A incessante busca por referências em uma série ou filme pode prejudicar a sua fruição, assim como a avaliação do produto audiovisual. Críticos e espectadores se apressaram em apontar elementos de filmes como “A Bruxa”, “Midsommar - O Mal Não Espera a Noite”, “A Profecia” e “O Iluminado”, entre tantos outros, em “Desalma”, da Globoplay. A série não tem a pretensão de reinventar o terror, gênero que coincidentemente usa e abusa de referências. Mas há em “Desalma” um desejo de fazer terror com tempero brasileiro, a começar pela ambientação. A ação se passa na misteriosa Brígida, comunidade de descendentes ucranianos no sul do País que parece meio deslocada no tempo. Os filhos dos moradores se preparam para realizar a festa folclórica de Ivana Kupala, na qual os jovens dançam e bebem ao redor de uma enorme fogueira e as meninas usam arranjos florais na cabeça. A proximidade com os festejos reacende o mistério em torno de um crime ocorrido durante a celebração há 30 anos e até hoje uma ferida não cicatrizada. Salta aos olhos o requinte da produção. Fotografia, trilha sonora, locações e sobretudo a direção cinematográfica. O capricho resultou em comparações com produções norte-americanas e europeias. Como se fosse demérito realizar um produto audiovisual brasileiro com padrão internacional. “Desalma” baseia-se em livro da escritora Ana Paula Maia, que também responde pela criação da série. Temas como choque e identidade cultural e religiosidade marcam presença na narrativa que se alterna em dois tempos: passado e presente. O brutal assassinato de Halyna (Anna Melo), filha da amargurada Haia (Cássia Kis, que rouba todas as cenas), que carrega a fama de bruxa, movimenta os dez capítulos desta primeira temporada. Se no elenco de veteranos destaca-se ainda Cláudia Abreu, na pele da mãe de um garoto vítima de possessão, o elenco juvenil deixa bastante a desejar. Atuações fracas e diálogos didáticos nos flashbacks destoam do cuidado com outros elementos da série. O ritmo da história é devagar, e a trama só começa a engrenar a partir do quarto episódio. A lentidão ajuda o espectador a se embrenhar nesse mundo tão misterioso, ameaçador e fascinante quanto as matas catarinenses na quais se passa a trama de “Desalma”.
Quem já viu pelo menos uma das muitas séries espanholas do catálogo da Netflix notou a predominância dos gêneros policial e suspense em tramas sobre famílias. “Perdida” é indicada para quem curtiu “O Sucessor” e a recente “Alguém Tem que Morrer”. Há também ecos óbvios de “Prison Break” na trama sobre o pai (Daniel Grao) que vai para uma prisão barra-pesadíssima na Colômbia disposto a achar o homem que raptou sua filha (Juan Carlos Messier) e descobrir o paradeiro da garota. O enredo ainda inclui uma advogada (Adriana Paz) que presta os mais variados serviços para um chefão do narcotráfico (Fernand Solórzano), a mulher dele, uma atriz canastrona, e policiais corruptos. “Perdida” combina drama, suspense, ação e elementos do filme de prisão. Prende a atenção, embora o excesso de flashbacks para explicar as reais motivações dos personagens cansem o espectador. Como se os 11 episódios de cerca de 50 minutos não fossem suficientes para dar conta da história. O desleixo com a narrativa se acentua no desfecho da trama, na qual saltam aos olhos as situações inverossímeis e atropeladas.
American Horror Story” encontra “Hollywood” em “Ratched”, a mais recente criação do prolífico Ryan Murphy. O terror com um pé no grotesco, o apuro estético e apelo nostálgico se fazem presentes nesta nova produção do showrunner para a Netflix. Ratched, como tudo mundo está careca de saber, é a enfermeira imortalizada pela oscarizada Louise Fletcher em “Um Estranho no Ninho”. Cabe a Sarah Paulson, atriz-fetiche do produtor e roteirista, a tarefa de dar vida à calculista e sádica personagem em um manicômio no final dos anos 40. O assassinato brutal de quatro padres dá o start na trama. O criminoso vai parar num hospital psiquiátrico, o mesmo onde a enfermeira arranja uma vaguinha. Joguinhos que envolvem chantagens e mentiras são as armas da enigmática Mildred Ratched para conquistar a confiança do patrão e galgar degraus dentro da hierarquia do hospital. Paulson está bem, como de costume, em uma interpretação bastante contida. Mas são os coadjuvantes que se destacam. Entre eles, Cynthia Nixon, no papel da assessora de imprensa do governador, Judy Davis, na pele da enfermeira-chefe do hospício, e Sharon Stone como uma milionária excêntrica e vingativa. O visual arrebatador, dos figurinos glamurosos à direção de arte e fotografia que privilegiam os tons de azul e verde, encobre as deficiências do roteiro. Para fãs de cinema pode ser divertido encontrar aqui e ali referências a filmes e personagens. É uma das marcas do trabalho de Murphy, além do sangue e do sexo. “Ratched” começa bem e vai perdendo a força à medida que a personagem passa a amadurecer. Assim como em “Hollywood” há um tom apaziguador ao final que destoa bastante dos episódios iniciais. Fãs dos trabalhos do produtor irão sentir uma pequena ponta de frustração.
O filão dos serial killers, seja em filmes, documentários e séries, é inesgotável e desperta o interesse de muita gente. Esse subgênero, por assim dizer, ainda engatinha no audiovisual brasileiro. Nesse sentido, “Bom Dia Verônica”, da Netflix, é mais do que bem-vinda. A produção tem pedigree. Baseia-se em livro dos escritores Ilana Casoy e Raphael Montes e reúne um elenco de atores tarimbados: Du Moscovis, Camila Morgado, Tainá Müller, Silvio Guindane, entre outros. Os cuidados se estendem à direção de arte, fotografia... Não cabe aqui comparar livro e série. São obras distintas e com linguagens diferentes. “Bom Dia, Verônica” tem a trama de um assassino em série como mote, mas abarca outros temas, todos na ordem do dia no País: violência doméstica, machismo, corrupção policial etc. Quem curte histórias escabrosas sobre matadores vai querer emendar um episódio no outro. A atmosfera é aflitiva e o suspense impera. Para se ter uma ideia, o vilão costuma pendurar suas vítimas em ganchos como se fossem pedaços de carne em açougues. Também há boas cenas de ação. Os atores contribuem para o êxito da empreitada. Moscovis está amedrontador e Camila expressa bem a angústia da mulher subjugada pelo marido psicopata e confinada dentro de casa. É um produto calculado milimetricamente para atingir o maior número possível de espectadores em escala global. Isso explica o visual um tanto limpinho e a adesão a alguns clichês das séries policiais (o delegado corrupto, a delegada que pega no pé da protagonista, o amigo que manja tudo de informática, a família certinha de comercial de margarina) e alguns diálogos rasos e furos no roteiro. Ao facilitar a vida do espectador a série perde pontos em termos artísticos, mas ainda assim se revela um bom passatempo.
