Li em mais de um lugar que esse filme é como se fosse uma versão de Persona de Bergman encenada pelas mulheres de Almodóvar, e acho que é bem por aí mesmo: um filme em que performances se impõem como realidade aparente, em uma estética de novela, embora como se espera sempre de Haynes, há algo de muito cruel sob a fachada impecável do melodrama – talvez a síntese disso esteja no monólogo da personagem de Natalie Portman, a atriz, que lê a carta da personagem de Julianne Moore e confessa, de frente ao espelho e ao espectador, sentimentos que não são seus, verdades que não são suas (e que talvez nem sejam verdades), mas o que vale é o efeito da cena, a superfície, as lágrimas; enfim, a ficção que seduz para esconder uma violência inerente.
Não há grandes sacadas, ensinamentos ou observações mais profundas sobre coisa alguma. É o homem fazendo seu trabalho, só isso – e nesse sentido, enquanto é um filme em que o diretor retorna a um terreno familiar, também parece ser uma forma de ele, ironicamente, comentar sobre o próprio método e a sua atual condição de empregado de um grande streaming, com a narração em off e cenas como a do clímax servindo para ilustrar um pouco essa ideia. Sobre executar tarefas, basicamente. Burocrático e, ao mesmo tempo, muito autoral.
Mike Flanagan parece um tantinho preguiçoso dessa vez – há uma redundância na estrutura dos episódios que até segue um conceito cíclico, mas eventualmente acaba dando uma cansada, e dá para sentir que foi preciso forçar um pouco aqui ou ali para caber uma referência direta a Poe (o sexto episódio, voltado para a filha Tamerlane é um bom exemplo disso) –, mas acho que ele compensa em seu cuidado com as imagens e com uma dramaturgia bem folhetinesca. Alguns momentos brilhantes ali no meio (a sequência da orgia, o monólogo do limão) e nomes no elenco, como Bruce Greenwood e Carla Gugino, em estado de graça.
Essa sensação distante de quando eu abria os olhos ainda pequeno, no escuro do meu quarto, e os medos primários davam formas ao escuro é evocada nos melhores momentos desse Skinamarink. Não é à toa que quase tudo que eu li e ouvi de positivo (e até de negativo) a respeito desse filme fazem esse resgate pessoal às lembranças turvas e pessoais de um pesadelo infantil, mesmo que nem sempre fique claro o que diabos está acontecendo ali na tela. Mas consegue se sair razoavelmente bem na maneira como suas escolhas de estilo acessam determinados lugares, parece muito satisfeito consigo mesmo, com as ‘regras’ de seu estilo, por isso a sensação geral é que o filme não avança, não progride e tem a vibe de um vídeo experimental de internet, sem corpo para um longa-metragem.
Meio impressionante como uma produção tão notoriamente apressada e improvisada como foi a desse filme tenha resultado em algo até bastante coeso e objetivo. O primeiro ato é muito bom em estabelecer a trama e delinear as tensões e o corte abruto na narrativa é uma referência muito digna à ruptura que Psicose havia proposto poucos anos antes; o chato é que, depois disso, vá se tornando um filme apressado, conforme se encaminha para o seu desfecho, em que algumas coisas se atropelam para dar uma justificativa (no caso, um fundo psicológico à tudo, bem ao gosto do que Hitchcock havia feito em 1960), enquanto outras, nesse turbilhão, acabam sem qualquer consequência (a introdução com a morte na canoa, por exemplo). Mesmo um filme menor, ainda um registro bastante interessante dos primeiros passos de um grande cineasta.
O mais interessante aqui é como existe uma imoralidade em tudo. Ou, para colocar de outra forma, os personagens seguem uma moral muito própria de cada um, que gera os conflitos e subverte um pouco a lógica de A Mão que Balança o Berço que se insinua logo nas primeiras cenas. Enquanto terror, acho que não explora as possibilidades como poderia; fica ali meio contido, propondo uma viagem de ácido ambígua que, na real, soa bem menos lombrada do que o pretendido (parece até brincadeira de criança perto da lisergia que é Mary Poppins, uma referência imediata para esse filme desde o título), mas tem lá seus bons momentos no meio do caminho.
