Shyamalan está de volta! Finalmente o mestre genial que nos presenteou com obras primas como Sexto Sentido, Corpo Fechado, Sinais e A vila (ou até mesmo o belo Dama na água que possui suas falhas mas também é extremamente singular e belo), voltou com sua qualidade, profundidade e principalmente com alma.
Fragmentado é um filme espetacular que acaba criando um novo e necessário mito sobre o sofrimento psíquico e sobre o trauma. Esquizofrenia vem do grego Squizo que justamente significa cindido. O sofrimento quando ocorre de forma muito intensa com as inumeras absurdidades e brutalidades que existem na vida, é um fenomeno místico, no sentido de que não há razão que explique. O trauma provocado pelo abuso, seja sexual, seja afetivo, pode causar ter tamanho poder e causar uma cisão irreparavel na personalidade de uma pessoa que busca como todas as outras viver como um ser integral, como uma totalidade. Quando isto ocorre a dor impera e a instabilidade reina.
O filme cria um mito usando do sobrenatural uma imagem muito bela e poderosa (e assustadora) para tratar do sentido do sofrimento causado por violências traumatizantes. O que ocorre com uma pessoa abusada? A violência é um elemento que escapa da razão, o sofrimento humano ilimitado passa a não ser classificável pelos conceitos cientificos ele é algo Real... para além da linguagem. E a forma mais bela de ilustrar isto foi traduzindo isto para um fenomeno sobrenatural. O mal surge de uma dor incalculavel, inapreensivel e incomunicavel, ele violenta os outros, cria vitimas para tentar anular o fato de que surgiu justamente como vítima. Todo mal é causado por um mal que o antecede, o mal é sofrimento.
Uma simples história sobre um simples homem motorista de ônibus. Ele dirige diariamente de segunda a sexta-feira na cidade da qual compartilha o próprio nome: Paterson. A sacada é muito bela e sútil, homem e cidade, identificados pelo nome. Ele um motorista de ônibus e poeta, um homem em paz e profundamente feliz, como um belo lago calmo, em repouso mas vivamente em movimento. O poeta usa da cidade em que vive para extrair suas poesias, todas elas simples, banais, quase insignificantes. Por isso se chama Paterson, sua identificação com a cidade possibilita com que ele viva nela e se vivifique nela, ele dá a cidade prestando um belo e digno trabalho (é ele quem move as pessoas da cidade, ele é como um deus grego disfarçado de motorista de ônibus, confiável, constante) mantém uma vida social pequena mas bem amarrada, com relações íntimas e profundas, que alimentam a alma, possui seus amigos, seus locais familiares e de todos estes locais tira seu alimento. Observa atentamente os passageiros, com seus dramas e comédias diarios, vê beleza, vê graça, se inspira no cotidiano, no banal, valoriza o simples e mundano e é alimentado por eles. O filme é um ensaio e uma ode a simplicidade e revela que é apenas com ela que o profundo se manifesta. A direção do filme quase não utiliza meios exagerados de expressão, ele monta toda a história apenas com sutilezas, exigindo a observação e imersão nas imagens.
Se7en é um filme sobre extremos e sobre como os extremos são catalisados pela apatia. Parece que quanto maior for o vazio que se apossa de alguém, maior será a violência que deverá ser provocada para chamar a atenção de alguém, ser parte da existência humana em conjunto.
John Doe é o nome dado para pessoas não identificadas, vítimas, suspeitos, etc, é o que chamamos no Brasil de zé ninguém, um homem sem origem, um homem insulado de toda e qualquer relação humana. John Doe é de fato incapaz de sentir-se humano, tudo que é humano o faz sentir náuseas.
Se pudéssemos construir uma anatomia da experiência humana no campo da afetividade, quais orgãos mais adequados que os sete pecados capitais para nos representar? Saindo do absolutismo da moral cristã, do amor pela mortificação do corpo e pelo desprezo a vida na terra, podemos afirmar que não há vida sem estes tais "pecados".