Apesar de ter um serial killer como personagem, “Reckoning: Acerto de Contas” é um thriller psicológico com toques de drama. Para quem anda cansado do clima sombrio e das paisagens geladas das séries de noir nórdico que existem às pencas no streaming, a minissérie é um refresco. A história se passa na ensolarada Califórnia, embora tenha sido filmada na Austrália. O detetive Mike Serrato (Aden Young) e o orientador educacional Leo Doyle (Sam Trammel) são pais que precisam lidar com os filhos problemáticos e seus próprios demônios. O sumiço e assassinato de uma jovem reacende o interesse do policial pelo caso de um serial killer que há 20 anos quase pôs um ponto final em sua carreira. O modus operandi do matador inclui arrancar as tatuagens de suas vítimas, todas mulheres. Para não esquecer de seu fracasso, Serrato se pune cobrindo o peito com tatuagens iguais às das garotas mortas. Não menos traumatizado, Doyle também é afetado pelo crime. Aden se sai melhor que Trammel, exprimindo com perfeição a angústia, culpa e confusão mental do policial atormentado por um fracasso. Sua atuação é um dos trunfos de “Reckoning”. Produzida pelo canal AXN e disponibilizada pela Netflix, a atração tem aquele jeitão de produto para a TV a cabo, bem-feito, sem invencionices estéticas e dramatúrgicas. A narrativa flui sem tropeços e dá até para maratonar. Os episódios/capítulos são enxutos, com cerca de 45 minutos. O desfecho, no entanto, é apressado e um bocado decepcionante. Por se tratar de uma minissérie, o que significa um final fechado, talvez não haja uma nova leva de episódios. Mas seria interessante ver o detetive Mike Serrato às voltas como novos casos, assim como desenvolver personagens que não tiveram o seu merecido destaque.
“The Sinner” nunca se pautou pelo óbvio. A produção da Netflix sempre procurou mostrar a determinação/obsessão do detetive Harry Ambrose (Bill Pullman) em solucionar os casos dos quais foi incumbido. Nem que para isso coloque em risco a vida pessoal já um tanto conturbada e a integridade física. Outra característica da série é investigar a mente criminosa. O “quem matou?” é trocado pelo “por que matou?”. Mais ambiciosa e cerebral que suas antecessoras, a terceira temporada é regida pelas teorias do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. O ritmo lento pode afastar alguns espectadores. Mas aqueles que forem fisgados pela história e pela atuação de Matthew Boomer não irão ficar desapontados. Boomer faz Jamie, um professor certinho e dedicado cuja mulher espera o primeiro filho do casal. Sua vida dá uma derrapada após a visita inesperada de Nick (Chris Messina). Logo fica claro que Jamie e o ex-colega de faculdade guardam um segredo. A especulação sobre um romance gay mal resolvido logo cai por terra. Ambos eram apaixonados mesmo era pelos ensinamentos de Nietzsche. Um acidente com o carro em que ambos estavam acabado matando Nick. O que se segue é a jornada do detetive em obter uma confissão do “pecador”, que expõe sua personalidade doentia e torna-se cada vez mais perigoso e surpreendente. O aflitivo oitavo episódio é exemplar nesse sentido. Harry nunca se enredou tanto num caso e quase pôs tudo a perder. Bill Pullman dá um show na pele do detetive e sofre de todas as formas, inclusive por conta de um dor no nervo ciático que o faz mancar. “The Sinner” se supera nesta terceira temporada e só nos faz torcer para que uma nova leva de episódios chegue logo.
Nas ruas cobertas de fuligem de Small Heath, área pobre da industrial Birmingham, os irmãos Shelby comandam uma gangue que atua no ramo de apostas ilegais de cavalos. Mas pode incluir aí também contrabando e assaltos. Os brigões, arruaceiros e violentos Peaky Blinders, título que faz referência à providencial navalha escondida na boina, existiram de fato na Inglaterra após a Primeira Guerra e encontram na série da BBC disponível pela Netflix o melhor veículo. A primeira temporada dá as cartas de “Peaky Blinders – Sangue, Apostas e Navalhas”. O protagonista é Tommy Shelby (Cillian Murphy, o Espantalho de “Batman – o Cavaleiro das Trevas Ressurge”). Inglês de sangue cigano, o ex-soldado carrega traumas de guerra e tem a obstinação cega de vencer no mundo do crime organizado depois de voltar ao lar. Após ganharem por acidente um carregamento de armas, os gângsteres britânicos viram alvo do então secretário de Estado Winston Churchill, que coloca no pé de Tommy um inspetor de polícia astuto e agressivo (Sam Neill). Com Cillian e Neil em cena daria para dizer que pouco sobra para o restante do elenco. Mas seria injusto como o time tarimbado cujos destaques são Paul Anderson como o bipolar Arthur e Helen McCrory na pele da durona Polly. Os episódios de cerca de uma hora cativam (são apenas seis por temporada) e têm ritmo ágil, pontuados por uma trilha contemporânea de rock que vai de Arctic Monkeys a Nick Cave. As séries sobre o universo dos gângsteres nunca mais serão as mesmas depois de “Peaky Blinders”.
Baladas eletrônicas turbinadas a drogas e sexo na liberal Ibiza dos anos 90 e um assassinato. Esses são os ingredientes de “White Lines”, nova aposta da Netflix. A série tem como trunfo a assinatura de Álex Pina, criador do fenômeno “La Casa de Papel”, o que ajuda a fisgar espectadores. A vítima do crime é Axel Collins, DJ superstar nos anos 90, cujo corpo aparece nos dias atuais. A irmã do artista, Zoe, se manda de Manchester para a paradisíaca ilha. Não é preciso ser vidente para saber que ao investigar o crime a bibliotecária irá descobrir que ele não era flor que se cheire e ainda trazer à tona os podres da trupe que o acompanhava. Entre eles estão um guru espiritual, um DJ que trafica drogas, uma mulher que organiza orgias e um ricaço que tem uma relação incestuosa com a mãe. Há também o segurança barbudão, musculoso e tatuado com quem Zoe se envolve. Os clichês não são um problema em filmes e séries. O que conta é a forma como o diretor trabalha os lugares-comuns. Não é o caso aqui. “White Lines” tem como agravante uma protagonista chatinha e mestre em ferrar com a vida alheia. Esse híbrido desajeitado de policial e drama caminha a passos de tartaruga por dez episódios. Basta dizer que todos eles começam com flashbacks. Alguns mais interessantes que a trama contemporânea, como os que mostram Axel no comando de festas pontuadas por toda a sorte de excessos. A trilha sonora é vibrante, com canções de bandas como Primal Scream e Happy Mondays, e o visual enche os olhos. O título faz referência tanto às carreiras de cocaína quanto às faixas de segurança que Zoe precisa cruzar em sua jornada na ilha. Mas até a protagonista descobrir a si mesmo e o responsável pelo crime, o espectador vai penar um bocado.
