Não é a história mais original dentro da temática LGBT, mas a forma com que é contada faz a diferença. Os olhares e as nuances corporais colocam os diálogos em segundo plano, em um filme cujo segredo está principalmente no não-dito.
Sobre o filme: Cru. Rico em ancestralidade e tradição, mas também em violência. Mais uma representação fiel da América Latina.
Sobre o público: fico com a impressão de que a geração Netflix está perdendo a capacidade de apreciar um filme enquanto obra de arte. Em muitos filmes contemporâneos, se este não tiver ação ou um ritmo veloz, sempre aparece o adjetivo "arrastado". Caraca, o filme tem meras 2h. Desliga o celular e se prende um pouco à atmosfera proposta pela obra.
Apresentando uma estética teatral, "Le peuple et son roi" foge da linearidade tradicional dos filmes de época. Não é aquele tipo de filme que os professores vão passar na sala de aula para se entender um processo histórico. Seu roteiro fragmentado é pouco didático, exigindo do telespectador o conhecimento prévio da Revolução Francesa, pois o que temos aqui são várias referências a episódios pontuais deste tão complexo evento. Estão ali momentos importantes, como a Queda da Bastilha, a Marcha das Mulheres, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, mas nada vem mastigado ao público.
Encontro como ponto positivo o olhar sob ponto de vista dos populares, que nos revela as angústias, as dores e as revoltas que explicam o sentimento revolucionário que se desenvolveu ali naquele contexto. O filme salienta, por exemplo, a participação das mulheres, cuja exclusão da vida política acabou por silenciar a sua importância nas posteriores análises históricas. Por outro lado, por fragmentar demais o roteiro, e não trabalhar nenhum personagem em uma dimensão realmente complexa, acaba sofrendo com problemas de superficialidade. Talvez melhor teria sido focar de vez na personagem da Adele Haenel, aprofundando sua história e como esta se cruza com os acontecimentos em questão. O seu romance, por exemplo, pouco empolga.
Não achei um filme ruim. Mas também não é o melhor para se entender o tema (indico a superprodução de 6h https://filmow.com/la-revolution-francaise-the-french-revolution-t98343/).
Creio que a intenção não foi ser didático, mas se utilizar de uma história já conhecida do povo francês para propor um novo estilo. Funcionará apenas para alguns...
Não tenho como avaliar com uma boa nota filmes que me fazem querer adiantar para acabar mais rápido (como realmente o fiz). Talvez eu não estivesse no momento ideal, talvez eu precisasse de uma maior imersão na obra de Godard e no contexto histórico em que o filme foi feito, mas, enquanto experiência, "Pierrot le Fou" não me foi gratificante. Embora admire as propostas experimentalistas, como a quebra da quarta parede, e bata palmas para a fotografia, com destaque às belas cenas do litoral, achei os diálogos niilistas e desconexos. Os personagens não me cativaram, tampouco a história. Poderia estender minha crítica aprofundando alguns aspectos que me chamaram a atenção, ou buscar compreender melhor a proposta do Godard, mas, quando o filme não me agrada, eu prefiro só seguir adiante.
Na sequência inicial, homens de capuzes atiram contra máscaras e esculturas tradicionais, que interpretamos pertencerem a tribos tradicionais africanas. "Timbuktu" sinaliza de início a sua temática central: as contradições do fundamentalismo religioso, nesse caso, islâmico, na comunidade tradicional de Timbuktu, no Mali. Se debruçando sobre o evento histórico de ocupação da comunidade por organizações jihadistas, em 2012, o roteiro põe em conflito as diferentes camadas culturais que se encontram no meio deste embate, abrindo espaço para as expressões de resistência.
Várias línguas são faladas ao longo da história: árabe, francês, inglês, e algumas regionais, nos relembrando o entrelaçamento das causas macroestruturais que condicionam estes conflitos: dentre várias, o passado de colonização e o financiamento de organizações jihadistas. Isso se confronta com a cultura tradicional dos antepassados, criando litígios que contribuem para a manutenção da desestabilidade na região. Sob esse ponto de vista, o filme, ao mesmo tempo que tem o seu lado contemplativo, explorando as belíssimas, e quentes, paisagens do deserto, ele é primordialmente um filme-denúncia, explorando tanto os malefícios de uma organização radicalizada quanto criticando o que lhe originou.
PS: Já estava conquistado pela história na altura em que, para minha surpresa, apareceu a Fatoumatah Diawara. E sua cena final, mesmo que breve, foi uma das que mais me marcou.
Um documentário que expõe a narrativa do golpe sofrido em nossa democracia.
Não, não se trata de um documentário imparcial, pelo simples motivo da inexistência da imparcialidade. Reserve qualquer manchete de qualquer jornal, e um bom analista do discurso te provará que aquela notícia revela um lado. Não existe discurso sem ideologia, e toda obra midiática, mesmo que implicitamente, revela as visões de mundo do seu autor. Visto isso, é de grande sinceridade perceber a opção da diretora em explicitar a sua proximidade pessoal com a história. Não é uma história apenas sobre a Dilma; não é apenas sobre o Lula. É sobre todos nós que vimos o projeto de nação que acreditávamos ser escancaradamente posto à margem por um grupo elitista e saudosista das velhas oligarquias.