Não seriam estes "pecados" o estofo que nos preenche de humanidade? Não seriam estes vícios, elementos essenciais à nossa vida? A nossa capacidade de sentir prazer, de alcançar um estado imperfeito, incompleto e problemático de felicidade? Estado este, unicamente possível, para seres como nós?
John Doe é um homem de extremos, um homem que precisa acreditar que é puro em meio a um mundo de podridão, de banalidade, de pecado. Sua pureza o faz um ser especial, único, instrumento de Deus. Mas de um Deus destrutivo, punitivo, vingador. Um Deus que odeia sua própria criação, um Deus que odeia a si mesmo. Ele não consegue tolerar a ambivalência da experiência humana, sua constituição impura, formada justamente de opostos, marcadas pelo conflito, amor e ódio, amor e agressividade, vícios e virtudes.
Pensando bem, o detetive Somerset é o personagem que mais se aproxima de John Doe. Ele percebe que há algo errado no mundo, ele percebe a sombra da destrutividade que paira como um espectro diariamente no cotidiano das inúmeras babilônias em que vivemos. Porém, ele ao contrário de Doe, faz parte da humanidade, co-existe em meio ao conflito humano, percebe-se inserido no dilema, e não sente-se a parte dele, por cima, impermeável.
Na cena do diálogo dos três personagens no carro, quase compramos o delírio psicopático de John Doe, quase aceitamos sua versão destorcida dos eventos humanos. É ali que percebemos que todos os três personagens são essenciais entre si, Mills como a força jovial, ainda com a chama da vida pulsante, bem estabelecido no amor, na esperança e na crença de que podemos contribuir para o mundo, mesmo que na prática isso signifique arrogância, ingenuidade e uma boa dose de narcisismo, Somerset como o exemplar da experiência humana, culto, empático, experiente, porém machucado, cansado, perdido nas sombras que tanto tentou dissipar e por fim Doe, como a encarnação do terror de experimentar-se como um humano, imbuído de vícios, compulsões, e como a reação destrutiva de por fim a esta maluquice toda. Do pó ele veio e ao pó retornou, mesmo que no âmago de seu vazio, fez de tudo para tornar-se não só alguém, mas sim, tornar-se a figura mais importante de redenção e sacrifício. Como um Deus do velho testamento, distante e externo aos seus filhos.
Only lovers left alive mostra-nos como é mórbido estar vivo em um mundo dominado por zumbis. Os vampiros Adam e Eve são seres eternos, seres que não compartilham da experiência mais radicalmente humana que podemos imaginar: A finitude. Ambos para driblar a eternidade de uma vida onde o tempo não significa nada, vivem exclusivamente para desfrutar das mais elevadas artes e de sua relação amorosa que não sabemos quando começou e muito menos se um dia poderá terminar, visto que estas medidas parecem ser estranhas a seres não afetados pelo tempo. São a verdadeira antítese dos Zumbis como chamam os Humanos no filme, o que poderia ser chamado também de Filisteus como os românticos alemães do século XVIII denominaram a burguesia preocupada exclusivamente com as coisas uteis, os negócios, a segurança, o conforto, etc., e que não garantiam apreço nem sensibilidade alguma para a literatura, a música, a filosofia ou a riqueza que existe nos espaços que percorrem as relações humanas, Adam e Eve vivem do sangue, não precisam de comida, não se preocupam com dinheiro da mesma forma que os Zumbis se preocupam, e já viveram nas mais variadas situações culturais, com gênios, artistas, cientistas que elevaram o espírito humano a alturas hoje desconhecidas. O que foi o alimento de outrora, o Sangue humano, responsável por toda fertilidade e criatividade que os entreteceram na malha da cultura e que mantinha suas imortalidades validas e dignas, hoje encontra-se em decadência, torna-se justamente o veneno que os expulsa de sua condição de imortais.