Terra da fantasia, Hollywood maquiou a realidade por meio dos filmes. Suas produções eram moldadas ao paladar do público. Cabia aos chefões dos estúdios atender aos anseios populares. A minissérie “Hollywood” recria a era dourada do cinema americano, durante o pós-guerra, por meio de um grupo de jovens idealistas com o sonho de ver seus nomes estampados nas marquises dos cinemas. Mas o clima nostálgico serve mais a estética que a dramaturgia na criação de Ryan Murphy (de séries como “Glee”, “American Horror Story” e “Pose”). O roteiro se mostra sintonizado com o espírito progressista dos tempos atuais, questionando o espaço dando para negros, gays e mulheres no cinema industrial daqueles tempos. Na Hollywood idealizada por Murphy o preconceito e o machismo são superados e o esforço é agraciado com o Oscar, algo que só ocorreu décadas depois. A maneira que o showrunner encontrou para isso foi reescrever a história, ao estilo de Quentin Tarantino em “Bastardos Inglórios” e “Era uma Vez em... Hollywood”. O tom, no entanto, é romântico, e há temas em excesso para uma minissérie de apenas sete capítulos. Acompanha-se com interesse a saga de seus personagens, valorizada por atuações como a de Jim Parsons (o Sheldon de “Big Bang Theory”, excelente como um repulsivo agente de atores). Conferir o que é realidade e o que é ficção na trama, como o posto de gasolina de fachada para um serviço de michês, as festas (orgias?) promovidas pelo cineasta George Cukor e o fato de Vivien Leigh ter sido acusada de ter mãos masculinas por um diretor divertem os cinéfilos e o público em geral. Ainda assim é bem pouco.
Apertem os cintos! Um militar armado invade um voo de Bruxelas para Moscou durante o embarque e manda o piloto decolar imediatamente. Caso contrário, o sol vai matar a todos, profetiza ele. “Noite Adentro”, primeira produção belga para a Netflix, é um vigoroso thriller com elementos de ficção científica distópica. São apenas seis episódios de pouco mais de 30 minutos cada e que deixam aquele gostinho de quero mais. Maratonar é palavra de ordem aqui. Os personagens, de diferentes nacionalidades e etnias, como convém nos tempos atuais, são bem clichês, mas vitais para o desenvolvimento da história e a criação de ganchos. Entre eles estão uma influencer de narizinho empinado, uma mãe com o filho doente e um homem com cara de poucos amigos. Todos eles irão expor seus piores defeitos à medida que a trama avança. O choque de egos torna os conflitos inevitáveis. O fenômeno cósmico que é o mote para a história, assim como um punhado de situações, são pra lá de inverossímeis. Mas ninguém vai dar muita bola para isso. “Noite Adentro” é voo seguro, porém sujeito a turbulências, para curtir confortavelmente na poltrona - ou sofá.
Em tempos de pandemia as pessoas não parecem nem um pouco interessadas em tramas que exigem demais do cérebro. O negócio é encontrar um produto audiovisual bem digerível para esquecer das notícias ruins do dia a dia. Isto ajuda a explicar o sucesso de “Toy Boy” em vários países, incluindo o Brasil. Mas não é tudo. A série junta-se a outras atrações espanholas que caíram no gosto popular, como “La Casa de Papel”, “Elite” e “O Sucessor”. Todas delas apresentam enredos simples com caraterísticas de telenovela. Em “Toy Boy”, o stripper Hugo (o bonitão e inexpressivo Jesús Mosquera) é acusado de um crime e cumpre sete anos de pena. É solto com ajuda de uma advogada iniciante (María Pedraza, a Marina de “Elite”). Ele vai, claro, tentar descobrir quem cometeu o assassinato que arruinou com sua vida. A trama envolve Macarena (Cristina Castaño), empresária ricaça de quem ela era o tal “garoto de brinquedo”, e mistura jogos de poder e trama detetivesca em meio a shows de strip-tease de rapazes de sunga em uma boate chamada Inferno. A atmosfera kitsch é digna de um filme vagabundo de décadas passadas. Onde mais se poderia encontrar apresentações de clube de mulheres com figurinos de espetáculos da Broadway? Ou um jovem gay problemático com visual emo? A série é divertida na maior parte do tempo, mas a extensão da temporada (13 episódios de pouco mais de uma hora) deixa evidente a falta de fôlego da história. Reviravoltas rocambolescas cumprem a tarefa de empurrar a elucidação do mistério. Além disso, a premissa de abordar o universo dos strippers e garotos de programa é desperdiçada por conta de uma abordagem caricata.
A Netflix está abarrotada de séries sobre o narcotráfico. Para quem curte o tema, “O Sucessor” é mais uma opção. A produção espanhola aborda o assunto por meio da história de Nemo Bandeira (o tarimbado José Coronado), chefão do tráfico na costa da Galícia, e sua conturbada família: o filho gay viciado em drogas (quanta ironia!), a herdeira que prefere cuidar de sua galeria de artes a tocar a empresa do clã, a filha bastarda que rejeita o pai, a mulher mal-amada e rancorosa e o advogado almofadinha tratado como se fosse filho e o grande vilão da série. Não bastasse, o protagonista descobre que tem Alzheimer. A doença vai começar a se pronunciar e interferir no destino dos Bandeiras ao longo da primeira temporada. Com tais ingredientes aliados à falta de verossimilhança de muitas situações e a previsibilidade da trama não restam dúvidas: “O Sucessor” é um novelão. O que não soa como um demérito. A Netflix tem no catálogo atrações bem-sucedidas que bebem no gênero, como “La Casa de Papel” e “Elite”. Não por acaso duas produções oriundas da Espanha. Tais séries estão longe de ser perfeitas, mas tem reviravoltas, elencos afinados e boas sacadas de direção, trunfos que fazem a diferença no final. Aqueles que se ligarem apenas no desenrolar do enredo de “O “Sucessor”, sem se importar com a coerência e a ausência de surpresas, podem se divertir.
“Il Processo” parte de um crime brutal para expor a Justiça e seus personagens. Os protagonistas são a obsessiva promotora da região italiana de Mântua, Elena Guerra (a luminosa Vittória Puccini), e o sedutor e carreirista advogado Ruggero Barone (Francesco Scianna). Os dois duelam no tribunal que julga a milionária Linda Monaco (Camila Filippi), herdeira de uma família poderosa, do assassinato da jovem Angelica Petroni (Margherita Caviezel). Cada episódio abre com flashbacks do depoimento da ré para depois mostrar as sessões que compõem o julgamento. Mas o grande achado narrativa de “Il Processo” é colocar a promotora e o advogado na cena do crime à medida que as testemunhas dão seus depoimentos. Cada um faz a interpretação que lhe convém dos fatos. O artifício ajuda a prender a atenção do público na bem fotografada série, que conta com locações em locais históricos. Há ainda um drama íntimo da protagonista e que irá mexer com os rumos do julgamento. As reviravoltas no caso lá pelo final tornam o produto ainda mais envolvente. O desfecho pode soar decepcionante, mas o percurso até lá é bem agradável.