Revisto em um domingo preguiçoso à tarde, com a dublagem clássica do Hebert Richers, numa sessão bem despretensiosa como é o filme em si, cujo charme da história batida e cheia de saídas fáceis permanece pelo carisma de Richard Gere e, em especial, pela presença magnética de Julia Roberts, que toma a tela desde o primeiro minuto - tudo que não envolve a personagem dela, linda e sorridente no quadro, é bem descartável. Com todos os seus problemas, porém, sempre uma viagem gostosa no tempo rever essa comédia romântica.
Tem uma ousadia que, acho, só é possível mesmo em se tratando de um filme dos anos 70 com seu hibridismo de gêneros (não deixa de ser um policial com o background sujo e cru da NY hiperviolenta da época, ao mesmo tempo que é um terror com tons apocalípticos) e ao mesmo tempo uma contemporaneidade em sua discussão que o faz ser pertinente agora, sem tirar ou acrescentar. Visto hoje, me soa subestimado, para dizer o mínimo, o quanto esse filme parece ter influenciado outros tantos – não somente em sua mistura de estilos e nas discussões filosóficas em que mete o dedo, mas em seus elementos visuais mesmo, de body horror –, escondido sob uma imagem de profano.
Bem decepcionante considerando que parte de uma premissa curiosa meio que saída de programas de TV como Twilight Zone e o apelo a um tipo de estética de ficção científica de gibi antigo, embora narrativamente seja um desleixo total. Os personagens são apresentados de uma maneira confusa para pontuar um clima de mistério que não se sustenta, e que, quando este se revela, já bem didática e tardiamente na história, as situações passam a se suceder de uma forma atropelada, sem muito clímax.
Possivelmente meu momento preferido da carreira de Jennifer Lawrence até aqui, sem qualquer verniz de premiação e com um timming cômico jamais revelado mesmo em outros papéis de humor. Toda a troca dela com o garoto em cena é muito boa, e ela segura a peteca mesmo nos momentos em que o filme vai descambando para as resoluções dramáticas de sempre, e perdendo muito da canalhice da primeira meia hora. Não fossem as decepcionantes concessões, para torná-lo mais fácil na segunda metade, poderia ser maior. Maddie venceria os jogos vorazes, mas Katniss jamais ganharia batalha pelada na praia.
Fico um pouco de cara em como esse filme é subestimado. Na verdade, eu diria esquecido mesmo. Concordo que o desfecho pirotécnico e até meio aleatório destoa bastante do clima contido até ali, e parece dirigido por outra pessoa, mas o trabalho com sugestão que Blatty consegue fazer nesse filme é para poucos, mesmo – a maneira como as sombras, os sons e as rimas visuais são usadas para resolver momentos mais gráficos é soberba, com destaque para a cena da morte no confessionário e o famoso jumpscare da enfermeira na ronda noturna. Toda as sequências, quase teatrais no melhor sentido, de embate entre George C. Scott antagonizando com Jason Miller e Brad Douriff são uma coisa assombrosa.
Tem aquela melancolia agridoce típica de contos sobre o fim da inocência, mas que poucos filmes conseguem capturar com tanto lirismo – entendo comparações com o estilo contemplativo de Malick, em especial, seus primeiros filmes, mas para mim está mais próximo de algo como O Espírito da Colmeia, em que o horror real não é necessariamente explícito, mas camuflado pelo olhar pouco calejado de uma criança (livrinhos sobre vampiros e histórias orais que escondem relações e dinâmicas sociais perversas), sem as concessões típicas das fantasias de cinema que seguem mais ou menos esse mesmo estilo. Pelo contrário, é tristíssimo e, ainda sim, poético, como não poderia deixar de ser a perda da inocência diante da descoberta de um mundo mau.
