Assassinos da Lua das Flores me deixou arrebatado ao ponto de eu não conseguir escrever sobre o filme por dias. Há tanta coisa profunda, madura, importante e rica na narrativa desse filme que é difícil abordá-lo em um comentário breve.
Vou me limitar, então, a dizer o seguinte: que bom que um cineasta como o Scorsese, que já fez tanta coisa e cuja contribuição para o cinema é tão vasta (e não só na produção de seus filmes), ainda tenha vigor e paixão para entregar uma de suas melhores obras com mais de 80 anos.
Assassinos da Lua das Flores é igualmente devastador na tragédia que retrata e belo por seu respeito pelo povo Osage e técnica irretocável.
O Deserto Vermelho é como uma conjugação final dos elementos mais essenciais que formaram os filmes da Trilogia da Incomunicabilidade, mas trabalhados nas mãos de um Antonioni mais ousado em forma, discurso e estilo e preocupado em elevar a outro patamar as sensações de clausura e aflição que seus personagens principais têm de lidar. O resultado é um dos filmes mais comoventes e claustrofóbicos que eu já vi.
Blow-Up é um filme brilhante. Um questionamento sociopolítico sobre a contracultura britânica (ou europeia como um todo) dos anos 1960 que toca no ponto em que Antonioni é mestre: a frivolidade das relações e a alienação moderna. Só que o diretor não deixa isso claro em momento algum ao mascarar sua crítica em uma falsa trama de assassinato. E, ao fim, entrega um absoluto vazio que serve tanto de reforço às ideias da obra, canalizadas pelo personagem principal, quanto de chacota à própria plateia, naturalmente interessada apenas pela superfície da trama.
Uma animação de muita criatividade visual e bom timing cômico. O estilo da animação é diferente de qualquer coisa que já vi. É quase uma antítese do que é, por exemplo, os filmes animados do Homem-Aranha/Miles Morales. Frango para Linda! encontra na simplicidade de seus traços e em suas cores chapadas uma forma de expressão que casa perfeitamente com a sua narrativa singela. Uma pena que o enredo seja excessivamente simples, na minha memória só vai ficar a técnica da animação.
Anarquia pura. Radu Jude satiriza a vida na era do capitalismo tardio e escancara os demônios de uma sociedade em um país de terceiro mundo. Só que o faz de forma muito próxima. O tom aqui não é de denúncia, mas de uma espécie de paródia sobre a vida real. Nós, como espectadores, rimos e nos sensibilizamos com as situações e personagens, mas, se pensarmos bem, todo o excesso e escatologia presentes no filme são parte do cotidiano atual, digitalmente ou em carne e osso.
Ainda que seja parte importante do exercício de linguagem do filme, as várias cenas pouco relacionadas à trama principal são pouco interessantes e enfraquecem o todo. O que são aqueles intermináveis minutos de cruzes à beira da estrada, por exemplo?
Para quem assistiu o maravilhoso Drive My Car, Evil Does Not Exist é bastante familiar. Os momentos mais mundanos e aparentemente desimportantes do filme anterior de Hamaguchi é o que compõe sua nova obra (com exceção do surpreendente final). Um conto lento e contemplativo sobre o equilíbrio da natureza e as consequências da ação humana.
Gosto especialmente de como o filme contrasta o cinismo das corporações e o estilo de vida singelo dos locais do vilarejo. Além disso, os momentos de diálogos mais extensos são excelentes e o estilo de filmagem de Hamaguchi se confirma entre os mais habilidosos e belos do cinema atual.
É um documentário que encontra sua alma na boa seleção de momentos casuais dos pacientes do barco Adamant. A maneira natural e talentosa com que se expressam provoca no espectador um questionamento existencial e nos convida à outra percepção sobre pessoas com transtornos mentais. E é mérito do filme e de seus realizadores saber como captar esses momentos.
O problema, para mim, é a natureza excessivamente passiva da obra. Me incomoda quanto cineastas fazem filmes ocos de significado ou com postura omissa. Os intertítulos finais são uma tentativa tosca de tomar partido mas que mais soam como um didatismo forçado que subestima a inteligência do público.