Deixo aqui minhas impressões, afetações e interpretações sobre este maravilhoso e enigmático filme. São comentários subjetivos, abertos a complementações e discordâncias, não optei por uma leitura pormenorizada e sistemática, mas tentei expor o que o filme como totalidade significou para mim!
A personagem da Scarlett Johansson me chamou a atenção por dois motivos: Primeiro que ela é uma alienígena, ou seja um ser não humano que não tem a terra como seu berço e seu local familiar. Segundo ela é mulher, uma modalidade de ser humano que como a história nos mostra acaba não existindo de forma igualmente digna que a modalidade masculina. O primeiro ponto me faz pensar na experiência humana de se sentir de outro lugar que não este mesmo, de se sentir de outro mundo. Podemos ilustrar este fenômeno com as narrativas míticas, religiosas e etc. Muitas destas veem o humano como estrangeiro a este mundo, vem o ser do humano como filho de outros mundos. Daí podemos entender os inúmeros problemas, questões e paradoxos inerentes a condição humana, afinal ao contrario dos outros animais e dos outros objetos da realidade, o humano é um eterno tornar-se, não se encontra em repouso com uma essência estabilizada e cristalizada para além do tempo, da cultura, do contexto e da historia. Um humano é apenas uma potencia, ele deve transformar-se em humano, através da linguagem, através do social, através do Outro como na psicanálise. (como exemplo as crianças lobo) Na política e na ética ele entra na região que mais representa sua peculiaridade e que expõe seu ser como conflito, como processo. Em minha interpretação vejo a personagem da Scarlett como uma metáfora para esta questão, o tornar-se humano, a principio ela é uma estrangeira, mas ao decorrer do filme deve conquistar sua humanidade (emblemático que seja através do homem com a face desfigurada, aqui ela vivencia pela primeira vez a empatia, através da vulnerabilidade ela é capaz de ser habitada pela interioridade de um Outro). O segundo ponto é a questão do ser mulher, do feminino. Ela é do sexo feminino, e parafraseando Simone de Beauvoir uma mulher não nasce mulher, ela deve tornar-se mulher. Seu corpo através de enquadramentos culturais que favorecem o gênero masculino deve ser também possuído, deve ser encarnado, em sua estrutura muscular, hormonal, sua diferença genital, etc. Se por um lado compartilha estruturas semelhantes ao do gênero masculino, por outro lado no campo cultural suas peculiaridades a conferem um modo de ser extremamente diferente e em muitos aspectos ao decorrer da historia, um modo de ser dominado, violentado e diminuído pelo outro gênero. Aqui entro em um terceiro ponto: O da morte. Todo este processo de tornar-se humana e tornar-se mulher é um processo regido por um impulso ou uma pulsão violenta, destruidora, devoradora. Aqui penso em Freud que caracteriza a condição humana como conflituosa e como influenciada consideravelmente por tendências destrutivas. O sexo está ligado também a morte, ao poder. O parceiro sexual uma vez sob a influencia do toque, do contato genital, ou seja, possuído pelo outro que é o produtor de seu prazer está imbricado em uma relação de poder, submissão/submetido. A personagem de Scarlett, até antes de encontrar o homem desfigurado apenas se relaciona com os outros por cima da pele, apenas se engaja em relações de poder. O sexo pode ser entendido como exclusividade humana, os outros animais se reproduzem, copulam, fornicam, mas o ser humano tem que fazer sexo. A forma que nos relacionamos com o prazer e pior, com o prazer com o outro não é simples e natural, pelo contrario ela está totalmente ligada com inúmeros aspectos culturais, simbólicos, singulares a cada um, logo podemos forçar dizendo que o sexo é alienígena (neste sentido alegórico). Ao final do filme, quando ela já está submersa na condição humana, busca a floresta para isolar-se dos outros, para rever consigo mesma, ela encontra o outro lado da empatia da qual a trouxe para mais perto da humanidade, ela encontra o homem da floresta. Ele, (inclusive representante do sexo masculino), na primeira possibilidade que encontra, quer se aproveitar de seu corpo, de sua pele. Para ele não há nada sob sua pele, ele apenas consegue ver seu corpo, território formoso e voluptuoso, capaz de satisfazer seus desejos. Ao conseguir fincar os pés na terra como ser humana, através da empatia, o homem da floresta a mostra a outra face do ser humano, representado como a antítese da empatia, a personagem de Scarlet que entrou na vida humana através dela, irá descobrir de maneira trágica que o Outro não é só empatia, que seu olhar não é só comunicação e proximidade mas que "ser olhado pelo Outro" é muitas vezes ser transformado em objeto, algo sem interioridade, sem dignidade, algo a ser usado e descartado.