Eu, Antônio Marinho, autor deste comentário, estava em Brasília, do lado dos vermelhos, na primeira votação do impeachment na Câmara. (fiquei até me procurando ali nas cenas. Rs). Portanto, se trata de um documentário que conversou diretamente comigo. E, como muitos aqui provavelmente também se sentiram, o que ficou após a mensagem pré-crédito é uma sensação de vazio, de angústia, de indignação. A indignação, pelo sentimento de (in)justiça seletiva que permeou o processo de impeachment e prisão do ex-presidente. A angústia, por tentar enxergar um cenário futuro para o nosso país e só conseguir ver uma mancha negra cercada por armas.
Fora a intensa carga política, é necessário elogiar também os critérios técnicos do documentário. A fotografia é responsável por cenas belíssimas de Brasília (o que parece contraditório), e a edição contribui para que a gente mal perceba que se tratam de 2 horas de produção. Neste sentido, achei que o filme funcionou melhor que "O Processo" (https://filmow.com/o-processo-t245404/) , embora a mensagem política deste seja igualmente intensa.
O filme possui dois grandes méritos: o primeiro é a fotografia que dialoga a todo instante com o cenário, técnica típica dos road-movies, criando uma relação entre espaço geográfico e problemática, essencial para a história, ainda que a mesma pudesse se passar em qualquer outro lugar. A câmera constantemente assume o ponto de vista dos personagens, colocando-nos em seus olhos e nos passando a sensação de contemplação e conforto em contraste com a incerteza vivida pelos mesmos. Assim, somos convidados a embarcar neste processo de busca. O segundo é o carisma da relação entre os dois protagonistas; uma química inusitadamente desenvolvida e reforçada pelas atuações de ambos. Desenvolve-se ali um amor bem sutil, mas equiparável ao entre pai e filha. Não é proposta do filme discutir grandes temas sociais polêmicos no seu contexto de produção, mas sim mostrar a delicadeza das relações, assim como a delicadeza da natureza em si.
É um filme cuja apreciação vale mais pela análise do objeto histórico do que pelo roteiro em si. Feito com a intenção de ser um estudo da técnica do improviso, o que confere espontaneidade e inovação mas ao mesmo tempo superficialidade aos diálogos e às relações, o filme tece um retrato social interessante, principalmente ao abordar o empoderamento feminino e a interação inter-racial em um contexto ainda anterior à segunda onda feminista e coexistente aos pronunciamentos de Luther King Jr.. A edição e o roteiro de fato poderiam ser construídos de uma melhor forma a fim de tornar o filme um pouco menos maçante, mas observa-se que, como estreia de um diretor marcado pela condução alternativa de suas produções, "Sombras" possui sim o seu valor.
Carl Th. Dreyer desejava trazer a inovação do cinema falado, com apenas um ano de existência, a esta biografia. Ainda bem que não o fez. Talvez isso teria ofuscado a utilização sem parcimônia de close-up nos rostos das personagens, o que confere um tom dramático elevadíssimo à trama. Das expressões de martírio da protagonista às de repressão por parte de seus inquisidores. O fato de não se utilizar maquiagem na composição das expressões reforça ainda mais o caráter humanista e realista da condução histórica. Interessante observar alguns aspectos da sociedade medieval: o papel (subjugado) da mulher; a forte influência da igreja como aparelho ideológico de estado; a punição física como ameaça e caminho da remissão. A atuação de Renée Falconetti está incrível, e considerada até hoje uma das maiores da era muda. Dreyer afirmou ter encontrado na atriz o rosto perfeito, sendo ele "rústico, sincero, e de uma mulher de sofrimento", exatamente como a sua mártir deveria se parecer.
Assistir "Eraserhead" é assumir o papel de um espectador de um sonho. Depara-se com um cotidiano fantástico, que ganha cada vez mais elementos que fazem o onírico tomar forma. Pela fotografia soturna e a trilha sonora agonizante, bem como a nata das cenas, vê-se que este está mais para pesadelo. É agonia, é transe, é ausência de explicação. E acaba abruptamente. Ou melhor, o espectador "acorda". Julgar um filme surreal utilizando a coerência como critério seria algo mais destoado que o roteiro dessa película. O diretor não explicita sua mensagem (isso se ela existe), e o que é mostrado não segue linearidade alguma. Por isso, não existe uma interpretação ideal, e toda e qualquer nota que se pode atribuir à história vai das mais pessoais das avaliações. Em outras palavras, "o quanto ele te fez viajar".
Enquanto no cenário comercial as produções escoadas ainda se mostram contidas, frutos de um moralismo que assegura uma grande audiência mas prejudica a maturação de um panorama mais dinâmico e permissivo, "Tatuagem" chega (vinda da produção independente, claro) sem medo algum de pular essas barreiras. Aliás, no imaginário das personagens, elas são praticamente ignoradas. Rótulos, denominações, fidelizações, nada disso importa. O que importa é que se viva, o mais feliz possível. Apenas. Tudo no filme é libertário. O artista é retratado como o louco mais lúcido que todos. O corpo é o papel da carta ao público, e não se deve hesitar em usá-lo, com todos os elementos disponíveis, para que a mensagem seja captada. O erótico choca, a realidade política e social deveria chocar também, então une-se os dois elementos para que o espetáculo cumpra o seu propósito. E cumpre com maestria, incomodando veemente os caretas e pudicos de plantão. Um viva ao cinema transgressor, um viva aos mensageiros libertinos!