Como se O Alientista fosse refeito sob as lentes do estresse pós-traumático da Guerra do Vietnã, gravitando sobre as discussões teológicas (Deus existe? Bondade existe? Onde?) que permeiam os trabalhos mais conhecidos de William Peter Blatty. Gosto de como as coisas se dão a partir de um teatro nonsense, seguindo mais ou menos a lógica (?) com que os pacientes daquele espaço psiquiátrico convivem entre si, embora eu acho que ele não vá muito fundo em seu apelo ao horror ou mesmo de drama existencialista. Para além do original, acho essas discussões e implicações mais interessantes no subestimadíssimo O Exorcista III.
Para mim, particularmente, uma das representações simbólicas mais efetivas do que é o inferno, povoado por homens que só brigam, bebem, caçam e apostam, em um ciclo de violência e recreação que se repete como um eterno dia da marmota (ou do canguru?). Dá para sentir do lado de cá o odor de suor, o gosto da cerveja quente e o travo da comida ruim – um cruel tratado sobre masculinidade tóxica antes mesmo de essa poder ser considerada uma pauta comum, e, passados mais de cinquenta anos, ainda um filme muito, mas muito impactante.
Me fez abrir um sorriso e deixar cair lágrimas conforme um filme paralelo ia se projetando, lá no fundinho da minha cabeça. Minha casa, meus pais, o ensino superior, a bolsa acadêmica, o trabalho... sonhos entijolados com o esforço de quem nos ama e os compartilha conosco. Acho que tenho um pouco do Deivinho, um pouco da Eunice... todos nós, né? E acho que esse filme é meio que isso aí, sobre persistir na irremediável esperança de uma vida melhor, para nós e para os nossos, esteja esse ideal em um outro bairro ou em um outro planeta.
Discordo quando dizem que esse filme não é para crianças. Inclusive, acho que um dos acertos da Greta é justo carregar a tinta nessa caricatura e criar um filme visualmente estimulante, cheio de piadas visuais, que contrabalanceiam um pouco o didatismo meio GNT que ocasionalmente explicita por demais os comentários que o filme tece sobre o estado das coisas no que diz respeito às dinâmicas de gênero – não obstante a Barbie dá lá suas gabrielaprioladas em momentos pontuais. Não acho que seja um grande filme, sequer é o melhor da diretora, mas é repleto de bons momentos e só por ter incomodado o tipo de pessoal que incomodou, já tá de bom tamanho. Margot e Ryan, ótimos.
Concordo que é um tanto calculado demais e sem a pulsão erótica que destacava os trabalhados do Cronenberg pai de outros body horrors mindfucks, mas tem herdado dele esse estranho prazer de encontrar na carne, na matéria física, possibilidades para questões filosóficas elementares. Esse thriller futurista, à imagem de distopias como Videodrome e ExistenZ, parece interessado em sondar sobre identidade, sobre o que nos torna, afinal, quem somos (ou quem esperamos ser) em meio a uma sociedade de reality, de janelas indiscretas e de medos e vontades inconfessas cuja tecnologia parece ter tornado assustadoramente públicas.
O que esse documentário chega a ter em vantagem à média das produções de true crime da Netflix é que pelo menos não esgarça o tema em episódios que não justificam a divisão, mas não traz nenhum novo olhar sobre esse caso que já foi explorado de todas as formas possíveis nessa janela de quinze anos. Nem o espaço dado às contradições da acusação, na intenção de jogar sombra de dúvida sobre como as coisas se deram, chega a ser efetivo nesse aspecto – ao contrário, parece que subtrai um pouco da história não tão alardeada, que é a da mãe que, após essa tragédia, encontrou outros sentidos para seguir vivendo e lutando.
Assistir a essa sequência de Psicose faz pensar em como este é um produto que meio que antecipa uma tendência atual de filmes de terror – ou melhor, filmes de forma geral – de revisitar a própria mitologia, misturando personagens originais com novos rostos a partir de uma premissa/estrutura conhecida, para expandir a mitologia. Não me lembro de outros nesse período que reconheçam o seu legado, com um espaço de tempo, uma distância, como esse filme faz – em um movimento parecido com o Halloween H20, em 1998, ou até os reboots mais modernos de clássicos slasher –, seguindo uma lógica semelhante àquela do original de Hitchcock, no sentindo de brincar com perspectivas e, com isso, subverter expectativas. Talvez seja mais longo do que deveria, e algumas reviravoltas se atropelem ali pelo final, mas tem ideias ousadas e uma execução mais sofisticada que a de outros slashers mesmo do período.
