"As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase" C.Drummond de Andrade Assim como uma natureza morta (still life), o filme se desenvolve de uma forma meticulosa e apurada, evocando as sutilezas da vida, a importância da memória e a morte enquanto um acaso (ou um descompasso vital). É muito interessante observar como alguns aspectos dos primórdios da cultura Ocidental são exibidos, e enquanto assistia ao filme ,não pude deixar de recordar os derradeiros cantos de Ilíada, de Homero, nos quais é narrado a entrega do corpo de Heitor ao pai Príamo, ato fundamental para sacralizar a memória e passagem do morto. De forma geral, Uma vida comum é uma propulsão de vida e humanização, impulso necessário para sempre nos recordarmos quem somos.
Há tempos Dolan vem construindo uma filmografia bastante singular, flertando com elementos da cultura pop e componentes de uma atmosfera erudita - é possível grifar como exemplos a seleção de músicas diversificadas que compõem as trilhas sonoras, e os recursos técnicos associados a produção imagética: ora mais intuitivos, ora mais tradicionais. A singularidade do diretor também se destaca na apropriação de temas recorrentes em seu filmes: as relações maternais conflituosas/a maternagem, o modelo institucionalizado de família nuclear representado como um (verdadeiro) obstáculo que impede outros paradigmas/representações de relação parental, a decadência das identidades binárias de gênero (e os respectivos papéis à elas relacionados), e as possibilidades de (re)interpretações de narrativas sobre o afeto, o amor e a paixão. "Matthias & Maxime" é o resultado desta profusão temática desenvolvida por Dolan. Porém, a maneira como o diretor conduz o vínculo romântico e "fraternal" entre os protagonistas é tão apurado e sensível, que se destaca, dentre todas as possibilidades temáticas, a narrativa sobre o amor, em um verdadeiro "fragmento de um discurso amoroso" (para citar Barthes). E para enunciar tal discurso, o filme toma para si dois recursos simbólicos: o espelho e a janela. Enquanto o primeiro evidencia o duplo, o outro simboliza a transição, o acesso (para citar o deus Janus da mitologia greco-latina, sugestão apontada por um colega, anos atrás). As personagens circulam nestas esferas simbólicas, e se encontram (ao menos tentam se encontrar) dentro delas. Os recursos simbólicos também possibilitam uma discussão ( bem nas entrelinhas) sobre masculinidades e a violência da masculinidade hegemônica. Apesar de ressaltar a unidade das produções de Dolan, não posso deixar de fazer duas pequenas observações. Sobre o filme: existem algumas semelhanças com uma outra obra: Maurice, de E.M. Foster, que foi adaptada para o cinema. E sobre o Dolan-ator: me incomoda como alguns cacoetes (de cena talvez) estão presentes nos personagens representados por ele, rompendo com a veracidade da ficção.
"Uma mulher alta" reflete sobre as consequências do pós-Guerra, especificamente, em Leningrado, Rússia; expondo, através de uma narrativa vagarosa, os processos de desumanização enfrentados por combatentes (e todos/as que estiveram indiretamente ligados/as aos fronts de batalha). Cada personagem significativa do enredo encena/cria em gestos os resultados da remoção de formas reais inerentes ao humano. A confusão, o conflito, a paralisia, o trauma, a incapacidade de sentir as emoções, o vazio, a morte, as incertezas, como resultados de uma equação cruel, são expostos, moldam a complexidade da narrativa e justificam o ritmo vagaroso do que é contado: afinal, exibir (de forma imediata e frenética) as consquências da Segunda Grande Guerra não é o suficiente, é necessário fazê-lo por meio de quem sente os reais resultados.
Walter Benjamin, em 1936 , escreveu "O narrador", texto que faz considerações sobre a obra de Leskov, autor russo, e reflete como a guerra influencia na (in)capacidade de contar/narrar: as experiências vivenciadas por combatentes, situações que lhes retiram a humanidade das palavras.
" My name is Lester Burnham. This is my neighborhood; this is my street; this is my life. I am 42 years old; in less than a year I will be dead. Of course I don't know that yet, and in a way, I am dead already." <3 Início e fim fabulosos, na pequena/grande epifania cinematográfica norte americana!
Uma Vida Comum
4.0 89"As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase" C.Drummond de Andrade
Assim como uma natureza morta (still life), o filme se desenvolve de uma forma meticulosa e apurada, evocando as sutilezas da vida, a importância da memória e a morte enquanto um acaso (ou um descompasso vital).