Seguindo a veia cômica dos irmãos Coen, é uma deliciosa mistura de comédia e filme de estrada que tira sarro de elementos importantes da formação dos EUA durante o período da Grande Depressão, pré-Segunda Guerra. É quase uma paródia na forma em que se apresenta.
Perde fôlego lá pelas tantas e os personagens, bem - e acertadamente - caricatos, deixam de ter tanta graça em algum momento. De qualquer forma, é um filme muito divertido enquanto dura. Não está entre os melhores dos Coen, mas é bão.
Fargo encontra nas entranhas do pequeno americano, das cidadezinhas no Meio-Oeste caracterizadas pelo bom trabalhador da classe média, o cenário perfeito para a sua tragicomédia que zomba do que tem de mais tosco e, porque não, essencial na cultura dos EUA.
A ganância que leva a decisões infelizes é a força motriz de uma narrativa que, tão bem como poucas, utiliza a estrutura de bola de neve em que a cada cena o castelo de areia dos personagens se desmorona mais e mais. As atuações são afiadíssimas e contribuem para a mistura de tensão e humor presente no texto e na direção dos Coen. Um dos filmes americanos definitivos de seu tempo.
Um conto sobre o ciclo vicioso da violência. Mr. Vingança é um poço que vai se provando cada vez mais profundo e escuro à medida que a gente vai entrando nele. O que parece, à primeira vista, uma história com um senso de humor ácido vai aos poucos deixando o espectador mais e mais desconfortável e a sensação final é de ter visto um terror psicológico daqueles bem casca grossa.
O que me fez gostar menos do filme - e em certa medida não levá-lo tão à sério - é o seu roteiro. O elemento que provoca a ação é bem pouco explorado e algumas decisões dos personagens parecem estúpidas demais pra ser verdade.
O filme que contém a mensagem antiguerra mais eficiente que eu conheço. Com exceção do personagem do Leonard, Kubrick opta por "despersonificar" a narrativa, de forma que o próprio horror da guerra - seja no campo de treinamento, nas cidades devastadas ou na zona de combate - fique no centro da história, escancarado ao espectador. Cada tiro acertado é propositalmente destacado e a desumanização dos envolvidos no conflito, direta ou indiretamente, é outro ponto martelado de diversas formas pelo roteiro.
Full Metal Jacket só escorrega quando Kubrick tenta fazer algo que não era muito a sua praia: criar cenas que soem "cool", irreverentes. Os primeiros 20 minutos dos personagens no Vietnã são cheios de pequenos momentos esquisitos, de certo desencontro entre roteiro e direção.
Um grande marco da linguagem cinematográfica. Rosselini mostrou ao mundo que é possível filmar usando locações reais e contar histórias de pessoas do cotidiano, de forma natural, nada afetada.
As conquistas e avanços trazidos por 'Roma, Cidade Aberta' escondem alguns de seus vícios, como à ode no mínimo ingênua ao catolicismo que percorre todo o filme. Mas esses defeitos são pequenos se comparados à importância histórica da obra.
Meu deus, de onde Ettore Scola tirava tanta sensibilidade pra tratar seus personagens? Una Giornata Particolare é daqueles filmes que nos deixa sem palavras. Um carrego de emoções que vira lágrimas e reverência ao final.
O grande elemento do filme é como ele trabalha a solidão e alienação dos dois personagens centrais com o contexto sociopolítico de seu tempo. A música militar e os brados fascistas ao rádio enquanto Loren e Mastroianni buscam conforto e liberdade na presença um do outro, sonhando com uma vida longe das suas prisões pessoais.
No cerne, é um filme muito melancólico sobre a passagem do tempo e suas consequências, encapsulado em um contexto sociopolítico de ampla decepção com os rumos da Itália pós-Mussolini. A esperança com a queda do regime fascista se transforma aos poucos na fria realidade das lideranças retrógradas e famílias pobres desamparadas.
Mas há de se levar as coisas com bom humor, e é isso que 'C´Eravamo Tanto Amati' faz. Duas das horas mais cativantes que já vi. Nisso também ajuda a belíssima homenagem ao cinema italiano, de acalentar o coração de qualquer um que leva essa arte à sério.
