuidar das crianças ao mesmo tempo em que arca com as responsabilidades de gerente, um dos planos o mostra no meio do roxo e do branco, as cores que representam os dois mundos, na parede do hotel.
E o final, gravado por Baker sem autorização, num “modo guerrilha” com um Iphone, emociona absurdamente ao dar um pouco de respiro pro sofrimento das crianças. Nota 5/5
Roda Gigante
3.3 309Existe uma máxima no teatro que diz para não colocar no fundo do palco nada que distraia o público do que está acontecendo nos primeiros planos. No novo filme de Woody Allen, a fotografia é o que nos distrai e a história o que ninguém consegue prestar atenção.
Vittorio Storario (diretor de fotografia de Apocalypse Now) faz um trabalho extraordinário aqui, sendo uma pena que o filme não tenha saído a tempo das premiações, porque certamente merecia reconhecimento. A lógica visual trabalha com duas cores principais: o azul e o laranja.
O laranja representa o mundo de Ginny (Kate Winslet) e Mickey (Justin Timberlake), que têm propensões à imaginação e ao melodrama (Winslet como ex-atriz e Timberlake como pretenso dramaturgo). E o azul representa a crueza da realidade do marido de Ginny, Humpty (Jim Belushi).
Assim, a fotografia brinca com essas luzes nos altos e baixos pelos quais passam os personagens, com cenas em que as cores transformam todo o quadro engolindo tudo o que está em cena, muitas vezes variando entre o laranja e o azul dentro do mesmo plano.
A Wonder Wheel do título aparece tanto na propensão dos personagens de se colocarem em um mundo fantasioso (wonder), nas reviravoltas da trama e na movimentação de câmera: muito movimentos, planos longos seguindo os personagens e aproximação e distanciamento dos rostos dos atores sem cortes.
E tirando o foco dessa fotografia incrível, em algum lugar existe uma história sobre uma uma esposa que foge de seu marido mafioso, uma dona de casa, um triângulo amoroso, um salva-vidas e um filho incendiário. Tudo muito aquém do que Allen tem a oferecer. Melhor nem prestar atenção. 3/5
O Destino de Uma Nação
3.7 723 Assista AgoraJoe Wright (Orgulho e Preconceito e Desejo e Reparação) é um diretor extravagante tanto quanto o Churchill de Gary Oldman. O filme já abre com um plano lindíssimo em plongê (de cima para baixo) do teto do congresso inglês que desce até enquadrar o orador.
Esse tipo de plano mirabolante é constante no filme, seja em uma rima visual com um plongê em um campo de guerra totalmente destruído, ou andando pelos longos corredores que levam à sala em que as estratégias de guerra são elaboradas.
Da mesma forma, extravagante é a caracterização de Gary Oldman (perfeito) como Winston Churchill, com seu robe rosa, temperamento explosivo e dificuldade de se conectar com as pessoas em volta. Dificuldade essa representada pelo diretor de fotografia ao isolar o personagem em um elevador cujas laterais são completamente tomadas pela escuridão, ou no enquadramento em que o rosto de Churchill aparece preso dentro da pequena janela em uma porta. A iluminação soturna com muita contraluz e pequenos focos distribuídos pelo ambiente auxiliam essa percepção.
A trama acompanha um pequeno espaço de tempo, que envolve a resolução dos planos de guerra em Dunkirk e um tratado de paz. Assim como a extravagância de Churchill afasta seus possíveis aliados, a do diretor do filme acaba afastando também o público, que não sente o peso da situação.
Por mais que seja tecnicamente perfeito, existe um incômodo senso de distanciamento com a história que acompanhamos. E, ao contrário da resolução brega e automasturbatória que o personagem encontra, no final, o cidadão comum não se engaja com os esforços dialéticos do Churchill de Joe Wright. Nota: 3,5/5
Me Chame Pelo Seu Nome
4.1 2,6K Assista AgoraAssistir a Call Me By Your Name é como ter um romance inesperado no interior da Itália, banhar-se num rio, ouvir música clássica no piano e ler livros de filosofia deitado na rede em um dia ensolarado no campo.
O romance e o tesão pulsam por todo o longa. A intelectualidade do Oliver de Armie Hammer é sedutora, mesmo quando o (bem colocado) tom de arrogância aparece em sua voz. O Elio de Timotheé Chalamet é desconstruído durante a narrativa, transformando sua segurança em insegurança.
Os momentos íntimos são construídos aos poucos e a aproximação dos dois surge a partir de diversas cenas mostrando o cotidiano, que vai se alterando a partir da dinâmica dos atores. Tudo regado a diversas citações literárias, músicas e cenários bucólicos deslumbrantes.