Concebida como uma minissérie de 15 capítulos para a TV aberta na Espanha, “La Casa de Papel” estreou em 2017 e foi um fracasso em seu país natal. Ao ser adquirida pela Netflix, que a reeditou e dividiu em duas temporadas, virou um fenômeno pop planetário, com personagens como Tóquio, Berlin, Nairóbi e o gênio do crime, o Professor, alçados ao posto de ídolos. O êxito fez o serviço de streaming querer mais. A solução foi esticar a história. Os produtores e roteiristas criaram mais um roubo espetaculoso. Depois da Casa da Moeda, a invasão ao Banco da Espanha é o assunto das temporadas seguintes. A repetição leva a um desgaste da fórmula, sobretudo nesta quarta temporada. Isso se faz notar pelo excesso de flashbacks que estão ali apenas para “encher linguiça” e tornam alguns episódios enfadonhos e conflitos já vistos bastante tolos. Alguém ainda aguenta as tentativas desajeitadas de Arturito em se rebelar? A ação e a tensão estão garantidas. Dá até vontade de “maratonar”. Mas a sensação que fica ao final do oitavo episódio é de que a história já acabou. É o preço do sucesso. O gancho para a quinta temporada existe. Mas vai ser preciso muito jogo de cintura e criatividade por parte de seus criadores para voltar a fisgar a atenção do espectador.
As mulheres sempre tiveram destaque em “Ozark”, mas nunca como na terceira temporada da série. Wendy (a excelente Laura Linney) é a protagonista desta vez, deixando para trás o marido, Martin Byrde (Jason Bateman), pai de família que lava dinheiro para um cartel de drogas mexicano. A executiva/lobista domina os episódios e exibe extrema frieza e astúcia não apenas para salvar a pele do clã, mas também seus lucrativos negócios. A entrada em cena de Ben (Tom Pelphrey, que lembra demais Keanu Reeves), o irmão bipolar, mostra que a loira não hesita em fazer escolhas difíceis, por mais dolorosas que ela possa ser. A relação dos irmãos é um dos pontos altos da terceira temporada e mostra a ótima carpintaria dramática de Ozark. Além de Wendy temos a caipira Ruth (Julia Garner), a implacável advogada Helen (Janet McTeer) e a violenta viúva Darlene (Lisa Emery). São personagens bem construídas e psicologicamente densas. Mulheres fortes, determinadas e com pouco ou nenhum escrúpulo.
“Deadwind” é mais uma opção para fãs do noir nórdico disponível na Netflix. A série finlandesa traz uma detetive, Sofia Karppi, que volta ao batente após a morte acidental do marido. Em meio a rotina para cuidar do filho e da enteada ela precisa desvendar o assassinato de uma jovem no terreno que dará lugar a um empreendimento imobiliário. “Deadwind” combina com certa precisão drama psicológico e investigação policial. Como de praxe a atmosfera é cinzenta e gélida e o “quem matou?” é quase tão importante quanto os conflitos da protagonista. Doze episódios parecem muito para a série, que por vezes se arrasta e não abre mão da manjada reviravolta nos episódios finais. Mas quem curte esse subgênero policial não vai se importar muito.
Vem da Islândia a nova série policial da Netflix. “O Assassino de Valhala” é mais uma cria do noir nórdico. O subgênero nasceu na literatura europeia e tinha como expoente Stieg Larsson, da trilogia “Millenium”. Filmes e séries têm como características a fotografia cinzenta e fria e as histórias trazem quase sempre uma obstinada protagonista policial que se reveza entre os casos e seus dramas interiores. Já os temas são mais pesados que os das séries americanas e incluem de racismo à pedofilia. “O Assassino de Valhala” segue à risca as convenções do noir nórdico. A policial Kata conta a com a ajuda de Arnar, um taciturno colega norueguês, para investigar uma série de crimes. O suspense predomina do primeiro ao oitavo episódio, com direito a reviravolta no final, e os cenários gelados e desérticos colaboram para o clima de tensão e mistério. Quem curtir pode procurar por títulos como “Trapped”, “Borderliner” e “The Killing”, que ajudam a entender por que o noir nórdico é o policial do momento.
A terceira temporada de “Elite” adota o manjado recurso do “quem matou?”. Flashbacks ao longo dos episódios espalham (e embaralham) pistas e suspeitos. Fica impossível não lembrar de “How to Get Away with Murder” e outras séries menos memoráveis. Mas desta vez o foco recai sobre os alunos do colégio Las Encinas. Não à toa os episódios levam o nome dos personagens. A estratégia permite aos roteiristas abordar comportamentos e relações entre os estudantes. A inesperada aproximação entre Lucrecia e Nadia é a melhor sacada desta terceira temporada. Menos bem-sucedido é o drama do casal Ander e Omar. O tom novelesco impera em alguns episódios e situações, uma característica que assola produções como a também espanhola “La Casa de Papel”. O melhor/pior exemplo é o episódio final. O desfecho promete novos ares para as já garantidas quarta e quinta temporadas.
A premissa desta série da Netflix não tem nada de original: uma estranha bagunça a vida de uma família ao revelar segredos cabeludos. Pode temperar a receita com um desaparecimento e um assassinato e temos um thriller dos mais envolventes. "Não Fale com Estranhos" baseia-se num romance do autor Harlan Coben. Um de seus livros deu origem à eficiente "Safe", igualmente da Netflix, ambientada no mesmo universo de classe média britânica e que também inclui o sumiço de uma personagem. A maneira como a trama é desenvolvida, com mistérios vindo á tona a cada episódio, prende a atenção e dá vontade de "maratonar". Por vezes há tantas pontas soltas que fica a sensação que a série não vai dar conta de amarrar todas elas. A conclusão é um tanto apressada e nem um pouco sutil, digna das piores novelas, mas até lá deu para se divertir um bocado.