Asteroid City é dolorosamente distante do espectador. Um filme que não faz questão de se justificar ao público de alguma forma. E (não) faz isso de forma desinteressada, e não anárquica, o que poderia gerar algo interessante.
No fim, ensaia um comentário sobre a criação e o significado de obras ficcionais. Tinha potencial, mas é algo breve demais.
Desses filmes americanos sobre casos reais que misturam crime com investigação jornalística policialesca, Zodíaco é talvez o melhor desde Todos os Homens do Presidente. O rigor com que o Fincher filma sempre me impressiona, e aqui e n'A Rede Social está o ápice dessa estética.
Única ressalva é pro roteiro meio esquemático demais em certos momentos, que repete alguns clichês desnecessariamente.
Alternei entre sensações distintas enquanto assistia a The Red Shoes: ora estasiado pela beleza de suas cores, do seu jogo de cena e da mistura de ilusão com realidade nos números musicais; ora um tanto entediado pelo enredo feijão com arroz e de começo morno.
Mas aos poucos fui entrando na onda do filme - com ajuda da estonteante sequência do balé que dá título ao filme - e fui vendo qualidade mesmo nos aspectos menos cativantes da obra pra mim.
Bogdanovich revive a comédia screwball e faz um dos filmes mais malucos, engraçados e divertidos desse subgênero. O texto é muito afiado, tem um timing cômico incrível e sacadas de fazer rir alto. Além disso, é muito ágil ao confundir o espectador sem tornar a experiência muito desconectada. E que presença da Barbra Streisand.
Seria excelente não fosse a insistência da Disney Pictures em limitar suas animações a 90 minutos. Incrível como subestimavam o público infantil. Mais uma vez tornou o desenvolvimento apressado e o clímax sem impacto.
Fora esse problema do ritmo, Rei Leão é o melhor filme da era de ouro do estúdio que vai do fim do anos 1980 até meados dos anos 1990. O conjunto musical é o melhor de todos e os personagens, os menos caricatos. É uma história que tem bastante substância, com um subtexto ambiental interessante. Quando precisa de leveza, tem na dupla Timão e Pumba um dos melhores alívios cômicos do cinema.
É um modelo para muitos filmes noir que surgiram depois, mas mais que isso, é verdadeiramente um dos grandes filmes do gênero. Ainda que estilisticamente esteja distante de algo como Fuga do Passado ou O Terceiro Homem, os deliciosos diálogos e a boa condução da narrativa elevam Pacto de Sangue ao patamar dentre os melhores exemplares de seu gênero nos anos 1940.
É tecnicamente encantador, das animações mais bonitas que eu já vi. É um daquelas filmes da Disney que têm uma magia em certas cenas que ficam marcadas a ferro na nossa memória. Geralmente, elas estão nos números musicais e envolvem a relação dos dois personagens-título.
Narrativamente, no entanto, A Bela e a Fera é bem problemático. Se perde constantemente entre os diferentes rumos da história e é ainda mais apressado que a maioria dos filmes da produtora. Teria sido melhor cortar toda a gordura (Gaston e cia., principalmente) em prol de um enredo mais direto e singelo.
É um filmaço, talvez o melhor do Nolan - em termos de rigor estético, é certamente o mais apurado. Apesar de um início mais feijão com arroz - e que me deu uma sensação ruim de estar assistindo uma cinebiografia esquecível - Oppenheimer vai construindo uma expectativa que se transforma em tensão (ou terror) e engole o espectador com sua viagem cósmica e de escopo quase infinito.
Mas se por um lado há o interesse nos feitos científicos do personagem-título, há também uma profunda exploração de sua psique. A maneira ultra intimista como Nolan e cia. filma Cilian Murphy é a chave pra entender o grande paradoxo da trama. É surpreendentemente complexo para um filme do cineasta.
Por fim, nem percebi isso acontecendo de tão sutil, de repente Oppenheimer vira uma trama política que não se esconde em criticar o cinismo, avareza e desprezo pela vida alheia que as figuras em Washington nutriam à época. Tudo isso, claro, sem esquecer os conflitos internos do protagonista.
