O filme do ano, pelo menos de acordo com a audiência segmentada da MTV, possui elementos extremamente positivos, que tornam indiscutível sua qualidade. Todavia, peca por aquilo que muitos observam no cinema comercial dos últimos anos: a falta de originalidade.
Para a minha geração, assistir A Bela e a Fera, refilmagem em live-action do clássico absoluto do estúdio de Walt Disney lançado em 1991, é como reencontrar um velho amigo e relembrar os bons tempos de infância. Repetindo números musicais e diálogos e deixando claro ser este seu objetivo, conseguiu aumentar seu poder de arrecadação em comparação a Mogli: O Menino Lobo (2016). Se a aventura do menino criado na selva custou 175 milhões de dólares e obteve bilheteria mundial de 960 (5,5x o orçamento), o romance estrelado por Emma Watson custou menos (160 milhões, mesmo assim o maior custo de um musical na história) e arrecadou muito mais (1,260 bilhão – ou, 7,8x seu orçamento). A Disney já abraçou essa galinha dos ovos de ouro revestida de refilmar suas grandes animações com atores e prometeu lançar pelo menos um desses por ano. É a primeira releitura de um longa da chamada Era do Renascimento do segmento de animação da empresa, que começou com A Pequena Sereia (1989) e termina, forçando a barra, com Tarzan (1999).
Mesmo entrando em campo com a vitória garantida, ainda tem alguns cuidados na hora de colocar a mão na massa, superando Malévola (2014) e Cinderela (2015) em termos de qualidade. O primeiro deles é garantir uma produção muito caprichada. A Bela e a Fera é um filme muito bonito visualmente, com departamento de efeitos visuais de difícil execução (lembre-se dos objetos animados como castiçais, bules e xícaras), mas com resultado eficiente. Além disto, ainda acerta em escalar Emma Watson no papel principal. Se não estamos diante de uma nova Meryl Streep, pelo menos seu trabalho é leve, agradável e sua figura tem o poder de atrair uma geração posterior àquela que estourava as fitas de VHS revendo o desenho animado. Sua preocupação em aceitar poucos trabalhos para permitir que sua imagem atrelada a Hermione Granger descanse um pouco vem rendendo frutos e o sucesso de A Bela e a Fera é consequência disso. Quem parece ter se acertado na carreira é Luke Evans, que interpreta Gaston. Com um papel obrigatoriamente caricato, ele se sai muito bem, evitando um exagero que prejudicaria o filme.
O elenco de apoio conta com um correto Kevin Kline como Maurice (pai de Bela) e grandes estrelas do cinema britânico emprestando suas vozes (e performances capturadas) aos objetos animados (como Ewan McGregor, Ian McKellen e Emma Thompson). Josh Gad, que deu voz a Olaf em Frozen: Uma Aventura Congelante (2013) se destaca no alívio cômico vivendo LeFou. Aliás, seus trejeitos afeminados e o toque de empoderamento nas falas e atitudes de Bela comprovam que mesmo nas histórias mais antigas é possível tratarmos de representatividade. Mesmo com um roteiro engessado pela animação de 1991 o espectador mais atento conseguirá identificar muita coisa interessante (como o guarda-roupa “libertando” três homens na cena de invasão ao castelo). Por fim, a Fera vivida por Dan Stevens, finalmente dá a ele um papel que faz jus à sua capacidade, mesmo envolvendo muita maquiagem e CGI. O ator, que saiu da série Downton Abbey precocemente para estrelar algumas produções de fundo de quintal nos Estados Unidos, faz boa composição daquele que é o único personagem mais complexo.
A Bela e a Fera funciona como musical quando se assume assim, aproveitando o talento de Bill Condon, diretor de Dreamgirls: Em Busca de um Sonho (2006) e responsável pelos roteiros de Chicago (2002) e O Rei do Show (2017). Be Our Guest, o ponto alto da animação original, também é o grande momento de deslumbre deste novo longa, que possui três canções a mais, além de algumas letras mais longas. Como já foi dito, não é uma produção que causa tanto impacto pela total ausência de originalidade, mas a Disney simplesmente não quer fazer nada mais do que uma simples releitura. Isto leva a alguns problemas, como uma forte queda de ritmo no final do segundo ato e alguns desenvolvimentos de cenas e personagens exagerados ou até mesmo caricatos, incompatível com a narrativa escolhida.
Quando Bryan Fogel vislumbrou o projeto que se tornaria o documentário Ícaro jamais imaginaria os caminhos que sua vida e obra tomariam, o que acabou levando seu nome à lista dos indicados ao Oscar de 2018 da categoria. Concebido inicialmente como uma espécie de “documentário experiência”, Fogel foca a trajetória do filme de maneira bem parecida com aquela que Morgan Spurlock fez em Super Size Me: A Dieta do Palhaço (2004). Ciclista amador, depois de participar da competição mais importante da categoria na França, se propõe a fazer o ciclo de treinamentos do ano seguinte usando doping.
Mais do que isso, ele quer provar que é possível utilizar substâncias que melhoram o rendimento de um atleta sem que o laboratório credenciado a identifique. Uma premissa capaz de abalar o mundo das competições esportivas, não fosse o atropelamento que a História faz no filme de Fogel. Isto porque ele ganha no caminho a ajuda de Grigory Rodchenkov, diretor do laboratório credenciado pela Wada para fazer exames antidopings na Rússia. Este ensina todas as técnicas e maneiras de burlar os resultados dos exames de urina para que o uso de substâncias proibidas não seja identificado. Ocorre que o russo está no centro do escândalo que explodiu em 2016, quando ficamos sabendo que havia uma forma sistemática de encobrir o doping de qualquer atleta da Rússia que assim quisesse. Uma trama digna de grandes filmes de espionagem, envolvendo autoridades governamentais e vinculadas ao esporte do país, algo que Ícaro trata muito bem a partir de seu segundo ato.
Sim, o documentário pode ser dividido em atos, já que o ciclista-diretor não descartou todo o material prévio quando o foco do filme passa a ser o desenrolar do escândalo sob a perspectiva de Grigory. É nítido que, de início, Fogel queria traçar um paralelo com sua própria frustração ao ver os grandes expoentes de seu esporte preferido (como Lance Armstrong) se mostrarem uma farsa. Ele quer que o espectador prove de um sentimento de pessimismo em relação a qualquer competição de alto nível. Tirar a credibilidade dos institutos antidoping se mostrou o menor dos problemas, quando aquele que deveria auxiliar o protagonista ganha o palco para entregar de bandeja o que eram meras conjecturas do documentarista.
Quem assistiu a premiere de Ícaro no Festival de Sundance, onde o filme venceu na categoria de melhor documentário produzido nos Estados Unidos, reputa a ele o ciberataque que fez com que as bilheterias parassem de funcionar por uma hora no sábado, dia 21 de janeiro de 2017. Entendem que as autoridades russas possuíam interesse em abafar o conteúdo do longa, que possui poder muito mais bombástico que Doping: Como a Rússia Faz Seus Campeões (2014), feito por uma canal de TV estatal da Alemanha e mencionado como a gênese do escândalo. Se a intenção era esta, os russos foram retumbantemente derrotados quando a Netflix adquiriu os direitos de exibição de Ícaro durante a mostra.
Não vi o documentário alemão, mas acredito que Ícaro seja complementar a ele. Acompanhando e registrando os acontecimentos em tempo real, ainda teve a preocupação de colher outros depoimentos fundamentais para o entendimento total (já que foi feito sem as amarras de prazos de grandes distribuidoras). Não há perda de tempo em explicações desnecessárias, mesmo que um dos destaques na experiência de assisti-lo (sabendo apenas superficialmente do caso) é o toque de suspense da segunda metade. Um filme que joga muita coisa na cara dos amantes do esporte, sendo a principal delas a insistência em dar força e importância política a uma atividade que – a despeito de gerar muito dinheiro – deveria ser relacionada apenas à saúde e diversão.
É de se lamentar que pouco se fale da história e da qualidade de Okja no meio cinematográfico, uma vez que, para muitos, esta produção ficou marcada como o filme que fez o Festival de Cannes alterar seu regulamento. Isto porque o longa estreou na edição de 2017 da mostra, recebendo inúmeras críticas uma vez que ele nunca seria lançado em uma sala de cinema. A produtora Netflix até tentou chegar a um acordo para que isso ocorresse, mas quando soube que – pelas leis francesas – há uma exigência de intervalo mínimo de 36 meses para uma produção ser disponibilizada em serviços de streaming, desistiu da empreitada. Já os organizadores do festival incluíram como exigência a distribuição regular em cinemas comerciais para que um filme inscrito possa ser submetido à Palma de Ouro a partir de 2018. Já a poderosa empresa não deverá voltar tão cedo à França, até porque teve que passar pelo constrangimento de ter seu filme vaiado assim que seu nome apareceu na tela.
Deixando de lado a moderna discussão sobre ser ou não cinema um filme produzido prioritariamente para televisão, o espectador não deverá deixar de ver Okja por conta de purismo. O roteiro traz a história de uma grande corporação produtora de alimentos que cria um superleitão, selecionando vinte e seis sucursais nos mais diversos países do mundo para cuidar de um deles. Na Coréia do Sul, Mija (Seo-Hyun Ahn) e seu avô ficam responsáveis por Okja, uma leitoa extremamente inteligente, criada livre na natureza. Mesmo que pareça direcionado a um público mais infantil, com cenas mais engraçadinhas nos momentos de ação, há qualidades no longa de uma produção bem madura. O início contemplativo surpreende, uma pena que ao final do primeiro ato, o texto do roteirista (e também diretor) Joon-ho Bong queira nos mostrar uma Mija mais parecida com James Bond ou Ethan Hunt de Missão Impossível (1995) do que uma criança normal – talvez um reflexo de sua filmografia que sempre conta com elementos de ação e fantasia, que ele vem desenvolvendo muito bem na Coréia do Sul há duas décadas, em filmes como O Hospedeiro (2006).
A qualidade da produção é boa, mesmo que não seja acachapante. Os 50 milhões de dólares disponibilizados pela Netflix parecem bem investidos, mesmo que não seja um produto de primeira linha. A impressão é que ele envelhecerá mais rápido do que o normal e que sua vida na tela grande não seria das melhores. Porém, para um telefilme, ele é ótimo. A força de Okja está nos temas que ele aborda. Com crítica pontual à cultura do espetáculo e aos programas de realidade, o longa ganha corpo quando toca na ferida da exploração animal. Sem ser panfletário em nenhum momento (pelo contrário, se preocupa bastante com a ambientação e imersão do espectador e sequer menciona que a Animal Liberation Front é uma instituição real), cumpre seu papel de instrumentalizar uma discussão cada vez mais pertinente na nossa sociedade.
Ao traçar um paralelo com campos de concentração, Okja provavelmente levará boa parte dos espectadores às lágrimas. O filme não se perde em indefinições, pontas soltas ou cenas e personagens desnecessários. Merece destaque não só a atuação de Seo-Hyun Ahn como a protagonista Mija, mas o trabalho (sempre) espetacular de Tilda Swinton e Jake Gyllenhaal, dois dos atores mais corajosos da indústria atualmente, que deixaram-se vincular suas imagens de astros com a Netflix em uma produção cercada de desconfiança. Para apontar um aspecto não tão positivo em Okja, parece um equívoco do roteiro apresentar o líder da ALF, Jay (o também ótimo Paul Dano) quase tão caricato quanto os antagonistas vividos pela dupla de atores já mencionados.
Quem vê os créditos iniciais de Caçada Humana imagina estarmos diante de mais uma produção que cedeu aos caprichos de Marlon Brando para elevá-lo a estrela acima de todas as outras, uma vez que ele figura como único protagonista. Ver nomes como Jane Fonda e Robert Redford se apertando em uma longa lista de atores que inclui Jocelyn Brando, irmã mais velha de Marlon, se justifica. De fato, o Xerife Calder interpretado por ele é a única figura de destaque na trama.
O roteiro (a princípio) de Lililian Hellman adapta uma peça escrita por Horton Foote, vencedor de dois Oscars, sendo um por adaptar o romance O Sol é Para Todos (1962). A gama de personagens e sua apresentação formando um leque de histórias remetem muito aos grandes romances norte-americanos adaptados para o cinema como A Caldeira do Diabo (1957), da obra de Grace Metalious, onde a cidade de Peyton Place é palco dos mais diversos tipos de relações humanas. A Terrell de Caçada Humana é muito parecida. Localizada no sul dos Estados Unidos, ainda se vê em meio a uma luta de classes com claras demonstrações de racismo e a substituição dos negros por imigrantes mexicanos no desempenho de funções análogas à escravidão. Calder se apresenta como um elemento de ligação, um homem livre das amarras da intolerância e do preconceito; que vê sua função de representante da lei como algo transitório. Aliás, o legendário diretor David Lean chegou a ler o roteiro e achou uma cópia mal feita da história criada por Metalious.
A produção se mostrou muito problemática. O produtor Sam Spiegel, que nos doze anos anteriores venceu por três vezes o Oscar de melhor filme com Sindicato de Ladrões (1954), A Ponte do Rio Kwai (1957) e Lawrence da Arábia (1962), não quis mostrar o corte final para a roteirista Hellman, uma vez que seu roteiro foi praticamente reescrito. Ele ainda bancou a substituição do diretor de fotografia. Robert Surtees, de Quo Vadis (1952) e Ben-Hur (1959) foi afastado por motivos de saúde e substituído por Joseph LaShelle, de outros dois vencedores do Oscar, Marty (1955) e Se Meu Apartamento Falasse (1960). Porém, Arthur Penn não aprovava sua contratação, uma vez que não foi consultado. O receio do diretor se mostrou correto, uma vez que um tom épico de Surtees, muito mais pertinente a esta produção, foi trocado por algo mais próximo da fotografia urbana, marca registrada de LaShelle. Essa briga de egos fez com que Spiegel não permitisse que Penn participasse da edição de Caçada Humana. Sem contar na cisma que o produtor tinha com Marlon Brando, que ele achava que teria o mesmo destino fatal de James Dean. O resultado de tanta complicação foi um filme que, se não é ruim, peca pela falta de personalidade – o que o fez ser recebido friamente por crítica e público à época.
Usar a figura de um cowboy como base da trama dá ao longa um ar de “faroeste moderno”, algo que Hollywood adorou desenvolver a partir da década de 1990. Ainda mais que um dos destaques dentro da gama de personagens que desfilam na tela fica por conta de um grupo de homens que acredita na sua própria justiça, atuando como justiceiros e sacando das armas sempre que sentem vontade. Naquela que talvez seja a única cena memorável desta produção, a falta de identificação e respeito com as autoridades leva a uma violenta consequência para Calder. Uma passagem que Marlon Brando gostava de lembrar como um dos momentos de sua carreira em que ele melhor aplicou o Método em sua atuação. Ele não gostou do personagem e assumiu depois que boa parte do tempo trabalhou no piloto automático.
Caçada Humana também tem um toque de mistério ao trazer em uma das pontas a saga de Bubber (Robert Redford), fugitivo da penitenciária da cidade, que parece ser uma figura controversa entre os moradores. Sua saída repentina da prisão traz apreensão para alguns e felicidade para outros. Algo como o ressurgimento de Roque Santeiro na cidade de Asa Branca. Os primeiros quinze minutos do longa são animadores, com um poder de síntese excelente, dando a impressão de que seu potencial se aproximaria de filmes como Assim Caminha a Humanidade (1956) e o próprio A Caldeira do Diabo – ambos lançados, com sucesso, uma década antes. Por ser um gênero que me agrade pessoalmente, é um pouco decepcionante ver que se desperdiçou boa parte deste potencial. Esta produção também marca a estreia do compositor John Barry no cinema, porém seu trabalho não é marcante.
O final da década de 1960 não exigiria mais tanta prudência na inserção de assuntos polêmicos como racismo, adultério e até pedofilia (esta conexão, então, quase precisa de uma lupa para ser notada). Se Marlon Brando nos convence da frustração do protagonista, o restante do elenco não tem à sua disposição nenhuma passagem em que possa demonstrar sua qualidade. Até por conta do já mencionado conflito, a fotografia muito bem cuidada perde um pouco o impacto na direção incerta de Arthur Penn. Imprensada entre suas duas obras-primas (O Milagre de Anne Sullivan de 1962 e Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas de 1967), parece que Penn não decide se quer entregar um complexo retrato de uma fatia importante da sociedade dos Estados Unidos ou um filme permeado com boas cenas de fugas e tiros. Parece que Caçada Humana em algum momento se transformou, para ele, em laboratório para Bonnie e Clyde.
Nos preparativos para o ato final, o ritmo do longa, que era regular, ainda cai um pouco. Perde-se a oportunidade de tratar um pouco mais da mudança de comportamento da juventude rockabilly, que romperia fortemente com o tradicionalismo de cidades como Terrell. Por fim, não desvenda a áurea de mistério criada na figura de Bubber e saca um epílogo de pouco mais de um minuto que demonstra total preguiça da equipe de pós-produção, que talvez tinha entendido que o filme estava muito longo – tirando ainda mais o impacto que forte história poderia causar. Caçada Humana é um drama correto, que não desagrada o espectador e ainda leva um cinéfilo clássico a rever parte de seus ídolos. E só.
Dustin Hoffman aceitou fazer Maratona da Morte para que pudesse trabalhar novamente com John Schlesinger, diretor que teve seu auge em um dos melhores filmes da década de 1960 e bem a frente do seu tempo – o clássico absoluto Perdidos na Noite (1969). Causou um pouco de surpresa saber pelas notas de produção que o multifacetado ator não gostou muito do texto do roteirista William Goldman, aqui adaptando seu próprio romance.
