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ceci est l'histoire d'un homme marqué par une image d'enfance

Últimas opiniões enviadas

  • João Vitor Figueira

    Kusturica é um dos raros artistas que integram o seleto grupo dos diretores que venceram a Palma de Ouro em Cannes duas vezes. Conhecido por obras que mesclam comentários sociais sobre a vida na antiga Ioguslávia com lampejos de surrealismo escapista e comicidade, o multipremiado realizador nascido em Sarajevo revisita alguns temas caros de sua filmografia em Na Via Láctea, seu primeiro longa-metragem de ficção desde Promessas (2007).

    Com ecos visuais que fazem referência direta ao excelente Vida Cigana (1988), mas com um comentário político que não faz jus à tenacidade dos celebrados Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios (1985) e Underground - Mentiras de Guerra (1995), seu trabalho mais recente é uma fábula em três atos sobre o amor em tempos de guerra composta tanto por belos lampejos poéticos quanto por deslizes na tonalidade do filme e exageros.

    Com um clima bucólico que quase evoca certa atemporalidade e induz falsos anacronismos, a trama se passa durante um período de cessar fogo nunca respeitado pelos soldados durante Guerra da Bósnia (1992-1995). Neste contexto, o gentil e reservado leiteiro Kosta enfrenta o fogo cruzado para entregar suprimentos para combatentes na zona de conflito na região rural de seu país. Interpretado pelo próprio Kusturica, o personagem, que carrega muito da personalidade do próprio diretor, anda montado num burro com uma ave de rapina nos ombros, ama música e é capaz de fazer um falcão dançar quando toca um instrumento. Ele é vizinho da extrovertida Milena (Sloboda Mićalović), uma ex-ginasta que não hesita em mostrar suas habilidades esportivas nas horas mais inapropriadas, que está de casamento marcado com Kosta.

    Um dia, Milena leva a personagem referida apenas como Noiva para casa. Interpretada por Monica Bellucci, a personagem que já enlouqueceu homens de desejo é uma simples mulher italiana com raízes sérvias que tem um passado traumático. Milena acolheu a forasteira para forçá-la a se casar com o pitoresco Zaga (Predrag Manojlović), um herói de guerra que funciona no enredo para expor o lado mais ridículo do espírito militarista. Na Via Láctea ganha ares de romance trágico clássico quando Kosta e a Noiva desafiam convenções e se apaixonam.

    Kusturica dá diversas provas de sua criatividade para subverter a realidade com boas metáforas visuais. Em um filme marcado pela memória afetiva de seu realizador, o diretor comenta a dureza e impetuosidade do passar do tempo com um imenso relógio descontrolado que fere quem tenta alterar seus rumos. Como numa fábula da Disney à la A Branca de Neve, há muitos bichos ao redor do protagonista. Aqui os animais estão entre os personagens mais carismáticos e encarnam uma humanidade solene, qualidade que os próprios humanos parecem renegar em tempos de guerra. Os delírios visuais do longa-metragem também rendem de risadas (a alusão a Flashdance - Em Ritmo de Embalo, a galinha que briga com o espelho, os bêbados que aprendem a mover a orelha) à embrulhos no estômago (quando gansos nadam em sangue de porco, um falcão come um olho humano) ou ambas (como quando a orelha de Kosta é costurada de volta à sua cabeça pela Noiva).

    O apelo surrealista do filme, um dos trunfos de sua primeira metade, perde força na medida que a trama principal avança se perde ao tentar equilibrar seu tom escapista com os comentários sobre a guerra e o enredo romântico. O roteiro assinado por Kusturica não se furta de apelar para Deus ex machina e a sucessão de situações mirabolantes torna-se cansativa e prejudica os bons simbolismos do enredo — como o paralelo com a história de Adão e Eva. Os efeitos especiais ruins também pesam contra a obra, por mais que também possam ser entendidos como mais uma estratégia cômica.

    Como ator, Kusturica entrega uma perforamance regular. Com pouco em mãos, Bellucci consegue tirar leite de pedra com uma atuação elegante e para uma personagem sem muitas dimensões. Manojlović também se destaca graças à insanidade de Milena.

