Quando soube que Fargo, filme dos Irmãos Coen de 1996, seria adaptado para a televisão, fiquei ansioso - mas não demorou para que eu também ficasse preocupado devido ao grande número de séries baseadas em filmes e que parecem ficar limitadas à obra inicial. Porém, com Fargo foi diferente. Apesar de todos os elementos essenciais estarem lá, a série ultrapassou e se firmou com tamanha propriedade apoteótica. O nome genial por trás disso é Noah Hawley, criador da série de TV, mas esse texto não é sobre ele e nem sobre o filme, é sobre um aspecto que chamou minha atenção desde o início da série: os títulos dos episódios, com ênfase na segunda temporada. Se esse aspecto, que muitas vezes acrescenta uma enorme carga de profundidade, conquistou você em séries como Breaking Bad e Six Feet Under, Fargo é um prato cheio. Os nomes dos episódios variam entre ensinamentos budistas, ensaios filosóficos, títulos de obras, anedotas, parábolas, paradoxos e enigmas.
Na primeira temporada, isso ocorre de uma maneira mais branda, como uma forma de introduzir diálogos e sequências vistas ao longo da temporadas, mas sem pertencer majoritariamente a um eixo temático específico. Não pretendendo me estender aqui, vou apenas demonstrar com dois dos meus exemplos preferidos: 1x1 - The Crocodile's Dilemma: Lorne Malvo deixa Lester Nygaard numa posição insustentável O Dilema do Crocodilo "Um crocodilo rouba uma criança. Quando a mãe reclama, o crocodilo faz a seguinte proposta: “devolverei a sua criança se você adivinhar corretamente se eu a devolverei ou não”. A mãe responde: “Você não vai devolver a minha criança”. O que o crocodilo deve fazer? Se ele devolver então não pode devolver, pois a mãe errou. Mas, se o crocodilo não devolver então tem que devolver, pois a mãe adivinhou corretamente". 1x7 - A Fox, a Rabbit, and a Cabbage: O desencontro dos personagens O Problema do Fazendeiro: Uma Raposa, um Coelho e um Repolho. Era uma vez um fazendeiro que foi ao mercado e comprou uma raposa, um coelho e um repolho. No caminho para casa, o fazendeiro chegou à margem de um rio e arrendou um barco. Mas, na travessia do rio por barco, o agricultor poderia levar apenas a si mesmo e uma única compra. Se fossem deixados sozinhos em uma mesma margem, a raposa comeria o coelho, e o coelho comeria o repolho. O desafio do fazendeiro é atravessar a si mesmo e as suas compras para a margem oposta do rio, deixando cada compra intacta. Como ele fará isso?
É na segunda temporada onde as coisas realmente esquentam e Noah Hawley se desgarra do que o prendia. Eleva Fargo ao nível cinematográfico mais extremo. Aqui, Hawley expõe suas influências do Absurdismo, filosofia onde "O Absurdo se refere ao conflito entre a tendência humana de buscar significado inerente à vida e a inabilidade humana para encontrá-lo. Também encontramos nuances de Existencialismo, Surrealismo e Niilismo. Albert Camus, Franz Kafka e Søren Kierkegaard andaram lado a lado com Fargo. Assim como no filme, no início de cada episódio a série avisa: "Esta é uma história real", mas sabemos que isso é uma afirmação que, de fato, não é verdadeira. Apesar de conter elementos reais, a história é ficcional. Entretanto, parafraseado Beleza Americana (1999): look closer. Se olharmos mais de perto, é uma história real. Fargo é uma alegoria sobre a humanidade.
A segunda temporada começa com uma dupla referência: 2x1- Waiting for Dutch: Dutch era um apelido para Ronald Reagan. Reagan disse também que seu pai lhe deu o apelido por causa do corte popular do "Dutch Boy". Também é uma referência ao filme Raising Arizona (1987) dos Irmãos Coen. O personagem de Nicholas Cage, H.I. McDunnough, diz: "Melhor apressar, estou em Dutch com a esposa." Dutch é usado como gíria para problemas aqui.
O segundo episódio "2x2 - Before the Law" é uma referência direta a uma parábola contida no livro O Processo (1919) de Franz Kafka. Mesmo não sendo o foco do texto, não posso deixar de comentar sobre a utilização da música The Eve of The War lançada em 1998 Jeff Wayne, que é uma releitura da obra Guerra dos Mundos (1898) de H. G. Wells. A narração inicial da música é incorporada ao próprio episódio, fantástico.