Goldman, duas vezes ganhador do Oscar, por Butch Cassidy (1969) e Todos os Homens do Presidente (1976) – este lançado no mesmo ano de Maratona da Morte – de fato, passa longe dos seus melhores trabalhos. Tendo como ponto de partida uma briga de trânsito que vitimou um ex-nazista, acompanhamos a história por trás de seu irmão, genocida procurado e refugiado no Uruguai, que precisa recuperar uma chave de cofre que contém todos os brilhantes que conseguiu juntar. Se o argumento parece refinado e passível de despertar muito interesse, na prática, o longa não se revela isso tudo.
De início, parece que a montagem se mostrará típica daquela que adapta um romance volumoso. Com um evento inicial e duas pontas soltas, somos apresentados a Babe (Dustin Hoffman) – um estudante de História – e seu irmão Doc (Roy Scheider), membro da Division, uma espécie de agência do governo dos Estados Unidos que ousa fazer o trabalho sujo que o FBI e a CIA evitam. Não há um desenvolvimento eficaz acerca das descobertas de Babe em relação aos seus familiares e ao desejo de fazer justiça à morte de seu pai judeu. A atriz Marthe Keller, no papel de Elsa, faz um bom trabalho com uma personagem com grande potencial, mas que passa o tempo todo no banco de reservas. Mesmo assim, obteve sua única indicação ao Globo de Ouro na carreira.
Maratona da Morte quer se tornar grande quando traz à cena Szell, vilão inspirado em Josef Mengele, interpretado por Laurence Olivier. O formidável ator aceitou o papel para juntar dinheiro para sua família, uma vez que se encontrava em tratamento contra um câncer. A história por traz de seu trabalho aqui é maior do que o filme em si, dadas as dificuldades e o esforço de Olivier, que foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante, à época sua décima primeira, com duas vitória. Ele ainda seria lembrando dois anos depois por Meninos do Brasil (1978), fazendo o antagonista do mesmo Mengele que ele retrata nesta produção. O terço final é uma aula de interpretação do inglês.
O filme se tornou icônico por conta de Szell (considerado um dos grandes vilões da história do cinema) e por uma cena de tortura particularmente chocante para a época, que dá início à segunda metade. A questão é que, nesta ótica, Maratona da Morte envelheceu mal. Hoje as cenas mais violentas e de ação parecem um pouco precárias – mesmo que inegavelmente viscerais, seguindo a maneira de filmar de John Schlesinger e a linguagem que cinema dos anos 1970 utilizava. Quando foca no suspense, se mostra um filme clássico, com o uso de planos-detalhes, efeitos sonoros fortes e até uma homenagem a Janela Indiscreta (1954) de Hitchcock. A forma kafkiana na trajetória de Babe, que não sabe muito bem porque está sendo perseguido e torturado, traz um toque de mistério que, talvez, uma refilmagem pudesse atualizar. Já fui muito cético com relação a este expediente por Hollywood, mas assistindo Maratona da Morte com 40 anos de atraso, começo a encontrar argumentos de defesa.
Sem dúvida, Woody Allen é um dos cineastas que eu mais conheço em toda a história do cinema. Não só pelas dezenas de filmes assistidos (quase todos da sua extensa lista), mas também por ser um dos raros casos de realizadores em que eu extrapolei a análise da obra cinematográfica. Com algo em torno quatro ou cinco livros de Allen lidos, dentre coletânea de contos e ensaios, posso dizer que a linguagem utilizada por ele me é familiar.
Por isso mesmo tenho a tese informal de que ele há mais ou menos uma década desistiu de fazer algo novo. Ali entre Match Point (2005) e Vicky Cristina Barcelona (2008), o roteirista deixou de existir e o diretor saca alguns textos antigos guardados para projetos seguintes e recicla. Se a imaginação e produtividade de Allen sempre foram seu diferencial, é muito difícil acreditar que seguiram intactas quando ele dobrou a curva dos 80 anos.
Sendo assim, olhando com muito carinho para Café Society, podemos chamar o filme de bom. Temos um casal de protagonistas interpretado por Jesse Eisenberg e Kristen Stewart. Ele é Bobby, jovem nova-iorquino enviado para Los Angeles para tentar melhor sorte na vida. Chegando lá, fica aos cuidados do tio Phil Stern (Steve Carell), agente de grandes estrelas do cinema, cheio dos contatinhos em Hollywood. Ela é Vonnie, secretária e amante de Phil, que vive a esperança das promessas de separação feitas pelo ricaço e temos que parar aqui para não entrar em terreno de spoilers. Pois bem, Eisenberg nada mais é do que o velho Woody Allen de sempre. Algo entre o neurótico, o introspectivo e o humorista situacional. Stewart é a bela menina meio assustada, que se vê apaixonada por um homem esquisito. Um casal que Allen costumava utilizar muito entre os anos 1970 e 1990, mas que se tornou o único plot dos últimos anos.
Enquanto o Bobby de Eisenberg é de difícil análise, uma vez que o ator parece ter feito laboratório na filmografia do patrão (e é difícil mesmo não imaginar o próprio Allen e seus trejeitos interpretando um texto que sabemos ser dele), a Vonnie de Stewart é inexpressiva, porque a atriz é assim. Desde Crepúsculo (2008) ela não fazia teste de elenco – e me pergunto como que ela passou. O cineasta, que costuma acertar na escolha da mocinha, atingiu o fundo do poço neste quesito. Depois de Emma Stone em dobro com Magia ao Luar (2014) e O Homem Irracional (2015), nos contempla com uma das maiores enganadoras da atualidade. Ainda bem que Kate Winslet topou fazer Roda Gigante (2017), ainda não assistido.
Talvez em outra época, Café Society se tornasse um pequeno clássico do diretor. Utilizando pouca iluminação artificial e todos os tons de amarelo na cinematografia, Woody Allen viaja para Los Angeles para reforçar seu amor por Nova York. Logo nos primeiros minutos dá voz à sua opinião quando um personagem diz que, em Hollywood, “tudo gira em torno do ego”. O sol parece sempre tomar conta do ambiente, de uma forma incômoda, enquanto Bobby insiste em tons de marrom e cinza no seu figurino. Quando ele volta para sua cidade natal, o filme ganha a bela e tratada fotografia de sempre – isto sem contar que o ponto de virada do filme possui como trilha The Lady is a Tramp (uma das frases diz “hates California, it’s so cold and so damp”). Uma bela estreia de Woody na captura digital de imagens, nesta que é sua produção mais cara até hoje (custou 30 milhões de dólares).
O segundo terço do longa, baseado em muitos desencontros, abre espaço para algumas boas discussões sobre relacionamento, com indícios de um texto bem afiado, como os de antigamente. Porém, ainda é pouco. Vale destacar Steve Carell, que substituiu Bruce Willis, demitido no meio das filmagens após problemas de relacionamento e por não decorar seus textos. O ator brilha quando lhe é dada oportunidade em papel que parece feito sob medida. Já Blake Lively, com tão pouco tempo de cena, é muito mal aproveitada. Acho que o vovô Allen viu Atração Perigosa (2010) e a Crepúsculo (2008) e confundiu as atrizes, só pode ser.
Muito se falou, quando do lançamento de O Estrangeiro, do tom mais dramático na atuação de Jackie Chan, que há pelo menos 20 anos, quando explodiu em popularidade ao estrelar A Hora do Rush (1998), fez parte de muitos filmes de ação de diversão fácil, com pouca preocupação em relação ao conteúdo.
Ignorar boa parte de uma carreira de mais de quarenta anos alegando se tratar de uma produção apenas comercial é tão errado quando elevar este longa ao patamar de ponto de virada da carreira de Chan. Baseado em um livro de Stephen Leather, a adaptação de David Marconi apenas atualiza a forma como um thriller de suspense é contado - e nem é um estilo tão novo assim. De poucos trabalhos ao longo da carreira, o roteirista repete o trabalho de Inimigo do Estado (1998) e de Duro de Matar 4.0 (2007) - neste segundo creditado apenas pelo argumento. Ele cria boas camadas para nos aprofundarmos nas motivações do protagonista, como um bom filme de ação faz desde os anos 1980.
Chan interpreta Quan, um dono de restaurante chinês que acaba de presenciar um ataque terrorista em Londres que vitimou sua família. O carisma do ator torna convincente sua interpretação, principalmente quando vemos uma transformação sutil do personagem ao chegar em casa desolado e revisitar o quarto da filha adolescente, uma fase em que somos tão desorganizados quanto espaçosos. O texto de Marconi permite atacar em mais duas frentes: a dos responsáveis pelo ataque (que fica um pouco solta e é abandonada por longos períodos) e a de Liam Hennessy, irlandês vivido por Pierce Brosnan. Formalmente ex-membro do IRA, ele atua como Ministro britânico sob a responsabilidade de manter a paz junto aos separatistas da Irlanda do Norte (onde o filme foi banido dos cinemas) - enquanto comete o adultério nosso de cada dia, como um bom canalha pede.
Estas tintas fortes nas personalidades de protagonista e antagonista é o que permite acreditar que O Estrangeiro - mesmo sendo um bom filme - está longe de ser a salvação da lavoura. A trama é baseada na vingança da honra da família por parte de Quan, que abandona sua rotina para ir atrás dos assassinos e conta com as informações de Liam para isso, fazendo com que um "ordinary man" vire uma mistura de MacGyver com Bruce Lee e John McClane. O diretor Martin Campbell, que atualizou por duas vezes a franquia James Bond com 007 Contra GoldenEye (1995) e Cassino Royale (2006) faz a história ser contada da maneira mais realista e violenta possível. Ele voltou à cadeira depois da bomba Lanterna Verde (2011) e deve ser orgulhar do retorno.
Pouca coisa em O Estrangeiro incomoda. Uma delas é no roteiro que, por não saber desenvolver a motivação de Liam com a mesma eficiência que a de Quan, saque um diálogo expositivo que chega a ser enfadonho perto da dinâmica do restante do longa. Além disto, a atuação de Pierce Brosnan, forçando o sotaque irlandês, parece fora de tom, contrastando com a (surpreendente) naturalidade de Chan. A alegria de quem gosta do ator chinês é saber que, mesmo na casa dos 60 anos, ainda é possível aproximar sua filmografia de projetos interessantes como este. Mesmo que o resultado final não seja primoroso, a experiência de ver O Estrangeiro ainda é válida se comparada com a média geral, por passar longe da superficialidade.
O Motorista de Táxi, representante da Coréia do Sul na briga pelo Oscar de melhor filme estrangeiro em 2018, é um excelente exemplo de de comunhão entre uma produção de boa técnica cinematográfica em uma história de ótimo apelo junto ao grande público. Filmes como esse deverão ser cada vez mais comuns, dada a popularização da produção cinematográfica. No representante brasileiro, Bingo: O Rei das Manhãs, foram citadas estas mesmas características, a conferir ainda.
A trama conta a história de Kim, motorista de táxi de Seul em maio de 1980. Viúvo, com uma filha pré-adolescente e devendo quatro meses de aluguel, ele atravessa uma corrida para Gwangju destinada a um colega. Ele deverá levar o jornalista alemão Peter, que viajou para cobrir uma onde de protestos de estudantes que acontecia naquela cidade, que acredita que Kim sabia falar inglês e em que furada estava se metendo. Este levante estudantil foi abafado pelo governo e pela imprensa do país, apesar do Exértico ter isolado a cidade com boatos de que estavam respondendo às reuniões com balas de verdade.
Em um primeiro momento, O Motorista de Táxi não mede esforços para que a história seja contada de maneira até leve. A personalidade de Kim nos permite acreditar que, mesmo diante de tantos problemas, ele é uma pessoa bem humorada - mesmo com os trejeitos do taxista clássico, que reclama das condições da pista, do trânsito e de todos os outros condutores que chegam perto dele. Já Peter é um típico ocidental que se vê em um país com cultura e língua muito diferentes da sua. É de se criticar que o roteiro utiliza por quase toda a primeira metade um alívio cômico baseado apenas em uma piada: o fato de um protagonista não entender o que o outro fala. Mesmo assim, ao final concluimos que isto não afeta tanto o resultado final.
A interpretação de Kang-ho Song, como o taxista Kim, é nada menos que espetacular; enquanto a performance do alemão Thomas Kretschmann como Peter se encaixa muito bem com a proposta do roteiro ao seu personagem. Esqueça o ocidental que está em cena para ser o heroi. Ele assume a vez de observador, trazendo surpresa, emoção e - principalmente - comoção, na hora certa. O trabalho de estreia do roteirista Yu-na Eom é bom, mesmo que utilize uma técnica ultrapassada consistente em escrever uma excelente cena de determinado personagem, criando uma empatia automática com o espectador, para que momentos seguintes ele sofra uma tremenda injustiça. Porém, utilizar o melodrama com moderação é um de seus acertos e O Motorista de Taxi termina com muito mais impacto do que uma simples biografia pudesse causar. Consegue ser eficiente com alguns truques utilizados para marcar o grande público. Um exemplo de linguagem acontece em duas cenas em que Kim dá uma guinada com seu carro: a primeira tentando fugir da cidade e abandonar Peter e a segunda quando parece entender qual sua missão humanitária naquele momento.
Isto porque a ambientação histórica do longa acontece no Massacre de Gwangju, um episódio que ocoreu entre 18 e 27 de maio de 1980 na Coréia do Sul. Apontado como uma revolta comunista, depois se revelou ser um levante democrático, contrário ao governo do ditador Chun Doo-hwan. Vale destacar a boa direção de Hun Jang, principalmente nas cenas dos protestos. Excelentes enquandramentos, além de montagens e trilhas sonoras alinhadas, utilizando muito bens os sons da rua como os cantos e os barulhos de tiros. Com esta soma de trabalhos inspirados, não poderia ser negativo o resultado desta produção.
O nepotismo na produção de O Abutre tinha tudo para fazer com que escolhas não tão acertadas pudesse colocar tudo a perder, todavia isto não ocorreu. O filme entrega exatamente aquilo ao que se propõe, mesmo que não em um nível de pequena obra-prima, como alguns tentaram vender - e o potencial era para isso.
Dan Gilroy, um roteirista em ascenção em Hollywood, arriscou seu primeiro trabalho como diretor com um texto que, de longe, é o mais pretensioso de todos que parece ter escrito. É possível que ele tenha visto apenas em si potencial para tirar do papel a trama de Louis Bloom, jovem desesperado por trabalho e sem muitas perspectivas de encontrá-lo. Ele encontra uma oportunidade ao ver como pessoas munidas de um carro, um bom equipamento de filmagem e um rádio que intercepta as mensagens da Polícia de Los Angeles conseguem faturar um dinheiro vendendo vídeos extremamente violentos de acidentes e crimes cometidos pela cidade. A viagem do filme traz muito da discussão acerca da ética da decadente profissão de jornalista e seus programas policiais cada vez mais sensacionalistas e viscerais, feitos para agradar uma audiência obcecada por sangue.
Para que esta nova função de Dan pudesse ser executada, era importante que Tony Gilroy, seu irmão mais velho, ancorasse a produção. Ele também é roteirista e quando se arriscou como diretor obteve dupla indicação ao Oscar de 2008 por Conduta de Risco (2007), outra trama que discute ética de uma outra profissão decadente, a de advogado. A edição de O Abutre ficou sob responsabilidade de John Gilroy, irmão gêmeo de Dan. A dupla deverá ter longa vida em Hollywood, uma vez que em 2016 conseguiram colocar as mãos em um dos produtos mais valiosos da indústria, ao serem creditados como roteiristas e editores de Rogue One: Uma História Star Wars (2016).
Por fim, Dan Gilroy manteve sua tradição de encaixar um personagem de destaque para sua esposa, Rene Russo. A atriz, que estava um pouco esquecida até viver Frigga nos filmes do Thor, interpreta Nina Romina, a chefe de redação do canal de televisão de pior audiência de Los Angeles (tipo a Rede TV) e vê seu desespero por melhoria de resultados aumentar uma vez que seu contrato de dois anos está chegando ao fim. Ela serve de equilíbrio na narrativa de O Abutre. Funcionando como par, antagonista, vítima e vilã, sua personagem passeia pelo roteiro para que a trama tenha o tom que aquele momento pede.
Porém, a alma do filme é Jake Gyllenhaal, brilhante e dez quilos mais magro no papel de Bloom. Atuando em larga escala, com mais de 30 filmes em menos de 20 anos de carreira, ele é perfeito para seres como Louis, meio andróginos e desprovidos de qualquer vínculo afetivo, algo entre o autismo e a psicopatia. Parece até uma zona de conforto, uma espécie de evolução do papel-título de Donnie Darko (2001), que, assim como Louis, também praticamente não piscava o olho. Trata-se de uma maneira de atuar em que Jake traz uma referência de sua própria filmografia. A evolução de seu personagem, que se sente um pouco justiceiro quando tenta identificar alguns criminosos ao mesmo tempo em que evita dar os primeiros socorros a um acidentado para encontrar o melhor enquadramento para suas imagens, é muito convincente. Suas motivações, mesmo quando não claras no início de algum episódio, se revelam e são coerentes ao final. Mais uma vez a Academia ignorou seu trabalho e ele segue com apenas uma indicação, como ator coadjuvante por O Segredo de Brokeback Mountain (2005).
Dan GIlroy cortou todo um arco introdutório acerca da origem de Bloom, uma decisão magnífica. Ele ser apresentado como um produto do meio gera um distanciamento sentimental fundamental no espectador. A pegada é de um thriller psicológico urbano, um gênero que não nasceu com Martin Scorsese, mas possui como magnum opus Taxi Driver (1976). Já o ponto de virada se assemelha mais com Blow-Up: Depois Daquele Beijo (1966) - e sua versão americana Um Tiro na Noite (1981). Talvez essa ligeira sensação de déjà-vu tire um pouco do peso de O Abutre para um cinéfilo mais aficcionado. Além disto, a temática de utilizar o audiovisual como instrumento psicótico não é inédita, lembrando um pouco a abordagem do injustamente execrado pela crítica 8mm (1999) - mesmo que este siga um caminho muito diferente. Para manter esta viagem cinematográfica, vale mencionar que, definitivamente, estamos diante de um filme muito melhor que o superestimado Drive (2011), que, aliás, utiliza o mesmo restaurante de uma das cenas de O Abutre.