    Mais uma vez, a paixão do diretor pela cultura e passado de seu país exala bons momentos e uma vibrante energia na tela, mas até a mais bem intencionada carta de amor corre o risco de pecar pelo exagero e Na Via Láctea ocupa um lugar menor na consagrada filmografia de Kusturica.

    (Texto publicado no dia 11 de nov. de 2017 no site AdoroCinema como parte da minha cobertura do Festival MIMO de Cinema na cidade do Rio de Janeiro)

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  • João Vitor Figueira

    Depois de alguns meses sem conseguir me concentrar para ver filmes, superei a dispersão mental e assisti o drama polonês Corpus Christi (2019). Que grata surpresa.

    No longa-metragem, um jovem com passado de delinquência deixa a detenção em regime de liberdade provisória. Cheio de fantasmas internos e com a alma torturada, ele aspira ingressar no seminário para se tornar padre, mas descobre que alguém com seu passado não poderia aspirar isso. Ao chegar em uma cidade provinciana, ele finge ser um clérigo recém ordenado. A mentira cresce como uma bola de neve até que Daniel, então "escória" (como é chamado por um policial), assume a direção de uma pequena paróquia.

    Daniel encontra uma comunidade traumatizada e cheia de cicatrizes abertas, assim como ele. Com seu método nada ortodoxo (para dizer o mínimo) de realizar as tarefas de padre, Daniel aos poucos percebe que precisa ser um agente de reconciliação espiritual naquele local. Ele é um homem falho, errante, mas também são muitos daqueles cidadãos comuns, cheios de esqueletos no armário.

    A atuação expressiva de Bartosz Bielenia no papel de Daniel é o coração do filme dirigido por Jan Komasa. Bielenia encarna as contradições de um homem que já aprendeu que não cabe a ele atirar a primeira pedra. Não mais.

    O filme aborda o conceito de Graça de forma inquietante. Uma Graça acessível a todos que flui de formas misteriosas, de forma certa por linhas tortas -- de forma "torta" por linhas "certas".

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  • João Vitor Figueira

    Há um certo misticismo na noção de nostalgia. Sentir saudade é sentir uma estranha presença de uma ausência, uma sensação que confunde os antagonismos de felicidade e tristeza. Sentir a falta de uma pessoa, emoção ou experiência faz parte da experiência humana e essa angústia é explorada pelo anime Shiki Oriori: O Sabor da Juventude. O longa-metragem sino japonês é estruturado como uma antologia guiada por um mesmo eixo temático e com três histórias diferentes ambientadas em cidades distintas da China (escolha que certamente é um aceno ao segundo maior mercado de cinema do mundo).

    O filme, distribuído pela Netflix, tem sido vendido com uma ênfase no fato de que a produção foi desenvolvida pelo estúdio CoMix Wave Films, casa do diretor e roteirista japonês Makoto Shinkai, do fenomenal Your Name. Entretanto, onde Your Name, o anime de maior sucesso comercial de todos os tempos, acerta, Shiki Oriori erra. O tríptico filme episódico carece de um desenvolvimento profundo de seus personagens, derrapa em clichês e parece parodiar de forma involuntária o sentimentalismo melodramático mas ao mesmo tempo honesto e eventualmente tocante dos melhores trabalhos de Shinkai.

    A impressão que dá é que a obra tem ciência de que seu público alvo é composto por adolescentes, apesar da natureza adulta do tipo de reflexões que propõe, e por isso subestima o espectador regurgitando fórmulas ou se limitando a narrativas rasas. Erro crasso.

    O segmento "O Macarrão de Arroz", dirigido por Jiaoshou Yi Xiaoxing, abre o filme. O episódio que mais se relaciona com o subtítulo de Shiki Oriori no Brasil acompanha a vida de Xiao Ming, um homem que foi morar em Pequim, mas vive imerso em suas lembranças de sua infância em sua cidade natal. Ao revisitar o passado, percebemos que o que a sétima arte é para o menino de Cinema Paradiso, o macarrão bifum é para o rapaz. Apesar das belas e detalhadas tomadas de pratos que certamente se tornarão gifs em páginas do Tumblr e podem referenciar a obsessão de Hayao Miyazaki em transformar culinária em animação, falta substância no caldo deste lámen.