Com louváveis qualidades técnicas (destaca-se a trilha sonora e fotografia), o filme de Monjardim acaba caindo no mesmo erro de tantas outras adaptações literárias condensadas: a superficialidade. Para quem leu a saga (dos 3 livros que a compõe, o filme adapta a metade do primeiro, suprimindo o restante), a película mais parece um resumão, perdendo-se a profundidade dos personagens e o contexto político que Érico tanto se preocupou. Para quem não leu, acaba se deparando com uma história corrida e com personagens de baixa complexidade. Não que seja problema não ser fiel à obra-base (e o filme o é: tudo que acontece no filme está no livro), mas a questão é que, sozinho, o mesmo não consegue se sustentar como obra. A preocupação com a linearidade tornou o filme hermético, acelerado e anticlimático. Seu ponto positivo é apresentar o nome de Veríssimo às novas gerações, infelizmente não de uma forma tão profunda quanto o autor o fez.
Podemos analisar esta obra sob duas óticas: suas qualidades técnicas, e a sua representação no panorama cinematográfico. Quanto ao primeiro, o filme é seco e direto quanto ao seu discurso. Rossellini faz um filme de baixo orçamento e com atores amadores, e conduz tal processo com maestria, cumprindo seu objetivo de revelar a realidade cruel sem se dispor de múltiplos elementos. Quanto ao segundo, não fica difícil saber porque se tornou um dos filmes mais importantes da história ao se conhecer o seu contexto. Lançado ainda em 1945, ano do fim da II Guerra, com as feridas que o fascismo de Mussolini abriu ainda expostas, ele torna-se livre de anacronismos, veiculando seu pensamento ao da própria época. É uma fotografia, recém-revelada, e condizente com a realidade social que se viveu e se buscava superar. Não esquecer também as portas que a película abriu: atua como precursora de um cinema de resistência, e socialmente metalinguístico, o neorrealismo italiano.
Umberto D. é um filme amargo. E, ao mesmo tempo, belo. Se dentro deste panorama realista de um sociedade em reconstrução a vida já é difícil para muitos, imagina então para um idoso desvalorizado pelo sistema pelo qual integrou grande parte de sua vida e depende diretamente? De Sica nos apresenta, sob uma visão crua, as problemáticas sociais que vêem junto com a idade através da boa construção de Umberto e de sua história, Talvez o evento mais simbólico, a qual mais nos chama atenção no meio dos infortúnios, é a relação do Umberto com o seu cachorro Flik. No final das contas, um só tem ao outro, São os símbolos de um resquício de familiaridade e de carinho dentre a solidão, É uma interação de dependência, de propósito. É a única desculpa para Umberto ainda ter motivos para sorrir, e isso nos é lembrado até o último minuto.
A partir de uma história aparentemente simples,o filme consegue fazer um retrato, mesmo que intrisicamente, do contexto em que a Itália (e não só ela) se encontrava no período pós-guerra: defasada, extremamente desigual, e com um modelo em crise. Nesse caos, até os setores que deveriam servir ao bem do povo, como a Justiça, são ineficientes e mal estruturados. Assim, é de se questionar se ainda há Justiça nesta terra tão bagunçada e já responsável pela inversão de outros valores. Através da saga de Ricci e seu leal filho Bruno em busca da bicicleta roubada, somos expostos a outros quesitos interessantes, como a dificuldade de manter uma vida estável em uma sociedade que não oferece suporte para tal, as relações familiares e interpessoais da época (que não se alterou muito com o passar do tempo), e as diferenças sociais, sem esquecer as auto reflexões sobre a já mencionada questão sobre a Justiça. É muito fácil se identificar e se comover com os problemas de Ricci: basta fazer parte (ou se colocar no lugar) do tão famoso arquétipo de pessoa que precisa trabalhar dia após dia para ganhar o seu (nem sempre justo) sustento.
O filme possui uma estética interessante; sem cenários, bastante teatral, divididindo suas 3 horas de duração em capítulos (cujos títulos poderiam ser um pouco menos explícitos, convenhamos). A mesma pode ser responsável por afastar alguns, mas, hey, isto é cinema, e a inovação de linguagens é sempre bem vinda. O roteiro é um típico Lars; pessimista, sádico, irônico e reflexivo. A cidade não ganhou a alcunha de "Dogville" à toa. Seus habitantes são como cachorros; seguem á risca suas próprias naturezas, sem flexibilização e sem racionalidade. Grace é o símbolo da humanização no meio deste covil, sob os aspectos positivos da mesma (ao longo da história) ou sob os negativos (a cena final). Como o escritor Tom disse, a história retratada precisa ter um caráter de universalidade. Aqui Lars justifica a sua Dogville. Sem nenhum cenário marcante, ela se extende a qualquer lugar do mundo. Pode ser aqui ou na China, humanos são humanos, e seus valores são tanto naturais quanto questionáveis.