Sempre bom ver Chico falando e cantando, e, claro, ver suas composições interpretadas por outros bons artistas, embora a estrutura desse documentário não seja muito mais que a de um especial comemorativo da TV Globo ou coisa que o valha (é até mais panorâmico e menos analítico do que eu supunha que seria, na verdade), sem qualquer boa sacada visual que o destaque. Para quem gosta mesmo.
Há muito de bom no meio do que é esse filme – em especial, para mim, a trilha magnífica do Nicholas Britell, que eleva as coisas a um outro nível –, mas a estranha sensação que ele deixa é que os elementos não se conectam organicamente e o pretenso lirismo soa forçado, sem o naturalismo de Moonlight, o trabalho anterior do diretor, que ele parece querer replicar em algum sentido. Tudo soa declamado demais, plastificado demais, e a narrativa, consequentemente, respira pouco fora desse processo de malickzação (a procura de um grande significado, poético, por trás de cada pequeno elemento, como se buscasse uma epifania que nunca chega).
Bem menos preocupado em contextualizar as situações do que na aleatoriedade com que as coisas acontecem, o que não seria problema caso não tivesse um claro interesse de estabelecer um comentário político, que, a meu ver, fica meio perdido em meio ao que tenta ser uma versão europeia supercaricata de O Massacre da Serra Elétrica, sem muito esforço para tornar as sequências de horror – a segunda metade não fica longe do torture porn com fotografia esverdeada que fazia sucesso à época – em impactos que fossem muito além de um franzido de cenho aqui ou ali.
Se o quinto lidava com fandom, esse sexto expande a sacada ao brincar com o imaginário dos filmes de Pânico – o Ghostface, os stab movies, os acessórios dos crimes – como artigos colecionáveis da Comic Con para comentar, para além do filme em si, sobre a noção de franquia, de produção e distribuição atacada de cultura – saímos, então da bucólica Woodsboro e pousamos em Nova York, com maior orçamento, para concretizar essa expansão, e, com isso, crescem os set pieces (nisso ele é bem mais competente que o anterior; tem pelo menos umas três ou quatro cenas aqui que fariam Wes Craven dar um joinha), são inseridos novos elementos a essa mitologia e imaginadas outras formas para lidar com o próprio legado – até de forma direta, já que constrói pra si uma memorabília desses 27 anos. O terceiro ato, da revelação, é quase anticlimático e dá uma caída no saldo, que também evita opções mais arriscadas e termina numa certa zona de conforto, mas, em suma, ainda me surpreendo com a consistência desses filmes, pertinentes e frequentemente amolados. Sempre um prazer ver um novo Pânico no cinema.
Depois que o mistério é revelado nos apreensivos primeiros minutos e a premissa do filme se apresenta de vez, acho que o filme não consegue sair muito desse mote inicial. Toda a sucessão de eventos e a escalada da violência é bastante previsível não só na ordem que acontece, mas também na forma como, porque resvala eventualmente em um exploitation que não sai tanto da superfície dessas ideias – dá pra pensar que o próprio conceito de 'soft and quiet' quer evocar uma ideia de um mal latente, que se esgueira e se entranha, mas o filme vai por um caminho oposto à qualquer sutileza. Há algum cuidado, pelo olhar da diretora, de deixar certas imagens no campo da sugestão e, com isso, uma comiseração com as vítimas, mas me parece pouco, de forma geral.
Segredos de um Escândalo
3.5 334 Assista AgoraLi em mais de um lugar que esse filme é como se fosse uma versão de Persona de Bergman encenada pelas mulheres de Almodóvar, e acho que é bem por aí mesmo: um filme em que performances se impõem como realidade aparente, em uma estética de novela, embora como se espera sempre de Haynes, há algo de muito cruel sob a fachada impecável do melodrama – talvez a síntese disso esteja no monólogo da personagem de Natalie Portman, a atriz, que lê a carta da personagem de Julianne Moore e confessa, de frente ao espelho e ao espectador, sentimentos que não são seus, verdades que não são suas (e que talvez nem sejam verdades), mas o que vale é o efeito da cena, a superfície, as lágrimas; enfim, a ficção que seduz para esconder uma violência inerente.