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Desalma (1ª Temporada)
3.8 195A incessante busca por referências em uma série ou filme pode prejudicar a sua fruição, assim como a avaliação do produto audiovisual. Críticos e espectadores se apressaram em apontar elementos de filmes como “A Bruxa”, “Midsommar - O Mal Não Espera a Noite”, “A Profecia” e “O Iluminado”, entre tantos outros, em “Desalma”, da Globoplay. A série não tem a pretensão de reinventar o terror, gênero que coincidentemente usa e abusa de referências. Mas há em “Desalma” um desejo de fazer terror com tempero brasileiro, a começar pela ambientação. A ação se passa na misteriosa Brígida, comunidade de descendentes ucranianos no sul do País que parece meio deslocada no tempo. Os filhos dos moradores se preparam para realizar a festa folclórica de Ivana Kupala, na qual os jovens dançam e bebem ao redor de uma enorme fogueira e as meninas usam arranjos florais na cabeça. A proximidade com os festejos reacende o mistério em torno de um crime ocorrido durante a celebração há 30 anos e até hoje uma ferida não cicatrizada. Salta aos olhos o requinte da produção. Fotografia, trilha sonora, locações e sobretudo a direção cinematográfica. O capricho resultou em comparações com produções norte-americanas e europeias. Como se fosse demérito realizar um produto audiovisual brasileiro com padrão internacional. “Desalma” baseia-se em livro da escritora Ana Paula Maia, que também responde pela criação da série. Temas como choque e identidade cultural e religiosidade marcam presença na narrativa que se alterna em dois tempos: passado e presente. O brutal assassinato de Halyna (Anna Melo), filha da amargurada Haia (Cássia Kis, que rouba todas as cenas), que carrega a fama de bruxa, movimenta os dez capítulos desta primeira temporada. Se no elenco de veteranos destaca-se ainda Cláudia Abreu, na pele da mãe de um garoto vítima de possessão, o elenco juvenil deixa bastante a desejar. Atuações fracas e diálogos didáticos nos flashbacks destoam do cuidado com outros elementos da série. O ritmo da história é devagar, e a trama só começa a engrenar a partir do quarto episódio. A lentidão ajuda o espectador a se embrenhar nesse mundo tão misterioso, ameaçador e fascinante quanto as matas catarinenses na quais se passa a trama de “Desalma”.
Perdida (1ª Temporada)
3.7 21 Assista AgoraQuem já viu pelo menos uma das muitas séries espanholas do catálogo da Netflix notou a predominância dos gêneros policial e suspense em tramas sobre famílias. “Perdida” é indicada para quem curtiu “O Sucessor” e a recente “Alguém Tem que Morrer”. Há também ecos óbvios de “Prison Break” na trama sobre o pai (Daniel Grao) que vai para uma prisão barra-pesadíssima na Colômbia disposto a achar o homem que raptou sua filha (Juan Carlos Messier) e descobrir o paradeiro da garota. O enredo ainda inclui uma advogada (Adriana Paz) que presta os mais variados serviços para um chefão do narcotráfico (Fernand Solórzano), a mulher dele, uma atriz canastrona, e policiais corruptos. “Perdida” combina drama, suspense, ação e elementos do filme de prisão. Prende a atenção, embora o excesso de flashbacks para explicar as reais motivações dos personagens cansem o espectador. Como se os 11 episódios de cerca de 50 minutos não fossem suficientes para dar conta da história. O desleixo com a narrativa se acentua no desfecho da trama, na qual saltam aos olhos as situações inverossímeis e atropeladas.
Ratched (1ª Temporada)
3.8 393 Assista AgoraAmerican Horror Story” encontra “Hollywood” em “Ratched”, a mais recente criação do prolífico Ryan Murphy. O terror com um pé no grotesco, o apuro estético e apelo nostálgico se fazem presentes nesta nova produção do showrunner para a Netflix. Ratched, como tudo mundo está careca de saber, é a enfermeira imortalizada pela oscarizada Louise Fletcher em “Um Estranho no Ninho”. Cabe a Sarah Paulson, atriz-fetiche do produtor e roteirista, a tarefa de dar vida à calculista e sádica personagem em um manicômio no final dos anos 40. O assassinato brutal de quatro padres dá o start na trama. O criminoso vai parar num hospital psiquiátrico, o mesmo onde a enfermeira arranja uma vaguinha. Joguinhos que envolvem chantagens e mentiras são as armas da enigmática Mildred Ratched para conquistar a confiança do patrão e galgar degraus dentro da hierarquia do hospital. Paulson está bem, como de costume, em uma interpretação bastante contida. Mas são os coadjuvantes que se destacam. Entre eles, Cynthia Nixon, no papel da assessora de imprensa do governador, Judy Davis, na pele da enfermeira-chefe do hospício, e Sharon Stone como uma milionária excêntrica e vingativa. O visual arrebatador, dos figurinos glamurosos à direção de arte e fotografia que privilegiam os tons de azul e verde, encobre as deficiências do roteiro. Para fãs de cinema pode ser divertido encontrar aqui e ali referências a filmes e personagens. É uma das marcas do trabalho de Murphy, além do sangue e do sexo. “Ratched” começa bem e vai perdendo a força à medida que a personagem passa a amadurecer. Assim como em “Hollywood” há um tom apaziguador ao final que destoa bastante dos episódios iniciais. Fãs dos trabalhos do produtor irão sentir uma pequena ponta de frustração.
Bom Dia, Verônica (1ª Temporada)
4.2 760 Assista AgoraO filão dos serial killers, seja em filmes, documentários e séries, é inesgotável e desperta o interesse de muita gente. Esse subgênero, por assim dizer, ainda engatinha no audiovisual brasileiro. Nesse sentido, “Bom Dia Verônica”, da Netflix, é mais do que bem-vinda. A produção tem pedigree. Baseia-se em livro dos escritores Ilana Casoy e Raphael Montes e reúne um elenco de atores tarimbados: Du Moscovis, Camila Morgado, Tainá Müller, Silvio Guindane, entre outros. Os cuidados se estendem à direção de arte, fotografia... Não cabe aqui comparar livro e série. São obras distintas e com linguagens diferentes. “Bom Dia, Verônica” tem a trama de um assassino em série como mote, mas abarca outros temas, todos na ordem do dia no País: violência doméstica, machismo, corrupção policial etc. Quem curte histórias escabrosas sobre matadores vai querer emendar um episódio no outro. A atmosfera é aflitiva e o suspense impera. Para se ter uma ideia, o vilão costuma pendurar suas vítimas em ganchos como se fossem pedaços de carne em açougues. Também há boas cenas de ação. Os atores contribuem para o êxito da empreitada. Moscovis está amedrontador e Camila expressa bem a angústia da mulher subjugada pelo marido psicopata e confinada dentro de casa. É um produto calculado milimetricamente para atingir o maior número possível de espectadores em escala global. Isso explica o visual um tanto limpinho e a adesão a alguns clichês das séries policiais (o delegado corrupto, a delegada que pega no pé da protagonista, o amigo que manja tudo de informática, a família certinha de comercial de margarina) e alguns diálogos rasos e furos no roteiro. Ao facilitar a vida do espectador a série perde pontos em termos artísticos, mas ainda assim se revela um bom passatempo.
