"- Às vezes consegue sentir. Tudo o que escuta, tudo o que vê. Existe só para você. - Amo você. E não vou deixar que morra."
Em pouco mais que 6 minutos, a diretora Elise Simard produz um curta muito delicado sobre o amadurecimento de uma menina em meio às lembranças de um passado aparentemente dolorido. Escuridão e luz. O Amor e a Perda. A vida em suas inúmeras possibilidades. Somos o quê? Somos quem?
Completamente arrepiado ao rever o curta "O Sonho do Soldado" do mestre russo Sokurov. Incrível como ele consegue transformar imagens, ruídos, sons, música clássica, luz e sombra em obra de arte e tudo isso em míseros 10 minutos. As nuvens carregadas no começo que pouco a pouco se transformam no esverdeado do uniforme de um soldado, o trabalho de som (risadas de uma mulher, barulho de chuva, trovões)... o soldado que dorme, acorda, depois dorme de novo... nada acontece... mas tudo está ali, nas entrelinhas, nas camadas e mais camadas que podem e devem ser escarafunchadas por nós (espectadores) e o sonho do soldado imerso num estupendo jogo de claro e escuro!!!!! Não é preciso nada mais que um take numa pintura quase religiosa para denotar toda a inocência daquele menino, convertido em arma de guerra, diante de seu futuro. DU CARALHO, SOKUROV! PUTA QUE PARIU!
Jonze sempre Jonze nos brindando com pequenas pérolas. Esse curta é mais um exemplar desse dom do diretor de fazer com que coisas pequeninas ganhem significados outros. Depois de "I'm Here", "Scenes From The Suburbs" e o longa "Onde vivem os monstros", Jonze vem e nos surpreende mais uma vez. Apesar de curto em sua duração temporal (pouco mais de seis minutos), "Mourir Auprès de Toi" apresenta uma dramaturgia híbrida. Meio surreal. Meio sombria. Meio cômica. Meio trágica. Referências literárias pululam a todo momento aos olhos do espectador. É um filme de referência e reverência. E Jonze como uma criança inteligente e perspicaz brinca com tudo isso de uma maneira lúdica, sem precisar convencer o espectador a entrar junto com ele em sua brincadeira. Quem entra, se diverte de montão. E se emociona também. Afinal de contas, estamos diante de uma história de amor. Do esqueleto do livro do Macbeth que perde a cabeça pela personagem Mina do livro do Drácula de Bram Stoker. Lindo demais. Eu recomendo. Jonze é o cara!
"WALKER", dirigido pelo cineasta malaio Tsai Ming-liang é um puro exercício de contemplação. Um homem caminha lentamente pelas ruas de Hong Kong. Só isso. Sim. Apenas isso? Lógico que não. Tudo dependerá aqui do seu olhar. É incrível o Ming-liang faz. Algo extremamente minimalista, pequeno e sublime. O contraste entre a "lentidão" do monge de vermelho e a "rapidez" do "mundo" que acontece ao redor é um jogo que impressiona pela sutileza e beleza da captura das imagens. "Walker" não é cinema. É poesia. É meditar de olhos abertos.
Tenho assistido os curtas do diretor Kleber Mendonça Filho e estou bastante surpreso. Cada curta possui um universo particular bastante definido. Um não se parece com o outro. Hoje de madrugada assisti "Vinil Verde", um filme de "terror" para crianças. E é muito bom. É um filme mudo, em stop-motion e com uma narração entre o bizarro e estranhamente cômico. O enredo mais uma vez é bastante simples: Uma mãe presenteia a filha com uma caixa cheia de disquinhos coloridos, mas ela não pode ouvir o de cor verde. É lógico que a menina (teimosa) acaba por ouvir e coisas estranhas começam a ocorrer com sua mãe. "Vinil Verde" é na verdade, um exercício de estilo do diretor. E ele o exerce plenamente. Brinca o tempo todo com o espectador. É cinema no estilo "ou você entra na brincadeira ou vai achar tudo uma merda". Não é para ficar racionalizando, nem tentando extrair dali alguma verdade absoluta. Mas também não é um filme vazio. Pelo contrário. Existem temas que pululam ali. Basta ter olhos inocentes para vê-los. Daí que "Vinil Verde" pode se transformar numa poderosa parábola sobre o amadurecimento.