O Assassino
3.3 515Não há grandes sacadas, ensinamentos ou observações mais profundas sobre coisa alguma. É o homem fazendo seu trabalho, só isso – e nesse sentido, enquanto é um filme em que o diretor retorna a um terreno familiar, também parece ser uma forma de ele, ironicamente, comentar sobre o próprio método e a sua atual condição de empregado de um grande streaming, com a narração em off e cenas como a do clímax servindo para ilustrar um pouco essa ideia. Sobre executar tarefas, basicamente. Burocrático e, ao mesmo tempo, muito autoral.
A Queda da Casa de Usher
4.0 288 Assista AgoraMike Flanagan parece um tantinho preguiçoso dessa vez – há uma redundância na estrutura dos episódios que até segue um conceito cíclico, mas eventualmente acaba dando uma cansada, e dá para sentir que foi preciso forçar um pouco aqui ou ali para caber uma referência direta a Poe (o sexto episódio, voltado para a filha Tamerlane é um bom exemplo disso) –, mas acho que ele compensa em seu cuidado com as imagens e com uma dramaturgia bem folhetinesca. Alguns momentos brilhantes ali no meio (a sequência da orgia, o monólogo do limão) e nomes no elenco, como Bruce Greenwood e Carla Gugino, em estado de graça.
Skinamarink: Canção de Ninar
2.3 234 Assista AgoraEssa sensação distante de quando eu abria os olhos ainda pequeno, no escuro do meu quarto, e os medos primários davam formas ao escuro é evocada nos melhores momentos desse Skinamarink. Não é à toa que quase tudo que eu li e ouvi de positivo (e até de negativo) a respeito desse filme fazem esse resgate pessoal às lembranças turvas e pessoais de um pesadelo infantil, mesmo que nem sempre fique claro o que diabos está acontecendo ali na tela. Mas consegue se sair razoavelmente bem na maneira como suas escolhas de estilo acessam determinados lugares, parece muito satisfeito consigo mesmo, com as ‘regras’ de seu estilo, por isso a sensação geral é que o filme não avança, não progride e tem a vibe de um vídeo experimental de internet, sem corpo para um longa-metragem.
Demência 13
3.2 46 Assista AgoraMeio impressionante como uma produção tão notoriamente apressada e improvisada como foi a desse filme tenha resultado em algo até bastante coeso e objetivo. O primeiro ato é muito bom em estabelecer a trama e delinear as tensões e o corte abruto na narrativa é uma referência muito digna à ruptura que Psicose havia proposto poucos anos antes; o chato é que, depois disso, vá se tornando um filme apressado, conforme se encaminha para o seu desfecho, em que algumas coisas se atropelam para dar uma justificativa (no caso, um fundo psicológico à tudo, bem ao gosto do que Hitchcock havia feito em 1960), enquanto outras, nesse turbilhão, acabam sem qualquer consequência (a introdução com a morte na canoa, por exemplo). Mesmo um filme menor, ainda um registro bastante interessante dos primeiros passos de um grande cineasta.
Babá Sensual e Perigosa
2.4 21 Assista AgoraO mais interessante aqui é como existe uma imoralidade em tudo. Ou, para colocar de outra forma, os personagens seguem uma moral muito própria de cada um, que gera os conflitos e subverte um pouco a lógica de A Mão que Balança o Berço que se insinua logo nas primeiras cenas. Enquanto terror, acho que não explora as possibilidades como poderia; fica ali meio contido, propondo uma viagem de ácido ambígua que, na real, soa bem menos lombrada do que o pretendido (parece até brincadeira de criança perto da lisergia que é Mary Poppins, uma referência imediata para esse filme desde o título), mas tem lá seus bons momentos no meio do caminho.