Pasolini caprichou nas mensagens intrínsecas neste filme. O colapso de um sistema dominante, a queda da sociedade perante o modelo econômico, o questionamento natural do próprio meio, está tudo ali, bem disfarçado através de suas metáforas. O estranho que chega para quebrar a normalidade da família representa o novo, a voz contra o conservadorismo, a quebra dos valores burgueses vigentes. A própria família pode ser entendida como um retrato da sociedade atual (da época), cujas epifanias deixadas pelo estranho simbolizam os questionamentos que o diretor tenta fazer o público refletir em relação aos seus próprios meios de vida.
Esse filme tem a minha idade, e a partir do seu retrato social, na minha opinião, evoluímos de lá pra cá em relação aos preconceitos. Quer dizer, em parte. Enquanto o preconceito contra o homossexual está, felizmente, se tornando cada vez mais velado e antiquado, os aidéticos, gays ou não, ainda são vistos como párias sociais, apesar de termos evoluído nesse quesito também do ponto de vista medicinal. Ou seja, melhoramos, mas ainda não chegamos lá. Ótimas atuações de Tom Hanks, com o seu personagem vítima deste duplo preconceito, e Denzel Washington, com um personagem felizmente mais flexivel à razão do que muitos por aí.
Interessante versão de Alice. O diretor não teve medo de se desprender da história original, sendo fiel a esta, mas ao mesmo tempo adicionando novas psicodelias. Todo o jogo de stop-motion e cenas caprichadas nos detalhes resultou em um conjunto artístico bem original, recriando um país das maravilhas, e em uma belíssima viagem. Afinal, a intenção de Alice é justamente essa: fazer viajar. E tal propósito esse filme atinge bem.
Não é Fellini em seu melhor, mas é Masina em seu melhor. A atriz conseguiu vestir Cabiria com perfeição, emprestando à história realista da prostituta apaixonada suas expressões que garantiram uma profundidade à personagem. Interessante perceber que, por trás daquela Cabiria superficial e arisca que se mostra ao mundo, existe um lado frágil e carente. Intensas, tanto a atriz quanto a personagem.
Gelsomina é uma personagem singular. É, na verdade, uma criança em pele de adulta, com uma personalidade ingênua e sentimental, sem ainda ter aprendido a guardar mágoas. Quando judiada, se entristece, mas não se revolta. Zampanò, o marido, parece uma figura paterna das mais austeras, que exerce autoridade sem oferecer amor. Para Gelsomina, que não tem nada na vida, acompanhar e obedecer não é lucro, mas também não é prejuízo. Como uma criança, prefere deixar à parte o lado sombrio que o marido não faz esforço algum em esconder e, em vez disso, seguir as qualidades que o seu hipertrofiado lado infantil consegue enxergar no meio dessa maldade. Assim se constrói uma curiosa e unilateral relação entre os dois, nos fazendo acompanhá-la e torcer para que o atual infortúnio se transforme, e que a criança encontre um real propósito para a sua triste realidade.
Cenas ricas em detalhes e cores, que ajudam a passar cada impressão dos olhos da protagonista. Peca um pouco pela sua extensão, perdendo a oportunidade de ser uma experiência mais focada e intensa; porém, isso não se constitui um grande problema. A sua lentidão se justifica pelo seu propósito; de fazer o espectador entrar no mundo de Julieta e, juntamente com ela, viajar e se aprofundar cada vez mais nesse mundo fantasioso. As viagens introspectivas de Julieta podem ser interpretadas de diferentes formas: como uma válvula de escape, que a personagem cria para fugir dos problemas reais e que se intensifica gradualmente, à medida que esta se entrega; expressões e sentimentos da personagem tentando emergir para o seu consciente, e que acaba se configurando em um embate entre o real e o subjetivo, que confunde a personagem e, logicamente, o espectador que a acompanha; finalmente, uma completa imersão da personagem em si mesma, em um processo de autodescoberta que se faz necessário. visto às circunstâncias que se apresentam no real.
Esse processo de autodescoberta se evidencia no final, quando a personagem encontra a sua versão infantil, que se traduz em um momento de libertação do conformismo dos problemas atuais e retorno do sentimento de coragem e aventura rumo à nova vida que a mesma possuia mais jovem.
A Roma do Fellini é, ao mesmo tempo, fiel (às relações da época) e onírica (na sua essência). Roteiro e fotografia combinam-se no que se pode chamar de poesia filmada. Em algumas cenas, percebia-se claramente a intenção do diretor de fazê-las parecer quadros filmados. Uma linda película!
Nos primórdios dos efeitos especiais e do Technicolor, este filme possui uma atmosfera própria, que te transporta para a fantasia e o faz esquecer que os opíparos cenários são, na verdade, miniaturas (e olha que isto é claramente perceptível).
Um Loiro
3.7 78Não é a história mais original dentro da temática LGBT, mas a forma com que é contada faz a diferença. Os olhares e as nuances corporais colocam os diálogos em segundo plano, em um filme cujo segredo está principalmente no não-dito.
O caso entre os dois protagonistas é mais realista que romântico. Ainda assim, a história deixa espaço para a esperança e a libertação.
Pássaros de Verão
4.0 77Sobre o filme: Cru. Rico em ancestralidade e tradição, mas também em violência. Mais uma representação fiel da América Latina.