Reckoning
3.1 40Apesar de ter um serial killer como personagem, “Reckoning: Acerto de Contas” é um thriller psicológico com toques de drama. Para quem anda cansado do clima sombrio e das paisagens geladas das séries de noir nórdico que existem às pencas no streaming, a minissérie é um refresco. A história se passa na ensolarada Califórnia, embora tenha sido filmada na Austrália. O detetive Mike Serrato (Aden Young) e o orientador educacional Leo Doyle (Sam Trammel) são pais que precisam lidar com os filhos problemáticos e seus próprios demônios. O sumiço e assassinato de uma jovem reacende o interesse do policial pelo caso de um serial killer que há 20 anos quase pôs um ponto final em sua carreira. O modus operandi do matador inclui arrancar as tatuagens de suas vítimas, todas mulheres. Para não esquecer de seu fracasso, Serrato se pune cobrindo o peito com tatuagens iguais às das garotas mortas. Não menos traumatizado, Doyle também é afetado pelo crime. Aden se sai melhor que Trammel, exprimindo com perfeição a angústia, culpa e confusão mental do policial atormentado por um fracasso. Sua atuação é um dos trunfos de “Reckoning”. Produzida pelo canal AXN e disponibilizada pela Netflix, a atração tem aquele jeitão de produto para a TV a cabo, bem-feito, sem invencionices estéticas e dramatúrgicas. A narrativa flui sem tropeços e dá até para maratonar. Os episódios/capítulos são enxutos, com cerca de 45 minutos. O desfecho, no entanto, é apressado e um bocado decepcionante. Por se tratar de uma minissérie, o que significa um final fechado, talvez não haja uma nova leva de episódios. Mas seria interessante ver o detetive Mike Serrato às voltas como novos casos, assim como desenvolver personagens que não tiveram o seu merecido destaque.
The Sinner (3ª Temporada)
2.9 331 Assista Agora“The Sinner” nunca se pautou pelo óbvio. A produção da Netflix sempre procurou mostrar a determinação/obsessão do detetive Harry Ambrose (Bill Pullman) em solucionar os casos dos quais foi incumbido. Nem que para isso coloque em risco a vida pessoal já um tanto conturbada e a integridade física. Outra característica da série é investigar a mente criminosa. O “quem matou?” é trocado pelo “por que matou?”. Mais ambiciosa e cerebral que suas antecessoras, a terceira temporada é regida pelas teorias do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. O ritmo lento pode afastar alguns espectadores. Mas aqueles que forem fisgados pela história e pela atuação de Matthew Boomer não irão ficar desapontados. Boomer faz Jamie, um professor certinho e dedicado cuja mulher espera o primeiro filho do casal. Sua vida dá uma derrapada após a visita inesperada de Nick (Chris Messina). Logo fica claro que Jamie e o ex-colega de faculdade guardam um segredo. A especulação sobre um romance gay mal resolvido logo cai por terra. Ambos eram apaixonados mesmo era pelos ensinamentos de Nietzsche. Um acidente com o carro em que ambos estavam acabado matando Nick. O que se segue é a jornada do detetive em obter uma confissão do “pecador”, que expõe sua personalidade doentia e torna-se cada vez mais perigoso e surpreendente. O aflitivo oitavo episódio é exemplar nesse sentido. Harry nunca se enredou tanto num caso e quase pôs tudo a perder. Bill Pullman dá um show na pele do detetive e sofre de todas as formas, inclusive por conta de um dor no nervo ciático que o faz mancar. “The Sinner” se supera nesta terceira temporada e só nos faz torcer para que uma nova leva de episódios chegue logo.
Peaky Blinders: Sangue, Apostas e Navalhas (1ª Temporada)
4.4 461 Assista AgoraNas ruas cobertas de fuligem de Small Heath, área pobre da industrial Birmingham, os irmãos Shelby comandam uma gangue que atua no ramo de apostas ilegais de cavalos. Mas pode incluir aí também contrabando e assaltos. Os brigões, arruaceiros e violentos Peaky Blinders, título que faz referência à providencial navalha escondida na boina, existiram de fato na Inglaterra após a Primeira Guerra e encontram na série da BBC disponível pela Netflix o melhor veículo. A primeira temporada dá as cartas de “Peaky Blinders – Sangue, Apostas e Navalhas”. O protagonista é Tommy Shelby (Cillian Murphy, o Espantalho de “Batman – o Cavaleiro das Trevas Ressurge”). Inglês de sangue cigano, o ex-soldado carrega traumas de guerra e tem a obstinação cega de vencer no mundo do crime organizado depois de voltar ao lar. Após ganharem por acidente um carregamento de armas, os gângsteres britânicos viram alvo do então secretário de Estado Winston Churchill, que coloca no pé de Tommy um inspetor de polícia astuto e agressivo (Sam Neill). Com Cillian e Neil em cena daria para dizer que pouco sobra para o restante do elenco. Mas seria injusto como o time tarimbado cujos destaques são Paul Anderson como o bipolar Arthur e Helen McCrory na pele da durona Polly. Os episódios de cerca de uma hora cativam (são apenas seis por temporada) e têm ritmo ágil, pontuados por uma trilha contemporânea de rock que vai de Arctic Monkeys a Nick Cave. As séries sobre o universo dos gângsteres nunca mais serão as mesmas depois de “Peaky Blinders”.
White Lines (1ª Temporada)
3.2 57Baladas eletrônicas turbinadas a drogas e sexo na liberal Ibiza dos anos 90 e um assassinato. Esses são os ingredientes de “White Lines”, nova aposta da Netflix. A série tem como trunfo a assinatura de Álex Pina, criador do fenômeno “La Casa de Papel”, o que ajuda a fisgar espectadores. A vítima do crime é Axel Collins, DJ superstar nos anos 90, cujo corpo aparece nos dias atuais. A irmã do artista, Zoe, se manda de Manchester para a paradisíaca ilha. Não é preciso ser vidente para saber que ao investigar o crime a bibliotecária irá descobrir que ele não era flor que se cheire e ainda trazer à tona os podres da trupe que o acompanhava. Entre eles estão um guru espiritual, um DJ que trafica drogas, uma mulher que organiza orgias e um ricaço que tem uma relação incestuosa com a mãe. Há também o segurança barbudão, musculoso e tatuado com quem Zoe se envolve. Os clichês não são um problema em filmes e séries. O que conta é a forma como o diretor trabalha os lugares-comuns. Não é o caso aqui. “White Lines” tem como agravante uma protagonista chatinha e mestre em ferrar com a vida alheia. Esse híbrido desajeitado de policial e drama caminha a passos de tartaruga por dez episódios. Basta dizer que todos eles começam com flashbacks. Alguns mais interessantes que a trama contemporânea, como os que mostram Axel no comando de festas pontuadas por toda a sorte de excessos. A trilha sonora é vibrante, com canções de bandas como Primal Scream e Happy Mondays, e o visual enche os olhos. O título faz referência tanto às carreiras de cocaína quanto às faixas de segurança que Zoe precisa cruzar em sua jornada na ilha. Mas até a protagonista descobrir a si mesmo e o responsável pelo crime, o espectador vai penar um bocado.