Albert Camus, em pleno cenário de guerra, pública seu ensaio sobre o absurdo em 1942, denominado "O Mito de Sísifo", que dá nome ao terceiro episódio "2x3 - The Myth of Sisyphus". A criação do absurdo e Sísifo: "Todas essas vidas conservadas no ar rarefeito do absurdo não se saberiam sustentar sem algum pensamento profundo e constante que as anima com sua força. Mesmo esta só pode ser um singular sentimento de fidelidade. Viram-se homens conscientes desempenhar sua tarefa em meio às mais estúpidas guerras sem se acreditarem numa contradição. É que se tratava de não se esquivar a nada. Há, desse modo, uma felicidade metafísica a sustentar a absurdidade do mundo. A conquista ou o jogo, o amor inumerável, a revolta absurda são homenagens que o homem presta à sua dignidade numa campanha em que ele está antecipadamente vencido. (...) O desprezo pelos deuses, o ódio à Morte e a paixão pela vida lhe valeram esse suplício indescritível em que todo o ser se ocupa em não completar nada."
2x4 - Fear and Trembling: Fargo, além de referenciar O Homem que Não Estava Lá (2001) dos Irmãos Coen, segue uma linha parecida com Watchmen (1986) de Alan Moore, ao parodiar os "Arquitetos do Medo", onde um grupo de cientistas, querendo finalizar a Guerra Fria, forjou um prelúdio de uma invasão extraterrestre. Considerando que isso acabaria com as divergências entre dois grupos - o que pode ser facilmente associado aos dois grupos que estão em grande combate na segunda temporada de Fargo - os cientistas acreditavam que tanto a URSS, quanto os Estados Unidos, se uniriam para combater esse mesmo inimigo. E, para finalizar, o nome do episódio é Fear and Trembling, que também é um ensaio publicado em 1843 de Søren Kierkegaard, filósofo dinamarquês, sendo umas da raízes para a explanação das teorias por Albert Camus. É surpreendente quando lá na frente, a série revela, mesmo que de forma mínima, que as naves espaciais - talvez o maior elemento ficcional usado na série - eram, na verdade, helicópteros. Assim como na primeira temporada os "peixes voadores" foram parte de um fenômeno envolvendo um furacão, algo só revelado mais na frente. Eu me pergunto qual seria a interpretação de Noah Hawley para aquele acontecimento inesperado do filme Magnólia (1999) de Paul Thomas Anderson.
2x5 - The Gift of the Magi: O Presente dos Magos (1905), conto de O. Henry, em resumo, conta a seguinte história: "Mr. James Dillingham e sua esposa, Della, são um casal que vivem em um apartamento modesto. Eles têm apenas duas posses das quais se orgulham: ela, um cabelo longo, quase na altura dos joelhos e ele, um relógio de ouro, que pertenceu ao seu pai e anteriormente ao seu avô. Na Véspera de Natal, com apenas $1.87 nos bolsos e desesperada para encontrar um presente para Jim, Della vende seu cabelo por $20 para uma cabeleireira chamada Madame Sofronie. Assim, ela compra uma corrente para o relógio de Jim por $21. Satisfeita com o presente perfeito para o marido, Della vai até a sua casa e começa a preparar costeletas de porco para o jantar. Às 7 horas, Della se senta na mesa perto a porta, esperando Jim chegar em casa. Excepcionalmente tarde, Jim entra e se depara imediatamente com o olhar de Della, que tinha orado para que ela estivesse bonita para o marido. Della admite a Jim que vendeu o seu cabelo para lhe comprar o seu presente. Jim dá a esposa seu presente - diversos acessórios de cabelos caros (referidos como "Os Pentes"), que são inúteis agora que seu cabelo está curto. Della, em seguida, mostra a Jim a corrente que comprou a ele, porém o marido diz que vendeu o relógio para conseguir comprar os acessórios. Embora, Jim e Della não possam usar seus presentes, eles percebem o quão longe estão dispostos a ir para mostrar o amor que sentem um pelo outro e como inestimável o amor deles é". É isso que consigo ver quando penso em Ed e Peggy, protagonistas da segunda temporada. Segundo um amigo chamado Paulo S. através do Banco de Séries, site que postei as análises individualmente : "Entre tantos momentos incômodos e situações críticas, vemos que eles buscam o melhor de si neles mesmos. Eles são pessoas de boa índole e caráter, e não há nada mais primoroso que ver o amor e a confiança que um nutre pelo o outro, nos mais pesares das situações. Parece clichê, mas não é".