Uma Linda Mulher
3.8 1,6K Assista AgoraRevisto em um domingo preguiçoso à tarde, com a dublagem clássica do Hebert Richers, numa sessão bem despretensiosa como é o filme em si, cujo charme da história batida e cheia de saídas fáceis permanece pelo carisma de Richard Gere e, em especial, pela presença magnética de Julia Roberts, que toma a tela desde o primeiro minuto - tudo que não envolve a personagem dela, linda e sorridente no quadro, é bem descartável. Com todos os seus problemas, porém, sempre uma viagem gostosa no tempo rever essa comédia romântica.
Foi Deus Quem Mandou
3.4 23Tem uma ousadia que, acho, só é possível mesmo em se tratando de um filme dos anos 70 com seu hibridismo de gêneros (não deixa de ser um policial com o background sujo e cru da NY hiperviolenta da época, ao mesmo tempo que é um terror com tons apocalípticos) e ao mesmo tempo uma contemporaneidade em sua discussão que o faz ser pertinente agora, sem tirar ou acrescentar. Visto hoje, me soa subestimado, para dizer o mínimo, o quanto esse filme parece ter influenciado outros tantos – não somente em sua mistura de estilos e nas discussões filosóficas em que mete o dedo, mas em seus elementos visuais mesmo, de body horror –, escondido sob uma imagem de profano.
Os Parecidos
3.0 126Bem decepcionante considerando que parte de uma premissa curiosa meio que saída de programas de TV como Twilight Zone e o apelo a um tipo de estética de ficção científica de gibi antigo, embora narrativamente seja um desleixo total. Os personagens são apresentados de uma maneira confusa para pontuar um clima de mistério que não se sustenta, e que, quando este se revela, já bem didática e tardiamente na história, as situações passam a se suceder de uma forma atropelada, sem muito clímax.
Que Horas Eu Te Pego?
3.3 497Possivelmente meu momento preferido da carreira de Jennifer Lawrence até aqui, sem qualquer verniz de premiação e com um timming cômico jamais revelado mesmo em outros papéis de humor. Toda a troca dela com o garoto em cena é muito boa, e ela segura a peteca mesmo nos momentos em que o filme vai descambando para as resoluções dramáticas de sempre, e perdendo muito da canalhice da primeira meia hora. Não fossem as decepcionantes concessões, para torná-lo mais fácil na segunda metade, poderia ser maior. Maddie venceria os jogos vorazes, mas Katniss jamais ganharia batalha pelada na praia.
O Exorcista III
2.6 196 Assista AgoraFico um pouco de cara em como esse filme é subestimado. Na verdade, eu diria esquecido mesmo. Concordo que o desfecho pirotécnico e até meio aleatório destoa bastante do clima contido até ali, e parece dirigido por outra pessoa, mas o trabalho com sugestão que Blatty consegue fazer nesse filme é para poucos, mesmo – a maneira como as sombras, os sons e as rimas visuais são usadas para resolver momentos mais gráficos é soberba, com destaque para a cena da morte no confessionário e o famoso jumpscare da enfermeira na ronda noturna. Toda as sequências, quase teatrais no melhor sentido, de embate entre George C. Scott antagonizando com Jason Miller e Brad Douriff são uma coisa assombrosa.
O Reflexo do Mal
3.6 74Tem aquela melancolia agridoce típica de contos sobre o fim da inocência, mas que poucos filmes conseguem capturar com tanto lirismo – entendo comparações com o estilo contemplativo de Malick, em especial, seus primeiros filmes, mas para mim está mais próximo de algo como O Espírito da Colmeia, em que o horror real não é necessariamente explícito, mas camuflado pelo olhar pouco calejado de uma criança (livrinhos sobre vampiros e histórias orais que escondem relações e dinâmicas sociais perversas), sem as concessões típicas das fantasias de cinema que seguem mais ou menos esse mesmo estilo. Pelo contrário, é tristíssimo e, ainda sim, poético, como não poderia deixar de ser a perda da inocência diante da descoberta de um mundo mau.