As quebras narrativas quando o cenário da madrugada violenta de Los Angeles dá espaço para a redação do jornal são ótimas, dignas de um roteiro apurado. Foi merecida a indicação de Dan Gilroy ao Oscar nesta categoria. Além disto, no segundo ato em especial, a trilha sonora incidental se destaca até de forma surpreendente, uma vez que o longa não parecia inclinado a estas variações artísticas. Notas de produção informam que toda a trilha tocada representa a música que tocava na cabeça de Louis naquele momento. O ato final movimentado tem o condão de aproximar O Abutre do grande público, o que não só transformou a qualidade do filme em reconhecimento direto, como abriu portas para a evolução na carreira de seus realizadores. Com um pouco mais de profundidade, ele seria um pequeno clássico. Mesmo assim, ainda excelente.
Após o reconhecimento por seu longa de estreia na direção, Medo da Verdade (2007), Ben Affleck lançou três anos depois Atração Perigosa, um caso menos comum de terceiro ato forte sem um desenvolvimento compatível. A inspiração do astro foi o filme Fogo Contra Fogo (1995) de Michael Mann e podemos dizer que são produções "irmãs", tanto na estética, quanto no ritmo e no resultado final.
A credibilidade do filme de 2007 junto à crítica e público fez com que The Town (no título original) fosse selecionado para o Festival de Veneza ao mesmo tempo em que arrecadou 160 milhões de dólares nas bilheterias (custando 25% disso). A montagem do longa, feita por Dylan Tichenor, o mesmo das grandes obras de P.T. Anderson, em especial Magnólia (1999) e Sangue Negro (2007) é um dos destaques. Iniciar os atos com uma bem executada cena de ação (assaltos a bancos e perseguições de carro), para descer o ritmo e transformar o miolo em um drama foi uma decisão acertada da produção, mesmo que alguns elementos não sejam tão bem sucedidos. Interessante saber que o corte original possuía quatro horas (quem está acostumado com a montagem de Tichenor não se assusta). Porém, pela óbvia falta de apelo comercial, em apenas três dias metade do longa foi para o lixo.
O longa se passa em Charlestown, uma cidade nos Estados Unidos em que assaltos a bancos e carros-fortes parecem ter se tornado um fato corriqueiro. A preocupação sempre presente da Hollywood do início desta década de ambientar suas tramas na crise imobiliária que abalou o país é mencionada sempre que possível. Uma quadrilha liderada por Doug MacRay (Ben Affleck) quase se dá mal em um desses assaltos. Na fuga, utilizam brevemente Claire Kessey (Rebecca Hall) como refém. A partir daí, nasce um senso de justiça e ligeiro arrependimento na cabeça de MacRay, que o faz se aproximar propositalmente da vítima, em uma espécie de "Síndrome de Estocolmo reversa". A dubiedade da atuação de Affleck não deixa claro se o protagonista se motiva apenas deste arrependimento ou se deseja acompanhar de perto a investigação do FBI, que segue rastreando o dinheiro e ouvindo testemunhas para chegar aos criminosos. Em um primeiro momento é difícil também creditar esta dubiedade às qualidades ou aos defeitos artísticos do ator, que parece ter se encontrado na cadeira de diretor. Porém, no terço final seu cinismo e a transformação de sua personalidade são convincentes - apesar de seu trabalho não ser brilhante.
A convivência com as consequências de seu delito é apenas um ótica do roteiro de Atração Perigosa, baseado no romance de Chuck Hogan. Ben Affleck repetiu a parceria com Aaron Stockard e chamou o estreante Peter Craig para uma adaptação a seis mãos. A mudança de foco, alternando um romance incomum com a relação de MacRay com seu pai preso, além do desenvolvimento dos delitos encomendados por um florista mafioso vivido por Pete Postlethwaite, acontecem sem problemas. Utilizando uma narrativa clássica, linear e focada em um protagonista, não vemos em nenhum elemento de Atração Perigosa riscos sendo corridos, mesmo que o ritmo um pouco lento possa não ter agradado alguns espectadores mais ansiosos e sedentos por violência.
Faz falta um pouco de complexidade em qualquer coisa, mas isso não incomoda. O elenco secundário não parece muito inspirado, à exceção de Jeremy Renner como o comparsa James Coughlin (interpretação indicada ao Oscar) e, vejam só, Blake Lively, como Krista. Pena que eles possuem muito pouco tempo em cena. Menos ainda possui o Fergie de Postlethwaite, ator lembrado pela Academia por Em Nome do Pai (1993) e que não pode aproveitar o sucesso de Atração Perigosa, uma vez que faleceu logo no segundo dia de 2011. Uma conclusão melhor do que um desenvolvimento costuma causar uma última impressão melhor, sentimento que cai como uma luva para uma trama tão genérica como essa.
Lançado entre dois clássicos absolutos da carreira de Martin Scorsese (o aclamado Touro Indomável de 1980 e o subestimado Depois de Horas de 1985), O Rei da Comédia passa longe de ser um filme ruim, apesar de encontrarmos algumas coisas um pouco fora do lugar nele.
Com a mesma pegada urbana minimalista que daria o tom da produção posterior, este filme de 1983 tem início mostrando uma esquete de abertura do late show de Jerry Langford, veterano e consagrado humorista vivido por Jerry Lewis e livremente inspirado em Johnny Carson. Ao mesmo tempo, traz a história do sonhador Rupert Pupkin, que sonha em trabalhar com comédias, assim como seu ídolo Jerry. Logo nos primeiros minutos identificamos dois problemas em O Rei da Comédia. O primeiro reside em insistir no erro de escalar Robert de Niro em um papel que não lhe cai bem, o que já foi percebido com seu Jimmy Doyle de New York, New York (1977). O astro parece bem menos imerso no personagem aqui, mesmo estando no auge sua carreira, após estrelar o vencedor do Oscar de melhor filme de 1979 O Franco-Atirador e o já citado Touro Indomável (1980). É óbvio que de Niro é um ator espetacular, com uma sólida carreira que nos permite apontá-lo como um dos grandes de sua geração. Porém, seu leque de atuação não é tão ilimitado quanto Scorsese acreditava que era naquela época - talvez menor, inclusive, que o de Leonardo di Caprio. A não ser que tenha sido uma escalação propositalmente ruim, o que não acredito, uma vez que o diretor escolhe esta como a melhor atuação do amigo Robert dentre a parceria de oito filmes. A amizade era tanta que o ator ousou escrever uma carta para o diretor durante a pré-produção questionando a escolha de Jerry Lewis, por acreditar que este não teria capacidade de entregar uma atuação dramática convicente.
O segundo (e bem menos polêmico) problema é a forma incompatível entre a linguagem típica de um filme scorsesiano com a temática introspectiva e ligeiramente surrealista do roteiro de Paul D. Zimmerman. Sua carreira foi precocemente interrompida aos 54 anos, com apenas três de seus textos resultando em filmes, sendo este, de longe, o mais famoso. Uma produção liderada por Martin Scorsese, mesmo as não tão urbanas e marginais, são marcadas pela crueza e exteriorização de sentimentos. É possível ao espectador identificar a complexidade dos personagens baseando-se em suas escolhas e seus atos. Sendo assim, quando O Rei da Comédia viaja um pouco na mente de Rupert para dar forma à frustração causada pelo fracasso iminente de uma pessoa na casa dos 30 anos, ele não flui tão bem quanto o esperado. Em 2010 ele faria bem melhor com Ilha do Medo, por sinal. Scorsese considerou a experiência de filme O Rei da Comédia "perturbadora" e creditou isto ao roteiro mal trabalhado que lhe foi entregue. Ele não rejeita a obra, mas confessa que se pudesse voltar atrás, não teria tocado este projeto, que custou quase 20 milhões de dólares e arrecadou pouco mais de dois.
Como consequência, vemos que a sociopatia do protagonista, quando nítida, não é explorada; os números de humor soam forçados na persona de Robert de Niro; e a atuação de Lewis - apesar de ótima - deixa transparecer seu subaproveitamento. Era possível dar mais liberdade ao veterano que saberia conduzir uma aula sobre comédia, mesmo que usasse o improviso. Os poucos diálogos consistentes entre os dois atores são a prova disso e as notas de produção mostram como de Niro utilizou o Método para arrancar sentimentos genuínos de Jerry, que nunca havia trabalhado com um profissional que aplicasse esta técnica. Ou seja, era possível fazer muito mais. Já Lewis não concordava muito com os elogios à sua performance, dizendo apenas que foi pago para fazer ele mesmo, como acontece com muitas celebridados no cinema. Em oposição, boa parte do elenco de apoio não possuía conhecimento técnico de atuação, sendo muitos amadores - porém, esta "naturalidade" até que funciona bem.
Como não entendo muito desse negócio de cinema mesmo, fico feliz que um dos meus diretores preferidos tenha sido indicado à Palma de Ouro em Cannes em 1983 por esta obra e o roteiro de Zimmerman tenha vencido o BAFTA do ano seguinte, mesmo com o próprio cineasta odiando o material. A Academia Britânica também indicou o trio Scorsese, de Niro e Lewis além da edição de Thelma Schoonmaker, que desde Touro Indomável é a única opção de Martin para a função. A parceria já rendeu a ela três Oscars: pela história de Jake La Motta, por O Aviador (2005) e Os Infiltrados (2007), em um total de seis indicações. Para uma produção que gerou reservas por parte dos próprios idealizadores, podemos acreditar que houve um pouco de exagero em tanto reconhecimento. Não utilize como uma porta de entrada para o cinema de Scorsese.
Trapaça foi um projeto que já nasceu vencedor. Feito para o período de premiações, reuniu boa parte dos queridinhos de Hollywood na época. O diretor e roteirista David O. Russell vinha de obras como O Vencedor (2010) que rendeu a Christian Bale um Oscar de melhor ator; e O Lado Bom da Vida (2012), que elevou Jennifer Lawrence de musa teen dentro da saga Jogos Vorazes para uma das grandes atrizes da atualidade. Nada mais natural do que trazer os dois astros para este longa.
É justamente de Bale e Lawrence as melhores interpretações em Trapaça. A Rosalyn de Jennifer, então, é a alma do filme. Fica nítido como o longa ganha força quando ela surge em cena e como seu trabalho rouba todas as atenções. Por isso que se tornou impossível que a atriz deixasse de receber mais uma indicação ao Oscar em 2014, mesmo após vencer no ano anterior. Russell ainda dirigiria Jennifer na performance que renderia a quarta lembrança em seis anos, por Joy: O Nome do Sucesso (2016). Já Bale está em sua zona de conforto, até por conta das notas de produção informando que boa parte dos diálogos foram improvisados, o que aumenta o destaque de um talento genuíno como o do Batman de Christopher Nolan. Completam o elenco Amy Adams, que conseguiu sua quinta indicação ao Oscar em oito anos com Trapaça e Bradley Cooper, que está sempre em papeis de destaque em produções de sucesso. Ele seria lembrando pelo segundo ano consecutivo pela Academia (e no ano seguinte completaria a trinca com Sniper Americano).
Dito isto, não há motivos para se sentir decpecionado se ao final de Trapaça você encontrar um filme apenas bom. Nada nele é muito distante de produções com a mesma temática. O clima dos anos 1970, tão aclamado em Boogie Nights: Prazer Sem Limites (1997) é bem representado, porém com figurinos e direção de arte que não deslumbram (apesar de também indicados). A escolha do roteiro em trazer uma dupla narração, feita por Irving (Bale) e Sydney (Adams) traz dinamismo e não nos deixa perder o foco da ação em nenhum momento. A direção é precisa, sendo este um dos trabalhos mais artísticos de David O. Russell. Tudo em Trapaça é muito coeso e bem limpo, o que justifica que tanto roteiro, quanto edição e direção também fossem indicados ao Oscar. Com tantas lembranças, é claro que não poderia faltar a categoria principal. Contou quantas foram? Dez, porém nenhuma estatueta foi conquistada. Isto igualou o feito de Gangues de Nova York (2002) e Bravura Indômita (2010). Fácil entender como em menos de quinze anos este turbilhão de indicações sem prêmios se repetiu trêz vezes. Uma produção feita pensando na temporada de prêmios virou um desfile de escolas de samba, em que já é possível identificar dentro de cada elemento apurado o que o julgador quer ver.
Tanto que muitas pessoas caem no erro de esperar de Trapaça algo próximo de uma comédia. Pouca situação cômica, de fato, funciona. Ele trata uma grande história de forma sutil. Tanto que ao perceber que os dois vigaristas pegos com um golpe na mesa pelo FBI farão parte de uma operação policial no estilo da Lava-Jato, que tenciona seguir o longo caminho da corrupção, mesmo quem não gosta desta temática já fatalmente está imerso no filme. A versatilidade de Jennifer Lawrence, a trilha pop rock bem selecionada (destaque para Long Black Road, do Electric Light Orchestra) e as linguagens narrativas que homenageiam tanto a espetacularização do crime de Martin Scorsese quanto o humor situacional dos irmãos Coen. Fatores que acabam trazendo uma segunda metade muito mais forte, com alguns rumos inesperados e a presença sempre bem-vinda de Robert de Niro.
Falar de um filme controverso como Psicopata Americano é sempre um prazer. Este é o tipo de longa que dificilmente chegará ao final com seu espectador desprovido de emoção. No meu caso, achei de um brilhantismo cada vez mais raro, porém condizente com a virada do milênio, marcada por produções excepcionais entre 1999 e 2001.
Perdido entre Matrix (1999) e Clube da Luta (1999), filmes como este e Donnie Darko (2001) acabaram sendo descobertos com o passar dos anos. Apenas o alto nível justifica o fato de Psicopata Americano ser pouco reconhecido quando da época de seu lançamento. Ele se encaixa de forma sublime no que Hollywood discutia no momento, indo direto na ferida da pós-modernidade. É deprimente atestar que o excelente trabalho da diretora e roteirista Mary Harron não tenha transformado sua carreira. Desde 2000, quando o filme foi lançado, ela emplacou muitas poucas obras com a sua marca, uma injustiça tremenda. O roteiro também tem a assinatura de Guinevere Turner.
A abordagem do mundo corporativo na Nova York do final da década de 1980 traz um grupo de homens de meia idade racistas, machistas e começando a desenvolver uma metrossexualidade que os tornam tão iguais que alguns mal reconhecem as individualidades dos colegas. O foca é a história de Patrick Bateman, machão bem sucedido, mais afeito aos seus mil abdominais diários do que a nutrir um relacionamento saudável com qualquer pessoa. Viciado em pornografia, ele possui vida dupla e nas noites da cidade grande gosta de assassinar cruelmente qualquer pessoa que ele entende ser uma "derrotada", com ou sem premeditação.
Todos os elementos em Psicopata Americano parecem estar à frente de seu tempo. Por isso que, tal como em Cidade dos Sonhos (2001) - mesmo que em uma escala menor - é possível que boa parte de quem o assistiu não tenha entendido tão bem o que o longa se propõe a apresentar. O desenvolvimento dos personagens, a montagem e os elementos narrativos aproximam mais esta obra ao nosso tempo do que à forma como se consumia cinema há quase duas décadas.
Psicopata Americano não precisa ser apenas revisitado pelo pioneirismo (talvez imcompreendido). Há espaço nele para dialogar com uma direção de arte que mescla o urbano com o distópico, lembrando muito expoentes da sétima arte que tiveram seu auge justamente nas décadas de 1980, como Terry Gilliam e o saudoso R.W. Fassbinder, que nos deixou de forma tão precoce. Estas claras referências fazem com que o expectador sempre se sinta ligeiramente desconfortável, mesmo em uma Nova York movida a restaurantes da moda e uma trilha sonora de soft rock da época, utilizada de maneira tão inteligente quanto o jogo de câmera com cortes secos e muito dinâmicos.
Com um ritmo crescente, o longa vai se transformando em um grande filme de terror e possui um dos quinze minutos finais mais inesquecíveis do cinema nos últimos anos. Christian Bale está perfeito no papel, dosando o animal social urbano que Bateman precisa ser ao longo do dia com um matador ao mesmo tempo irônico, cruel e muito asseado. Bebe da fonte do Alex que Malcom McDowell nos entregou no perfeito Laranja Mecânica (1971). Bale, à época com 26 anos, entrega um de seus melhores trabalhos - e isto é algo grandioso para uma carreira como a dele, que parece ser uma fonte inesgotável de talento.
Eu, Tonya é um filme que peca por algumas vias de condução da história, apostando que o prévio conhecimento da vida da patinadora Tonya Harding inviabilizaria uma trama com mais apreensão e menos reconstituição. Para entender isto, precisamos dissecar um pouco o que acontece.
O prólogo no estilo mockumentary já antecipa que estamos diante de uma narrativa linear (à exceção das inserções em formato de depoimento). Mostra ainda que o elenco traz uma ótima Margot Robbie no papel da protagonista, uma espetacular Allison Janney interpretando a mãe de Tonya, LaVona; porém, aliadas a atores pouco inspirados, com trabalhos de imersão bem menores do que a dupla citada. O papel de Janney, inclusive, foi tratado pelo roteirista Steven Rogers já com seu nome na cabeça. A atriz, que quase teve uma perna amputada na adolescência por conta de uma acidente enquanto treinava para ser patinadora no gelo, utiliza seu arsenal mais cínico de interpetação, que sempre funcionou muito bem tanto para drama quanto para comédia.
A introdução é eficiente ao mostrar que estamos diante de uma personalidade controversa (Tonya mesmo se define como "uma pessoa de verdade") e quem não acompanhou os noticiários esportivos do ano de 1994 ou pouco leu sobre a produção do filme se sente bem na forma como o roteiro vai tirando o espectador da escuridão. Uma surpresa em um projeto tocado por um roteirista de poucos trabalhos. Rogers teve apenas sete textos emplacados entre 1998 e 2017 e seus sucessos sempre foram com comédias românticas pouco inovadoras como Quando o Amor Acontece (1998) e P.S. Eu Te Amo (2007). O mesmo pode ser dizer do diretor Craig Gillespie, que há dez anos lançou seu primeiro e (até então) mais bem sucedido trabalho nos cinemas: A Garota Ideal (2007).