Não se contendo aos aspectos da Literatura do Absurdo, Fargo traz também o Teatro do Absurdo com referência a uma peça chamada "Rhinoceros" (1960) de Ionesco e o poema surrealista "Jabberwocky" (1871) de Lewis Carroll em "2x6 - Rhinoceros". Ao pesquisar sobre a peça "Rinoceronte", encontrei esse texto que resume um pouco a obra: "De modo inesperado, sem mais nem menos, um rinoceronte surge na praça de uma cidade indefinida. Todos se surpreendem, mas a vida continua. Então aparecem outros rinocerontes. O burburinho ganha vulto. Seria uma ilusão? Teriam vindo da África ou da Ásia? Seriam unicórnios ou bicórnios? Uma senhora diz que está sendo seguida por um desses bichos enormes. Os bombeiros descobrem que, na verdade, o animal era o marido dela, metamorfoseado em rinoceronte. Não tarda e quase toda a cidade se vê vítima da "rinoceronite", a doença que transforma seres humanos em animais selvagens. Todos passam a apreciar a moda de ser rinoceronte. Estranho seria o aspecto humano".
2x7 - Did You Do This? No, You Did It! Aqui, aparentemente, temos a referência mais simples da segunda temporada. Uma anedota: Um oficial nazista ao ver a pintura "Guernica" perguntou a Picasso: - Você fez isso? E então Picasso respondeu: - Não, você fez isso!
2x8 - Loplop: Loplop é uma personagem semelhante a uma ave que aparece nas obras de Max Ernst. Tratava-se também de um alter ego que o autor desenvolveu. Isso explica bastante a cena em que a Peggy está conversando com um, também, possível alter ego. Nessa temporada, as referências aos filmes dos Irmãos Coen triplicaram, chegando até mesmo a ter planos iguais aos de Onde os Fracos Não Tem Vez (2007). Há uma cena nesse episódio que também se passa numa lojinha ao fundo de um posto e está tudo lá: a tensão, o fechamento dos ângulos, os sons diegéticos, as cordas simulando enforcamento e, dessa vez, com o incremento de armas alimentando a sensação de claustrofobia. Espetacular!
O Castelo (1926) de Franz Kafka é uma obra inacabada, lançada post-mortem e bastante estudada por Albert Camus para incrementar suas teorias quanto ao Absurdo. Essa obra dá nome ao nono episódio da segunda temporada "2x9 - The Castle", narrado pelo Lester Nygaard, protagonista da primeira temporada. O Castelo conta a história de K. que é chamado por um conde de um local não especificado para prestar seus serviços. Contudo, por mais que tente, não consegue entrar no castelo, ficando na vila de fora do castelo ao longo da narração e caindo na rotina. Albert Camus revela que K. não consegue encontrar respostas para suas interrogações humanas, perante um mundo em silêncio. Estaria ai, então, a sua crise existencial, pois através deste absurdo, não há a possibilidade de revoltar-se com o mundo, já que ao mesmo tempo que vai tomando conhecimento desta realidade, o personagem percebe que foi completamente absorvido pela rotina. Existe também uma versão que diz que o castelo seria o inconsciente de K. e a vila sua consciência. As interpretações são muitas, ao meu ver, esse seria o castelo que Hanzee tenta adentrar. É gerada uma grande inconformidade, algo que Hanzee Dent vem personificando desde o começo da segunda temporada, o que não é incomum nas obras que os Irmãos Coen se envolvem, pois também não há como esquecer do icônico Daniel Chigurh e sua personificação da violência, morte e destino.
É com "2x10 - Palindrome" que Fargo encerra seu ensaio sobre a comédia de erros, que é a vida. Mas às vezes, alguns acertos também. Fargo é um desses acertos. Um palíndromo é uma palavra, frase ou qualquer outra sequência de unidades que tenha a propriedade de poder ser lida tanto da direita para a esquerda como da esquerda para a direita. Fargo é esse ciclo de violência que se repete; É a pá vermelha sendo retirada da neve, seja no passado, presente ou futuro.
Olive Kitteridge foi, de longe, uma das coisas mais dolorosas que já assisti. Do jeito insustentável Virginia Woolf de (ser) humano. A definição de realidade - pura e crua - foi atualizada.