A Nona Configuração
3.5 12 Assista AgoraComo se O Alientista fosse refeito sob as lentes do estresse pós-traumático da Guerra do Vietnã, gravitando sobre as discussões teológicas (Deus existe? Bondade existe? Onde?) que permeiam os trabalhos mais conhecidos de William Peter Blatty. Gosto de como as coisas se dão a partir de um teatro nonsense, seguindo mais ou menos a lógica (?) com que os pacientes daquele espaço psiquiátrico convivem entre si, embora eu acho que ele não vá muito fundo em seu apelo ao horror ou mesmo de drama existencialista. Para além do original, acho essas discussões e implicações mais interessantes no subestimadíssimo O Exorcista III.
Pelos Caminhos do Inferno
3.9 80Para mim, particularmente, uma das representações simbólicas mais efetivas do que é o inferno, povoado por homens que só brigam, bebem, caçam e apostam, em um ciclo de violência e recreação que se repete como um eterno dia da marmota (ou do canguru?). Dá para sentir do lado de cá o odor de suor, o gosto da cerveja quente e o travo da comida ruim – um cruel tratado sobre masculinidade tóxica antes mesmo de essa poder ser considerada uma pauta comum, e, passados mais de cinquenta anos, ainda um filme muito, mas muito impactante.
Marte Um
4.1 303 Assista AgoraMe fez abrir um sorriso e deixar cair lágrimas conforme um filme paralelo ia se projetando, lá no fundinho da minha cabeça. Minha casa, meus pais, o ensino superior, a bolsa acadêmica, o trabalho... sonhos entijolados com o esforço de quem nos ama e os compartilha conosco. Acho que tenho um pouco do Deivinho, um pouco da Eunice... todos nós, né? E acho que esse filme é meio que isso aí, sobre persistir na irremediável esperança de uma vida melhor, para nós e para os nossos, esteja esse ideal em um outro bairro ou em um outro planeta.
Barbie
3.9 1,6K Assista AgoraDiscordo quando dizem que esse filme não é para crianças. Inclusive, acho que um dos acertos da Greta é justo carregar a tinta nessa caricatura e criar um filme visualmente estimulante, cheio de piadas visuais, que contrabalanceiam um pouco o didatismo meio GNT que ocasionalmente explicita por demais os comentários que o filme tece sobre o estado das coisas no que diz respeito às dinâmicas de gênero – não obstante a Barbie dá lá suas gabrielaprioladas em momentos pontuais. Não acho que seja um grande filme, sequer é o melhor da diretora, mas é repleto de bons momentos e só por ter incomodado o tipo de pessoal que incomodou, já tá de bom tamanho. Margot e Ryan, ótimos.
Possessor
3.4 303 Assista AgoraConcordo que é um tanto calculado demais e sem a pulsão erótica que destacava os trabalhados do Cronenberg pai de outros body horrors mindfucks, mas tem herdado dele esse estranho prazer de encontrar na carne, na matéria física, possibilidades para questões filosóficas elementares. Esse thriller futurista, à imagem de distopias como Videodrome e ExistenZ, parece interessado em sondar sobre identidade, sobre o que nos torna, afinal, quem somos (ou quem esperamos ser) em meio a uma sociedade de reality, de janelas indiscretas e de medos e vontades inconfessas cuja tecnologia parece ter tornado assustadoramente públicas.
Isabella: O Caso Nardoni
3.1 129O que esse documentário chega a ter em vantagem à média das produções de true crime da Netflix é que pelo menos não esgarça o tema em episódios que não justificam a divisão, mas não traz nenhum novo olhar sobre esse caso que já foi explorado de todas as formas possíveis nessa janela de quinze anos. Nem o espaço dado às contradições da acusação, na intenção de jogar sombra de dúvida sobre como as coisas se deram, chega a ser efetivo nesse aspecto – ao contrário, parece que subtrai um pouco da história não tão alardeada, que é a da mãe que, após essa tragédia, encontrou outros sentidos para seguir vivendo e lutando.