"Noite de Sexta, Manhã de Sábado", curta do diretor Kleber Mendonça Filho é um trabalho extremamente simples e ousado ao mesmo tempo. O enredo pode ser definido numa única linha: Um homem conversa com uma mulher. Simples assim. Mas é a maneira como o diretor conta essa história que é o mais interessante. Pra começar, eles não conversam pessoalmente, mas por telefone. Ela não está no Brasil. Eles conversam em inglês. E o que eles calam ou silenciam tem muito mais importância do que as palavras. Filmado com um câmera caseira e focado em apenas dois atores que não se encontram em cena, mas em "mundos diferentes", o curta é quase um pequenino tratado sobre a impossibilidade amorosa. Mendonça Filho não conclui nada. Pelo contrário. Eles nos deixa apenas dúvidas. Quem são esses dois? De onde eles se conhecem? Por que eles estão separados? Tecnicamente o filme beira o amador, mas é um amador cheio de vida, paixão e pulsão. Todo vontade de ser. E isso é o mais belo. Os cortes tanto na imagem quanto no trabalho de som impresionam pela crueza. Recomendo.
"Gasman" da diretora Lynne Ramsay é uma fábula, quase um conto de fadas seco e duro sobre a perda da inocência de uma garotinha de uns 8 anos. Ramsay não faz rodeios, nem firulas e coloca o espectador na mesma posição da garota. Descobrimos juntos com ela o segredo que envolve seu pai. Isso que é o mais bacana. Há um resgate de algo quase doce, quase pueril na maneira como a diretora filma as brincadeiras, a festa, as briguinhas... O filme me remeteu imediatamente ao conto da Clarice Lispector, "A Descoberta do Mundo". Também ali há o mesmo assombro por se saber cedo demais algo que mudará pra sempre uma vida. Ramsay é tão phoda que só percebemos a gravidade da coisa quando o letreiro já começa a subir. Cinema incrivelmente simples, mas poderoso. Recomendo.
"Swimmer", experimento poético da diretora Lynne Ramsay é uma obra de arte. Depois das cores fortes de "Precisamos falar sobre o Kevin", Ramsay nos brinda com o preto e branco mais lindo da história do cinema. Sem se preocupar em contar uma história, o curta encontra paralelo nos "fluxos de pensamentos" tão usados na literatura. Assista, mas sem desejo e sem memória ...
“The Alphabet” é impressionante. O diretor David Lynch consegue transformar as coisas mais banais em terror, medo e morte. Talvez seja dessa mistura de infância, sexo, medo, culpa, obsessão e morte que brote o que há de mais original e genial em David Lynch.
E não é que o "homem" já era genial desde o seu começo?
O curta de David Lynch que tem aproximadamente 33 minutos, foi realizado em 1970 na casa do próprio diretor e com um orçamento de US$ 7.200,00.
O enredo conta a história de um menino que é maltratado pelos pais e que planta umas sementes em sua cama e dela brota um útero e que depois nasce uma avó carinhosa.
Demonstrando ser um exímio conhecedor da psicanálise Lynch tece sua teia em torno do menino e do seu pai e sua mãe.
O filme é todo mudo e quase o tempo todo em preto e branco, com uma sonoplastia estupenda e rica em detalhes, que fazem com que cada ação dos personagens seja sempre plurisignificativa.
O que ouvimos são apenas música, grunhidos, barulhos, assobios e sons esquisitos.
Assistir o curta não é das tarefas mais fáceis, muito pelo contrário, além da ausência de diálogo, da estética preto e branco e da sonoplastia opressiva, o diretor também utiliza uma espécie de desenho animado para contar algumas partes importantes do enredo, o que aumenta assim o grau de aturdimento da obra.