O primeiro terço é irretocável, com grandes cenas de conflito entre mãe e filha, permeadas por takes de patinação artística e trilha sonora do pop rock oitentista retratando bem a melancolia do meio-oeste americano. Até mesmo os clichês estilísticos da Hollywood atual, com seus planos-sequência e constantes quebras da quartas paredes parecem estar bem encaixados, dada a fluidez do longa. Tudo vai bem até a metade da projeção, com uma montagem dinâmica muito atraente. O desenvolvimento do relacionamento abusivo e tóxico de Tonya com seu marido Jeff e a perseguição velada da federação de patinação dos Estados Unidos por ser Harding fora do padrão são bem expostos e condizentes com a pertinência temática das produções de empoderamento feminino que vêm aumentando exponencialmente nos últimos anos. Terminando aqui uma análise sem grandes spoilers.
O caminho que a segunda metade de Eu, Tonya opta e faz com que o filme perca a força é entender que o espectador-médio conhecia previamente a história de sua protagonista e o escândalo causado pelo ataque à rival Nancy Kerrigan. Tentar explorar com um pouco de mistério este fato, fazendo com que o espectador aos poucos soubesse que Tonya e Jeff discutiram uma forma de intimidar Nancy e contaram com o guarda-costas Shawn para isso traria um frescor muito maior. O filme sofre uma brutal queda de ritmo no terço final, mesmo utilizando os mesmos recursos narrativos anteriores. Ele não é contraditório, só se torna desinteressante. Sua transição de longa meramente biográfico para um thriller criminal não é bem feita e não se encaixa com o ambiente criado.
Tirar o foco de Tonya Harding pode render a perda de um Oscar para Margot Robbie. Em uma trama em que ela deveria se destacar a todo o momento, há uma profunda diminuição de aparições nos momentos cruciais. Não que isto seja um problema, se Sebastian Stan (o Soldado Invernal dos filmes do Capitão América) como Jeff e Paul Walter Hauser como Shawn apresentassem trabalhos no mesmo nível de Robbie ou Allison Janney, que finalmente ganhou um Globo de Ouro após cinco indicações anteriores (sendo quatro vezes seguidas entre 2001 e 2004 por seu papel na ótima série The West Wing).
O aclamado diretor chinês Zhang Yimou se rende a uma co-produção com Hollywood e participa deste longa que já sabemos que será próximo do esquecível mas que renderá muito dinheiro para quem nele investiu. A câmera nervosa no estilo Michael Bay das primeiras cenas (ainda bem!) não é a tônica em A Grande Muralha por todo o tempo. No que Yimou conseguiu impor sua linguagem estilística ele vai bem, com foco em mulheres fortes e câmera com super slow motion que hoje chegam a ser convencionais. Todavia, não há como jogar contra o poder do dinheiro que fez desta a produção mais cara da história do cinema chinês, com orçamento próximo dos 150 milhões de dólares.
A trama foi objeto de críticas antes mesmo do filme entrar em cartaz, por ser a velha maneira hollywoodiana de mostrar o homem branco ocidental como desbravador (e heroi) no mundo oriental, fórmula utilizada de O Último Samurai (2003) à Sayonara (1957). Matt Damon interpreta William, mercenário europeu que vai à China em busca de pólvora, que parece ser a arma de guerra do futuro. Lá ele conviverá com monstros e guerreiros que misturam um fiapo de história do Ocidente com muito da fértil imaginação de três roteiristas (e outras três "mentes brilhantes" que ganham créditos pela trama).
Com uma longa cena de batalha logo no primeiro terço, o diretor consegue tirar de sua responsabilidade qualquer fracasso que A Grande Muralha pudesse ter. Porém, com diálogos rasos e uma montagem dentro da zona de conforto do cinema comercial, perdeu-se uma excelente oportunidade de unir um grande cineasta com o realismo fantástico que a mitologia chinesa, em especial sobre os monstros taotei, permite que se faça. Por fim, uma decisão estúpida do roteiro (spoiler no último parágrafo) torna a conclusão de A Grande Muralha sofrível em comparação ao apenas regular desenvolvimento.
A decisão que considero absurda no roteiro: após a ideia de capturar um dos monstros para testar o poder da pedra que William carregava quando conseguiu afastar um taotei ao longo do caminho ser bem sucedida, eis que os protetores da China, que passam praticamente toda a vida confinados na muralha, decidem trazer para dentro de seu território o bicho - e ainda levá-lo para o Imperador vê-lo! Uma forma ingênua do roteiro de criar uma crise maior do que a existente nas fronteiras do país apenas para justificar uma ação diferente no terço final.
O segundo filme da Saga Jogos Vorazes foca o primeiro terço de seu roteiro nas implicações políticas dos atos praticados pela protagonista Katniss Everdeen no primeiro longa. É nítida a impressão de que estamos diante de um conteúdo complexo para o roteiro de Simon Beaufoy e Michael Arndt condensar sem deixar de torná-lo atrativo para o público infanto-juvenil. Trata-se de uma dupla que alia um excelente adaptador de romances com um bom contador de histórias originais. O primeiro foi indicado ao Oscar por Ou Tudo ou Nada (1998) e 127 Horas (2010) e venceu por Quem Quer Ser um Milionário? (2008). O segundo venceu por Pequena Miss Sunshine (2007) e foi indicado por Toy Story 3 (2010) - além de ter tocado o recomeço da nova trilogia de Star Wars em 2015 com o Despertar da Força, todos filmes melhores que Jogos Vorazes: Em Chamas. Tanto que não voltaram para as produções posteriores desta franquia.
É justificável a divisão do capítulo final em dois longas, pois vemos claramente o esforço para que Em Chamas não fosse confuso nem cansativo. Mesmo assim, é um filme de duas horas e meia em que sempre parece que algo fundamental está acontecendo. Mesmo assim, poucas histórias e relações entre personagens são eficientemente desenvolvidas. Após vencer o torneio Hunger Games ao lado de Peeta, Katniss precisa manter a farsa de seu relacionamento a pedido do Presidente Snow. Em paralelo, a Capitol altera as regras do novo torneio para que ex-vencedores voltem à arena para duelarem até a morte, uma clara tentativa de eliminar boa parte dos agitadores de uma nova rebelião que parece surgir.
A ambientação distópica segue muito boa, o elenco de apoio é recheado de ótimos atores e os protagonistas se mostram competentes o suficiente para o projeto. A direção de Francis Lawrence é parecida com seus trabalhos mais famosos, como Constantine (2005) e Eu Sou a Lenda (2007). Porém, a sensação de que estamos diante de uma ficção genérica é constante e a total ausência de ação até o terço final pode tornar a experiência cansativa. Há algumas cenas com falhas graves de edição e erros de continuidade, que denotam falta de foco da equipe de produção e pós - comprometendo um pouco quem gosta de analisar elementos importantes de composição de um filme. A tentativa de adicionar terror psicológico é fraca e a coisa só engrena quando assume que estamos diante dos mesmos dilemas morais e situações trazidas pelo filme de origem.
O final anticlimático ainda transforma uma produção que, mesmo com alguns problemas, parecia funcionar sozinha em um mero filme de transição. Fica a impressão de que estamos diante de um projeto que se mostrou maior do que a perna para algumas pessoas da equipe. Mesmo assim, foi a maior bilheteria dos cinemas nos Estados Unidos em 2013. Desde 1965 uma produção protagonizada por uma mulher não chegava a este posto, o que aconteceu com A Noviça Rebelde. Feito que os dois longas seguintes não repetiriam.
Um dos primeiros romances de John Le Carré, que sempre recebeu do cinema boas adaptações, O Espião que Veio do Frio não envelheceu tão bem, algo comum em filmes de espionagem. Com fotografia e montagem marcada pela sobriedade e edição com fluidez habitual de produções do gênero, sua trama intricada exige a máxima atenção do espectador. Com pouco desenvolvimento dos personagens que vão surgindo, o foco natural do espectador acaba sendo o agente Leamas, o que torna questões muito interessantes de serem percebidas quase fadadas ao segundo plano. Para citar duas delas, vale mencionar que a história se passa no auge da Guerra Fria e temos um oficial britânico apaixonado por uma militante comunista. Além disto, as motivações do protagonista para ser agente secreto passam longe do senso próprio de justiça ou patriotismo. Como a grande maioria da massa trabalhadora, ele aceita o emprego que acredita lhe trará melhor situação financeira dentro das oportunidades. Leamas chega a sugerir uma extensão desta situação fática aos colegas de trabalho, porém o roteiro pouco explora isto, evitando a desglamouraziação da classe. Não conheço a obra original para saber se todo este desenrolar seria possível sem grandes adaptações. Mesmo assim, ainda é valida a experiência de ver O Espião que Saiu do Frio, muito por sua questão estilística. Possui condução de câmera clássica que permite uma imersão voyeurista e fotografia em preto e branco que não faz a direção de arte (indicada ao Oscar) destoar do clima formal. Sendo assim, entrega o diretor Martin Ritt um trabalho digno dos grandes da época como Alfred Hitchcock. No ano anterior, Ritt havia sido lembrado pela Academia por Hud: O Indomado e sua longínqua carreira se estenderia até a década de 1990. Richard Burton foi indicado por esta atuação, que se apresenta tão regular quanto o filme em si. Pena que há um desequilíbrio na falta de ação, o que ainda pode tornar a experiência de vê-lo cansativa para o público em geral.
Um filme bom para quem gosta de cinema e necessário para quem curte futebol americano. Mostra todo o processo de recrutamento de novos jogadores para a NFL, utilizando todas as referências oficiais, devidamente autorizado pela Liga. Foca no trabalho do General Manager, mas apresenta um pouco do lobby dos jogadores recém-formados, seus empresários e familiares; além da pressão do dono dos times e dos setores financeiros que precisam adequar qualquer contratação ao orçamento da franquia; e a insatisfação de atletas do elenco atual que vê concorrentes de posição a serem draftados. Apesar da previsibilidade atroz e de aparente contradição ao que vemos no estabilishment do esporte de forma geral (contradições estas com o claro objetivo de aumentar a emoção e o status de final feliz), parece insuperável na temática abordada. O diretor Ivan Reitman, de boas comédias dos anos 1980, filmes esquecíveis no início dos anos 1990 e muita besteira dali em diante, entrega um trabalho maduro, usando bem o elenco recheado de rostos conhecidos liderados pelo veterano Kevin Costner.
O filme é eficiente no que se propõe. De forma linear, com pouca utilização de flashback, retrata a saga das irmãs Brontë para se tornarem escritoras, inicialmente utilizando pseudônimos. Produção com o padrão da BBC de valorização da cultura britânica, mostra a competência da veterana roteirista Sally Wainwright também na direção. Um longa que não corre riscos, consegue ambientar o espectador, que termina a experiência ciente da fidelidade da reconstituição. Não seria tão aceitável o epílogo mostrando o museu da família, fazendo com que o filme termine com ares de aula de História. Todavia, dado o capricho empregado no restante do tempo e o fato de ser uma produção para a TV, os takes finais não comprometem.
Ao lado de Zootopia, Moana é um dos melhores filmes daquela que parece ser uma "terceira Era de Ouro" do estúdio de animação da Disney, iniciada com Frozen em 2013. Pouca coisa parece fora do lugar nesta produção. A qualidade técnica não deveria espantar ninguém e a utilização do empoderamento feminino na base do roteiro segue a tradição de pertinência temática da empresa. Neste ponto, vale ressaltar como ainda estamos distante da igualdade de gênero, uma vez que até mesmo em um texto formatado para o público infantil é nítida a dificuldade da protagonista, que a todo momento precisa superar a desconfiança e provar que é capaz. É bem-humorado quase na medida certa (algumas gags não funcionaram para mim) e utiliza com parcimônia as músicas. Poucas de fato são marcantes, o que talvez justifique uma onda de sucesso mais curta desta produção se compararmos com a história da Princesa Elsa e até mesmo os clássicos da década de 1990. O alívio cômico calcado em um frango burro não é o suficiente e acaba sobrecarregando personagens maiores nesta função, tirando a oportunidade de aprofundar mais suas histórias. Porém, vale ressaltar que a Disney está no caminho certo e é uma pena que crie um hiato de quatro anos para lançar um longa com história original apenas com Gigantic em 2020.
Exemplo difícil de um filme realmente inteligente. Criando uma metáfora em cima de uma coisa banal, qual seja, a mudança no visual com a retirada de um bigode, o roteiro passeia por questões comportamentais profundas. Quem nunca acreditou estar fazendo o certo e ver que todas as pessoas a sua volta pensavam de maneira diferente? Quem nunca acreditou que uma mudança traria benefícios e viu que toda mudança deve acontecer naturalmente para que seja eficiente? Filme para assistir despretensiosamente e achar seu próprio entendimento.
O espectador já sabe tudo o que vai acontecer em Busca Implacável, filme produzido pelo 'workaholic' Luc Besson. 'Prevensor' do governo americano abdica de sua família para servir o país. Anos depois, viciado em segurança, reluta em ver sua filha de dezessete anos viajar para a Europa. O que acontece? Ela é sequestrada por uma máfia que trafica e comercializa mulheres, em especial as turistas que chegam à Paris. O roteiro é enxuto, não se perde num prólogo desnecessário, fazendo de Busca Implacável um 'thriller' de alto nível, protagonizado pelo incontestável Liam Nesson. Todos os elementos estão lá: o falso amigo que dá a pista errada, as saídas marotas de situações difíceis, a pancadaria e uma perseguição de carro no fim. Sem esquecer da torturinha básica do homem que passa por tudo para resgatar a filha. O final do filme? Você já sabe bem qual é.
Bolt é a animação que a Disney lançou no final do ano nos Estados Unidos e, como tem acontecido com filmes não produzidos pela Pixar, deixou a desejar nas bilheterias. O longa conta a história de um cachorro que é astro de um programa de televisão onde ele possui superpoderes como superforça, supervelocidade e, o principal, o superlatido (ai, esses filmes de cachorro).
Eu não sou muito fã de cão, mas devo admitir que Bolt é até bonitinho, um dos mais engraçados que já vi (talvez porque ele não seja de verdade). Enfim, Bolt (dublado por John Travolta) não sabe que tudo o que ele passa durante o dia é ficção, já que tomam cuidado para não repetir cenas, nem ensaiar ou deixar o animal ver as câmeras. Sua colega de trabalho é uma garotinha (dublada por Miley Cyrus) que não tem muito vontade própria e não consegue conviver com o cachorro fora das gravações. Interessante ver a maneira como o empresário e os produtores do programa se comportam perante a menina. Podemos fazer até um paralelo com a vida da própria atriz na vida real, que desde criança estrela um programa de TV (Hannah Montana, caso você tenha acabado de voltar de outro planeta) e tem que se sujeitar às exigências da própria Disney.
Acho que isso nem se passou na cabeça da Miley Cyrus (que compôs a canção do filme e a interpreta muito bem). Voltando à trama, Bolt continua interpretando seu personagem mesmo fora das câmeras e à noite fica trancado no camarim sem contato com a realidade. A confusão começa quando ele sai do camarim e vai parar no mundo real, onde não tem superpoderes e todos tratam ele como uma bicho qualquer. Ao cair numa caixa e ser levado de caminhão de Hollywood até Nova York, Bolt conhece a gata Mittens, responsável por dar ao cão um choque de realidade (em parte porque ela já foi abandonada uma vez, o que explica o tom exageradamente pessimista e amargurado). Ao ver o filme dá para imaginar o cachorro como uma criança que, ao crescer, tem que lidar com a realidade.
Quem nunca pensou que a vida adulta seria melhor e mais divertida do que ela realmente é? E Bolt aos poucos vai entendendo que não é aquele ser especial, que iria salvar o mundo do "homem dos olhos verdes". A Disney apostou muito na ação nesse filme, que usa várias vezes cenas no estilo Matrix, bem manjadas atualmente. Mas por vezes ela se aproxima bastante da animação tradicional (e agora em 2009 ela volta àquele modo clássico de roteiro / storyboards / lápis e papel, com um filme de Princesa - que ela também não fazia há anos). Um exemplo disso é o tamanho dos olhos dos personagens, desproporcionais, como nos animes.
De resto é aquele previsibilidade de sempre, personagens engraçados (Rhino e os pombos), Bolt aprendendo a ser cachorro (no sentido animal) e aquelas mensagens de amizade e a famosa "acredite em você mesmo".
Filme brasileiro que foi a febre dos camelôs em 2008. É um longa bem realizado (orçamento de R$ 1 milhão) e só possui uma cena de mal gosto, relacionada ao exorcismo. De resto, vai indo bem, se concentrando na vida do médico e político que se converte ao espiritismo e vira um dos grandes defensores da religião. Porém, a segunda metade (e o filme é curto, 75 minutos) é extremamente chapa-branca e se transforma num debate desnecessário, dando a impressão que precisavam de mais algumas cenas para completar o filme, deixando o espectador frustrado. Quem quer assistir sem qualquer julgamento não consegue, ainda mais com a mensagem anti-aborto, manifestamente panfletária no final. Uma pena.
A Bela e a Fera
3.9 1,6K Assista AgoraO filme do ano, pelo menos de acordo com a audiência segmentada da MTV, possui elementos extremamente positivos, que tornam indiscutível sua qualidade. Todavia, peca por aquilo que muitos observam no cinema comercial dos últimos anos: a falta de originalidade.