A obra trabalha perfeitamente o conceito de alteridade da Antropologia, que é basicamente se colocar no lugar do outro. Isso fica bem claro no quarto capítulo quando Olive diz para Jack: "Eu não tenho afinidade com figurões velhos que não se colocam no lugar dos outros". Além da cena da porta, claro. A porta. Recentemente, ao assistir "Que Horas Ela Volta?" de Anna Muylaert, me deparei com isso: "Como é que uma pessoa tira o gelo e bota a forminha vazia dentro do freezer? A pessoa tem que ser muito ruim". Acredite, eu poderia dizer a mesma coisa de uma pessoa que entra no quarto onde a porta está fechada e ao sair deixa aberta. Kitteridge não vai se levantar de novo, dane-se.
O filme em minissérie - prefiro chamar assim - está impecável tecnicamente, possui uma trilha sonora minimalista e sincera, uma fotografia muito bonita e uma montagem sensacional que é sustentada por um roteiro incrível baseado no livro homônimo de Elizabeth Strout e que foi vencedor do Pulitzer em 2008. A direção de Lisa Cholodenko também está impecável ao extrair o máximo de cada ator ao ponto de refletirem as diversas dimensões dos personagens em cada pensamento. A minissérie é como se fosse um filme de aproximadamente quatro horas de duração - dividido em quatro capítulos: Farmácia, Maré Crescente, Um Caminho Diferente e Segurança - e aborda a vida de Olive e das pessoas ao seu redor durante 25 anos.
Apesar de tratar fundamentalmente de temas como velhice e a aproximação da morte, depressão e suicídio, temas recorrentes em alto grau nas obras da célebre Virginia Woolf, também possui momentos cômicos que beiram o humor negro de Fargo - coincidentemente Olive é interpretada pela icônica Frances McDormand, vencedora do Oscar por Fargo - e ainda que esses se tornem cada vez mais raros ao passar dos capítulos, conseguem diminuir o efeito da dor e fazer valer o exercício de humanidade. Assim, é possível dizer que a frase do crítico Pablo Villaça não cabe apenas ao contexto de Sense8, mas também ao de Olive Kitteridge: "Uma das características mais importantes que temos, como humanos, é a capacidade de empatia. Sem esta, somos indivíduos isolados dentro de nossas próprias mentes e experiências. (...) Por baixo de todas estas roupagens há a alma de artistas que querem levar o público a compreender que não apenas dividimos este planeta, mas que somos os outros". Então, fica a dica de mais uma série construída por, com e sobre empatia.
A caixa com dinheiro que o Stavros Milos, interpretado por Oliver Platt, encontra no início do quarto episódio em um flashback que se passa em 1987(mesma data em que se passa o filme) é a mesma caixa que é enterrada no final do do filme pelo personagem Carl Showalter, interpretado pelo Steve Buscemi.
Sem precedentes na história! É impressionante ver como todo o conjunto de seriados consegue se renovar e Fargo é mais uma nova represetante. É incrível ver que todos os elementos do filme ainda estão lá: a construção dos personagens, o quanto eles são reais e tomam atitudes reais(que muitas vezes são as mais idiotas, levando principalmente ao brilhante humor negro). Toda a neve permanece lá, os crimes, a trilha sonora, as incríveis interpretações, e todo o contexto que muitas vezes é cômico, triste, assustador ou tudo misturado mesmo.
Acredito que Fargo representa mais um momento épico para a televisão.
Fargo (3ª Temporada)
4.1 209Estamos postando a legenda dos episódios na quinta feira à noite.
Participem do grupo no facebook: groups/fargo.fx.br/
ou pesquisem Fargo Fx - Brasil
As legendas possuem ALTÍSSIMA qualidade.
Abraços e bons episódios!
Fargo (2ª Temporada)
4.4 337Fargo: A Comedia de Erros do Ser Humano
Quando soube que Fargo, filme dos Irmãos Coen de 1996, seria adaptado para a televisão, fiquei ansioso - mas não demorou para que eu também ficasse preocupado devido ao grande número de séries baseadas em filmes e que parecem ficar limitadas à obra inicial. Porém, com Fargo foi diferente. Apesar de todos os elementos essenciais estarem lá, a série ultrapassou e se firmou com tamanha propriedade apoteótica. O nome genial por trás disso é Noah Hawley, criador da série de TV, mas esse texto não é sobre ele e nem sobre o filme, é sobre um aspecto que chamou minha atenção desde o início da série: os títulos dos episódios, com ênfase na segunda temporada. Se esse aspecto, que muitas vezes acrescenta uma enorme carga de profundidade, conquistou você em séries como Breaking Bad e Six Feet Under, Fargo é um prato cheio. Os nomes dos episódios variam entre ensinamentos budistas, ensaios filosóficos, títulos de obras, anedotas, parábolas, paradoxos e enigmas.