O que é interessante notar nessa obra de 1970 é que o diretor já possuía todos os ingredientes que viriam anos mais tarde transformá-lo num dos maiores diretores do mundo.
Os temas obsessivos trabalhados exaustivamente por Lynch nos seus filmes seguintes já estavam todos lá nesses primeiros trabalhos.
É isso o que mais assusta, é Lynch puro, cru e ainda mais ensandecido e cruel.
O que existe além do mero registro documental dos fatos? O diretor senegalês Djibril Diop Mambéty consegue extrair poesia desse material. Com o seu "La Petite Vendeuse de Soleil" ele extrapola os limites entre ficção e documentário; é algo que está após isso, depois de, para além de. Incrível!
"Correspondances" do diretor Eugène Green é um filme feito de imagens e palavras. Só. Ou tudo isso. Um filme mudo. Colorido. A Imagem do Computador iluminado por uma vela define bem a proposta ousada da direção. Um filme feito de fragmentos. Silencioso. Filosófico. Discursivo. O decurso do amor. Angelical. Green domina como poucos, a arte da fantasmagoria. Não é um filme. É um alumbramento.
“Grass Labyrinth” do diretor japonês Shuji Terayama é um delírio poético onde um filho tenta se lembrar de uma cantiga de ninar que gostava de ouvir quando era criança. Misturando elementos psicanalíticos, passado e presente e gêneros dramáticos, o filme é uma balbúrdia deliciosa e ou uma experiência bizarra.
O diretor Peter McDonald consegue em aproximadamente 10 minutos conceber uma fábula complexa e absolutamente original e poderosa.
A fotografia em preto e branco é algo de encher os olhos de qualquer pessoa que seja cinéfila, a trilha sonora é sublime e a captação dos sons e ruídos é perfeita.
O curta “conta” de Harvey, um homem que conhece o mundo pelo buraco da porta e Lily, sua vizinha. Harvey nutre uma paixão “platônica” por Lily. Ela não sabe do sentimento dele. Mas, aquela porta fechada de certa forma a atrai também.
As imagens produzidas por Peter McDonald possuem uma força assustadora, cada imagem parece “falar” por si mesma. Aliás, o filme não tem falas quase nenhuma, apenas um repetitivo pedido de ajuda de Harvey: “Help-me”.
Certo dia, enquanto Lily está tomando banho, Harvey adentra o banheiro pedindo ajuda. E ai conhecemos a proposta do diretor. Harvey é um ser - humano partido ao meio, ele só é metade de um humano. Lily ao conhecer o vizinho, desmaia. Harvey “corta” Lily. Próxima cena: Os dois agora são um só. Os efeitos são fantásticos e se integram perfeitamente à narrativa, sem sobrepujá-la em nenhum momento.
Não vou contar o que se sucede no restante do enredo.
Mas, que há algo do “Mito do Andrógino” contido no livro de Platão isso tenho certeza. Segundo o livro "O Banquete", houve uma época em que existiam três formas de humano: macho, fêmea e o andrógino. Os andróginos eram considerados “superiores”, quase iguais aos deuses. A ideia de androgenia correspondia a ideia de felicidade, completude. No entanto, essa “felicidade” despertou a inveja de Zeus, que os dividiu em dois: ‘Vou cortar cada um deles pela metade. Assim ficarão mais fracos, e ao mesmo tempo terão mais para nos oferecer, já que seu número terá aumentado. Andarão eretos sobre suas duas pernas’. Desde então, esses humanos seriam obrigados a vagar em busca de suas metades.
Seria possível também evocar Lacan numa tentativa de explicar esse vazio que nada aplaca que Harvey sente... seria o vazio de não ter para onde ou para quem ou para o quê voltar?
O “curta” é impressionante exatamente por causa das questões que ele levanta em tão pouco tempo. Ousaria dizer que é um trabalho genial. Os únicos dois atores do elenco, Nicholas Hope e Lisa Angove, conseguem com expressões faciais fortes e doloridas transmitir aos espectadores uma variada gama de sensações.