Sobre o público: fico com a impressão de que a geração Netflix está perdendo a capacidade de apreciar um filme enquanto obra de arte. Em muitos filmes contemporâneos, se este não tiver ação ou um ritmo veloz, sempre aparece o adjetivo "arrastado". Caraca, o filme tem meras 2h. Desliga o celular e se prende um pouco à atmosfera proposta pela obra.
A Revolução em Paris
3.4 35Apresentando uma estética teatral, "Le peuple et son roi" foge da linearidade tradicional dos filmes de época. Não é aquele tipo de filme que os professores vão passar na sala de aula para se entender um processo histórico. Seu roteiro fragmentado é pouco didático, exigindo do telespectador o conhecimento prévio da Revolução Francesa, pois o que temos aqui são várias referências a episódios pontuais deste tão complexo evento. Estão ali momentos importantes, como a Queda da Bastilha, a Marcha das Mulheres, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, mas nada vem mastigado ao público.
Encontro como ponto positivo o olhar sob ponto de vista dos populares, que nos revela as angústias, as dores e as revoltas que explicam o sentimento revolucionário que se desenvolveu ali naquele contexto. O filme salienta, por exemplo, a participação das mulheres, cuja exclusão da vida política acabou por silenciar a sua importância nas posteriores análises históricas. Por outro lado, por fragmentar demais o roteiro, e não trabalhar nenhum personagem em uma dimensão realmente complexa, acaba sofrendo com problemas de superficialidade. Talvez melhor teria sido focar de vez na personagem da Adele Haenel, aprofundando sua história e como esta se cruza com os acontecimentos em questão. O seu romance, por exemplo, pouco empolga.
Não achei um filme ruim. Mas também não é o melhor para se entender o tema (indico a superprodução de 6h https://filmow.com/la-revolution-francaise-the-french-revolution-t98343/).
Creio que a intenção não foi ser didático, mas se utilizar de uma história já conhecida do povo francês para propor um novo estilo. Funcionará apenas para alguns...
O Demônio das Onze Horas
4.2 430 Assista AgoraNão tenho como avaliar com uma boa nota filmes que me fazem querer adiantar para acabar mais rápido (como realmente o fiz). Talvez eu não estivesse no momento ideal, talvez eu precisasse de uma maior imersão na obra de Godard e no contexto histórico em que o filme foi feito, mas, enquanto experiência, "Pierrot le Fou" não me foi gratificante. Embora admire as propostas experimentalistas, como a quebra da quarta parede, e bata palmas para a fotografia, com destaque às belas cenas do litoral, achei os diálogos niilistas e desconexos. Os personagens não me cativaram, tampouco a história. Poderia estender minha crítica aprofundando alguns aspectos que me chamaram a atenção, ou buscar compreender melhor a proposta do Godard, mas, quando o filme não me agrada, eu prefiro só seguir adiante.
Timbuktu
3.8 134 Assista AgoraNa sequência inicial, homens de capuzes atiram contra máscaras e esculturas tradicionais, que interpretamos pertencerem a tribos tradicionais africanas. "Timbuktu" sinaliza de início a sua temática central: as contradições do fundamentalismo religioso, nesse caso, islâmico, na comunidade tradicional de Timbuktu, no Mali. Se debruçando sobre o evento histórico de ocupação da comunidade por organizações jihadistas, em 2012, o roteiro põe em conflito as diferentes camadas culturais que se encontram no meio deste embate, abrindo espaço para as expressões de resistência.
Várias línguas são faladas ao longo da história: árabe, francês, inglês, e algumas regionais, nos relembrando o entrelaçamento das causas macroestruturais que condicionam estes conflitos: dentre várias, o passado de colonização e o financiamento de organizações jihadistas. Isso se confronta com a cultura tradicional dos antepassados, criando litígios que contribuem para a manutenção da desestabilidade na região. Sob esse ponto de vista, o filme, ao mesmo tempo que tem o seu lado contemplativo, explorando as belíssimas, e quentes, paisagens do deserto, ele é primordialmente um filme-denúncia, explorando tanto os malefícios de uma organização radicalizada quanto criticando o que lhe originou.
PS: Já estava conquistado pela história na altura em que, para minha surpresa, apareceu a Fatoumatah Diawara. E sua cena final, mesmo que breve, foi uma das que mais me marcou.
Democracia em Vertigem
4.1 1,3KUm documentário que expõe a narrativa do golpe sofrido em nossa democracia.
Não, não se trata de um documentário imparcial, pelo simples motivo da inexistência da imparcialidade. Reserve qualquer manchete de qualquer jornal, e um bom analista do discurso te provará que aquela notícia revela um lado. Não existe discurso sem ideologia, e toda obra midiática, mesmo que implicitamente, revela as visões de mundo do seu autor. Visto isso, é de grande sinceridade perceber a opção da diretora em explicitar a sua proximidade pessoal com a história. Não é uma história apenas sobre a Dilma; não é apenas sobre o Lula. É sobre todos nós que vimos o projeto de nação que acreditávamos ser escancaradamente posto à margem por um grupo elitista e saudosista das velhas oligarquias.