Para a minha geração, assistir A Bela e a Fera, refilmagem em live-action do clássico absoluto do estúdio de Walt Disney lançado em 1991, é como reencontrar um velho amigo e relembrar os bons tempos de infância. Repetindo números musicais e diálogos e deixando claro ser este seu objetivo, conseguiu aumentar seu poder de arrecadação em comparação a Mogli: O Menino Lobo (2016). Se a aventura do menino criado na selva custou 175 milhões de dólares e obteve bilheteria mundial de 960 (5,5x o orçamento), o romance estrelado por Emma Watson custou menos (160 milhões, mesmo assim o maior custo de um musical na história) e arrecadou muito mais (1,260 bilhão – ou, 7,8x seu orçamento). A Disney já abraçou essa galinha dos ovos de ouro revestida de refilmar suas grandes animações com atores e prometeu lançar pelo menos um desses por ano. É a primeira releitura de um longa da chamada Era do Renascimento do segmento de animação da empresa, que começou com A Pequena Sereia (1989) e termina, forçando a barra, com Tarzan (1999).
Mesmo entrando em campo com a vitória garantida, ainda tem alguns cuidados na hora de colocar a mão na massa, superando Malévola (2014) e Cinderela (2015) em termos de qualidade. O primeiro deles é garantir uma produção muito caprichada. A Bela e a Fera é um filme muito bonito visualmente, com departamento de efeitos visuais de difícil execução (lembre-se dos objetos animados como castiçais, bules e xícaras), mas com resultado eficiente. Além disto, ainda acerta em escalar Emma Watson no papel principal. Se não estamos diante de uma nova Meryl Streep, pelo menos seu trabalho é leve, agradável e sua figura tem o poder de atrair uma geração posterior àquela que estourava as fitas de VHS revendo o desenho animado. Sua preocupação em aceitar poucos trabalhos para permitir que sua imagem atrelada a Hermione Granger descanse um pouco vem rendendo frutos e o sucesso de A Bela e a Fera é consequência disso. Quem parece ter se acertado na carreira é Luke Evans, que interpreta Gaston. Com um papel obrigatoriamente caricato, ele se sai muito bem, evitando um exagero que prejudicaria o filme.
O elenco de apoio conta com um correto Kevin Kline como Maurice (pai de Bela) e grandes estrelas do cinema britânico emprestando suas vozes (e performances capturadas) aos objetos animados (como Ewan McGregor, Ian McKellen e Emma Thompson). Josh Gad, que deu voz a Olaf em Frozen: Uma Aventura Congelante (2013) se destaca no alívio cômico vivendo LeFou. Aliás, seus trejeitos afeminados e o toque de empoderamento nas falas e atitudes de Bela comprovam que mesmo nas histórias mais antigas é possível tratarmos de representatividade. Mesmo com um roteiro engessado pela animação de 1991 o espectador mais atento conseguirá identificar muita coisa interessante (como o guarda-roupa “libertando” três homens na cena de invasão ao castelo). Por fim, a Fera vivida por Dan Stevens, finalmente dá a ele um papel que faz jus à sua capacidade, mesmo envolvendo muita maquiagem e CGI. O ator, que saiu da série Downton Abbey precocemente para estrelar algumas produções de fundo de quintal nos Estados Unidos, faz boa composição daquele que é o único personagem mais complexo.
A Bela e a Fera funciona como musical quando se assume assim, aproveitando o talento de Bill Condon, diretor de Dreamgirls: Em Busca de um Sonho (2006) e responsável pelos roteiros de Chicago (2002) e O Rei do Show (2017). Be Our Guest, o ponto alto da animação original, também é o grande momento de deslumbre deste novo longa, que possui três canções a mais, além de algumas letras mais longas. Como já foi dito, não é uma produção que causa tanto impacto pela total ausência de originalidade, mas a Disney simplesmente não quer fazer nada mais do que uma simples releitura. Isto leva a alguns problemas, como uma forte queda de ritmo no final do segundo ato e alguns desenvolvimentos de cenas e personagens exagerados ou até mesmo caricatos, incompatível com a narrativa escolhida.
Ícaro
4.0 125 Assista AgoraQuando Bryan Fogel vislumbrou o projeto que se tornaria o documentário Ícaro jamais imaginaria os caminhos que sua vida e obra tomariam, o que acabou levando seu nome à lista dos indicados ao Oscar de 2018 da categoria. Concebido inicialmente como uma espécie de “documentário experiência”, Fogel foca a trajetória do filme de maneira bem parecida com aquela que Morgan Spurlock fez em Super Size Me: A Dieta do Palhaço (2004). Ciclista amador, depois de participar da competição mais importante da categoria na França, se propõe a fazer o ciclo de treinamentos do ano seguinte usando doping.
Mais do que isso, ele quer provar que é possível utilizar substâncias que melhoram o rendimento de um atleta sem que o laboratório credenciado a identifique. Uma premissa capaz de abalar o mundo das competições esportivas, não fosse o atropelamento que a História faz no filme de Fogel. Isto porque ele ganha no caminho a ajuda de Grigory Rodchenkov, diretor do laboratório credenciado pela Wada para fazer exames antidopings na Rússia. Este ensina todas as técnicas e maneiras de burlar os resultados dos exames de urina para que o uso de substâncias proibidas não seja identificado. Ocorre que o russo está no centro do escândalo que explodiu em 2016, quando ficamos sabendo que havia uma forma sistemática de encobrir o doping de qualquer atleta da Rússia que assim quisesse. Uma trama digna de grandes filmes de espionagem, envolvendo autoridades governamentais e vinculadas ao esporte do país, algo que Ícaro trata muito bem a partir de seu segundo ato.
Sim, o documentário pode ser dividido em atos, já que o ciclista-diretor não descartou todo o material prévio quando o foco do filme passa a ser o desenrolar do escândalo sob a perspectiva de Grigory. É nítido que, de início, Fogel queria traçar um paralelo com sua própria frustração ao ver os grandes expoentes de seu esporte preferido (como Lance Armstrong) se mostrarem uma farsa. Ele quer que o espectador prove de um sentimento de pessimismo em relação a qualquer competição de alto nível. Tirar a credibilidade dos institutos antidoping se mostrou o menor dos problemas, quando aquele que deveria auxiliar o protagonista ganha o palco para entregar de bandeja o que eram meras conjecturas do documentarista.
Quem assistiu a premiere de Ícaro no Festival de Sundance, onde o filme venceu na categoria de melhor documentário produzido nos Estados Unidos, reputa a ele o ciberataque que fez com que as bilheterias parassem de funcionar por uma hora no sábado, dia 21 de janeiro de 2017. Entendem que as autoridades russas possuíam interesse em abafar o conteúdo do longa, que possui poder muito mais bombástico que Doping: Como a Rússia Faz Seus Campeões (2014), feito por uma canal de TV estatal da Alemanha e mencionado como a gênese do escândalo. Se a intenção era esta, os russos foram retumbantemente derrotados quando a Netflix adquiriu os direitos de exibição de Ícaro durante a mostra.
Não vi o documentário alemão, mas acredito que Ícaro seja complementar a ele. Acompanhando e registrando os acontecimentos em tempo real, ainda teve a preocupação de colher outros depoimentos fundamentais para o entendimento total (já que foi feito sem as amarras de prazos de grandes distribuidoras). Não há perda de tempo em explicações desnecessárias, mesmo que um dos destaques na experiência de assisti-lo (sabendo apenas superficialmente do caso) é o toque de suspense da segunda metade. Um filme que joga muita coisa na cara dos amantes do esporte, sendo a principal delas a insistência em dar força e importância política a uma atividade que – a despeito de gerar muito dinheiro – deveria ser relacionada apenas à saúde e diversão.
Okja
4.0 1,3K Assista AgoraÉ de se lamentar que pouco se fale da história e da qualidade de Okja no meio cinematográfico, uma vez que, para muitos, esta produção ficou marcada como o filme que fez o Festival de Cannes alterar seu regulamento. Isto porque o longa estreou na edição de 2017 da mostra, recebendo inúmeras críticas uma vez que ele nunca seria lançado em uma sala de cinema. A produtora Netflix até tentou chegar a um acordo para que isso ocorresse, mas quando soube que – pelas leis francesas – há uma exigência de intervalo mínimo de 36 meses para uma produção ser disponibilizada em serviços de streaming, desistiu da empreitada. Já os organizadores do festival incluíram como exigência a distribuição regular em cinemas comerciais para que um filme inscrito possa ser submetido à Palma de Ouro a partir de 2018. Já a poderosa empresa não deverá voltar tão cedo à França, até porque teve que passar pelo constrangimento de ter seu filme vaiado assim que seu nome apareceu na tela.
Deixando de lado a moderna discussão sobre ser ou não cinema um filme produzido prioritariamente para televisão, o espectador não deverá deixar de ver Okja por conta de purismo. O roteiro traz a história de uma grande corporação produtora de alimentos que cria um superleitão, selecionando vinte e seis sucursais nos mais diversos países do mundo para cuidar de um deles. Na Coréia do Sul, Mija (Seo-Hyun Ahn) e seu avô ficam responsáveis por Okja, uma leitoa extremamente inteligente, criada livre na natureza. Mesmo que pareça direcionado a um público mais infantil, com cenas mais engraçadinhas nos momentos de ação, há qualidades no longa de uma produção bem madura. O início contemplativo surpreende, uma pena que ao final do primeiro ato, o texto do roteirista (e também diretor) Joon-ho Bong queira nos mostrar uma Mija mais parecida com James Bond ou Ethan Hunt de Missão Impossível (1995) do que uma criança normal – talvez um reflexo de sua filmografia que sempre conta com elementos de ação e fantasia, que ele vem desenvolvendo muito bem na Coréia do Sul há duas décadas, em filmes como O Hospedeiro (2006).
A qualidade da produção é boa, mesmo que não seja acachapante. Os 50 milhões de dólares disponibilizados pela Netflix parecem bem investidos, mesmo que não seja um produto de primeira linha. A impressão é que ele envelhecerá mais rápido do que o normal e que sua vida na tela grande não seria das melhores. Porém, para um telefilme, ele é ótimo. A força de Okja está nos temas que ele aborda. Com crítica pontual à cultura do espetáculo e aos programas de realidade, o longa ganha corpo quando toca na ferida da exploração animal. Sem ser panfletário em nenhum momento (pelo contrário, se preocupa bastante com a ambientação e imersão do espectador e sequer menciona que a Animal Liberation Front é uma instituição real), cumpre seu papel de instrumentalizar uma discussão cada vez mais pertinente na nossa sociedade.
Ao traçar um paralelo com campos de concentração, Okja provavelmente levará boa parte dos espectadores às lágrimas. O filme não se perde em indefinições, pontas soltas ou cenas e personagens desnecessários. Merece destaque não só a atuação de Seo-Hyun Ahn como a protagonista Mija, mas o trabalho (sempre) espetacular de Tilda Swinton e Jake Gyllenhaal, dois dos atores mais corajosos da indústria atualmente, que deixaram-se vincular suas imagens de astros com a Netflix em uma produção cercada de desconfiança. Para apontar um aspecto não tão positivo em Okja, parece um equívoco do roteiro apresentar o líder da ALF, Jay (o também ótimo Paul Dano) quase tão caricato quanto os antagonistas vividos pela dupla de atores já mencionados.
Caçada Humana
3.7 45Quem vê os créditos iniciais de Caçada Humana imagina estarmos diante de mais uma produção que cedeu aos caprichos de Marlon Brando para elevá-lo a estrela acima de todas as outras, uma vez que ele figura como único protagonista. Ver nomes como Jane Fonda e Robert Redford se apertando em uma longa lista de atores que inclui Jocelyn Brando, irmã mais velha de Marlon, se justifica. De fato, o Xerife Calder interpretado por ele é a única figura de destaque na trama.
O roteiro (a princípio) de Lililian Hellman adapta uma peça escrita por Horton Foote, vencedor de dois Oscars, sendo um por adaptar o romance O Sol é Para Todos (1962). A gama de personagens e sua apresentação formando um leque de histórias remetem muito aos grandes romances norte-americanos adaptados para o cinema como A Caldeira do Diabo (1957), da obra de Grace Metalious, onde a cidade de Peyton Place é palco dos mais diversos tipos de relações humanas. A Terrell de Caçada Humana é muito parecida. Localizada no sul dos Estados Unidos, ainda se vê em meio a uma luta de classes com claras demonstrações de racismo e a substituição dos negros por imigrantes mexicanos no desempenho de funções análogas à escravidão. Calder se apresenta como um elemento de ligação, um homem livre das amarras da intolerância e do preconceito; que vê sua função de representante da lei como algo transitório. Aliás, o legendário diretor David Lean chegou a ler o roteiro e achou uma cópia mal feita da história criada por Metalious.
A produção se mostrou muito problemática. O produtor Sam Spiegel, que nos doze anos anteriores venceu por três vezes o Oscar de melhor filme com Sindicato de Ladrões (1954), A Ponte do Rio Kwai (1957) e Lawrence da Arábia (1962), não quis mostrar o corte final para a roteirista Hellman, uma vez que seu roteiro foi praticamente reescrito. Ele ainda bancou a substituição do diretor de fotografia. Robert Surtees, de Quo Vadis (1952) e Ben-Hur (1959) foi afastado por motivos de saúde e substituído por Joseph LaShelle, de outros dois vencedores do Oscar, Marty (1955) e Se Meu Apartamento Falasse (1960). Porém, Arthur Penn não aprovava sua contratação, uma vez que não foi consultado. O receio do diretor se mostrou correto, uma vez que um tom épico de Surtees, muito mais pertinente a esta produção, foi trocado por algo mais próximo da fotografia urbana, marca registrada de LaShelle. Essa briga de egos fez com que Spiegel não permitisse que Penn participasse da edição de Caçada Humana. Sem contar na cisma que o produtor tinha com Marlon Brando, que ele achava que teria o mesmo destino fatal de James Dean. O resultado de tanta complicação foi um filme que, se não é ruim, peca pela falta de personalidade – o que o fez ser recebido friamente por crítica e público à época.
Usar a figura de um cowboy como base da trama dá ao longa um ar de “faroeste moderno”, algo que Hollywood adorou desenvolver a partir da década de 1990. Ainda mais que um dos destaques dentro da gama de personagens que desfilam na tela fica por conta de um grupo de homens que acredita na sua própria justiça, atuando como justiceiros e sacando das armas sempre que sentem vontade. Naquela que talvez seja a única cena memorável desta produção, a falta de identificação e respeito com as autoridades leva a uma violenta consequência para Calder. Uma passagem que Marlon Brando gostava de lembrar como um dos momentos de sua carreira em que ele melhor aplicou o Método em sua atuação. Ele não gostou do personagem e assumiu depois que boa parte do tempo trabalhou no piloto automático.
Caçada Humana também tem um toque de mistério ao trazer em uma das pontas a saga de Bubber (Robert Redford), fugitivo da penitenciária da cidade, que parece ser uma figura controversa entre os moradores. Sua saída repentina da prisão traz apreensão para alguns e felicidade para outros. Algo como o ressurgimento de Roque Santeiro na cidade de Asa Branca. Os primeiros quinze minutos do longa são animadores, com um poder de síntese excelente, dando a impressão de que seu potencial se aproximaria de filmes como Assim Caminha a Humanidade (1956) e o próprio A Caldeira do Diabo – ambos lançados, com sucesso, uma década antes. Por ser um gênero que me agrade pessoalmente, é um pouco decepcionante ver que se desperdiçou boa parte deste potencial. Esta produção também marca a estreia do compositor John Barry no cinema, porém seu trabalho não é marcante.
O final da década de 1960 não exigiria mais tanta prudência na inserção de assuntos polêmicos como racismo, adultério e até pedofilia (esta conexão, então, quase precisa de uma lupa para ser notada). Se Marlon Brando nos convence da frustração do protagonista, o restante do elenco não tem à sua disposição nenhuma passagem em que possa demonstrar sua qualidade. Até por conta do já mencionado conflito, a fotografia muito bem cuidada perde um pouco o impacto na direção incerta de Arthur Penn. Imprensada entre suas duas obras-primas (O Milagre de Anne Sullivan de 1962 e Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas de 1967), parece que Penn não decide se quer entregar um complexo retrato de uma fatia importante da sociedade dos Estados Unidos ou um filme permeado com boas cenas de fugas e tiros. Parece que Caçada Humana em algum momento se transformou, para ele, em laboratório para Bonnie e Clyde.
Nos preparativos para o ato final, o ritmo do longa, que era regular, ainda cai um pouco. Perde-se a oportunidade de tratar um pouco mais da mudança de comportamento da juventude rockabilly, que romperia fortemente com o tradicionalismo de cidades como Terrell. Por fim, não desvenda a áurea de mistério criada na figura de Bubber e saca um epílogo de pouco mais de um minuto que demonstra total preguiça da equipe de pós-produção, que talvez tinha entendido que o filme estava muito longo – tirando ainda mais o impacto que forte história poderia causar. Caçada Humana é um drama correto, que não desagrada o espectador e ainda leva um cinéfilo clássico a rever parte de seus ídolos. E só.
Maratona da Morte
3.8 107 Assista AgoraDustin Hoffman aceitou fazer Maratona da Morte para que pudesse trabalhar novamente com John Schlesinger, diretor que teve seu auge em um dos melhores filmes da década de 1960 e bem a frente do seu tempo – o clássico absoluto Perdidos na Noite (1969). Causou um pouco de surpresa saber pelas notas de produção que o multifacetado ator não gostou muito do texto do roteirista William Goldman, aqui adaptando seu próprio romance.
Goldman, duas vezes ganhador do Oscar, por Butch Cassidy (1969) e Todos os Homens do Presidente (1976) – este lançado no mesmo ano de Maratona da Morte – de fato, passa longe dos seus melhores trabalhos. Tendo como ponto de partida uma briga de trânsito que vitimou um ex-nazista, acompanhamos a história por trás de seu irmão, genocida procurado e refugiado no Uruguai, que precisa recuperar uma chave de cofre que contém todos os brilhantes que conseguiu juntar. Se o argumento parece refinado e passível de despertar muito interesse, na prática, o longa não se revela isso tudo.