A cena do banheiro é um ótimo exemplo disso, quando Lily vê Harvey pela primeira vez, ela sente medo, piedade, curiosidade, tudo ao mesmo tempo. No meu ponto de vista, essa cena do banheiro é uma homenagem à “Psicose” e a clássica cena-chave do filme de Hitchcock. Algumas tomadas são bem parecidas.
O que mais impressiona nesse trabalho, além do poder da imagens, é o trabalho rigoroso do espaço envolvido no ato de filmar. Há um rigor, um lirismo e uma sensação de que algo muito tenebroso vai acontecer e também certa pitada do cinema surrealista de Luis Buñuel no “modus operandis” como filma Peter McDonald que é de se tirar o chapéu. Bom, acho que já falei demais. Prefiro que você assim como eu assista e tenha suas próprias sensações.
Para encerrar cito mais uma frase do livro “O Banquete” de Platão:
“Parece-me que os homens absolutamente não se dão conta do poder do amor”
Me deixou impressionado e confuso ao mesmo tempo. É um trabalho primoroso, minucioso e absolutamente esquizofrênico. A arte, e só ela, é capaz de provar que até mesmo o Caos pode ser sublime.
"Rabbits", série de nove episódios do cineasta David Lynch é um mergulho no vazio de uma vida sem sentido. Ao retratar três coelhos que habitam uma mesma casa e conversam coisas aparentemente desconexas, Lynch expõe algo de muito humano. Estão lá a solidão, a dificuldade de ouvir e ser ouvido, o medo e muitas outras coisas mais. Os aplausos que são ouvidas a cada entrada dos personagens e as risadas das "piadas" ditas explicitam que fazemos parte de uma sociedade cada vez mais espetacularizadas. O resultado é aterrorizante!
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My Little Underground
3.3 2"- Às vezes consegue sentir. Tudo o que escuta, tudo o que vê. Existe só para você.
- Amo você. E não vou deixar que morra."
Em pouco mais que 6 minutos, a diretora Elise Simard produz um curta muito delicado sobre o amadurecimento de uma menina em meio às lembranças de um passado aparentemente dolorido. Escuridão e luz. O Amor e a Perda. A vida em suas inúmeras possibilidades. Somos o quê? Somos quem?
O Sonho do Soldado
3.9 2Completamente arrepiado ao rever o curta "O Sonho do Soldado" do mestre russo Sokurov. Incrível como ele consegue transformar imagens, ruídos, sons, música clássica, luz e sombra em obra de arte e tudo isso em míseros 10 minutos. As nuvens carregadas no começo que pouco a pouco se transformam no esverdeado do uniforme de um soldado, o trabalho de som (risadas de uma mulher, barulho de chuva, trovões)... o soldado que dorme, acorda, depois dorme de novo... nada acontece... mas tudo está ali, nas entrelinhas, nas camadas e mais camadas que podem e devem ser escarafunchadas por nós (espectadores) e o sonho do soldado imerso num estupendo jogo de claro e escuro!!!!! Não é preciso nada mais que um take numa pintura quase religiosa para denotar toda a inocência daquele menino, convertido em arma de guerra, diante de seu futuro. DU CARALHO, SOKUROV! PUTA QUE PARIU!
Mourir Auprès de Toi
4.2 32Jonze sempre Jonze nos brindando com pequenas pérolas. Esse curta é mais um exemplar desse dom do diretor de fazer com que coisas pequeninas ganhem significados outros. Depois de "I'm Here", "Scenes From The Suburbs" e o longa "Onde vivem os monstros", Jonze vem e nos surpreende mais uma vez. Apesar de curto em sua duração temporal (pouco mais de seis minutos), "Mourir Auprès de Toi" apresenta uma dramaturgia híbrida. Meio surreal. Meio sombria. Meio cômica. Meio trágica. Referências literárias pululam a todo momento aos olhos do espectador. É um filme de referência e reverência. E Jonze como uma criança inteligente e perspicaz brinca com tudo isso de uma maneira lúdica, sem precisar convencer o espectador a entrar junto com ele em sua brincadeira. Quem entra, se diverte de montão. E se emociona também. Afinal de contas, estamos diante de uma história de amor. Do esqueleto do livro do Macbeth que perde a cabeça pela personagem Mina do livro do Drácula de Bram Stoker. Lindo demais. Eu recomendo. Jonze é o cara!