Tenet é a amálgama de tudo que eu menos gosto nos filmes do Nolan: um blá blá blá incessante sobre um conceito excessivamente complexo; relações mal construídas entre os personagens; diálogos risíveis; exposição como muleta pra justificar a trama; e a trilha-sonora à lá Hans Zimmer (embora seja Ludwig Göransson que assina a música desse).
E esse filme é ainda pior do que Interestelar ou Dunkirk pelo simples fato de ser uma bagunça. Por mais que os dois filmes anteriores do Nolan tenham vários problemas, você termina eles com uma boa ideia do que a história quis contar. Claro que outras pessoas possam ter visto algum sentido em Tenet, seja ele simbólico ou literal, mas pra mim o filme todo foi um grande ponto de interrogação.
O que salva Tenet da completa mediocridade é sua cinematografia fabulosa. As cenas em que o mundo está invertido me lembram os melhores momentos de A Origem. Muito engenhoso, porém crível.
Praticamente impecável. Claro que o material fonte ajuda muito, mas parei despretensioso pra ver o início e acabei indo até o final. O ritmo super bem conduzido e a escolha de sonoras e arquivos hipnotiza qualquer um com o mínimo de interesse em Racionais, rap ou simplesmente música e sociedade.
Minha única ressalva fica com a estrutura do doc, que às vezes senti ser muito demarcada pelos discos e temas diferentes. Faltou um pouco de sutileza pra transitar entre eles mais naturalmente.
Assassinos da Lua das Flores
4.1 608 Assista AgoraAssassinos da Lua das Flores me deixou arrebatado ao ponto de eu não conseguir escrever sobre o filme por dias. Há tanta coisa profunda, madura, importante e rica na narrativa desse filme que é difícil abordá-lo em um comentário breve.
Vou me limitar, então, a dizer o seguinte: que bom que um cineasta como o Scorsese, que já fez tanta coisa e cuja contribuição para o cinema é tão vasta (e não só na produção de seus filmes), ainda tenha vigor e paixão para entregar uma de suas melhores obras com mais de 80 anos.
Assassinos da Lua das Flores é igualmente devastador na tragédia que retrata e belo por seu respeito pelo povo Osage e técnica irretocável.
O Deserto Vermelho
4.0 95O Deserto Vermelho é como uma conjugação final dos elementos mais essenciais que formaram os filmes da Trilogia da Incomunicabilidade, mas trabalhados nas mãos de um Antonioni mais ousado em forma, discurso e estilo e preocupado em elevar a outro patamar as sensações de clausura e aflição que seus personagens principais têm de lidar. O resultado é um dos filmes mais comoventes e claustrofóbicos que eu já vi.
Blow-Up: Depois Daquele Beijo
3.9 370 Assista AgoraBlow-Up é um filme brilhante. Um questionamento sociopolítico sobre a contracultura britânica (ou europeia como um todo) dos anos 1960 que toca no ponto em que Antonioni é mestre: a frivolidade das relações e a alienação moderna. Só que o diretor não deixa isso claro em momento algum ao mascarar sua crítica em uma falsa trama de assassinato. E, ao fim, entrega um absoluto vazio que serve tanto de reforço às ideias da obra, canalizadas pelo personagem principal, quanto de chacota à própria plateia, naturalmente interessada apenas pela superfície da trama.
Frango para Linda!
3.6 1Uma animação de muita criatividade visual e bom timing cômico. O estilo da animação é diferente de qualquer coisa que já vi. É quase uma antítese do que é, por exemplo, os filmes animados do Homem-Aranha/Miles Morales. Frango para Linda! encontra na simplicidade de seus traços e em suas cores chapadas uma forma de expressão que casa perfeitamente com a sua narrativa singela. Uma pena que o enredo seja excessivamente simples, na minha memória só vai ficar a técnica da animação.
3,5/5
Não Espere Muito do Fim do Mundo
3.7 13 Assista AgoraAnarquia pura. Radu Jude satiriza a vida na era do capitalismo tardio e escancara os demônios de uma sociedade em um país de terceiro mundo. Só que o faz de forma muito próxima. O tom aqui não é de denúncia, mas de uma espécie de paródia sobre a vida real. Nós, como espectadores, rimos e nos sensibilizamos com as situações e personagens, mas, se pensarmos bem, todo o excesso e escatologia presentes no filme são parte do cotidiano atual, digitalmente ou em carne e osso.