    Não há nenhum espaço para a subjetividade na morosa narração do protagonista com linhas que denunciam a impessoalidade e frieza da vida em uma metrópole de forma óbvia. O roteiro prefere deixar o personagem principal narrar sua própria vida dizendo algo como “estou triste” do que criar situações que mostrem tal tristeza. Quase não há diálogos aqui. Todas as impressões de mundo do rapaz chegam mastigadas. Nos flashbacks, a música incessante torna ainda mais frágil a tentativa do filme de romantizar os olhares que o menino lança para uma garota na rua. As obviedades também saltam narrativamente. Basta o rapaz dizer "Onde foram parar as lembranças?" para o filme voltar alguns anos no tempo. Por fim, pouco ou quase nada é dito sobre a personalidade de Xiao Ming para além de seus gostos culinários.

    Yoshitaka Takeuchi, diretor de 3DCG de diversos filmes de Makoto Shinkai, dirige "Nosso Pequeno Desfile de Moda". Tirando uma cena que envolve chuva, o visual deste trecho de Shiki Oriori é tão desinspirado que mal parece se tratar de uma produção com o selo CoMix Wave Films, que já entregou produções com níveis impressionantes de detalhismo visual como O Jardim das Palavras. Ao menos os personagens conversam mais entre si, o que já representa um alívio em relação a "O Macarrão de Arroz".

    Na trama, ambientada em Guangzhou, duas irmãs, Yi Lin e Lulu, lidam com a falta dos pais enquanto tentam se conectar afetivamente uma com a outra. Yi, a mais velha, é modelo e o filme parece resumir a vida das profissionais da passarela a obsessão pela beleza e disputa com outras mulheres. Lulu, a mais nova, é uma aspirante a estilista que não sabe se terá uma chance para mostrar seu talento. A história é rasa e sem complexidade. As viradas de roteiro são previsíveis e dada a sua inofensividade, "Pequeno Desfile de Moda" consegue ser mais fraco do que o pretensioso segmento que o precedeu. Para não dizer que tudo está perdido, este é o segmento que tem a trilha sonora mais sofisticada.

    É só no terço final de Shiki Oriori que o longa-metragem mostra seu real potencial. A história de "Amor em Xangai", dirigido por Li Haoling, evoca a incomunicabilidade entre pessoas que se amam, como Your Name, mas sem o componente transcendental/sobrenatural. É a única parte realmente boa, consistente, dramaticamente convincente e narrativamente robusta do filme. Por ficar no desfecho, “Amor em Xangai” quase deixa a sensação de que o segmento final redime os demais erros do filme.

    No enredo, Li Mo, já um arquiteto adulto, encontra uma fita cassete com a voz de Xiao Yu, a menina que foi sua paixão oculta na infância e mudou para sempre a trajetória de sua vida. Encontrar aquele objeto o faz propor para si mesmo uma arqueologia de seu afeto. O roteiro se preocupa em dosar drama e comédia para fugir do registrcoo do sentimentalismo monotemático e constrói uma história que complexifica seus personagens.

    Aqui há motivações, pulsões, uma melancolia que se faz sentir para além do que é verbalizado. Quando "Amor em Xangai" foca na infância dos protagonistas, eles jamais precisam declarar o que sentem, mas situações como o colo que Li Mo oferece a Xiao Yu e as conversas resignadas que os dois tem densificam esta relação. Além disso, este é o segmento com a angulação de enredo menos egocêntrica dos três. Para além da ligação romântica, este trecho de Shiki Oriori é o mais eficiente em fornecer comentários sobre a sociedade na qual a trama se desenvolve, contextualizando valores sociais pela forma como as famílias se comportam, abordando temas como abusos e conflitos de gerações, e traçando um paralelo das histórias das pessoas com o desenvolvimento urbano de Xangai. Mesmo sem um desfecho catártico, o episódio consegue guardar surpresas até o final e definitivamente se firma como uma deliciosa recompensa.

    Disponível em http://www.adorocinema.com/filmes/filme-265658/criticas-adorocinema/

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