Walker
4.0 14"WALKER", dirigido pelo cineasta malaio Tsai Ming-liang é um puro exercício de contemplação. Um homem caminha lentamente pelas ruas de Hong Kong. Só isso. Sim. Apenas isso? Lógico que não. Tudo dependerá aqui do seu olhar. É incrível o Ming-liang faz. Algo extremamente minimalista, pequeno e sublime. O contraste entre a "lentidão" do monge de vermelho e a "rapidez" do "mundo" que acontece ao redor é um jogo que impressiona pela sutileza e beleza da captura das imagens. "Walker" não é cinema. É poesia. É meditar de olhos abertos.
Vinil Verde
3.7 173 Assista AgoraTenho assistido os curtas do diretor Kleber Mendonça Filho e estou bastante surpreso. Cada curta possui um universo particular bastante definido. Um não se parece com o outro. Hoje de madrugada assisti "Vinil Verde", um filme de "terror" para crianças. E é muito bom. É um filme mudo, em stop-motion e com uma narração entre o bizarro e estranhamente cômico. O enredo mais uma vez é bastante simples:
Uma mãe presenteia a filha com uma caixa cheia de disquinhos coloridos, mas ela não pode ouvir o de cor verde.
É lógico que a menina (teimosa) acaba por ouvir e coisas estranhas começam a ocorrer com sua mãe. "Vinil Verde" é na verdade, um exercício de estilo do diretor. E ele o exerce plenamente. Brinca o tempo todo com o espectador. É cinema no estilo "ou você entra na brincadeira ou vai achar tudo uma merda". Não é para ficar racionalizando, nem tentando extrair dali alguma verdade absoluta. Mas também não é um filme vazio. Pelo contrário. Existem temas que pululam ali. Basta ter olhos inocentes para vê-los. Daí que "Vinil Verde" pode se transformar numa poderosa parábola sobre o amadurecimento.
Noite de Sexta Manhã de Sábado
3.2 12"Noite de Sexta, Manhã de Sábado", curta do diretor Kleber Mendonça Filho é um trabalho extremamente simples e ousado ao mesmo tempo. O enredo pode ser definido numa única linha:
Um homem conversa com uma mulher.
Simples assim. Mas é a maneira como o diretor conta essa história que é o mais interessante. Pra começar, eles não conversam pessoalmente, mas por telefone. Ela não está no Brasil. Eles conversam em inglês. E o que eles calam ou silenciam tem muito mais importância do que as palavras.
Filmado com um câmera caseira e focado em apenas dois atores que não se encontram em cena, mas em "mundos diferentes", o curta é quase um pequenino tratado sobre a impossibilidade amorosa. Mendonça Filho não conclui nada. Pelo contrário. Eles nos deixa apenas dúvidas. Quem são esses dois? De onde eles se conhecem? Por que eles estão separados?
Tecnicamente o filme beira o amador, mas é um amador cheio de vida, paixão e pulsão. Todo vontade de ser. E isso é o mais belo. Os cortes tanto na imagem quanto no trabalho de som impresionam pela crueza.
Recomendo.
Gasman
4.1 14"Gasman" da diretora Lynne Ramsay é uma fábula, quase um conto de fadas seco e duro sobre a perda da inocência de uma garotinha de uns 8 anos. Ramsay não faz rodeios, nem firulas e coloca o espectador na mesma posição da garota. Descobrimos juntos com ela o segredo que envolve seu pai. Isso que é o mais bacana. Há um resgate de algo quase doce, quase pueril na maneira como a diretora filma as brincadeiras, a festa, as briguinhas... O filme me remeteu imediatamente ao conto da Clarice Lispector, "A Descoberta do Mundo". Também ali há o mesmo assombro por se saber cedo demais algo que mudará pra sempre uma vida. Ramsay é tão phoda que só percebemos a gravidade da coisa quando o letreiro já começa a subir. Cinema incrivelmente simples, mas poderoso. Recomendo.