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Hollywood
4.1 330 Assista AgoraTerra da fantasia, Hollywood maquiou a realidade por meio dos filmes. Suas produções eram moldadas ao paladar do público. Cabia aos chefões dos estúdios atender aos anseios populares. A minissérie “Hollywood” recria a era dourada do cinema americano, durante o pós-guerra, por meio de um grupo de jovens idealistas com o sonho de ver seus nomes estampados nas marquises dos cinemas. Mas o clima nostálgico serve mais a estética que a dramaturgia na criação de Ryan Murphy (de séries como “Glee”, “American Horror Story” e “Pose”). O roteiro se mostra sintonizado com o espírito progressista dos tempos atuais, questionando o espaço dando para negros, gays e mulheres no cinema industrial daqueles tempos. Na Hollywood idealizada por Murphy o preconceito e o machismo são superados e o esforço é agraciado com o Oscar, algo que só ocorreu décadas depois. A maneira que o showrunner encontrou para isso foi reescrever a história, ao estilo de Quentin Tarantino em “Bastardos Inglórios” e “Era uma Vez em... Hollywood”. O tom, no entanto, é romântico, e há temas em excesso para uma minissérie de apenas sete capítulos. Acompanha-se com interesse a saga de seus personagens, valorizada por atuações como a de Jim Parsons (o Sheldon de “Big Bang Theory”, excelente como um repulsivo agente de atores). Conferir o que é realidade e o que é ficção na trama, como o posto de gasolina de fachada para um serviço de michês, as festas (orgias?) promovidas pelo cineasta George Cukor e o fato de Vivien Leigh ter sido acusada de ter mãos masculinas por um diretor divertem os cinéfilos e o público em geral. Ainda assim é bem pouco.
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Noite Adentro (1ª Temporada)
3.6 165 Assista AgoraApertem os cintos! Um militar armado invade um voo de Bruxelas para Moscou durante o embarque e manda o piloto decolar imediatamente. Caso contrário, o sol vai matar a todos, profetiza ele. “Noite Adentro”, primeira produção belga para a Netflix, é um vigoroso thriller com elementos de ficção científica distópica. São apenas seis episódios de pouco mais de 30 minutos cada e que deixam aquele gostinho de quero mais. Maratonar é palavra de ordem aqui. Os personagens, de diferentes nacionalidades e etnias, como convém nos tempos atuais, são bem clichês, mas vitais para o desenvolvimento da história e a criação de ganchos. Entre eles estão uma influencer de narizinho empinado, uma mãe com o filho doente e um homem com cara de poucos amigos. Todos eles irão expor seus piores defeitos à medida que a trama avança. O choque de egos torna os conflitos inevitáveis. O fenômeno cósmico que é o mote para a história, assim como um punhado de situações, são pra lá de inverossímeis. Mas ninguém vai dar muita bola para isso. “Noite Adentro” é voo seguro, porém sujeito a turbulências, para curtir confortavelmente na poltrona - ou sofá.
Toy Boy (1ª Temporada)
3.2 135 Assista AgoraEm tempos de pandemia as pessoas não parecem nem um pouco interessadas em tramas que exigem demais do cérebro. O negócio é encontrar um produto audiovisual bem digerível para esquecer das notícias ruins do dia a dia. Isto ajuda a explicar o sucesso de “Toy Boy” em vários países, incluindo o Brasil. Mas não é tudo. A série junta-se a outras atrações espanholas que caíram no gosto popular, como “La Casa de Papel”, “Elite” e “O Sucessor”. Todas delas apresentam enredos simples com caraterísticas de telenovela. Em “Toy Boy”, o stripper Hugo (o bonitão e inexpressivo Jesús Mosquera) é acusado de um crime e cumpre sete anos de pena. É solto com ajuda de uma advogada iniciante (María Pedraza, a Marina de “Elite”). Ele vai, claro, tentar descobrir quem cometeu o assassinato que arruinou com sua vida. A trama envolve Macarena (Cristina Castaño), empresária ricaça de quem ela era o tal “garoto de brinquedo”, e mistura jogos de poder e trama detetivesca em meio a shows de strip-tease de rapazes de sunga em uma boate chamada Inferno. A atmosfera kitsch é digna de um filme vagabundo de décadas passadas. Onde mais se poderia encontrar apresentações de clube de mulheres com figurinos de espetáculos da Broadway? Ou um jovem gay problemático com visual emo? A série é divertida na maior parte do tempo, mas a extensão da temporada (13 episódios de pouco mais de uma hora) deixa evidente a falta de fôlego da história. Reviravoltas rocambolescas cumprem a tarefa de empurrar a elucidação do mistério. Além disso, a premissa de abordar o universo dos strippers e garotos de programa é desperdiçada por conta de uma abordagem caricata.
O Sucessor (1ª Temporada)
4.0 39 Assista AgoraA Netflix está abarrotada de séries sobre o narcotráfico. Para quem curte o tema, “O Sucessor” é mais uma opção. A produção espanhola aborda o assunto por meio da história de Nemo Bandeira (o tarimbado José Coronado), chefão do tráfico na costa da Galícia, e sua conturbada família: o filho gay viciado em drogas (quanta ironia!), a herdeira que prefere cuidar de sua galeria de artes a tocar a empresa do clã, a filha bastarda que rejeita o pai, a mulher mal-amada e rancorosa e o advogado almofadinha tratado como se fosse filho e o grande vilão da série. Não bastasse, o protagonista descobre que tem Alzheimer. A doença vai começar a se pronunciar e interferir no destino dos Bandeiras ao longo da primeira temporada. Com tais ingredientes aliados à falta de verossimilhança de muitas situações e a previsibilidade da trama não restam dúvidas: “O Sucessor” é um novelão. O que não soa como um demérito. A Netflix tem no catálogo atrações bem-sucedidas que bebem no gênero, como “La Casa de Papel” e “Elite”. Não por acaso duas produções oriundas da Espanha. Tais séries estão longe de ser perfeitas, mas tem reviravoltas, elencos afinados e boas sacadas de direção, trunfos que fazem a diferença no final. Aqueles que se ligarem apenas no desenrolar do enredo de “O “Sucessor”, sem se importar com a coerência e a ausência de surpresas, podem se divertir.