É muito interessante observar como alguns aspectos dos primórdios da cultura Ocidental são exibidos, e enquanto assistia ao filme ,não pude deixar de recordar os derradeiros cantos de Ilíada, de Homero, nos quais é narrado a entrega do corpo de Heitor ao pai Príamo, ato fundamental para sacralizar a memória e passagem do morto.
De forma geral, Uma vida comum é uma propulsão de vida e humanização, impulso necessário para sempre nos recordarmos quem somos.
Matthias & Maxime
3.4 132 Assista AgoraHá tempos Dolan vem construindo uma filmografia bastante singular, flertando com elementos da cultura pop e componentes de uma atmosfera erudita - é possível grifar como exemplos a seleção de músicas diversificadas que compõem as trilhas sonoras, e os recursos técnicos associados a produção imagética: ora mais intuitivos, ora mais tradicionais.
A singularidade do diretor também se destaca na apropriação de temas recorrentes em seu filmes: as relações maternais conflituosas/a maternagem, o modelo institucionalizado de família nuclear representado como um (verdadeiro) obstáculo que impede outros paradigmas/representações de relação parental, a decadência das identidades binárias de gênero (e os respectivos papéis à elas relacionados), e as possibilidades de (re)interpretações de narrativas sobre o afeto, o amor e a paixão.
"Matthias & Maxime" é o resultado desta profusão temática desenvolvida por Dolan.
Porém, a maneira como o diretor conduz o vínculo romântico e "fraternal" entre os protagonistas é tão apurado e sensível, que se destaca, dentre todas as possibilidades temáticas, a narrativa sobre o amor, em um verdadeiro "fragmento de um discurso amoroso" (para citar Barthes).
E para enunciar tal discurso, o filme toma para si dois recursos simbólicos: o espelho e a janela. Enquanto o primeiro evidencia o duplo, o outro simboliza a transição, o acesso (para citar o deus Janus da mitologia greco-latina, sugestão apontada por um colega, anos atrás).
As personagens circulam nestas esferas simbólicas, e se encontram (ao menos tentam se encontrar) dentro delas.
Os recursos simbólicos também possibilitam uma discussão ( bem nas entrelinhas) sobre masculinidades e a violência da masculinidade hegemônica.
Apesar de ressaltar a unidade das produções de Dolan, não posso deixar de fazer duas pequenas observações. Sobre o filme: existem algumas semelhanças com uma outra obra: Maurice, de E.M. Foster, que foi adaptada para o cinema. E sobre o Dolan-ator: me incomoda como alguns cacoetes (de cena talvez) estão presentes nos personagens representados por ele, rompendo com a veracidade da ficção.
Uma Mulher Alta
3.8 112"Uma mulher alta" reflete sobre as consequências do pós-Guerra, especificamente, em Leningrado, Rússia; expondo, através de uma narrativa vagarosa, os processos de desumanização enfrentados por combatentes (e todos/as que estiveram indiretamente ligados/as aos fronts de batalha). Cada personagem significativa do enredo encena/cria em gestos os resultados da remoção de formas reais inerentes ao humano. A confusão, o conflito, a paralisia, o trauma, a incapacidade de sentir as emoções, o vazio, a morte, as incertezas, como resultados de uma equação cruel, são expostos, moldam a complexidade da narrativa e justificam o ritmo vagaroso do que é contado: afinal, exibir (de forma imediata e frenética) as consquências da Segunda Grande Guerra não é o suficiente, é necessário fazê-lo por meio de quem sente os reais resultados.
Walter Benjamin, em 1936 , escreveu "O narrador", texto que faz considerações sobre a obra de Leskov, autor russo, e reflete como a guerra influencia na (in)capacidade de contar/narrar: as experiências vivenciadas por combatentes, situações que lhes retiram a humanidade das palavras.
Beleza Americana
4.1 2,9K Assista Agora" My name is Lester Burnham. This is my neighborhood; this is my street; this is my life. I am 42 years old; in less than a year I will be dead. Of course I don't know that yet, and in a way, I am dead already." <3 Início e fim fabulosos, na pequena/grande epifania cinematográfica norte americana!
Ninfomaníaca: Volume 1
3.7 2,7K Assista AgoraLars Von Trier em uma de suas formas mais metafóricas e belas, depois de Dancer in the dark.