Psicose 2
3.3 213 Assista AgoraAssistir a essa sequência de Psicose faz pensar em como este é um produto que meio que antecipa uma tendência atual de filmes de terror – ou melhor, filmes de forma geral – de revisitar a própria mitologia, misturando personagens originais com novos rostos a partir de uma premissa/estrutura conhecida, para expandir a mitologia. Não me lembro de outros nesse período que reconheçam o seu legado, com um espaço de tempo, uma distância, como esse filme faz – em um movimento parecido com o Halloween H20, em 1998, ou até os reboots mais modernos de clássicos slasher –, seguindo uma lógica semelhante àquela do original de Hitchcock, no sentindo de brincar com perspectivas e, com isso, subverter expectativas. Talvez seja mais longo do que deveria, e algumas reviravoltas se atropelem ali pelo final, mas tem ideias ousadas e uma execução mais sofisticada que a de outros slashers mesmo do período.
Chico: Artista Brasileiro
4.3 85Sempre bom ver Chico falando e cantando, e, claro, ver suas composições interpretadas por outros bons artistas, embora a estrutura desse documentário não seja muito mais que a de um especial comemorativo da TV Globo ou coisa que o valha (é até mais panorâmico e menos analítico do que eu supunha que seria, na verdade), sem qualquer boa sacada visual que o destaque. Para quem gosta mesmo.
Se a Rua Beale Falasse
3.7 284 Assista AgoraHá muito de bom no meio do que é esse filme – em especial, para mim, a trilha magnífica do Nicholas Britell, que eleva as coisas a um outro nível –, mas a estranha sensação que ele deixa é que os elementos não se conectam organicamente e o pretenso lirismo soa forçado, sem o naturalismo de Moonlight, o trabalho anterior do diretor, que ele parece querer replicar em algum sentido. Tudo soa declamado demais, plastificado demais, e a narrativa, consequentemente, respira pouco fora desse processo de malickzação (a procura de um grande significado, poético, por trás de cada pequeno elemento, como se buscasse uma epifania que nunca chega).
(A) Fronteira
3.4 494Bem menos preocupado em contextualizar as situações do que na aleatoriedade com que as coisas acontecem, o que não seria problema caso não tivesse um claro interesse de estabelecer um comentário político, que, a meu ver, fica meio perdido em meio ao que tenta ser uma versão europeia supercaricata de O Massacre da Serra Elétrica, sem muito esforço para tornar as sequências de horror – a segunda metade não fica longe do torture porn com fotografia esverdeada que fazia sucesso à época – em impactos que fossem muito além de um franzido de cenho aqui ou ali.
Pânico VI
3.5 801 Assista AgoraSe o quinto lidava com fandom, esse sexto expande a sacada ao brincar com o imaginário dos filmes de Pânico – o Ghostface, os stab movies, os acessórios dos crimes – como artigos colecionáveis da Comic Con para comentar, para além do filme em si, sobre a noção de franquia, de produção e distribuição atacada de cultura – saímos, então da bucólica Woodsboro e pousamos em Nova York, com maior orçamento, para concretizar essa expansão, e, com isso, crescem os set pieces (nisso ele é bem mais competente que o anterior; tem pelo menos umas três ou quatro cenas aqui que fariam Wes Craven dar um joinha), são inseridos novos elementos a essa mitologia e imaginadas outras formas para lidar com o próprio legado – até de forma direta, já que constrói pra si uma memorabília desses 27 anos. O terceiro ato, da revelação, é quase anticlimático e dá uma caída no saldo, que também evita opções mais arriscadas e termina numa certa zona de conforto, mas, em suma, ainda me surpreendo com a consistência desses filmes, pertinentes e frequentemente amolados. Sempre um prazer ver um novo Pânico no cinema.
Soft & Quiet
3.5 244Depois que o mistério é revelado nos apreensivos primeiros minutos e a premissa do filme se apresenta de vez, acho que o filme não consegue sair muito desse mote inicial. Toda a sucessão de eventos e a escalada da violência é bastante previsível não só na ordem que acontece, mas também na forma como, porque resvala eventualmente em um exploitation que não sai tanto da superfície dessas ideias – dá pra pensar que o próprio conceito de 'soft and quiet' quer evocar uma ideia de um mal latente, que se esgueira e se entranha, mas o filme vai por um caminho oposto à qualquer sutileza. Há algum cuidado, pelo olhar da diretora, de deixar certas imagens no campo da sugestão e, com isso, uma comiseração com as vítimas, mas me parece pouco, de forma geral.