Na primeira temporada, isso ocorre de uma maneira mais branda, como uma forma de introduzir diálogos e sequências vistas ao longo da temporadas, mas sem pertencer majoritariamente a um eixo temático específico. Não pretendendo me estender aqui, vou apenas demonstrar com dois dos meus exemplos preferidos:
1x1 - The Crocodile's Dilemma: Lorne Malvo deixa Lester Nygaard numa posição insustentável
O Dilema do Crocodilo
"Um crocodilo rouba uma criança. Quando a mãe reclama, o crocodilo faz a seguinte proposta: “devolverei a sua criança se você adivinhar corretamente se eu a devolverei ou não”. A mãe responde: “Você não vai devolver a minha criança”. O que o crocodilo deve fazer? Se ele devolver então não pode devolver, pois a mãe errou. Mas, se o crocodilo não devolver então tem que devolver, pois a mãe adivinhou corretamente".
1x7 - A Fox, a Rabbit, and a Cabbage: O desencontro dos personagens
O Problema do Fazendeiro: Uma Raposa, um Coelho e um Repolho.
Era uma vez um fazendeiro que foi ao mercado e comprou uma raposa, um coelho e um repolho. No caminho para casa, o fazendeiro chegou à margem de um rio e arrendou um barco. Mas, na travessia do rio por barco, o agricultor poderia levar apenas a si mesmo e uma única compra. Se fossem deixados sozinhos em uma mesma margem, a raposa comeria o coelho, e o coelho comeria o repolho.
O desafio do fazendeiro é atravessar a si mesmo e as suas compras para a margem oposta do rio, deixando cada compra intacta. Como ele fará isso?
É na segunda temporada onde as coisas realmente esquentam e Noah Hawley se desgarra do que o prendia. Eleva Fargo ao nível cinematográfico mais extremo. Aqui, Hawley expõe suas influências do Absurdismo, filosofia onde "O Absurdo se refere ao conflito entre a tendência humana de buscar significado inerente à vida e a inabilidade humana para encontrá-lo. Também encontramos nuances de Existencialismo, Surrealismo e Niilismo. Albert Camus, Franz Kafka e Søren Kierkegaard andaram lado a lado com Fargo.
Assim como no filme, no início de cada episódio a série avisa: "Esta é uma história real", mas sabemos que isso é uma afirmação que, de fato, não é verdadeira. Apesar de conter elementos reais, a história é ficcional. Entretanto, parafraseado Beleza Americana (1999): look closer. Se olharmos mais de perto, é uma história real. Fargo é uma alegoria sobre a humanidade.
A segunda temporada começa com uma dupla referência:
2x1- Waiting for Dutch:
Dutch era um apelido para Ronald Reagan. Reagan disse também que seu pai lhe deu o apelido por causa do corte popular do "Dutch Boy".
Também é uma referência ao filme Raising Arizona (1987) dos Irmãos Coen. O personagem de Nicholas Cage, H.I. McDunnough, diz: "Melhor apressar, estou em Dutch com a esposa." Dutch é usado como gíria para problemas aqui.
O segundo episódio "2x2 - Before the Law" é uma referência direta a uma parábola contida no livro O Processo (1919) de Franz Kafka.
Mesmo não sendo o foco do texto, não posso deixar de comentar sobre a utilização da música The Eve of The War lançada em 1998 Jeff Wayne, que é uma releitura da obra Guerra dos Mundos (1898) de H. G. Wells. A narração inicial da música é incorporada ao próprio episódio, fantástico.