Eu, Antônio Marinho, autor deste comentário, estava em Brasília, do lado dos vermelhos, na primeira votação do impeachment na Câmara. (fiquei até me procurando ali nas cenas. Rs). Portanto, se trata de um documentário que conversou diretamente comigo. E, como muitos aqui provavelmente também se sentiram, o que ficou após a mensagem pré-crédito é uma sensação de vazio, de angústia, de indignação. A indignação, pelo sentimento de (in)justiça seletiva que permeou o processo de impeachment e prisão do ex-presidente. A angústia, por tentar enxergar um cenário futuro para o nosso país e só conseguir ver uma mancha negra cercada por armas.
Fora a intensa carga política, é necessário elogiar também os critérios técnicos do documentário. A fotografia é responsável por cenas belíssimas de Brasília (o que parece contraditório), e a edição contribui para que a gente mal perceba que se tratam de 2 horas de produção. Neste sentido, achei que o filme funcionou melhor que "O Processo" (https://filmow.com/o-processo-t245404/) , embora a mensagem política deste seja igualmente intensa.
Alice nas Cidades
4.3 96 Assista AgoraO filme possui dois grandes méritos: o primeiro é a fotografia que dialoga a todo instante com o cenário, técnica típica dos road-movies, criando uma relação entre espaço geográfico e problemática, essencial para a história, ainda que a mesma pudesse se passar em qualquer outro lugar. A câmera constantemente assume o ponto de vista dos personagens, colocando-nos em seus olhos e nos passando a sensação de contemplação e conforto em contraste com a incerteza vivida pelos mesmos. Assim, somos convidados a embarcar neste processo de busca.
O segundo é o carisma da relação entre os dois protagonistas; uma química inusitadamente desenvolvida e reforçada pelas atuações de ambos. Desenvolve-se ali um amor bem sutil, mas equiparável ao entre pai e filha. Não é proposta do filme discutir grandes temas sociais polêmicos no seu contexto de produção, mas sim mostrar a delicadeza das relações, assim como a delicadeza da natureza em si.
Sombras
3.8 50É um filme cuja apreciação vale mais pela análise do objeto histórico do que pelo roteiro em si. Feito com a intenção de ser um estudo da técnica do improviso, o que confere espontaneidade e inovação mas ao mesmo tempo superficialidade aos diálogos e às relações, o filme tece um retrato social interessante, principalmente ao abordar o empoderamento feminino e a interação inter-racial em um contexto ainda anterior à segunda onda feminista e coexistente aos pronunciamentos de Luther King Jr.. A edição e o roteiro de fato poderiam ser construídos de uma melhor forma a fim de tornar o filme um pouco menos maçante, mas observa-se que, como estreia de um diretor marcado pela condução alternativa de suas produções, "Sombras" possui sim o seu valor.
A Paixão de Joana d'Arc
4.5 229 Assista AgoraCarl Th. Dreyer desejava trazer a inovação do cinema falado, com apenas um ano de existência, a esta biografia. Ainda bem que não o fez. Talvez isso teria ofuscado a utilização sem parcimônia de close-up nos rostos das personagens, o que confere um tom dramático elevadíssimo à trama. Das expressões de martírio da protagonista às de repressão por parte de seus inquisidores. O fato de não se utilizar maquiagem na composição das expressões reforça ainda mais o caráter humanista e realista da condução histórica.
Interessante observar alguns aspectos da sociedade medieval: o papel (subjugado) da mulher; a forte influência da igreja como aparelho ideológico de estado; a punição física como ameaça e caminho da remissão. A atuação de Renée Falconetti está incrível, e considerada até hoje uma das maiores da era muda. Dreyer afirmou ter encontrado na atriz o rosto perfeito, sendo ele "rústico, sincero, e de uma mulher de sofrimento", exatamente como a sua mártir deveria se parecer.
Eraserhead
3.9 922 Assista AgoraAssistir "Eraserhead" é assumir o papel de um espectador de um sonho. Depara-se com um cotidiano fantástico, que ganha cada vez mais elementos que fazem o onírico tomar forma. Pela fotografia soturna e a trilha sonora agonizante, bem como a nata das cenas, vê-se que este está mais para pesadelo. É agonia, é transe, é ausência de explicação. E acaba abruptamente. Ou melhor, o espectador "acorda".
Julgar um filme surreal utilizando a coerência como critério seria algo mais destoado que o roteiro dessa película. O diretor não explicita sua mensagem (isso se ela existe), e o que é mostrado não segue linearidade alguma. Por isso, não existe uma interpretação ideal, e toda e qualquer nota que se pode atribuir à história vai das mais pessoais das avaliações. Em outras palavras, "o quanto ele te fez viajar".
Tatuagem
4.2 923 Assista AgoraEnquanto no cenário comercial as produções escoadas ainda se mostram contidas, frutos de um moralismo que assegura uma grande audiência mas prejudica a maturação de um panorama mais dinâmico e permissivo, "Tatuagem" chega (vinda da produção independente, claro) sem medo algum de pular essas barreiras. Aliás, no imaginário das personagens, elas são praticamente ignoradas. Rótulos, denominações, fidelizações, nada disso importa. O que importa é que se viva, o mais feliz possível. Apenas.
Tudo no filme é libertário. O artista é retratado como o louco mais lúcido que todos. O corpo é o papel da carta ao público, e não se deve hesitar em usá-lo, com todos os elementos disponíveis, para que a mensagem seja captada. O erótico choca, a realidade política e social deveria chocar também, então une-se os dois elementos para que o espetáculo cumpra o seu propósito. E cumpre com maestria, incomodando veemente os caretas e pudicos de plantão. Um viva ao cinema transgressor, um viva aos mensageiros libertinos!