O clube dos cinco é na minha opinião uma obra que mostra de forma profunda e divertida o processo da formação da identidade, o tempo em que uma pessoa humana deve com as realidades já estabelecidas pelo passado e as potencialidades abertas indicadas no horizonte do futuro, com os afetos e as impressões passivamente aderidas pelo corpo e história de cada um e com a ativa singularidade e condição peculiar imanente ao nosso tipo de ser, firmar com graus variados o estilo de ser, a personalidade, a única e concreta assinatura existencial corporal, psicológica, filosófica e afetiva que cada um tem como desafio de vida. É sabido com os existencialistas que o humano não se reduz a um objeto, ele nunca se esgota e se conclui com definições e resoluções cientificas, religiosas ou filosóficas, por seu Ser ser justamente o tipo de ser que interroga que se lança em um mundo que não se dá de maneira definitiva, a inconclusão e a abertura fazem partes de si mesmo. A adolescência é um período interessante e foi escolhida de forma ideal para passar uma das possíveis mensagens do filme, o adolescente é aquele que não é mais criança ou seja, que não é mais pura potencialidade que se confronta com o mundo de maneira inédita a cada experiência, não, o adolescente já foi habituado e já esta sendo condensado a responder ao desafio que o mundo o confronta: Quem você será? Ou seja, o adolescente tem na linha de seu horizonte o convite (ou seria a invocação?) para o mundo adulto. O mundo adulto é este estabilizado, firmado e concluído pelas demandas do mundo, dos outros, da natureza, nele cada um deve ter um papel muito bem definido e estabelecido pois a segurança é o valor norteador nessa realidade. Cada um dos personagens na minha leitura está nesta situação exposta anteriormente, precisam responder a esta invocação, e como todos nós que já vivemos essa situação sabemos, essa invocação é violenta e agressiva ela não é mais como era em realidades comunitárias, não vem em companhia a orientação dos mais antigos, estes sábios e preocupados em uma transformação bem feita, a invocação ao mundo adulto no mundo moderno é realizada pelo adulto impessoal, generalizado sem qualquer traço de singularidade. O filme mostra como a generalização, o estereotipo é útil e exigido dos adultos (já que se encontram exatamente sob este paradigma) e como este processo é projetado nos adolescentes (que são esta instância temporária que estão em formação, são o processo, fluxo, movimento) com o objetivo de cristaliza-los. Os adolescentes vão já estabilizando seus estilos, e vão encontrando repouso e lugar nos estereótipos oferecidos pela sociedade, são os jogadores playboys, os esquisitos, os descolados rebeldes, o nerd, etc; E então, este fluxo de vir-a-ser, este impulso livre e aberto que é seu próprio corpo e seus caminhos, se adorna com os materiais sólidos e resistentes dos rótulos sociais, começam a se reconhecerem nos papeis que escolheram/foram escolhidos, acreditam nas verdades e valores oferecidos por estas micro-realidades, e esquecem-se desta pulsão primordial própria deles mesmos. Ao final do filme Bender em uma das cenas que mais me causaram impacto revela a todos que estiverem dispostos a ouvirem a singularidade de cada personagem,a resistência presente em cada um deles contra as imposições e visões do professor, a destruição dos estereótipos e o reconhecimento desta identidade compartilhada mais fundamental presente em cada um dos jovens, a própria liberdade, ele retrata através de sua denúncia como os adultos são incapazes de se comunicarem com aqueles que um dia eles também já foram, como são incapazes de os enxergarem, visto que tudo o que conseguem ver são os rótulos, que o constituíram um dia, e que os roubaram deste traço fundamental que um dia eles também o foram. O clube dos cinco é um hino e um manifesto que não é dirigido aos adolescentes apenas, mas sim a cada humano que possui em si mesmo a adolescência como possibilidade existencial, e nos alerta aos perigos de ser vencido pelas verdades exteriores.