Albert Camus, em pleno cenário de guerra, pública seu ensaio sobre o absurdo em 1942, denominado "O Mito de Sísifo", que dá nome ao terceiro episódio "2x3 - The Myth of Sisyphus". A criação do absurdo e Sísifo:
"Todas essas vidas conservadas no ar rarefeito do absurdo não se saberiam sustentar sem algum pensamento profundo e constante que as anima com sua força. Mesmo esta só pode ser um singular sentimento de fidelidade. Viram-se homens conscientes desempenhar sua tarefa em meio às mais estúpidas guerras sem se acreditarem numa contradição. É que se tratava de não se esquivar a nada. Há, desse modo, uma felicidade metafísica a sustentar a absurdidade do mundo. A conquista ou o jogo, o amor inumerável, a revolta absurda são homenagens que o homem presta à sua dignidade numa campanha em que ele está antecipadamente vencido. (...) O desprezo pelos deuses, o ódio à Morte e a paixão pela vida lhe valeram esse suplício indescritível em que todo o ser se ocupa em não completar nada."
2x4 - Fear and Trembling:
Fargo, além de referenciar O Homem que Não Estava Lá (2001) dos Irmãos Coen, segue uma linha parecida com Watchmen (1986) de Alan Moore, ao parodiar os "Arquitetos do Medo", onde um grupo de cientistas, querendo finalizar a Guerra Fria, forjou um prelúdio de uma invasão extraterrestre. Considerando que isso acabaria com as divergências entre dois grupos - o que pode ser facilmente associado aos dois grupos que estão em grande combate na segunda temporada de Fargo - os cientistas acreditavam que tanto a URSS, quanto os Estados Unidos, se uniriam para combater esse mesmo inimigo. E, para finalizar, o nome do episódio é Fear and Trembling, que também é um ensaio publicado em 1843 de Søren Kierkegaard, filósofo dinamarquês, sendo umas da raízes para a explanação das teorias por Albert Camus.
É surpreendente quando lá na frente, a série revela, mesmo que de forma mínima, que as naves espaciais - talvez o maior elemento ficcional usado na série - eram, na verdade, helicópteros. Assim como na primeira temporada os "peixes voadores" foram parte de um fenômeno envolvendo um furacão, algo só revelado mais na frente. Eu me pergunto qual seria a interpretação de Noah Hawley para aquele acontecimento inesperado do filme Magnólia (1999) de Paul Thomas Anderson.
2x5 - The Gift of the Magi:
O Presente dos Magos (1905), conto de O. Henry, em resumo, conta a seguinte história:
"Mr. James Dillingham e sua esposa, Della, são um casal que vivem em um apartamento modesto. Eles têm apenas duas posses das quais se orgulham: ela, um cabelo longo, quase na altura dos joelhos e ele, um relógio de ouro, que pertenceu ao seu pai e anteriormente ao seu avô.
Na Véspera de Natal, com apenas $1.87 nos bolsos e desesperada para encontrar um presente para Jim, Della vende seu cabelo por $20 para uma cabeleireira chamada Madame Sofronie. Assim, ela compra uma corrente para o relógio de Jim por $21. Satisfeita com o presente perfeito para o marido, Della vai até a sua casa e começa a preparar costeletas de porco para o jantar.
Às 7 horas, Della se senta na mesa perto a porta, esperando Jim chegar em casa. Excepcionalmente tarde, Jim entra e se depara imediatamente com o olhar de Della, que tinha orado para que ela estivesse bonita para o marido. Della admite a Jim que vendeu o seu cabelo para lhe comprar o seu presente. Jim dá a esposa seu presente - diversos acessórios de cabelos caros (referidos como "Os Pentes"), que são inúteis agora que seu cabelo está curto. Della, em seguida, mostra a Jim a corrente que comprou a ele, porém o marido diz que vendeu o relógio para conseguir comprar os acessórios. Embora, Jim e Della não possam usar seus presentes, eles percebem o quão longe estão dispostos a ir para mostrar o amor que sentem um pelo outro e como inestimável o amor deles é".
É isso que consigo ver quando penso em Ed e Peggy, protagonistas da segunda temporada. Segundo um amigo chamado Paulo S. através do Banco de Séries, site que postei as análises individualmente : "Entre tantos momentos incômodos e situações críticas, vemos que eles buscam o melhor de si neles mesmos. Eles são pessoas de boa índole e caráter, e não há nada mais primoroso que ver o amor e a confiança que um nutre pelo o outro, nos mais pesares das situações. Parece clichê, mas não é".
Não se contendo aos aspectos da Literatura do Absurdo, Fargo traz também o Teatro do Absurdo com referência a uma peça chamada "Rhinoceros" (1960) de Ionesco e o poema surrealista "Jabberwocky" (1871) de Lewis Carroll em "2x6 - Rhinoceros".