Em meio a isso, há uma discussão belíssima sobre a sexualidade, as possibilidades da vida e a coragem de tomar certos atos. Assim como os frutos (e romances) que nascem “em algum lugar da Italia”, CMBYN é pra ser saboreado. 4,5/5
O Jovem Karl Marx
3.6 272 Assista AgoraDepois do sucesso de Eu Não Sou Seu Negro, nomeado ao Oscar de Melhor Documentário, o haitiano Raoul Peck lança mais um filme carregado de significado político. Acompanhamos Marx, desde quando seu encontro com Engels até a escritura do Manifesto Comunista.
Ele acaba sofrendo de um mal parecido com o de “Destino de uma nação”: para encenar os grandes feitos e desmistificar os personagens históricos, acaba perdendo em peso dramático. A estrutura é básica e direção (ironicamente) conservadora.
Mas o filme ganha pontos ao representar o contexto histórico da revolução industrial, a miséria e exploração do proletariado. Também, Marx e Angels ganham complexidade nas discussões de seus paradoxos (Engels era filho de um dono de fábricas, afinal) e em suas relações pessoais.
O roteiro a todo momento constrói a ideologia dos pensadores com verdadeiros embates intelectuais. Jorram citações sobre o materialismo e a dialética hegeliana, por exemplo. Fica clara a importância de ambos para a luta dos trabalhadores e a conquista de direitos. Enfim, o filme parece querer provar a frase que abre o manifesto, sobre a história da humanidade ser a história da luta de classes. As imagens dos conflitos do séc. XX que fecha a narrativa não deixa muitas dúvidas sobre a questão. Nota 4/5
Artista do Desastre
3.8 554 Assista AgoraDisaster Artist é o filme que deu o Globo de Ouro (e provavelmente uma indicação ao Oscar) para James Franco. Ele interpreta o estranhíssimo Tommy Wiseau, personagem real que escreveu, produziu, dirigiu e atuou naquele que é considerado o pior filme de todos os tempos.
A atuação dele é o núcleo do filme. Franco mantém todos os enigmas de Wiseau (de onde ele veio, de onde tirou o sotaque e o dinheiro todo que tem…) ao mesmo tempo em que o humaniza e dá dimensão dramática. Você se importa com ele, torce por ele e se emociona com suas motivações.
Ao mesmo tempo em que o ator consegue reproduzir os maneirismos, expressões e a voz de Wiseau de maneira hilária, o personagem é complexo e chega a assustar algumas atitudes que toma durante a produção de The Room. Tudo em favor de um “sonho hollywoodiano”, de perseguir as próprias vontades. O filme faz uma verdadeira ode ao artista outsider que luta para produzir sua arte. Se, às vezes, acaba caindo em alguns momentos edificantes demais, as curiosidades sobre a produção real do filme de Wiseau e a empatia que o personagem de Franco cria no espectador mantém o nível de Disaster Artist.
Há ainda diversas participações de famosos (Zac Efron, Bryan Cranston…) e uma cena pós-créditos muito engraçada pra quem viu o The Room original. 4/5
Doentes de Amor
3.7 379 Assista AgoraDoentes de Amor é estruturalmente uma comédia romântica convencional: homem e mulher se conhecem, ficam juntos, algo atrapalha o relacionamento e os faz duvidar de que vão ficar juntos para sempre, os problemas se resolvem e fica tudo bem.
Porém, o roteiro de Emily Gordon (baseado na própria história real) evita cair nas convenções do gênero. O senso de realidade ajuda na identificação com o casal principal (com Emily interpretada por Zoe Kazan e o comediante Kumail Najiani interpretado por ele mesmo).
Há cenas muito sinceras e engraçadas na relação dos dois, e a química dos atores é perfeita. O roteiro também se beneficia do fato de que Emily se ausenta no segundo ato inteiro, obrigando Kumail a se relacionar com os pais da protagonista (brilhantemente vividos por Holy Hunter e Ray Romano). Aí fica uma disputa entre Kumail e as duas famílias, com o comediante tendo que lidar com a questão cultural paquistanesa do casamento arranjado e dos pais de Emily não aprovando o relacionamento dos dois.
Daí o humor situacional ganha toques de humor negro, o que dá um respiro para o gênero. Existe uma ou outra subtrama desnecessária, mas The Big Sick acaba representando uma brisa nova para as comédias românticas (o que pode, inclusive, garantir indicações ao Oscar). 4/5