Clássico da sessão da tarde dos anos dourados, o filme é uma adaptação de um conto de Stephen king chamado O CORPO. O filme é um impressionante retrato da realidade infantil, os problemas e conflitos dos garotos no filme são reais e violentos, o filme não possui final feliz nem nenhum tipo de maquiagem hollywoodiana, é um retrato fiel dos sofrimentos e injustiças do mundo real. Ambientado neste mundo extremamente cruel, com pais abusadores, adultos inescrupulosos, exploração, tragédias o filme consegue ser uma apologia e uma lição sobre a coisa mais concreta e poderosa da existência humana: a amizade. Os amigos no filme são o alicerce para cada um, com suas rudezas e insensibilidades, suas brincadeiras - que hoje os especialistas chamariam até mesmo de bully - sua amizade é a única coisa que os protegem da ameaça que é o mundo. Um mundo que não os entende, um mundo que os violenta com suas exigências insensatas e agressivas. A morte e o fim da amizade retratada pelo filme nos conecta com nossas próprias experiências vividas, é um exemplo de obra clássica; Ativa em nós tudo que realmente importa na vida. Sem duvida um dos filmes mais importantes de minha infância.
Uma aventura quixotesca que resgata do mais comum e indiferente cotidiano, das mais comuns e indiferentes pessoas a beleza e o sentido. Uma vida sem fantasia, sem afeto (por mais difícil que seja fazer florir o afeto de paisagens tão insólitas) é apenas sobrevivência. Como fazer da sobrevivência, uma vida? Como dar sentido à um sonho? Como transformar uma constelação de acontecimentos sem razão interior em legado? Em certa parte do filme a mulher que trabalha para a revista que cria propagandas enganadoras pergunta ao filho de Woody se o velho tem Alzheimer, ao passo que este responde com uma dura e trágica verdade: Não, ele só acredita no que as pessoas dizem! O preço do romântico ingênuo é ser enganado, já que vive em um mundo que funciona sobre outra lei que não a sua, seu privilégio é justamente funcionar sob outra ótica, habitar um outro mundo que não este das vazias más intenções, o reino dos espertos.
"Filmes sobre sucesso já foram feitos" Diz um dos diretores de Inside Llewyn Davis: Balada de um homem comum. Este é o tom que permeia todos os momentos do filme, morte, queda, ruína, este filme foi confeccionado com o material das falhas, dos erros, dos vícios que estão presentes em todo elemento humano. Este sim é um filme demasiadamente humano, brutalmente sincero, violentamente transparente. Este nível de sinceridade, de entrega não irá agradar a maioria da audiência, acostumada com odisseias de sucesso, sagas de desenvolvimento e evolução pessoal, aprendizagem e conquista. Não neste filme. Não com este personagem, Llewyn é um raro herói que conta e representa não a historia do homem comum de sucesso, aquele um em um milhão de historias que deram certo. Llewyn é uma pessoa de carne e osso, daqueles homens de talento que provam que a vida não respeita um fio-condutor lógico de mérito, a vida é um acidente, um efeito tardio do acaso, é uma dança doentia da matéria... e nela as historias que dão certo são a minoria, e como diz um dos Coen, estas historias já estão saturadas... Em certa parte do filme, ficam-se claro as referencias a Odisséia de Homero , Llewyn é o exato oposto de Ulisses, ele falha em todos os encontros, não consegue criar a ponte que faz o reino de dois estranhos se conectar, Llewyn em momento algum do filme consegue a tão desejada hospedagem humana.Llewyn foi construído para ser imune a qualquer tipo de identificação pessoal, logo no começo nós descobrimos que ele é o primo bastardo do rei Midas, tudo que ele toca vira merda. Entre abortos e auto sabotagens, Inside Llewn Davis mostra que o fracasso merece ter sua historia contada. A interioridade de um homem perdido nunca foi tão angustiante, mas também nunca tão bela.