Ainda que seja parte importante do exercício de linguagem do filme, as várias cenas pouco relacionadas à trama principal são pouco interessantes e enfraquecem o todo. O que são aqueles intermináveis minutos de cruzes à beira da estrada, por exemplo?
O Mal Não Existe
3.7 11Para quem assistiu o maravilhoso Drive My Car, Evil Does Not Exist é bastante familiar. Os momentos mais mundanos e aparentemente desimportantes do filme anterior de Hamaguchi é o que compõe sua nova obra (com exceção do surpreendente final). Um conto lento e contemplativo sobre o equilíbrio da natureza e as consequências da ação humana.
Gosto especialmente de como o filme contrasta o cinismo das corporações e o estilo de vida singelo dos locais do vilarejo. Além disso, os momentos de diálogos mais extensos são excelentes e o estilo de filmagem de Hamaguchi se confirma entre os mais habilidosos e belos do cinema atual.
4/5
No Adamant
3.1 3É um documentário que encontra sua alma na boa seleção de momentos casuais dos pacientes do barco Adamant. A maneira natural e talentosa com que se expressam provoca no espectador um questionamento existencial e nos convida à outra percepção sobre pessoas com transtornos mentais. E é mérito do filme e de seus realizadores saber como captar esses momentos.
O problema, para mim, é a natureza excessivamente passiva da obra. Me incomoda quanto cineastas fazem filmes ocos de significado ou com postura omissa. Os intertítulos finais são uma tentativa tosca de tomar partido mas que mais soam como um didatismo forçado que subestima a inteligência do público.
3,5/5
E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?
3.9 371 Assista AgoraSeguindo a veia cômica dos irmãos Coen, é uma deliciosa mistura de comédia e filme de estrada que tira sarro de elementos importantes da formação dos EUA durante o período da Grande Depressão, pré-Segunda Guerra. É quase uma paródia na forma em que se apresenta.
Perde fôlego lá pelas tantas e os personagens, bem - e acertadamente - caricatos, deixam de ter tanta graça em algum momento. De qualquer forma, é um filme muito divertido enquanto dura. Não está entre os melhores dos Coen, mas é bão.
Fargo: Uma Comédia de Erros
3.9 920 Assista AgoraFargo encontra nas entranhas do pequeno americano, das cidadezinhas no Meio-Oeste caracterizadas pelo bom trabalhador da classe média, o cenário perfeito para a sua tragicomédia que zomba do que tem de mais tosco e, porque não, essencial na cultura dos EUA.
A ganância que leva a decisões infelizes é a força motriz de uma narrativa que, tão bem como poucas, utiliza a estrutura de bola de neve em que a cada cena o castelo de areia dos personagens se desmorona mais e mais. As atuações são afiadíssimas e contribuem para a mistura de tensão e humor presente no texto e na direção dos Coen. Um dos filmes americanos definitivos de seu tempo.
Mr. Vingança
4.0 408Um conto sobre o ciclo vicioso da violência. Mr. Vingança é um poço que vai se provando cada vez mais profundo e escuro à medida que a gente vai entrando nele. O que parece, à primeira vista, uma história com um senso de humor ácido vai aos poucos deixando o espectador mais e mais desconfortável e a sensação final é de ter visto um terror psicológico daqueles bem casca grossa.
O que me fez gostar menos do filme - e em certa medida não levá-lo tão à sério - é o seu roteiro. O elemento que provoca a ação é bem pouco explorado e algumas decisões dos personagens parecem estúpidas demais pra ser verdade.
Nascido Para Matar
4.3 1,1K Assista AgoraO filme que contém a mensagem antiguerra mais eficiente que eu conheço. Com exceção do personagem do Leonard, Kubrick opta por "despersonificar" a narrativa, de forma que o próprio horror da guerra - seja no campo de treinamento, nas cidades devastadas ou na zona de combate - fique no centro da história, escancarado ao espectador. Cada tiro acertado é propositalmente destacado e a desumanização dos envolvidos no conflito, direta ou indiretamente, é outro ponto martelado de diversas formas pelo roteiro.