De início, parece que a montagem se mostrará típica daquela que adapta um romance volumoso. Com um evento inicial e duas pontas soltas, somos apresentados a Babe (Dustin Hoffman) – um estudante de História – e seu irmão Doc (Roy Scheider), membro da Division, uma espécie de agência do governo dos Estados Unidos que ousa fazer o trabalho sujo que o FBI e a CIA evitam. Não há um desenvolvimento eficaz acerca das descobertas de Babe em relação aos seus familiares e ao desejo de fazer justiça à morte de seu pai judeu. A atriz Marthe Keller, no papel de Elsa, faz um bom trabalho com uma personagem com grande potencial, mas que passa o tempo todo no banco de reservas. Mesmo assim, obteve sua única indicação ao Globo de Ouro na carreira.
Maratona da Morte quer se tornar grande quando traz à cena Szell, vilão inspirado em Josef Mengele, interpretado por Laurence Olivier. O formidável ator aceitou o papel para juntar dinheiro para sua família, uma vez que se encontrava em tratamento contra um câncer. A história por traz de seu trabalho aqui é maior do que o filme em si, dadas as dificuldades e o esforço de Olivier, que foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante, à época sua décima primeira, com duas vitória. Ele ainda seria lembrando dois anos depois por Meninos do Brasil (1978), fazendo o antagonista do mesmo Mengele que ele retrata nesta produção. O terço final é uma aula de interpretação do inglês.
O filme se tornou icônico por conta de Szell (considerado um dos grandes vilões da história do cinema) e por uma cena de tortura particularmente chocante para a época, que dá início à segunda metade. A questão é que, nesta ótica, Maratona da Morte envelheceu mal. Hoje as cenas mais violentas e de ação parecem um pouco precárias – mesmo que inegavelmente viscerais, seguindo a maneira de filmar de John Schlesinger e a linguagem que cinema dos anos 1970 utilizava. Quando foca no suspense, se mostra um filme clássico, com o uso de planos-detalhes, efeitos sonoros fortes e até uma homenagem a Janela Indiscreta (1954) de Hitchcock. A forma kafkiana na trajetória de Babe, que não sabe muito bem porque está sendo perseguido e torturado, traz um toque de mistério que, talvez, uma refilmagem pudesse atualizar. Já fui muito cético com relação a este expediente por Hollywood, mas assistindo Maratona da Morte com 40 anos de atraso, começo a encontrar argumentos de defesa.
Café Society
3.3 530 Assista AgoraSem dúvida, Woody Allen é um dos cineastas que eu mais conheço em toda a história do cinema. Não só pelas dezenas de filmes assistidos (quase todos da sua extensa lista), mas também por ser um dos raros casos de realizadores em que eu extrapolei a análise da obra cinematográfica. Com algo em torno quatro ou cinco livros de Allen lidos, dentre coletânea de contos e ensaios, posso dizer que a linguagem utilizada por ele me é familiar.
Por isso mesmo tenho a tese informal de que ele há mais ou menos uma década desistiu de fazer algo novo. Ali entre Match Point (2005) e Vicky Cristina Barcelona (2008), o roteirista deixou de existir e o diretor saca alguns textos antigos guardados para projetos seguintes e recicla. Se a imaginação e produtividade de Allen sempre foram seu diferencial, é muito difícil acreditar que seguiram intactas quando ele dobrou a curva dos 80 anos.
Sendo assim, olhando com muito carinho para Café Society, podemos chamar o filme de bom. Temos um casal de protagonistas interpretado por Jesse Eisenberg e Kristen Stewart. Ele é Bobby, jovem nova-iorquino enviado para Los Angeles para tentar melhor sorte na vida. Chegando lá, fica aos cuidados do tio Phil Stern (Steve Carell), agente de grandes estrelas do cinema, cheio dos contatinhos em Hollywood. Ela é Vonnie, secretária e amante de Phil, que vive a esperança das promessas de separação feitas pelo ricaço e temos que parar aqui para não entrar em terreno de spoilers. Pois bem, Eisenberg nada mais é do que o velho Woody Allen de sempre. Algo entre o neurótico, o introspectivo e o humorista situacional. Stewart é a bela menina meio assustada, que se vê apaixonada por um homem esquisito. Um casal que Allen costumava utilizar muito entre os anos 1970 e 1990, mas que se tornou o único plot dos últimos anos.
Enquanto o Bobby de Eisenberg é de difícil análise, uma vez que o ator parece ter feito laboratório na filmografia do patrão (e é difícil mesmo não imaginar o próprio Allen e seus trejeitos interpretando um texto que sabemos ser dele), a Vonnie de Stewart é inexpressiva, porque a atriz é assim. Desde Crepúsculo (2008) ela não fazia teste de elenco – e me pergunto como que ela passou. O cineasta, que costuma acertar na escolha da mocinha, atingiu o fundo do poço neste quesito. Depois de Emma Stone em dobro com Magia ao Luar (2014) e O Homem Irracional (2015), nos contempla com uma das maiores enganadoras da atualidade. Ainda bem que Kate Winslet topou fazer Roda Gigante (2017), ainda não assistido.
Talvez em outra época, Café Society se tornasse um pequeno clássico do diretor. Utilizando pouca iluminação artificial e todos os tons de amarelo na cinematografia, Woody Allen viaja para Los Angeles para reforçar seu amor por Nova York. Logo nos primeiros minutos dá voz à sua opinião quando um personagem diz que, em Hollywood, “tudo gira em torno do ego”. O sol parece sempre tomar conta do ambiente, de uma forma incômoda, enquanto Bobby insiste em tons de marrom e cinza no seu figurino. Quando ele volta para sua cidade natal, o filme ganha a bela e tratada fotografia de sempre – isto sem contar que o ponto de virada do filme possui como trilha The Lady is a Tramp (uma das frases diz “hates California, it’s so cold and so damp”). Uma bela estreia de Woody na captura digital de imagens, nesta que é sua produção mais cara até hoje (custou 30 milhões de dólares).
O segundo terço do longa, baseado em muitos desencontros, abre espaço para algumas boas discussões sobre relacionamento, com indícios de um texto bem afiado, como os de antigamente. Porém, ainda é pouco. Vale destacar Steve Carell, que substituiu Bruce Willis, demitido no meio das filmagens após problemas de relacionamento e por não decorar seus textos. O ator brilha quando lhe é dada oportunidade em papel que parece feito sob medida. Já Blake Lively, com tão pouco tempo de cena, é muito mal aproveitada. Acho que o vovô Allen viu Atração Perigosa (2010) e a Crepúsculo (2008) e confundiu as atrizes, só pode ser.
O Estrangeiro
3.5 330 Assista AgoraMuito se falou, quando do lançamento de O Estrangeiro, do tom mais dramático na atuação de Jackie Chan, que há pelo menos 20 anos, quando explodiu em popularidade ao estrelar A Hora do Rush (1998), fez parte de muitos filmes de ação de diversão fácil, com pouca preocupação em relação ao conteúdo.
Ignorar boa parte de uma carreira de mais de quarenta anos alegando se tratar de uma produção apenas comercial é tão errado quando elevar este longa ao patamar de ponto de virada da carreira de Chan. Baseado em um livro de Stephen Leather, a adaptação de David Marconi apenas atualiza a forma como um thriller de suspense é contado - e nem é um estilo tão novo assim. De poucos trabalhos ao longo da carreira, o roteirista repete o trabalho de Inimigo do Estado (1998) e de Duro de Matar 4.0 (2007) - neste segundo creditado apenas pelo argumento. Ele cria boas camadas para nos aprofundarmos nas motivações do protagonista, como um bom filme de ação faz desde os anos 1980.
Chan interpreta Quan, um dono de restaurante chinês que acaba de presenciar um ataque terrorista em Londres que vitimou sua família. O carisma do ator torna convincente sua interpretação, principalmente quando vemos uma transformação sutil do personagem ao chegar em casa desolado e revisitar o quarto da filha adolescente, uma fase em que somos tão desorganizados quanto espaçosos. O texto de Marconi permite atacar em mais duas frentes: a dos responsáveis pelo ataque (que fica um pouco solta e é abandonada por longos períodos) e a de Liam Hennessy, irlandês vivido por Pierce Brosnan. Formalmente ex-membro do IRA, ele atua como Ministro britânico sob a responsabilidade de manter a paz junto aos separatistas da Irlanda do Norte (onde o filme foi banido dos cinemas) - enquanto comete o adultério nosso de cada dia, como um bom canalha pede.
Estas tintas fortes nas personalidades de protagonista e antagonista é o que permite acreditar que O Estrangeiro - mesmo sendo um bom filme - está longe de ser a salvação da lavoura. A trama é baseada na vingança da honra da família por parte de Quan, que abandona sua rotina para ir atrás dos assassinos e conta com as informações de Liam para isso, fazendo com que um "ordinary man" vire uma mistura de MacGyver com Bruce Lee e John McClane. O diretor Martin Campbell, que atualizou por duas vezes a franquia James Bond com 007 Contra GoldenEye (1995) e Cassino Royale (2006) faz a história ser contada da maneira mais realista e violenta possível. Ele voltou à cadeira depois da bomba Lanterna Verde (2011) e deve ser orgulhar do retorno.
Pouca coisa em O Estrangeiro incomoda. Uma delas é no roteiro que, por não saber desenvolver a motivação de Liam com a mesma eficiência que a de Quan, saque um diálogo expositivo que chega a ser enfadonho perto da dinâmica do restante do longa. Além disto, a atuação de Pierce Brosnan, forçando o sotaque irlandês, parece fora de tom, contrastando com a (surpreendente) naturalidade de Chan. A alegria de quem gosta do ator chinês é saber que, mesmo na casa dos 60 anos, ainda é possível aproximar sua filmografia de projetos interessantes como este. Mesmo que o resultado final não seja primoroso, a experiência de ver O Estrangeiro ainda é válida se comparada com a média geral, por passar longe da superficialidade.
O Motorista de Táxi
4.3 159 Assista AgoraO Motorista de Táxi, representante da Coréia do Sul na briga pelo Oscar de melhor filme estrangeiro em 2018, é um excelente exemplo de de comunhão entre uma produção de boa técnica cinematográfica em uma história de ótimo apelo junto ao grande público. Filmes como esse deverão ser cada vez mais comuns, dada a popularização da produção cinematográfica. No representante brasileiro, Bingo: O Rei das Manhãs, foram citadas estas mesmas características, a conferir ainda.
A trama conta a história de Kim, motorista de táxi de Seul em maio de 1980. Viúvo, com uma filha pré-adolescente e devendo quatro meses de aluguel, ele atravessa uma corrida para Gwangju destinada a um colega. Ele deverá levar o jornalista alemão Peter, que viajou para cobrir uma onde de protestos de estudantes que acontecia naquela cidade, que acredita que Kim sabia falar inglês e em que furada estava se metendo. Este levante estudantil foi abafado pelo governo e pela imprensa do país, apesar do Exértico ter isolado a cidade com boatos de que estavam respondendo às reuniões com balas de verdade.
Em um primeiro momento, O Motorista de Táxi não mede esforços para que a história seja contada de maneira até leve. A personalidade de Kim nos permite acreditar que, mesmo diante de tantos problemas, ele é uma pessoa bem humorada - mesmo com os trejeitos do taxista clássico, que reclama das condições da pista, do trânsito e de todos os outros condutores que chegam perto dele. Já Peter é um típico ocidental que se vê em um país com cultura e língua muito diferentes da sua. É de se criticar que o roteiro utiliza por quase toda a primeira metade um alívio cômico baseado apenas em uma piada: o fato de um protagonista não entender o que o outro fala. Mesmo assim, ao final concluimos que isto não afeta tanto o resultado final.
A interpretação de Kang-ho Song, como o taxista Kim, é nada menos que espetacular; enquanto a performance do alemão Thomas Kretschmann como Peter se encaixa muito bem com a proposta do roteiro ao seu personagem. Esqueça o ocidental que está em cena para ser o heroi. Ele assume a vez de observador, trazendo surpresa, emoção e - principalmente - comoção, na hora certa. O trabalho de estreia do roteirista Yu-na Eom é bom, mesmo que utilize uma técnica ultrapassada consistente em escrever uma excelente cena de determinado personagem, criando uma empatia automática com o espectador, para que momentos seguintes ele sofra uma tremenda injustiça. Porém, utilizar o melodrama com moderação é um de seus acertos e O Motorista de Taxi termina com muito mais impacto do que uma simples biografia pudesse causar. Consegue ser eficiente com alguns truques utilizados para marcar o grande público. Um exemplo de linguagem acontece em duas cenas em que Kim dá uma guinada com seu carro: a primeira tentando fugir da cidade e abandonar Peter e a segunda quando parece entender qual sua missão humanitária naquele momento.
Isto porque a ambientação histórica do longa acontece no Massacre de Gwangju, um episódio que ocoreu entre 18 e 27 de maio de 1980 na Coréia do Sul. Apontado como uma revolta comunista, depois se revelou ser um levante democrático, contrário ao governo do ditador Chun Doo-hwan. Vale destacar a boa direção de Hun Jang, principalmente nas cenas dos protestos. Excelentes enquandramentos, além de montagens e trilhas sonoras alinhadas, utilizando muito bens os sons da rua como os cantos e os barulhos de tiros. Com esta soma de trabalhos inspirados, não poderia ser negativo o resultado desta produção.
O Abutre
4.0 2,5K Assista AgoraO nepotismo na produção de O Abutre tinha tudo para fazer com que escolhas não tão acertadas pudesse colocar tudo a perder, todavia isto não ocorreu. O filme entrega exatamente aquilo ao que se propõe, mesmo que não em um nível de pequena obra-prima, como alguns tentaram vender - e o potencial era para isso.
Dan Gilroy, um roteirista em ascenção em Hollywood, arriscou seu primeiro trabalho como diretor com um texto que, de longe, é o mais pretensioso de todos que parece ter escrito. É possível que ele tenha visto apenas em si potencial para tirar do papel a trama de Louis Bloom, jovem desesperado por trabalho e sem muitas perspectivas de encontrá-lo. Ele encontra uma oportunidade ao ver como pessoas munidas de um carro, um bom equipamento de filmagem e um rádio que intercepta as mensagens da Polícia de Los Angeles conseguem faturar um dinheiro vendendo vídeos extremamente violentos de acidentes e crimes cometidos pela cidade. A viagem do filme traz muito da discussão acerca da ética da decadente profissão de jornalista e seus programas policiais cada vez mais sensacionalistas e viscerais, feitos para agradar uma audiência obcecada por sangue.
Para que esta nova função de Dan pudesse ser executada, era importante que Tony Gilroy, seu irmão mais velho, ancorasse a produção. Ele também é roteirista e quando se arriscou como diretor obteve dupla indicação ao Oscar de 2008 por Conduta de Risco (2007), outra trama que discute ética de uma outra profissão decadente, a de advogado. A edição de O Abutre ficou sob responsabilidade de John Gilroy, irmão gêmeo de Dan. A dupla deverá ter longa vida em Hollywood, uma vez que em 2016 conseguiram colocar as mãos em um dos produtos mais valiosos da indústria, ao serem creditados como roteiristas e editores de Rogue One: Uma História Star Wars (2016).
Por fim, Dan Gilroy manteve sua tradição de encaixar um personagem de destaque para sua esposa, Rene Russo. A atriz, que estava um pouco esquecida até viver Frigga nos filmes do Thor, interpreta Nina Romina, a chefe de redação do canal de televisão de pior audiência de Los Angeles (tipo a Rede TV) e vê seu desespero por melhoria de resultados aumentar uma vez que seu contrato de dois anos está chegando ao fim. Ela serve de equilíbrio na narrativa de O Abutre. Funcionando como par, antagonista, vítima e vilã, sua personagem passeia pelo roteiro para que a trama tenha o tom que aquele momento pede.
Porém, a alma do filme é Jake Gyllenhaal, brilhante e dez quilos mais magro no papel de Bloom. Atuando em larga escala, com mais de 30 filmes em menos de 20 anos de carreira, ele é perfeito para seres como Louis, meio andróginos e desprovidos de qualquer vínculo afetivo, algo entre o autismo e a psicopatia. Parece até uma zona de conforto, uma espécie de evolução do papel-título de Donnie Darko (2001), que, assim como Louis, também praticamente não piscava o olho. Trata-se de uma maneira de atuar em que Jake traz uma referência de sua própria filmografia. A evolução de seu personagem, que se sente um pouco justiceiro quando tenta identificar alguns criminosos ao mesmo tempo em que evita dar os primeiros socorros a um acidentado para encontrar o melhor enquadramento para suas imagens, é muito convincente. Suas motivações, mesmo quando não claras no início de algum episódio, se revelam e são coerentes ao final. Mais uma vez a Academia ignorou seu trabalho e ele segue com apenas uma indicação, como ator coadjuvante por O Segredo de Brokeback Mountain (2005).
Dan GIlroy cortou todo um arco introdutório acerca da origem de Bloom, uma decisão magnífica. Ele ser apresentado como um produto do meio gera um distanciamento sentimental fundamental no espectador. A pegada é de um thriller psicológico urbano, um gênero que não nasceu com Martin Scorsese, mas possui como magnum opus Taxi Driver (1976). Já o ponto de virada se assemelha mais com Blow-Up: Depois Daquele Beijo (1966) - e sua versão americana Um Tiro na Noite (1981). Talvez essa ligeira sensação de déjà-vu tire um pouco do peso de O Abutre para um cinéfilo mais aficcionado. Além disto, a temática de utilizar o audiovisual como instrumento psicótico não é inédita, lembrando um pouco a abordagem do injustamente execrado pela crítica 8mm (1999) - mesmo que este siga um caminho muito diferente. Para manter esta viagem cinematográfica, vale mencionar que, definitivamente, estamos diante de um filme muito melhor que o superestimado Drive (2011), que, aliás, utiliza o mesmo restaurante de uma das cenas de O Abutre.