As reações exageradamente dramáticas apenas ganham sentindo quando se interpreta de forma adequada. O personagem de Gylenhal esta vivendo uma cisão de personalidade, seu duplo é nada mais que uma dissociação de personalidade. A interpretação que venho mais lendo sobre o tema da aranha é ligado às mulheres e a responsabilidade imposta por elas, até acho que pode ter sentido mas prefiro entender pelo caminho do trauma, delírio e alucinação. Os comentários sobre Hegel e Marx corroboram para minha interpretação: A maior ditadora e maior deformadora da realidade é a própria consciência humana, ou o inconsciente descrito por Freud. Ela não deixa ele ser um "Indivíduo" (como citado nas aulas do professor) e opera esta cisão de personalidade. A aranha é uma representação imagética desta misteriosa conspiração psicológica que o personagem se meteu, ele está metaforicamente capturado nas teias de seus delírios e alucinações. Mas porque sua consciência acaba deformando sua identidade? Minha hipótese é que tudo começa com aquele acidente em que sua amante morre. O zoom da câmera mostra uma sugestiva fratura de vidro em forma de teia de aranha, com isto fica explicado supostamente a cicatriz dele, mostrando a real cadeia temporal, ou seja, que o acidente acontece antes do começo da história. Ele era um professor de história que com medo de cristalizar sua vida com uma esposa e com um filho por vir (6 meses de gravidez e 6 meses sem aparecer na agencia de atores) passa a tentar uma carreira secundaria como ator (e simbolicamente atuando em seu delírio). Segundo o proprio Adam, quando cita Hegel e Marx, a primeira vez que algo acontece é uma tragédia a segunda é uma farsa, ou seja, ele está preso na vivencia deste trauma (morte de sua amante), e sua esposa grávida sabe muito bem disso (quando ela mesmo fala para ele que ele sabe o que está acontecendo, e na cama quando pergunta como foi o dia na faculdade). Só assim podemos entender todas emoções super intensas com acontecimentos que julgamos não dramáticos. A boate, a chave (com a inscrição "única") e a aranha penso que pode dizer algo a confrontação com este trauma, e então enfrentar a morte da amante e voltar a ser um indivíduo, ou a queda novamente na teia da aranha, e viver em um ciclo interminável de delírios e alucinações.
Fragmentado
3.9 2,9K Assista AgoraShyamalan está de volta! Finalmente o mestre genial que nos presenteou com obras primas como Sexto Sentido, Corpo Fechado, Sinais e A vila (ou até mesmo o belo Dama na água que possui suas falhas mas também é extremamente singular e belo), voltou com sua qualidade, profundidade e principalmente com alma.
Fragmentado é um filme espetacular que acaba criando um novo e necessário mito sobre o sofrimento psíquico e sobre o trauma. Esquizofrenia vem do grego Squizo que justamente significa cindido. O sofrimento quando ocorre de forma muito intensa com as inumeras absurdidades e brutalidades que existem na vida, é um fenomeno místico, no sentido de que não há razão que explique. O trauma provocado pelo abuso, seja sexual, seja afetivo, pode causar ter tamanho poder e causar uma cisão irreparavel na personalidade de uma pessoa que busca como todas as outras viver como um ser integral, como uma totalidade. Quando isto ocorre a dor impera e a instabilidade reina.