Swimmer
4.2 15"Swimmer", experimento poético da diretora Lynne Ramsay é uma obra de arte. Depois das cores fortes de "Precisamos falar sobre o Kevin", Ramsay nos brinda com o preto e branco mais lindo da história do cinema. Sem se preocupar em contar uma história, o curta encontra paralelo nos "fluxos de pensamentos" tão usados na literatura. Assista, mas sem desejo e sem memória ...
O Alfabeto
3.7 121“The Alphabet” é impressionante.
O diretor David Lynch consegue transformar as coisas mais banais em terror, medo e morte. Talvez seja dessa mistura de infância, sexo, medo, culpa, obsessão e morte que brote o que há de mais original e genial em David Lynch.
A Avó
4.0 69E não é que o "homem" já era genial desde o seu começo?
O curta de David Lynch que tem aproximadamente 33 minutos, foi realizado em 1970 na casa do próprio diretor e com um orçamento de US$ 7.200,00.
O enredo conta a história de um menino que é maltratado pelos pais e que planta umas sementes em sua cama e dela brota um útero e que depois nasce uma avó carinhosa.
Demonstrando ser um exímio conhecedor da psicanálise Lynch tece sua teia em torno do menino e do seu pai e sua mãe.
O filme é todo mudo e quase o tempo todo em preto e branco, com uma sonoplastia estupenda e rica em detalhes, que fazem com que cada ação dos personagens seja sempre plurisignificativa.
O que ouvimos são apenas música, grunhidos, barulhos, assobios e sons esquisitos.
Assistir o curta não é das tarefas mais fáceis, muito pelo contrário, além da ausência de diálogo, da estética preto e branco e da sonoplastia opressiva, o diretor também utiliza uma espécie de desenho animado para contar algumas partes importantes do enredo, o que aumenta assim o grau de aturdimento da obra.
O que é interessante notar nessa obra de 1970 é que o diretor já possuía todos os ingredientes que viriam anos mais tarde transformá-lo num dos maiores diretores do mundo.
Os temas obsessivos trabalhados exaustivamente por Lynch nos seus filmes seguintes já estavam todos lá nesses primeiros trabalhos.
É isso o que mais assusta, é Lynch puro, cru e ainda mais ensandecido e cruel.
A Pequena Vendedora de Sol
4.2 22 Assista AgoraO que existe além do mero registro documental dos fatos?
O diretor senegalês Djibril Diop Mambéty consegue extrair poesia desse material. Com o seu "La Petite Vendeuse de Soleil" ele extrapola os limites entre ficção e documentário; é algo que está após isso, depois de, para além de. Incrível!
Correspondências
3.9 9"Correspondances" do diretor Eugène Green é um filme feito de imagens e palavras. Só. Ou tudo isso. Um filme mudo. Colorido. A Imagem do Computador iluminado por uma vela define bem a proposta ousada da direção. Um filme feito de fragmentos. Silencioso. Filosófico. Discursivo. O decurso do amor. Angelical. Green domina como poucos, a arte da fantasmagoria. Não é um filme. É um alumbramento.
Grass Labyrinth
3.9 5“Grass Labyrinth” do diretor japonês Shuji Terayama é um delírio poético onde um filho tenta se lembrar de uma cantiga de ninar que gostava de ouvir quando era criança. Misturando elementos psicanalíticos, passado e presente e gêneros dramáticos, o filme é uma balbúrdia deliciosa e ou uma experiência bizarra.
Harvey
4.1 115TEM SPOILER!
O diretor Peter McDonald consegue em aproximadamente 10 minutos conceber uma fábula complexa e absolutamente original e poderosa.
A fotografia em preto e branco é algo de encher os olhos de qualquer pessoa que seja cinéfila, a trilha sonora é sublime e a captação dos sons e ruídos é perfeita.