Full Metal Jacket só escorrega quando Kubrick tenta fazer algo que não era muito a sua praia: criar cenas que soem "cool", irreverentes. Os primeiros 20 minutos dos personagens no Vietnã são cheios de pequenos momentos esquisitos, de certo desencontro entre roteiro e direção.
Roma, Cidade Aberta
4.3 119 Assista AgoraUm grande marco da linguagem cinematográfica. Rosselini mostrou ao mundo que é possível filmar usando locações reais e contar histórias de pessoas do cotidiano, de forma natural, nada afetada.
As conquistas e avanços trazidos por 'Roma, Cidade Aberta' escondem alguns de seus vícios, como à ode no mínimo ingênua ao catolicismo que percorre todo o filme. Mas esses defeitos são pequenos se comparados à importância histórica da obra.
Um Dia Muito Especial
4.4 91Meu deus, de onde Ettore Scola tirava tanta sensibilidade pra tratar seus personagens? Una Giornata Particolare é daqueles filmes que nos deixa sem palavras. Um carrego de emoções que vira lágrimas e reverência ao final.
O grande elemento do filme é como ele trabalha a solidão e alienação dos dois personagens centrais com o contexto sociopolítico de seu tempo. A música militar e os brados fascistas ao rádio enquanto Loren e Mastroianni buscam conforto e liberdade na presença um do outro, sonhando com uma vida longe das suas prisões pessoais.
Nós que nos Amávamos Tanto
4.4 79No cerne, é um filme muito melancólico sobre a passagem do tempo e suas consequências, encapsulado em um contexto sociopolítico de ampla decepção com os rumos da Itália pós-Mussolini. A esperança com a queda do regime fascista se transforma aos poucos na fria realidade das lideranças retrógradas e famílias pobres desamparadas.
Mas há de se levar as coisas com bom humor, e é isso que 'C´Eravamo Tanto Amati' faz. Duas das horas mais cativantes que já vi. Nisso também ajuda a belíssima homenagem ao cinema italiano, de acalentar o coração de qualquer um que leva essa arte à sério.
Asteroid City
3.1 191 Assista AgoraAsteroid City é dolorosamente distante do espectador. Um filme que não faz questão de se justificar ao público de alguma forma. E (não) faz isso de forma desinteressada, e não anárquica, o que poderia gerar algo interessante.
No fim, ensaia um comentário sobre a criação e o significado de obras ficcionais. Tinha potencial, mas é algo breve demais.
Zodíaco
3.7 1,3K Assista AgoraDesses filmes americanos sobre casos reais que misturam crime com investigação jornalística policialesca, Zodíaco é talvez o melhor desde Todos os Homens do Presidente. O rigor com que o Fincher filma sempre me impressiona, e aqui e n'A Rede Social está o ápice dessa estética.
Única ressalva é pro roteiro meio esquemático demais em certos momentos, que repete alguns clichês desnecessariamente.
Os Sapatinhos Vermelhos
4.3 171 Assista AgoraAlternei entre sensações distintas enquanto assistia a The Red Shoes: ora estasiado pela beleza de suas cores, do seu jogo de cena e da mistura de ilusão com realidade nos números musicais; ora um tanto entediado pelo enredo feijão com arroz e de começo morno.
Mas aos poucos fui entrando na onda do filme - com ajuda da estonteante sequência do balé que dá título ao filme - e fui vendo qualidade mesmo nos aspectos menos cativantes da obra pra mim.
Essa Pequena é uma Parada
4.0 66 Assista AgoraBogdanovich revive a comédia screwball e faz um dos filmes mais malucos, engraçados e divertidos desse subgênero. O texto é muito afiado, tem um timing cômico incrível e sacadas de fazer rir alto. Além disso, é muito ágil ao confundir o espectador sem tornar a experiência muito desconectada. E que presença da Barbra Streisand.
O Rei Leão
4.5 2,7K Assista AgoraSeria excelente não fosse a insistência da Disney Pictures em limitar suas animações a 90 minutos. Incrível como subestimavam o público infantil. Mais uma vez tornou o desenvolvimento apressado e o clímax sem impacto.