O Processo
3.8 29 Assista Agora“Il Processo” parte de um crime brutal para expor a Justiça e seus personagens. Os protagonistas são a obsessiva promotora da região italiana de Mântua, Elena Guerra (a luminosa Vittória Puccini), e o sedutor e carreirista advogado Ruggero Barone (Francesco Scianna). Os dois duelam no tribunal que julga a milionária Linda Monaco (Camila Filippi), herdeira de uma família poderosa, do assassinato da jovem Angelica Petroni (Margherita Caviezel). Cada episódio abre com flashbacks do depoimento da ré para depois mostrar as sessões que compõem o julgamento. Mas o grande achado narrativa de “Il Processo” é colocar a promotora e o advogado na cena do crime à medida que as testemunhas dão seus depoimentos. Cada um faz a interpretação que lhe convém dos fatos. O artifício ajuda a prender a atenção do público na bem fotografada série, que conta com locações em locais históricos. Há ainda um drama íntimo da protagonista e que irá mexer com os rumos do julgamento. As reviravoltas no caso lá pelo final tornam o produto ainda mais envolvente. O desfecho pode soar decepcionante, mas o percurso até lá é bem agradável.
La Casa de Papel (Parte 4)
3.7 658 Assista AgoraConcebida como uma minissérie de 15 capítulos para a TV aberta na Espanha, “La Casa de Papel” estreou em 2017 e foi um fracasso em seu país natal. Ao ser adquirida pela Netflix, que a reeditou e dividiu em duas temporadas, virou um fenômeno pop planetário, com personagens como Tóquio, Berlin, Nairóbi e o gênio do crime, o Professor, alçados ao posto de ídolos. O êxito fez o serviço de streaming querer mais. A solução foi esticar a história. Os produtores e roteiristas criaram mais um roubo espetaculoso. Depois da Casa da Moeda, a invasão ao Banco da Espanha é o assunto das temporadas seguintes. A repetição leva a um desgaste da fórmula, sobretudo nesta quarta temporada. Isso se faz notar pelo excesso de flashbacks que estão ali apenas para “encher linguiça” e tornam alguns episódios enfadonhos e conflitos já vistos bastante tolos. Alguém ainda aguenta as tentativas desajeitadas de Arturito em se rebelar? A ação e a tensão estão garantidas. Dá até vontade de “maratonar”. Mas a sensação que fica ao final do oitavo episódio é de que a história já acabou. É o preço do sucesso. O gancho para a quinta temporada existe. Mas vai ser preciso muito jogo de cintura e criatividade por parte de seus criadores para voltar a fisgar a atenção do espectador.
Ozark (3ª Temporada)
4.4 316As mulheres sempre tiveram destaque em “Ozark”, mas nunca como na terceira temporada da série. Wendy (a excelente Laura Linney) é a protagonista desta vez, deixando para trás o marido, Martin Byrde (Jason Bateman), pai de família que lava dinheiro para um cartel de drogas mexicano. A executiva/lobista domina os episódios e exibe extrema frieza e astúcia não apenas para salvar a pele do clã, mas também seus lucrativos negócios. A entrada em cena de Ben (Tom Pelphrey, que lembra demais Keanu Reeves), o irmão bipolar, mostra que a loira não hesita em fazer escolhas difíceis, por mais dolorosas que ela possa ser. A relação dos irmãos é um dos pontos altos da terceira temporada e mostra a ótima carpintaria dramática de Ozark. Além de Wendy temos a caipira Ruth (Julia Garner), a implacável advogada Helen (Janet McTeer) e a violenta viúva Darlene (Lisa Emery). São personagens bem construídas e psicologicamente densas. Mulheres fortes, determinadas e com pouco ou nenhum escrúpulo.
Deadwind (1ª Temporada)
3.6 48 Assista Agora“Deadwind” é mais uma opção para fãs do noir nórdico disponível na Netflix. A série finlandesa traz uma detetive, Sofia Karppi, que volta ao batente após a morte acidental do marido. Em meio a rotina para cuidar do filho e da enteada ela precisa desvendar o assassinato de uma jovem no terreno que dará lugar a um empreendimento imobiliário. “Deadwind” combina com certa precisão drama psicológico e investigação policial. Como de praxe a atmosfera é cinzenta e gélida e o “quem matou?” é quase tão importante quanto os conflitos da protagonista. Doze episódios parecem muito para a série, que por vezes se arrasta e não abre mão da manjada reviravolta nos episódios finais. Mas quem curte esse subgênero policial não vai se importar muito.
O Assassino de Valhalla (1ª Temporada)
3.6 71Vem da Islândia a nova série policial da Netflix. “O Assassino de Valhala” é mais uma cria do noir nórdico. O subgênero nasceu na literatura europeia e tinha como expoente Stieg Larsson, da trilogia “Millenium”. Filmes e séries têm como características a fotografia cinzenta e fria e as histórias trazem quase sempre uma obstinada protagonista policial que se reveza entre os casos e seus dramas interiores. Já os temas são mais pesados que os das séries americanas e incluem de racismo à pedofilia. “O Assassino de Valhala” segue à risca as convenções do noir nórdico. A policial Kata conta a com a ajuda de Arnar, um taciturno colega norueguês, para investigar uma série de crimes. O suspense predomina do primeiro ao oitavo episódio, com direito a reviravolta no final, e os cenários gelados e desérticos colaboram para o clima de tensão e mistério. Quem curtir pode procurar por títulos como “Trapped”, “Borderliner” e “The Killing”, que ajudam a entender por que o noir nórdico é o policial do momento.
Elite (3ª Temporada)
3.8 300A terceira temporada de “Elite” adota o manjado recurso do “quem matou?”. Flashbacks ao longo dos episódios espalham (e embaralham) pistas e suspeitos. Fica impossível não lembrar de “How to Get Away with Murder” e outras séries menos memoráveis. Mas desta vez o foco recai sobre os alunos do colégio Las Encinas. Não à toa os episódios levam o nome dos personagens. A estratégia permite aos roteiristas abordar comportamentos e relações entre os estudantes. A inesperada aproximação entre Lucrecia e Nadia é a melhor sacada desta terceira temporada. Menos bem-sucedido é o drama do casal Ander e Omar. O tom novelesco impera em alguns episódios e situações, uma característica que assola produções como a também espanhola “La Casa de Papel”. O melhor/pior exemplo é o episódio final. O desfecho promete novos ares para as já garantidas quarta e quinta temporadas.
Não Fale com Estranhos
3.4 184 Assista AgoraA premissa desta série da Netflix não tem nada de original: uma estranha bagunça a vida de uma família ao revelar segredos cabeludos. Pode temperar a receita com um desaparecimento e um assassinato e temos um thriller dos mais envolventes. "Não Fale com Estranhos" baseia-se num romance do autor Harlan Coben. Um de seus livros deu origem à eficiente "Safe", igualmente da Netflix, ambientada no mesmo universo de classe média britânica e que também inclui o sumiço de uma personagem. A maneira como a trama é desenvolvida, com mistérios vindo á tona a cada episódio, prende a atenção e dá vontade de "maratonar". Por vezes há tantas pontas soltas que fica a sensação que a série não vai dar conta de amarrar todas elas. A conclusão é um tanto apressada e nem um pouco sutil, digna das piores novelas, mas até lá deu para se divertir um bocado.