As quebras narrativas quando o cenário da madrugada violenta de Los Angeles dá espaço para a redação do jornal são ótimas, dignas de um roteiro apurado. Foi merecida a indicação de Dan Gilroy ao Oscar nesta categoria. Além disto, no segundo ato em especial, a trilha sonora incidental se destaca até de forma surpreendente, uma vez que o longa não parecia inclinado a estas variações artísticas. Notas de produção informam que toda a trilha tocada representa a música que tocava na cabeça de Louis naquele momento. O ato final movimentado tem o condão de aproximar O Abutre do grande público, o que não só transformou a qualidade do filme em reconhecimento direto, como abriu portas para a evolução na carreira de seus realizadores. Com um pouco mais de profundidade, ele seria um pequeno clássico. Mesmo assim, ainda excelente.
Atração Perigosa
3.6 688 Assista AgoraApós o reconhecimento por seu longa de estreia na direção, Medo da Verdade (2007), Ben Affleck lançou três anos depois Atração Perigosa, um caso menos comum de terceiro ato forte sem um desenvolvimento compatível. A inspiração do astro foi o filme Fogo Contra Fogo (1995) de Michael Mann e podemos dizer que são produções "irmãs", tanto na estética, quanto no ritmo e no resultado final.
A credibilidade do filme de 2007 junto à crítica e público fez com que The Town (no título original) fosse selecionado para o Festival de Veneza ao mesmo tempo em que arrecadou 160 milhões de dólares nas bilheterias (custando 25% disso). A montagem do longa, feita por Dylan Tichenor, o mesmo das grandes obras de P.T. Anderson, em especial Magnólia (1999) e Sangue Negro (2007) é um dos destaques. Iniciar os atos com uma bem executada cena de ação (assaltos a bancos e perseguições de carro), para descer o ritmo e transformar o miolo em um drama foi uma decisão acertada da produção, mesmo que alguns elementos não sejam tão bem sucedidos. Interessante saber que o corte original possuía quatro horas (quem está acostumado com a montagem de Tichenor não se assusta). Porém, pela óbvia falta de apelo comercial, em apenas três dias metade do longa foi para o lixo.
O longa se passa em Charlestown, uma cidade nos Estados Unidos em que assaltos a bancos e carros-fortes parecem ter se tornado um fato corriqueiro. A preocupação sempre presente da Hollywood do início desta década de ambientar suas tramas na crise imobiliária que abalou o país é mencionada sempre que possível. Uma quadrilha liderada por Doug MacRay (Ben Affleck) quase se dá mal em um desses assaltos. Na fuga, utilizam brevemente Claire Kessey (Rebecca Hall) como refém. A partir daí, nasce um senso de justiça e ligeiro arrependimento na cabeça de MacRay, que o faz se aproximar propositalmente da vítima, em uma espécie de "Síndrome de Estocolmo reversa". A dubiedade da atuação de Affleck não deixa claro se o protagonista se motiva apenas deste arrependimento ou se deseja acompanhar de perto a investigação do FBI, que segue rastreando o dinheiro e ouvindo testemunhas para chegar aos criminosos. Em um primeiro momento é difícil também creditar esta dubiedade às qualidades ou aos defeitos artísticos do ator, que parece ter se encontrado na cadeira de diretor. Porém, no terço final seu cinismo e a transformação de sua personalidade são convincentes - apesar de seu trabalho não ser brilhante.
A convivência com as consequências de seu delito é apenas um ótica do roteiro de Atração Perigosa, baseado no romance de Chuck Hogan. Ben Affleck repetiu a parceria com Aaron Stockard e chamou o estreante Peter Craig para uma adaptação a seis mãos. A mudança de foco, alternando um romance incomum com a relação de MacRay com seu pai preso, além do desenvolvimento dos delitos encomendados por um florista mafioso vivido por Pete Postlethwaite, acontecem sem problemas. Utilizando uma narrativa clássica, linear e focada em um protagonista, não vemos em nenhum elemento de Atração Perigosa riscos sendo corridos, mesmo que o ritmo um pouco lento possa não ter agradado alguns espectadores mais ansiosos e sedentos por violência.
Faz falta um pouco de complexidade em qualquer coisa, mas isso não incomoda. O elenco secundário não parece muito inspirado, à exceção de Jeremy Renner como o comparsa James Coughlin (interpretação indicada ao Oscar) e, vejam só, Blake Lively, como Krista. Pena que eles possuem muito pouco tempo em cena. Menos ainda possui o Fergie de Postlethwaite, ator lembrado pela Academia por Em Nome do Pai (1993) e que não pode aproveitar o sucesso de Atração Perigosa, uma vez que faleceu logo no segundo dia de 2011. Uma conclusão melhor do que um desenvolvimento costuma causar uma última impressão melhor, sentimento que cai como uma luva para uma trama tão genérica como essa.
O Rei da Comédia
4.0 366 Assista AgoraLançado entre dois clássicos absolutos da carreira de Martin Scorsese (o aclamado Touro Indomável de 1980 e o subestimado Depois de Horas de 1985), O Rei da Comédia passa longe de ser um filme ruim, apesar de encontrarmos algumas coisas um pouco fora do lugar nele.
Com a mesma pegada urbana minimalista que daria o tom da produção posterior, este filme de 1983 tem início mostrando uma esquete de abertura do late show de Jerry Langford, veterano e consagrado humorista vivido por Jerry Lewis e livremente inspirado em Johnny Carson. Ao mesmo tempo, traz a história do sonhador Rupert Pupkin, que sonha em trabalhar com comédias, assim como seu ídolo Jerry. Logo nos primeiros minutos identificamos dois problemas em O Rei da Comédia. O primeiro reside em insistir no erro de escalar Robert de Niro em um papel que não lhe cai bem, o que já foi percebido com seu Jimmy Doyle de New York, New York (1977). O astro parece bem menos imerso no personagem aqui, mesmo estando no auge sua carreira, após estrelar o vencedor do Oscar de melhor filme de 1979 O Franco-Atirador e o já citado Touro Indomável (1980). É óbvio que de Niro é um ator espetacular, com uma sólida carreira que nos permite apontá-lo como um dos grandes de sua geração. Porém, seu leque de atuação não é tão ilimitado quanto Scorsese acreditava que era naquela época - talvez menor, inclusive, que o de Leonardo di Caprio. A não ser que tenha sido uma escalação propositalmente ruim, o que não acredito, uma vez que o diretor escolhe esta como a melhor atuação do amigo Robert dentre a parceria de oito filmes. A amizade era tanta que o ator ousou escrever uma carta para o diretor durante a pré-produção questionando a escolha de Jerry Lewis, por acreditar que este não teria capacidade de entregar uma atuação dramática convicente.
O segundo (e bem menos polêmico) problema é a forma incompatível entre a linguagem típica de um filme scorsesiano com a temática introspectiva e ligeiramente surrealista do roteiro de Paul D. Zimmerman. Sua carreira foi precocemente interrompida aos 54 anos, com apenas três de seus textos resultando em filmes, sendo este, de longe, o mais famoso. Uma produção liderada por Martin Scorsese, mesmo as não tão urbanas e marginais, são marcadas pela crueza e exteriorização de sentimentos. É possível ao espectador identificar a complexidade dos personagens baseando-se em suas escolhas e seus atos. Sendo assim, quando O Rei da Comédia viaja um pouco na mente de Rupert para dar forma à frustração causada pelo fracasso iminente de uma pessoa na casa dos 30 anos, ele não flui tão bem quanto o esperado. Em 2010 ele faria bem melhor com Ilha do Medo, por sinal. Scorsese considerou a experiência de filme O Rei da Comédia "perturbadora" e creditou isto ao roteiro mal trabalhado que lhe foi entregue. Ele não rejeita a obra, mas confessa que se pudesse voltar atrás, não teria tocado este projeto, que custou quase 20 milhões de dólares e arrecadou pouco mais de dois.
Como consequência, vemos que a sociopatia do protagonista, quando nítida, não é explorada; os números de humor soam forçados na persona de Robert de Niro; e a atuação de Lewis - apesar de ótima - deixa transparecer seu subaproveitamento. Era possível dar mais liberdade ao veterano que saberia conduzir uma aula sobre comédia, mesmo que usasse o improviso. Os poucos diálogos consistentes entre os dois atores são a prova disso e as notas de produção mostram como de Niro utilizou o Método para arrancar sentimentos genuínos de Jerry, que nunca havia trabalhado com um profissional que aplicasse esta técnica. Ou seja, era possível fazer muito mais. Já Lewis não concordava muito com os elogios à sua performance, dizendo apenas que foi pago para fazer ele mesmo, como acontece com muitas celebridados no cinema. Em oposição, boa parte do elenco de apoio não possuía conhecimento técnico de atuação, sendo muitos amadores - porém, esta "naturalidade" até que funciona bem.
Como não entendo muito desse negócio de cinema mesmo, fico feliz que um dos meus diretores preferidos tenha sido indicado à Palma de Ouro em Cannes em 1983 por esta obra e o roteiro de Zimmerman tenha vencido o BAFTA do ano seguinte, mesmo com o próprio cineasta odiando o material. A Academia Britânica também indicou o trio Scorsese, de Niro e Lewis além da edição de Thelma Schoonmaker, que desde Touro Indomável é a única opção de Martin para a função. A parceria já rendeu a ela três Oscars: pela história de Jake La Motta, por O Aviador (2005) e Os Infiltrados (2007), em um total de seis indicações. Para uma produção que gerou reservas por parte dos próprios idealizadores, podemos acreditar que houve um pouco de exagero em tanto reconhecimento. Não utilize como uma porta de entrada para o cinema de Scorsese.
Trapaça
3.4 2,2K Assista AgoraTrapaça foi um projeto que já nasceu vencedor. Feito para o período de premiações, reuniu boa parte dos queridinhos de Hollywood na época. O diretor e roteirista David O. Russell vinha de obras como O Vencedor (2010) que rendeu a Christian Bale um Oscar de melhor ator; e O Lado Bom da Vida (2012), que elevou Jennifer Lawrence de musa teen dentro da saga Jogos Vorazes para uma das grandes atrizes da atualidade. Nada mais natural do que trazer os dois astros para este longa.
É justamente de Bale e Lawrence as melhores interpretações em Trapaça. A Rosalyn de Jennifer, então, é a alma do filme. Fica nítido como o longa ganha força quando ela surge em cena e como seu trabalho rouba todas as atenções. Por isso que se tornou impossível que a atriz deixasse de receber mais uma indicação ao Oscar em 2014, mesmo após vencer no ano anterior. Russell ainda dirigiria Jennifer na performance que renderia a quarta lembrança em seis anos, por Joy: O Nome do Sucesso (2016). Já Bale está em sua zona de conforto, até por conta das notas de produção informando que boa parte dos diálogos foram improvisados, o que aumenta o destaque de um talento genuíno como o do Batman de Christopher Nolan. Completam o elenco Amy Adams, que conseguiu sua quinta indicação ao Oscar em oito anos com Trapaça e Bradley Cooper, que está sempre em papeis de destaque em produções de sucesso. Ele seria lembrando pelo segundo ano consecutivo pela Academia (e no ano seguinte completaria a trinca com Sniper Americano).
Dito isto, não há motivos para se sentir decpecionado se ao final de Trapaça você encontrar um filme apenas bom. Nada nele é muito distante de produções com a mesma temática. O clima dos anos 1970, tão aclamado em Boogie Nights: Prazer Sem Limites (1997) é bem representado, porém com figurinos e direção de arte que não deslumbram (apesar de também indicados). A escolha do roteiro em trazer uma dupla narração, feita por Irving (Bale) e Sydney (Adams) traz dinamismo e não nos deixa perder o foco da ação em nenhum momento. A direção é precisa, sendo este um dos trabalhos mais artísticos de David O. Russell. Tudo em Trapaça é muito coeso e bem limpo, o que justifica que tanto roteiro, quanto edição e direção também fossem indicados ao Oscar. Com tantas lembranças, é claro que não poderia faltar a categoria principal. Contou quantas foram? Dez, porém nenhuma estatueta foi conquistada. Isto igualou o feito de Gangues de Nova York (2002) e Bravura Indômita (2010). Fácil entender como em menos de quinze anos este turbilhão de indicações sem prêmios se repetiu trêz vezes. Uma produção feita pensando na temporada de prêmios virou um desfile de escolas de samba, em que já é possível identificar dentro de cada elemento apurado o que o julgador quer ver.
Tanto que muitas pessoas caem no erro de esperar de Trapaça algo próximo de uma comédia. Pouca situação cômica, de fato, funciona. Ele trata uma grande história de forma sutil. Tanto que ao perceber que os dois vigaristas pegos com um golpe na mesa pelo FBI farão parte de uma operação policial no estilo da Lava-Jato, que tenciona seguir o longo caminho da corrupção, mesmo quem não gosta desta temática já fatalmente está imerso no filme. A versatilidade de Jennifer Lawrence, a trilha pop rock bem selecionada (destaque para Long Black Road, do Electric Light Orchestra) e as linguagens narrativas que homenageiam tanto a espetacularização do crime de Martin Scorsese quanto o humor situacional dos irmãos Coen. Fatores que acabam trazendo uma segunda metade muito mais forte, com alguns rumos inesperados e a presença sempre bem-vinda de Robert de Niro.
Psicopata Americano
3.7 1,9K Assista AgoraFalar de um filme controverso como Psicopata Americano é sempre um prazer. Este é o tipo de longa que dificilmente chegará ao final com seu espectador desprovido de emoção. No meu caso, achei de um brilhantismo cada vez mais raro, porém condizente com a virada do milênio, marcada por produções excepcionais entre 1999 e 2001.
Perdido entre Matrix (1999) e Clube da Luta (1999), filmes como este e Donnie Darko (2001) acabaram sendo descobertos com o passar dos anos. Apenas o alto nível justifica o fato de Psicopata Americano ser pouco reconhecido quando da época de seu lançamento. Ele se encaixa de forma sublime no que Hollywood discutia no momento, indo direto na ferida da pós-modernidade. É deprimente atestar que o excelente trabalho da diretora e roteirista Mary Harron não tenha transformado sua carreira. Desde 2000, quando o filme foi lançado, ela emplacou muitas poucas obras com a sua marca, uma injustiça tremenda. O roteiro também tem a assinatura de Guinevere Turner.
A abordagem do mundo corporativo na Nova York do final da década de 1980 traz um grupo de homens de meia idade racistas, machistas e começando a desenvolver uma metrossexualidade que os tornam tão iguais que alguns mal reconhecem as individualidades dos colegas. O foca é a história de Patrick Bateman, machão bem sucedido, mais afeito aos seus mil abdominais diários do que a nutrir um relacionamento saudável com qualquer pessoa. Viciado em pornografia, ele possui vida dupla e nas noites da cidade grande gosta de assassinar cruelmente qualquer pessoa que ele entende ser uma "derrotada", com ou sem premeditação.
Todos os elementos em Psicopata Americano parecem estar à frente de seu tempo. Por isso que, tal como em Cidade dos Sonhos (2001) - mesmo que em uma escala menor - é possível que boa parte de quem o assistiu não tenha entendido tão bem o que o longa se propõe a apresentar. O desenvolvimento dos personagens, a montagem e os elementos narrativos aproximam mais esta obra ao nosso tempo do que à forma como se consumia cinema há quase duas décadas.
Psicopata Americano não precisa ser apenas revisitado pelo pioneirismo (talvez imcompreendido). Há espaço nele para dialogar com uma direção de arte que mescla o urbano com o distópico, lembrando muito expoentes da sétima arte que tiveram seu auge justamente nas décadas de 1980, como Terry Gilliam e o saudoso R.W. Fassbinder, que nos deixou de forma tão precoce. Estas claras referências fazem com que o expectador sempre se sinta ligeiramente desconfortável, mesmo em uma Nova York movida a restaurantes da moda e uma trilha sonora de soft rock da época, utilizada de maneira tão inteligente quanto o jogo de câmera com cortes secos e muito dinâmicos.
Com um ritmo crescente, o longa vai se transformando em um grande filme de terror e possui um dos quinze minutos finais mais inesquecíveis do cinema nos últimos anos. Christian Bale está perfeito no papel, dosando o animal social urbano que Bateman precisa ser ao longo do dia com um matador ao mesmo tempo irônico, cruel e muito asseado. Bebe da fonte do Alex que Malcom McDowell nos entregou no perfeito Laranja Mecânica (1971). Bale, à época com 26 anos, entrega um de seus melhores trabalhos - e isto é algo grandioso para uma carreira como a dele, que parece ser uma fonte inesgotável de talento.
Eu, Tonya
4.1 1,4K Assista AgoraEu, Tonya é um filme que peca por algumas vias de condução da história, apostando que o prévio conhecimento da vida da patinadora Tonya Harding inviabilizaria uma trama com mais apreensão e menos reconstituição. Para entender isto, precisamos dissecar um pouco o que acontece.
O prólogo no estilo mockumentary já antecipa que estamos diante de uma narrativa linear (à exceção das inserções em formato de depoimento). Mostra ainda que o elenco traz uma ótima Margot Robbie no papel da protagonista, uma espetacular Allison Janney interpretando a mãe de Tonya, LaVona; porém, aliadas a atores pouco inspirados, com trabalhos de imersão bem menores do que a dupla citada. O papel de Janney, inclusive, foi tratado pelo roteirista Steven Rogers já com seu nome na cabeça. A atriz, que quase teve uma perna amputada na adolescência por conta de uma acidente enquanto treinava para ser patinadora no gelo, utiliza seu arsenal mais cínico de interpetação, que sempre funcionou muito bem tanto para drama quanto para comédia.
A introdução é eficiente ao mostrar que estamos diante de uma personalidade controversa (Tonya mesmo se define como "uma pessoa de verdade") e quem não acompanhou os noticiários esportivos do ano de 1994 ou pouco leu sobre a produção do filme se sente bem na forma como o roteiro vai tirando o espectador da escuridão. Uma surpresa em um projeto tocado por um roteirista de poucos trabalhos. Rogers teve apenas sete textos emplacados entre 1998 e 2017 e seus sucessos sempre foram com comédias românticas pouco inovadoras como Quando o Amor Acontece (1998) e P.S. Eu Te Amo (2007). O mesmo pode ser dizer do diretor Craig Gillespie, que há dez anos lançou seu primeiro e (até então) mais bem sucedido trabalho nos cinemas: A Garota Ideal (2007).