O Tempo e o Vento
3.6 453 Assista AgoraCom louváveis qualidades técnicas (destaca-se a trilha sonora e fotografia), o filme de Monjardim acaba caindo no mesmo erro de tantas outras adaptações literárias condensadas: a superficialidade. Para quem leu a saga (dos 3 livros que a compõe, o filme adapta a metade do primeiro, suprimindo o restante), a película mais parece um resumão, perdendo-se a profundidade dos personagens e o contexto político que Érico tanto se preocupou. Para quem não leu, acaba se deparando com uma história corrida e com personagens de baixa complexidade.
Não que seja problema não ser fiel à obra-base (e o filme o é: tudo que acontece no filme está no livro), mas a questão é que, sozinho, o mesmo não consegue se sustentar como obra. A preocupação com a linearidade tornou o filme hermético, acelerado e anticlimático. Seu ponto positivo é apresentar o nome de Veríssimo às novas gerações, infelizmente não de uma forma tão profunda quanto o autor o fez.
Roma, Cidade Aberta
4.3 119 Assista AgoraPodemos analisar esta obra sob duas óticas: suas qualidades técnicas, e a sua representação no panorama cinematográfico. Quanto ao primeiro, o filme é seco e direto quanto ao seu discurso. Rossellini faz um filme de baixo orçamento e com atores amadores, e conduz tal processo com maestria, cumprindo seu objetivo de revelar a realidade cruel sem se dispor de múltiplos elementos.
Quanto ao segundo, não fica difícil saber porque se tornou um dos filmes mais importantes da história ao se conhecer o seu contexto. Lançado ainda em 1945, ano do fim da II Guerra, com as feridas que o fascismo de Mussolini abriu ainda expostas, ele torna-se livre de anacronismos, veiculando seu pensamento ao da própria época. É uma fotografia, recém-revelada, e condizente com a realidade social que se viveu e se buscava superar. Não esquecer também as portas que a película abriu: atua como precursora de um cinema de resistência, e socialmente metalinguístico, o neorrealismo italiano.
Umberto D.
4.4 124 Assista AgoraUmberto D. é um filme amargo. E, ao mesmo tempo, belo. Se dentro deste panorama realista de um sociedade em reconstrução a vida já é difícil para muitos, imagina então para um idoso desvalorizado pelo sistema pelo qual integrou grande parte de sua vida e depende diretamente? De Sica nos apresenta, sob uma visão crua, as problemáticas sociais que vêem junto com a idade através da boa construção de Umberto e de sua história,
Talvez o evento mais simbólico, a qual mais nos chama atenção no meio dos infortúnios, é a relação do Umberto com o seu cachorro Flik. No final das contas, um só tem ao outro, São os símbolos de um resquício de familiaridade e de carinho dentre a solidão, É uma interação de dependência, de propósito. É a única desculpa para Umberto ainda ter motivos para sorrir, e isso nos é lembrado até o último minuto.
Ladrões de Bicicleta
4.4 534 Assista AgoraA partir de uma história aparentemente simples,o filme consegue fazer um retrato, mesmo que intrisicamente, do contexto em que a Itália (e não só ela) se encontrava no período pós-guerra: defasada, extremamente desigual, e com um modelo em crise. Nesse caos, até os setores que deveriam servir ao bem do povo, como a Justiça, são ineficientes e mal estruturados. Assim, é de se questionar se ainda há Justiça nesta terra tão bagunçada e já responsável pela inversão de outros valores.
Através da saga de Ricci e seu leal filho Bruno em busca da bicicleta roubada, somos expostos a outros quesitos interessantes, como a dificuldade de manter uma vida estável em uma sociedade que não oferece suporte para tal, as relações familiares e interpessoais da época (que não se alterou muito com o passar do tempo), e as diferenças sociais, sem esquecer as auto reflexões sobre a já mencionada questão sobre a Justiça. É muito fácil se identificar e se comover com os problemas de Ricci: basta fazer parte (ou se colocar no lugar) do tão famoso arquétipo de pessoa que precisa trabalhar dia após dia para ganhar o seu (nem sempre justo) sustento.
Dogville
4.3 2,0K Assista AgoraO filme possui uma estética interessante; sem cenários, bastante teatral, divididindo suas 3 horas de duração em capítulos (cujos títulos poderiam ser um pouco menos explícitos, convenhamos). A mesma pode ser responsável por afastar alguns, mas, hey, isto é cinema, e a inovação de linguagens é sempre bem vinda.
O roteiro é um típico Lars; pessimista, sádico, irônico e reflexivo. A cidade não ganhou a alcunha de "Dogville" à toa. Seus habitantes são como cachorros; seguem á risca suas próprias naturezas, sem flexibilização e sem racionalidade. Grace é o símbolo da humanização no meio deste covil, sob os aspectos positivos da mesma (ao longo da história) ou sob os negativos (a cena final).
Como o escritor Tom disse, a história retratada precisa ter um caráter de universalidade. Aqui Lars justifica a sua Dogville. Sem nenhum cenário marcante, ela se extende a qualquer lugar do mundo. Pode ser aqui ou na China, humanos são humanos, e seus valores são tanto naturais quanto questionáveis.