Ao pesquisar sobre a peça "Rinoceronte", encontrei esse texto que resume um pouco a obra:
"De modo inesperado, sem mais nem menos, um rinoceronte surge na praça de uma cidade indefinida. Todos se surpreendem, mas a vida continua. Então aparecem outros rinocerontes. O burburinho ganha vulto. Seria uma ilusão? Teriam vindo da África ou da Ásia? Seriam unicórnios ou bicórnios? Uma senhora diz que está sendo seguida por um desses bichos enormes. Os bombeiros descobrem que, na verdade, o animal era o marido dela, metamorfoseado em rinoceronte. Não tarda e quase toda a cidade se vê vítima da "rinoceronite", a doença que transforma seres humanos em animais selvagens. Todos passam a apreciar a moda de ser rinoceronte. Estranho seria o aspecto humano".
2x7 - Did You Do This? No, You Did It!
Aqui, aparentemente, temos a referência mais simples da segunda temporada. Uma anedota:
Um oficial nazista ao ver a pintura "Guernica" perguntou a Picasso:
- Você fez isso?
E então Picasso respondeu:
- Não, você fez isso!
2x8 - Loplop:
Loplop é uma personagem semelhante a uma ave que aparece nas obras de Max Ernst. Tratava-se também de um alter ego que o autor desenvolveu. Isso explica bastante a cena em que a Peggy está conversando com um, também, possível alter ego.
Nessa temporada, as referências aos filmes dos Irmãos Coen triplicaram, chegando até mesmo a ter planos iguais aos de Onde os Fracos Não Tem Vez (2007). Há uma cena nesse episódio que também se passa numa lojinha ao fundo de um posto e está tudo lá: a tensão, o fechamento dos ângulos, os sons diegéticos, as cordas simulando enforcamento e, dessa vez, com o incremento de armas alimentando a sensação de claustrofobia. Espetacular!
O Castelo (1926) de Franz Kafka é uma obra inacabada, lançada post-mortem e bastante estudada por Albert Camus para incrementar suas teorias quanto ao Absurdo. Essa obra dá nome ao nono episódio da segunda temporada "2x9 - The Castle", narrado pelo Lester Nygaard, protagonista da primeira temporada.
O Castelo conta a história de K. que é chamado por um conde de um local não especificado para prestar seus serviços. Contudo, por mais que tente, não consegue entrar no castelo, ficando na vila de fora do castelo ao longo da narração e caindo na rotina. Albert Camus revela que K. não consegue encontrar respostas para suas interrogações humanas, perante um mundo em silêncio. Estaria ai, então, a sua crise existencial, pois através deste absurdo, não há a possibilidade de revoltar-se com o mundo, já que ao mesmo tempo que vai tomando conhecimento desta realidade, o personagem percebe que foi completamente absorvido pela rotina. Existe também uma versão que diz que o castelo seria o inconsciente de K. e a vila sua consciência.
As interpretações são muitas, ao meu ver, esse seria o castelo que Hanzee tenta adentrar. É gerada uma grande inconformidade, algo que Hanzee Dent vem personificando desde o começo da segunda temporada, o que não é incomum nas obras que os Irmãos Coen se envolvem, pois também não há como esquecer do icônico Daniel Chigurh e sua personificação da violência, morte e destino.
É com "2x10 - Palindrome" que Fargo encerra seu ensaio sobre a comédia de erros, que é a vida. Mas às vezes, alguns acertos também. Fargo é um desses acertos.
Um palíndromo é uma palavra, frase ou qualquer outra sequência de unidades que tenha a propriedade de poder ser lida tanto da direita para a esquerda como da esquerda para a direita. Fargo é esse ciclo de violência que se repete; É a pá vermelha sendo retirada da neve, seja no passado, presente ou futuro.
Olive Kitteridge
4.5 103 Assista AgoraOlive Kitteridge foi, de longe, uma das coisas mais dolorosas que já assisti. Do jeito insustentável Virginia Woolf de (ser) humano. A definição de realidade - pura e crua - foi atualizada.