O primeiro terço é irretocável, com grandes cenas de conflito entre mãe e filha, permeadas por takes de patinação artística e trilha sonora do pop rock oitentista retratando bem a melancolia do meio-oeste americano. Até mesmo os clichês estilísticos da Hollywood atual, com seus planos-sequência e constantes quebras da quartas paredes parecem estar bem encaixados, dada a fluidez do longa. Tudo vai bem até a metade da projeção, com uma montagem dinâmica muito atraente. O desenvolvimento do relacionamento abusivo e tóxico de Tonya com seu marido Jeff e a perseguição velada da federação de patinação dos Estados Unidos por ser Harding fora do padrão são bem expostos e condizentes com a pertinência temática das produções de empoderamento feminino que vêm aumentando exponencialmente nos últimos anos. Terminando aqui uma análise sem grandes spoilers.
O caminho que a segunda metade de Eu, Tonya opta e faz com que o filme perca a força é entender que o espectador-médio conhecia previamente a história de sua protagonista e o escândalo causado pelo ataque à rival Nancy Kerrigan. Tentar explorar com um pouco de mistério este fato, fazendo com que o espectador aos poucos soubesse que Tonya e Jeff discutiram uma forma de intimidar Nancy e contaram com o guarda-costas Shawn para isso traria um frescor muito maior. O filme sofre uma brutal queda de ritmo no terço final, mesmo utilizando os mesmos recursos narrativos anteriores. Ele não é contraditório, só se torna desinteressante. Sua transição de longa meramente biográfico para um thriller criminal não é bem feita e não se encaixa com o ambiente criado.
Tirar o foco de Tonya Harding pode render a perda de um Oscar para Margot Robbie. Em uma trama em que ela deveria se destacar a todo o momento, há uma profunda diminuição de aparições nos momentos cruciais. Não que isto seja um problema, se Sebastian Stan (o Soldado Invernal dos filmes do Capitão América) como Jeff e Paul Walter Hauser como Shawn apresentassem trabalhos no mesmo nível de Robbie ou Allison Janney, que finalmente ganhou um Globo de Ouro após cinco indicações anteriores (sendo quatro vezes seguidas entre 2001 e 2004 por seu papel na ótima série The West Wing).
A Grande Muralha
2.9 582 Assista AgoraO aclamado diretor chinês Zhang Yimou se rende a uma co-produção com Hollywood e participa deste longa que já sabemos que será próximo do esquecível mas que renderá muito dinheiro para quem nele investiu. A câmera nervosa no estilo Michael Bay das primeiras cenas (ainda bem!) não é a tônica em A Grande Muralha por todo o tempo. No que Yimou conseguiu impor sua linguagem estilística ele vai bem, com foco em mulheres fortes e câmera com super slow motion que hoje chegam a ser convencionais. Todavia, não há como jogar contra o poder do dinheiro que fez desta a produção mais cara da história do cinema chinês, com orçamento próximo dos 150 milhões de dólares.
A trama foi objeto de críticas antes mesmo do filme entrar em cartaz, por ser a velha maneira hollywoodiana de mostrar o homem branco ocidental como desbravador (e heroi) no mundo oriental, fórmula utilizada de O Último Samurai (2003) à Sayonara (1957). Matt Damon interpreta William, mercenário europeu que vai à China em busca de pólvora, que parece ser a arma de guerra do futuro. Lá ele conviverá com monstros e guerreiros que misturam um fiapo de história do Ocidente com muito da fértil imaginação de três roteiristas (e outras três "mentes brilhantes" que ganham créditos pela trama).
Com uma longa cena de batalha logo no primeiro terço, o diretor consegue tirar de sua responsabilidade qualquer fracasso que A Grande Muralha pudesse ter. Porém, com diálogos rasos e uma montagem dentro da zona de conforto do cinema comercial, perdeu-se uma excelente oportunidade de unir um grande cineasta com o realismo fantástico que a mitologia chinesa, em especial sobre os monstros taotei, permite que se faça. Por fim, uma decisão estúpida do roteiro (spoiler no último parágrafo) torna a conclusão de A Grande Muralha sofrível em comparação ao apenas regular desenvolvimento.
A decisão que considero absurda no roteiro: após a ideia de capturar um dos monstros para testar o poder da pedra que William carregava quando conseguiu afastar um taotei ao longo do caminho ser bem sucedida, eis que os protetores da China, que passam praticamente toda a vida confinados na muralha, decidem trazer para dentro de seu território o bicho - e ainda levá-lo para o Imperador vê-lo! Uma forma ingênua do roteiro de criar uma crise maior do que a existente nas fronteiras do país apenas para justificar uma ação diferente no terço final.
Jogos Vorazes: Em Chamas
4.0 3,3K Assista AgoraO segundo filme da Saga Jogos Vorazes foca o primeiro terço de seu roteiro nas implicações políticas dos atos praticados pela protagonista Katniss Everdeen no primeiro longa. É nítida a impressão de que estamos diante de um conteúdo complexo para o roteiro de Simon Beaufoy e Michael Arndt condensar sem deixar de torná-lo atrativo para o público infanto-juvenil. Trata-se de uma dupla que alia um excelente adaptador de romances com um bom contador de histórias originais. O primeiro foi indicado ao Oscar por Ou Tudo ou Nada (1998) e 127 Horas (2010) e venceu por Quem Quer Ser um Milionário? (2008). O segundo venceu por Pequena Miss Sunshine (2007) e foi indicado por Toy Story 3 (2010) - além de ter tocado o recomeço da nova trilogia de Star Wars em 2015 com o Despertar da Força, todos filmes melhores que Jogos Vorazes: Em Chamas. Tanto que não voltaram para as produções posteriores desta franquia.
É justificável a divisão do capítulo final em dois longas, pois vemos claramente o esforço para que Em Chamas não fosse confuso nem cansativo. Mesmo assim, é um filme de duas horas e meia em que sempre parece que algo fundamental está acontecendo. Mesmo assim, poucas histórias e relações entre personagens são eficientemente desenvolvidas. Após vencer o torneio Hunger Games ao lado de Peeta, Katniss precisa manter a farsa de seu relacionamento a pedido do Presidente Snow. Em paralelo, a Capitol altera as regras do novo torneio para que ex-vencedores voltem à arena para duelarem até a morte, uma clara tentativa de eliminar boa parte dos agitadores de uma nova rebelião que parece surgir.
A ambientação distópica segue muito boa, o elenco de apoio é recheado de ótimos atores e os protagonistas se mostram competentes o suficiente para o projeto. A direção de Francis Lawrence é parecida com seus trabalhos mais famosos, como Constantine (2005) e Eu Sou a Lenda (2007). Porém, a sensação de que estamos diante de uma ficção genérica é constante e a total ausência de ação até o terço final pode tornar a experiência cansativa. Há algumas cenas com falhas graves de edição e erros de continuidade, que denotam falta de foco da equipe de produção e pós - comprometendo um pouco quem gosta de analisar elementos importantes de composição de um filme. A tentativa de adicionar terror psicológico é fraca e a coisa só engrena quando assume que estamos diante dos mesmos dilemas morais e situações trazidas pelo filme de origem.
O final anticlimático ainda transforma uma produção que, mesmo com alguns problemas, parecia funcionar sozinha em um mero filme de transição. Fica a impressão de que estamos diante de um projeto que se mostrou maior do que a perna para algumas pessoas da equipe. Mesmo assim, foi a maior bilheteria dos cinemas nos Estados Unidos em 2013. Desde 1965 uma produção protagonizada por uma mulher não chegava a este posto, o que aconteceu com A Noviça Rebelde. Feito que os dois longas seguintes não repetiriam.
O Espião que Veio do Frio
3.7 22Um dos primeiros romances de John Le Carré, que sempre recebeu do cinema boas adaptações, O Espião que Veio do Frio não envelheceu tão bem, algo comum em filmes de espionagem. Com fotografia e montagem marcada pela sobriedade e edição com fluidez habitual de produções do gênero, sua trama intricada exige a máxima atenção do espectador. Com pouco desenvolvimento dos personagens que vão surgindo, o foco natural do espectador acaba sendo o agente Leamas, o que torna questões muito interessantes de serem percebidas quase fadadas ao segundo plano. Para citar duas delas, vale mencionar que a história se passa no auge da Guerra Fria e temos um oficial britânico apaixonado por uma militante comunista. Além disto, as motivações do protagonista para ser agente secreto passam longe do senso próprio de justiça ou patriotismo. Como a grande maioria da massa trabalhadora, ele aceita o emprego que acredita lhe trará melhor situação financeira dentro das oportunidades. Leamas chega a sugerir uma extensão desta situação fática aos colegas de trabalho, porém o roteiro pouco explora isto, evitando a desglamouraziação da classe. Não conheço a obra original para saber se todo este desenrolar seria possível sem grandes adaptações. Mesmo assim, ainda é valida a experiência de ver O Espião que Saiu do Frio, muito por sua questão estilística. Possui condução de câmera clássica que permite uma imersão voyeurista e fotografia em preto e branco que não faz a direção de arte (indicada ao Oscar) destoar do clima formal. Sendo assim, entrega o diretor Martin Ritt um trabalho digno dos grandes da época como Alfred Hitchcock. No ano anterior, Ritt havia sido lembrado pela Academia por Hud: O Indomado e sua longínqua carreira se estenderia até a década de 1990. Richard Burton foi indicado por esta atuação, que se apresenta tão regular quanto o filme em si. Pena que há um desequilíbrio na falta de ação, o que ainda pode tornar a experiência de vê-lo cansativa para o público em geral.
A Grande Escolha
3.5 116 Assista AgoraUm filme bom para quem gosta de cinema e necessário para quem curte futebol americano. Mostra todo o processo de recrutamento de novos jogadores para a NFL, utilizando todas as referências oficiais, devidamente autorizado pela Liga. Foca no trabalho do General Manager, mas apresenta um pouco do lobby dos jogadores recém-formados, seus empresários e familiares; além da pressão do dono dos times e dos setores financeiros que precisam adequar qualquer contratação ao orçamento da franquia; e a insatisfação de atletas do elenco atual que vê concorrentes de posição a serem draftados. Apesar da previsibilidade atroz e de aparente contradição ao que vemos no estabilishment do esporte de forma geral (contradições estas com o claro objetivo de aumentar a emoção e o status de final feliz), parece insuperável na temática abordada. O diretor Ivan Reitman, de boas comédias dos anos 1980, filmes esquecíveis no início dos anos 1990 e muita besteira dali em diante, entrega um trabalho maduro, usando bem o elenco recheado de rostos conhecidos liderados pelo veterano Kevin Costner.
As Irmãs Brontë
3.8 34 Assista AgoraO filme é eficiente no que se propõe. De forma linear, com pouca utilização de flashback, retrata a saga das irmãs Brontë para se tornarem escritoras, inicialmente utilizando pseudônimos. Produção com o padrão da BBC de valorização da cultura britânica, mostra a competência da veterana roteirista Sally Wainwright também na direção. Um longa que não corre riscos, consegue ambientar o espectador, que termina a experiência ciente da fidelidade da reconstituição. Não seria tão aceitável o epílogo mostrando o museu da família, fazendo com que o filme termine com ares de aula de História. Todavia, dado o capricho empregado no restante do tempo e o fato de ser uma produção para a TV, os takes finais não comprometem.
Moana: Um Mar de Aventuras
4.1 1,5KAo lado de Zootopia, Moana é um dos melhores filmes daquela que parece ser uma "terceira Era de Ouro" do estúdio de animação da Disney, iniciada com Frozen em 2013. Pouca coisa parece fora do lugar nesta produção. A qualidade técnica não deveria espantar ninguém e a utilização do empoderamento feminino na base do roteiro segue a tradição de pertinência temática da empresa. Neste ponto, vale ressaltar como ainda estamos distante da igualdade de gênero, uma vez que até mesmo em um texto formatado para o público infantil é nítida a dificuldade da protagonista, que a todo momento precisa superar a desconfiança e provar que é capaz. É bem-humorado quase na medida certa (algumas gags não funcionaram para mim) e utiliza com parcimônia as músicas. Poucas de fato são marcantes, o que talvez justifique uma onda de sucesso mais curta desta produção se compararmos com a história da Princesa Elsa e até mesmo os clássicos da década de 1990. O alívio cômico calcado em um frango burro não é o suficiente e acaba sobrecarregando personagens maiores nesta função, tirando a oportunidade de aprofundar mais suas histórias. Porém, vale ressaltar que a Disney está no caminho certo e é uma pena que crie um hiato de quatro anos para lançar um longa com história original apenas com Gigantic em 2020.
Amor Suspeito
3.5 60Exemplo difícil de um filme realmente inteligente. Criando uma metáfora em cima de uma coisa banal, qual seja, a mudança no visual com a retirada de um bigode, o roteiro passeia por questões comportamentais profundas. Quem nunca acreditou estar fazendo o certo e ver que todas as pessoas a sua volta pensavam de maneira diferente? Quem nunca acreditou que uma mudança traria benefícios e viu que toda mudança deve acontecer naturalmente para que seja eficiente? Filme para assistir despretensiosamente e achar seu próprio entendimento.
Busca Implacável
4.0 1,3K Assista AgoraO espectador já sabe tudo o que vai acontecer em Busca Implacável, filme produzido pelo 'workaholic' Luc Besson. 'Prevensor' do governo americano abdica de sua família para servir o país. Anos depois, viciado em segurança, reluta em ver sua filha de dezessete anos viajar para a Europa. O que acontece? Ela é sequestrada por uma máfia que trafica e comercializa mulheres, em especial as turistas que chegam à Paris. O roteiro é enxuto, não se perde num prólogo desnecessário, fazendo de Busca Implacável um 'thriller' de alto nível, protagonizado pelo incontestável Liam Nesson. Todos os elementos estão lá: o falso amigo que dá a pista errada, as saídas marotas de situações difíceis, a pancadaria e uma perseguição de carro no fim. Sem esquecer da torturinha básica do homem que passa por tudo para resgatar a filha. O final do filme? Você já sabe bem qual é.
Bolt: Supercão
3.3 534 Assista AgoraBolt é a animação que a Disney lançou no final do ano nos Estados Unidos e, como tem acontecido com filmes não produzidos pela Pixar, deixou a desejar nas bilheterias. O longa conta a história de um cachorro que é astro de um programa de televisão onde ele possui superpoderes como superforça, supervelocidade e, o principal, o superlatido (ai, esses filmes de cachorro).
Eu não sou muito fã de cão, mas devo admitir que Bolt é até bonitinho, um dos mais engraçados que já vi (talvez porque ele não seja de verdade). Enfim, Bolt (dublado por John Travolta) não sabe que tudo o que ele passa durante o dia é ficção, já que tomam cuidado para não repetir cenas, nem ensaiar ou deixar o animal ver as câmeras. Sua colega de trabalho é uma garotinha (dublada por Miley Cyrus) que não tem muito vontade própria e não consegue conviver com o cachorro fora das gravações. Interessante ver a maneira como o empresário e os produtores do programa se comportam perante a menina. Podemos fazer até um paralelo com a vida da própria atriz na vida real, que desde criança estrela um programa de TV (Hannah Montana, caso você tenha acabado de voltar de outro planeta) e tem que se sujeitar às exigências da própria Disney.
Acho que isso nem se passou na cabeça da Miley Cyrus (que compôs a canção do filme e a interpreta muito bem). Voltando à trama, Bolt continua interpretando seu personagem mesmo fora das câmeras e à noite fica trancado no camarim sem contato com a realidade. A confusão começa quando ele sai do camarim e vai parar no mundo real, onde não tem superpoderes e todos tratam ele como uma bicho qualquer. Ao cair numa caixa e ser levado de caminhão de Hollywood até Nova York, Bolt conhece a gata Mittens, responsável por dar ao cão um choque de realidade (em parte porque ela já foi abandonada uma vez, o que explica o tom exageradamente pessimista e amargurado). Ao ver o filme dá para imaginar o cachorro como uma criança que, ao crescer, tem que lidar com a realidade.
Quem nunca pensou que a vida adulta seria melhor e mais divertida do que ela realmente é? E Bolt aos poucos vai entendendo que não é aquele ser especial, que iria salvar o mundo do "homem dos olhos verdes". A Disney apostou muito na ação nesse filme, que usa várias vezes cenas no estilo Matrix, bem manjadas atualmente. Mas por vezes ela se aproxima bastante da animação tradicional (e agora em 2009 ela volta àquele modo clássico de roteiro / storyboards / lápis e papel, com um filme de Princesa - que ela também não fazia há anos). Um exemplo disso é o tamanho dos olhos dos personagens, desproporcionais, como nos animes.
De resto é aquele previsibilidade de sempre, personagens engraçados (Rhino e os pombos), Bolt aprendendo a ser cachorro (no sentido animal) e aquelas mensagens de amizade e a famosa "acredite em você mesmo".
Bezerra de Menezes: O Diário de um Espírito
2.8 79Filme brasileiro que foi a febre dos camelôs em 2008. É um longa bem realizado (orçamento de R$ 1 milhão) e só possui uma cena de mal gosto, relacionada ao exorcismo. De resto, vai indo bem, se concentrando na vida do médico e político que se converte ao espiritismo e vira um dos grandes defensores da religião. Porém, a segunda metade (e o filme é curto, 75 minutos) é extremamente chapa-branca e se transforma num debate desnecessário, dando a impressão que precisavam de mais algumas cenas para completar o filme, deixando o espectador frustrado. Quem quer assistir sem qualquer julgamento não consegue, ainda mais com a mensagem anti-aborto, manifestamente panfletária no final. Uma pena.