Teorema
4.0 198Pasolini caprichou nas mensagens intrínsecas neste filme. O colapso de um sistema dominante, a queda da sociedade perante o modelo econômico, o questionamento natural do próprio meio, está tudo ali, bem disfarçado através de suas metáforas. O estranho que chega para quebrar a normalidade da família representa o novo, a voz contra o conservadorismo, a quebra dos valores burgueses vigentes. A própria família pode ser entendida como um retrato da sociedade atual (da época), cujas epifanias deixadas pelo estranho simbolizam os questionamentos que o diretor tenta fazer o público refletir em relação aos seus próprios meios de vida.
Filadélfia
4.2 909 Assista AgoraEsse filme tem a minha idade, e a partir do seu retrato social, na minha opinião, evoluímos de lá pra cá em relação aos preconceitos. Quer dizer, em parte. Enquanto o preconceito contra o homossexual está, felizmente, se tornando cada vez mais velado e antiquado, os aidéticos, gays ou não, ainda são vistos como párias sociais, apesar de termos evoluído nesse quesito também do ponto de vista medicinal. Ou seja, melhoramos, mas ainda não chegamos lá. Ótimas atuações de Tom Hanks, com o seu personagem vítima deste duplo preconceito, e Denzel Washington, com um personagem felizmente mais flexivel à razão do que muitos por aí.
Alice
4.1 265Interessante versão de Alice. O diretor não teve medo de se desprender da história original, sendo fiel a esta, mas ao mesmo tempo adicionando novas psicodelias. Todo o jogo de stop-motion e cenas caprichadas nos detalhes resultou em um conjunto artístico bem original, recriando um país das maravilhas, e em uma belíssima viagem. Afinal, a intenção de Alice é justamente essa: fazer viajar. E tal propósito esse filme atinge bem.
Noites de Cabíria
4.5 382 Assista AgoraNão é Fellini em seu melhor, mas é Masina em seu melhor. A atriz conseguiu vestir Cabiria com perfeição, emprestando à história realista da prostituta apaixonada suas expressões que garantiram uma profundidade à personagem. Interessante perceber que, por trás daquela Cabiria superficial e arisca que se mostra ao mundo, existe um lado frágil e carente. Intensas, tanto a atriz quanto a personagem.
A Estrada da Vida
4.3 228 Assista AgoraGelsomina é uma personagem singular. É, na verdade, uma criança em pele de adulta, com uma personalidade ingênua e sentimental, sem ainda ter aprendido a guardar mágoas. Quando judiada, se entristece, mas não se revolta. Zampanò, o marido, parece uma figura paterna das mais austeras, que exerce autoridade sem oferecer amor. Para Gelsomina, que não tem nada na vida, acompanhar e obedecer não é lucro, mas também não é prejuízo. Como uma criança, prefere deixar à parte o lado sombrio que o marido não faz esforço algum em esconder e, em vez disso, seguir as qualidades que o seu hipertrofiado lado infantil consegue enxergar no meio dessa maldade. Assim se constrói uma curiosa e unilateral relação entre os dois, nos fazendo acompanhá-la e torcer para que o atual infortúnio se transforme, e que a criança encontre um real propósito para a sua triste realidade.
Julieta dos Espíritos
4.0 130 Assista AgoraCenas ricas em detalhes e cores, que ajudam a passar cada impressão dos olhos da protagonista. Peca um pouco pela sua extensão, perdendo a oportunidade de ser uma experiência mais focada e intensa; porém, isso não se constitui um grande problema. A sua lentidão se justifica pelo seu propósito; de fazer o espectador entrar no mundo de Julieta e, juntamente com ela, viajar e se aprofundar cada vez mais nesse mundo fantasioso.
As viagens introspectivas de Julieta podem ser interpretadas de diferentes formas: como uma válvula de escape, que a personagem cria para fugir dos problemas reais e que se intensifica gradualmente, à medida que esta se entrega; expressões e sentimentos da personagem tentando emergir para o seu consciente, e que acaba se configurando em um embate entre o real e o subjetivo, que confunde a personagem e, logicamente, o espectador que a acompanha; finalmente, uma completa imersão da personagem em si mesma, em um processo de autodescoberta que se faz necessário. visto às circunstâncias que se apresentam no real.
Esse processo de autodescoberta se evidencia no final, quando a personagem encontra a sua versão infantil, que se traduz em um momento de libertação do conformismo dos problemas atuais e retorno do sentimento de coragem e aventura rumo à nova vida que a mesma possuia mais jovem.
Satyricon de Fellini
3.8 145 Assista AgoraA Roma do Fellini é, ao mesmo tempo, fiel (às relações da época) e onírica (na sua essência). Roteiro e fotografia combinam-se no que se pode chamar de poesia filmada. Em algumas cenas, percebia-se claramente a intenção do diretor de fazê-las parecer quadros filmados. Uma linda película!
O Ladrão de Bagdá
3.8 30 Assista AgoraNos primórdios dos efeitos especiais e do Technicolor, este filme possui uma atmosfera própria, que te transporta para a fantasia e o faz esquecer que os opíparos cenários são, na verdade, miniaturas (e olha que isto é claramente perceptível).