A obra trabalha perfeitamente o conceito de alteridade da Antropologia, que é basicamente se colocar no lugar do outro. Isso fica bem claro no quarto capítulo quando Olive diz para Jack: "Eu não tenho afinidade com figurões velhos que não se colocam no lugar dos outros". Além da cena da porta, claro. A porta. Recentemente, ao assistir "Que Horas Ela Volta?" de Anna Muylaert, me deparei com isso: "Como é que uma pessoa tira o gelo e bota a forminha vazia dentro do freezer? A pessoa tem que ser muito ruim". Acredite, eu poderia dizer a mesma coisa de uma pessoa que entra no quarto onde a porta está fechada e ao sair deixa aberta. Kitteridge não vai se levantar de novo, dane-se.
O filme em minissérie - prefiro chamar assim - está impecável tecnicamente, possui uma trilha sonora minimalista e sincera, uma fotografia muito bonita e uma montagem sensacional que é sustentada por um roteiro incrível baseado no livro homônimo de Elizabeth Strout e que foi vencedor do Pulitzer em 2008. A direção de Lisa Cholodenko também está impecável ao extrair o máximo de cada ator ao ponto de refletirem as diversas dimensões dos personagens em cada pensamento. A minissérie é como se fosse um filme de aproximadamente quatro horas de duração - dividido em quatro capítulos: Farmácia, Maré Crescente, Um Caminho Diferente e Segurança - e aborda a vida de Olive e das pessoas ao seu redor durante 25 anos.
Apesar de tratar fundamentalmente de temas como velhice e a aproximação da morte, depressão e suicídio, temas recorrentes em alto grau nas obras da célebre Virginia Woolf, também possui momentos cômicos que beiram o humor negro de Fargo - coincidentemente Olive é interpretada pela icônica Frances McDormand, vencedora do Oscar por Fargo - e ainda que esses se tornem cada vez mais raros ao passar dos capítulos, conseguem diminuir o efeito da dor e fazer valer o exercício de humanidade. Assim, é possível dizer que a frase do crítico Pablo Villaça não cabe apenas ao contexto de Sense8, mas também ao de Olive Kitteridge: "Uma das características mais importantes que temos, como humanos, é a capacidade de empatia. Sem esta, somos indivíduos isolados dentro de nossas próprias mentes e experiências. (...) Por baixo de todas estas roupagens há a alma de artistas que querem levar o público a compreender que não apenas dividimos este planeta, mas que somos os outros". Então, fica a dica de mais uma série construída por, com e sobre empatia.
Game of Thrones (5ª Temporada)
4.4 1,4KVence a Guerra dos Tronos quem tiver mais casamentos acumulados no final.
Black Mirror: White Christmas
4.5 452Assistindo esse episódio numa frequência de mil anos por minuto.
Fargo (1ª Temporada)
4.5 511Assisti ao quarto episódio e notei uma relação direta com o filme que talvez muitas pessoas não tenham percebido ou lembrado:
A caixa com dinheiro que o Stavros Milos, interpretado por Oliver Platt, encontra no início do quarto episódio em um flashback que se passa em 1987(mesma data em que se passa o filme) é a mesma caixa que é enterrada no final do do filme pelo personagem Carl Showalter, interpretado pelo Steve Buscemi.
Fargo (1ª Temporada)
4.5 511Sem precedentes na história! É impressionante ver como todo o conjunto de seriados consegue se renovar e Fargo é mais uma nova represetante. É incrível ver que todos os elementos do filme ainda estão lá: a construção dos personagens, o quanto eles são reais e tomam atitudes reais(que muitas vezes são as mais idiotas, levando principalmente ao brilhante humor negro). Toda a neve permanece lá, os crimes, a trilha sonora, as incríveis interpretações, e todo o contexto que muitas vezes é cômico, triste, assustador ou tudo misturado mesmo.
Acredito que Fargo representa mais um momento épico para a televisão.
Breaking Bad (5ª Temporada)
4.8 3,0K Assista AgoraBreaking Bad, em dito popular do sul dos Estados Unidos, nada é tão ruim ao ponto de não poder ficar pior.
Mas, nesse caso, Breaking Good.
Hora de Aventura (1ª Temporada)
4.5 195 Assista AgoraPapaaaai, cadê minhas batatinhas?
Eu que comprei, elas eram minhas.
Maaas você comeeeu elas todinhas,
eu choreeeei, mas você não percebeu.
Papaaaai, você me ama mesmo?
Eu queria tantooo saber o quanto...
Que pai é esse que come as batatas da filha?
Disfarça e o olhar desvia. Minhas lágrimas corriam,
se voce visse, se importariaaa
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