Fora esse problema do ritmo, Rei Leão é o melhor filme da era de ouro do estúdio que vai do fim do anos 1980 até meados dos anos 1990. O conjunto musical é o melhor de todos e os personagens, os menos caricatos. É uma história que tem bastante substância, com um subtexto ambiental interessante. Quando precisa de leveza, tem na dupla Timão e Pumba um dos melhores alívios cômicos do cinema.
Pacto de Sangue
4.3 247 Assista AgoraÉ um modelo para muitos filmes noir que surgiram depois, mas mais que isso, é verdadeiramente um dos grandes filmes do gênero. Ainda que estilisticamente esteja distante de algo como Fuga do Passado ou O Terceiro Homem, os deliciosos diálogos e a boa condução da narrativa elevam Pacto de Sangue ao patamar dentre os melhores exemplares de seu gênero nos anos 1940.
A Bela e a Fera
4.1 1,1K Assista AgoraÉ tecnicamente encantador, das animações mais bonitas que eu já vi. É um daquelas filmes da Disney que têm uma magia em certas cenas que ficam marcadas a ferro na nossa memória. Geralmente, elas estão nos números musicais e envolvem a relação dos dois personagens-título.
Narrativamente, no entanto, A Bela e a Fera é bem problemático. Se perde constantemente entre os diferentes rumos da história e é ainda mais apressado que a maioria dos filmes da produtora. Teria sido melhor cortar toda a gordura (Gaston e cia., principalmente) em prol de um enredo mais direto e singelo.
Oppenheimer
4.0 1,1KÉ um filmaço, talvez o melhor do Nolan - em termos de rigor estético, é certamente o mais apurado. Apesar de um início mais feijão com arroz - e que me deu uma sensação ruim de estar assistindo uma cinebiografia esquecível - Oppenheimer vai construindo uma expectativa que se transforma em tensão (ou terror) e engole o espectador com sua viagem cósmica e de escopo quase infinito.
Mas se por um lado há o interesse nos feitos científicos do personagem-título, há também uma profunda exploração de sua psique. A maneira ultra intimista como Nolan e cia. filma Cilian Murphy é a chave pra entender o grande paradoxo da trama. É surpreendentemente complexo para um filme do cineasta.
Por fim, nem percebi isso acontecendo de tão sutil, de repente Oppenheimer vira uma trama política que não se esconde em criticar o cinismo, avareza e desprezo pela vida alheia que as figuras em Washington nutriam à época. Tudo isso, claro, sem esquecer os conflitos internos do protagonista.
Tenet
3.4 1,3K Assista AgoraTenet é a amálgama de tudo que eu menos gosto nos filmes do Nolan: um blá blá blá incessante sobre um conceito excessivamente complexo; relações mal construídas entre os personagens; diálogos risíveis; exposição como muleta pra justificar a trama; e a trilha-sonora à lá Hans Zimmer (embora seja Ludwig Göransson que assina a música desse).
E esse filme é ainda pior do que Interestelar ou Dunkirk pelo simples fato de ser uma bagunça. Por mais que os dois filmes anteriores do Nolan tenham vários problemas, você termina eles com uma boa ideia do que a história quis contar. Claro que outras pessoas possam ter visto algum sentido em Tenet, seja ele simbólico ou literal, mas pra mim o filme todo foi um grande ponto de interrogação.
O que salva Tenet da completa mediocridade é sua cinematografia fabulosa. As cenas em que o mundo está invertido me lembram os melhores momentos de A Origem. Muito engenhoso, porém crível.
Racionais: Das Ruas de São Paulo Pro Mundo
4.4 163Praticamente impecável. Claro que o material fonte ajuda muito, mas parei despretensioso pra ver o início e acabei indo até o final. O ritmo super bem conduzido e a escolha de sonoras e arquivos hipnotiza qualquer um com o mínimo de interesse em Racionais, rap ou simplesmente música e sociedade.
Minha única ressalva fica com a estrutura do doc, que às vezes senti ser muito demarcada pelos discos e temas diferentes. Faltou um pouco de sutileza pra transitar entre eles mais naturalmente.