O curta “conta” de Harvey, um homem que conhece o mundo pelo buraco da porta e Lily, sua vizinha. Harvey nutre uma paixão “platônica” por Lily. Ela não sabe do sentimento dele. Mas, aquela porta fechada de certa forma a atrai também.
As imagens produzidas por Peter McDonald possuem uma força assustadora, cada imagem parece “falar” por si mesma. Aliás, o filme não tem falas quase nenhuma, apenas um repetitivo pedido de ajuda de Harvey: “Help-me”.
Certo dia, enquanto Lily está tomando banho, Harvey adentra o banheiro pedindo ajuda. E ai conhecemos a proposta do diretor. Harvey é um ser - humano partido ao meio, ele só é metade de um humano. Lily ao conhecer o vizinho, desmaia. Harvey “corta” Lily. Próxima cena: Os dois agora são um só. Os efeitos são fantásticos e se integram perfeitamente à narrativa, sem sobrepujá-la em nenhum momento.
Não vou contar o que se sucede no restante do enredo.
Mas, que há algo do “Mito do Andrógino” contido no livro de Platão isso tenho certeza. Segundo o livro "O Banquete", houve uma época em que existiam três formas de humano: macho, fêmea e o andrógino. Os andróginos eram considerados “superiores”, quase iguais aos deuses. A ideia de androgenia correspondia a ideia de felicidade, completude. No entanto, essa “felicidade” despertou a inveja de Zeus, que os dividiu em dois: ‘Vou cortar cada um deles pela metade. Assim ficarão mais fracos, e ao mesmo tempo terão mais para nos oferecer, já que seu número terá aumentado. Andarão eretos sobre suas duas pernas’. Desde então, esses humanos seriam obrigados a vagar em busca de suas metades.
Seria possível também evocar Lacan numa tentativa de explicar esse vazio que nada aplaca que Harvey sente... seria o vazio de não ter para onde ou para quem ou para o quê voltar?
O “curta” é impressionante exatamente por causa das questões que ele levanta em tão pouco tempo. Ousaria dizer que é um trabalho genial. Os únicos dois atores do elenco, Nicholas Hope e Lisa Angove, conseguem com expressões faciais fortes e doloridas transmitir aos espectadores uma variada gama de sensações.
A cena do banheiro é um ótimo exemplo disso, quando Lily vê Harvey pela primeira vez, ela sente medo, piedade, curiosidade, tudo ao mesmo tempo. No meu ponto de vista, essa cena do banheiro é uma homenagem à “Psicose” e a clássica cena-chave do filme de Hitchcock. Algumas tomadas são bem parecidas.
O que mais impressiona nesse trabalho, além do poder da imagens, é o trabalho rigoroso do espaço envolvido no ato de filmar. Há um rigor, um lirismo e uma sensação de que algo muito tenebroso vai acontecer e também certa pitada do cinema surrealista de Luis Buñuel no “modus operandis” como filma Peter McDonald que é de se tirar o chapéu. Bom, acho que já falei demais. Prefiro que você assim como eu assista e tenha suas próprias sensações.
Para encerrar cito mais uma frase do livro “O Banquete” de Platão:
“Parece-me que os homens absolutamente não se dão conta do poder do amor”
Tango
4.4 42Me deixou impressionado e confuso ao mesmo tempo.
É um trabalho primoroso, minucioso e absolutamente esquizofrênico.
A arte, e só ela, é capaz de provar que até mesmo o Caos pode ser sublime.
Rabbits
3.9 152"Rabbits", série de nove episódios do cineasta David Lynch é um mergulho no vazio de uma vida sem sentido. Ao retratar três coelhos que habitam uma mesma casa e conversam coisas aparentemente desconexas, Lynch expõe algo de muito humano. Estão lá a solidão, a dificuldade de ouvir e ser ouvido, o medo e muitas outras coisas mais. Os aplausos que são ouvidas a cada entrada dos personagens e as risadas das "piadas" ditas explicitam que fazemos parte de uma sociedade cada vez mais espetacularizadas. O resultado é aterrorizante!