O filme cria um mito usando do sobrenatural uma imagem muito bela e poderosa (e assustadora) para tratar do sentido do sofrimento causado por violências traumatizantes. O que ocorre com uma pessoa abusada? A violência é um elemento que escapa da razão, o sofrimento humano ilimitado passa a não ser classificável pelos conceitos cientificos ele é algo Real... para além da linguagem. E a forma mais bela de ilustrar isto foi traduzindo isto para um fenomeno sobrenatural. O mal surge de uma dor incalculavel, inapreensivel e incomunicavel, ele violenta os outros, cria vitimas para tentar anular o fato de que surgiu justamente como vítima. Todo mal é causado por um mal que o antecede, o mal é sofrimento.
Paterson
3.9 353 Assista AgoraUma simples história sobre um simples homem motorista de ônibus. Ele dirige diariamente de segunda a sexta-feira na cidade da qual compartilha o próprio nome: Paterson.
A sacada é muito bela e sútil, homem e cidade, identificados pelo nome. Ele um motorista de ônibus e poeta, um homem em paz e profundamente feliz, como um belo lago calmo, em repouso mas vivamente em movimento. O poeta usa da cidade em que vive para extrair suas poesias, todas elas simples, banais, quase insignificantes. Por isso se chama Paterson, sua identificação com a cidade possibilita com que ele viva nela e se vivifique nela, ele dá a cidade prestando um belo e digno trabalho (é ele quem move as pessoas da cidade, ele é como um deus grego disfarçado de motorista de ônibus, confiável, constante) mantém uma vida social pequena mas bem amarrada, com relações íntimas e profundas, que alimentam a alma, possui seus amigos, seus locais familiares e de todos estes locais tira seu alimento.
Observa atentamente os passageiros, com seus dramas e comédias diarios, vê beleza, vê graça, se inspira no cotidiano, no banal, valoriza o simples e mundano e é alimentado por eles.
O filme é um ensaio e uma ode a simplicidade e revela que é apenas com ela que o profundo se manifesta. A direção do filme quase não utiliza meios exagerados de expressão, ele monta toda a história apenas com sutilezas, exigindo a observação e imersão nas imagens.
Seven: Os Sete Crimes Capitais
4.3 2,7K Assista AgoraSe7en é um filme sobre extremos e sobre como os extremos são catalisados pela apatia. Parece que quanto maior for o vazio que se apossa de alguém, maior será a violência que deverá ser provocada para chamar a atenção de alguém, ser parte da existência humana em conjunto.
John Doe é o nome dado para pessoas não identificadas, vítimas, suspeitos, etc, é o que chamamos no Brasil de zé ninguém, um homem sem origem, um homem insulado de toda e qualquer relação humana. John Doe é de fato incapaz de sentir-se humano, tudo que é humano o faz sentir náuseas.
Se pudéssemos construir uma anatomia da experiência humana no campo da afetividade, quais orgãos mais adequados que os sete pecados capitais para nos representar? Saindo do absolutismo da moral cristã, do amor pela mortificação do corpo e pelo desprezo a vida na terra, podemos afirmar que não há vida sem estes tais "pecados".
Não seriam estes "pecados" o estofo que nos preenche de humanidade? Não seriam estes vícios, elementos essenciais à nossa vida? A nossa capacidade de sentir prazer, de alcançar um estado imperfeito, incompleto e problemático de felicidade? Estado este, unicamente possível, para seres como nós?
John Doe é um homem de extremos, um homem que precisa acreditar que é puro em meio a um mundo de podridão, de banalidade, de pecado. Sua pureza o faz um ser especial, único, instrumento de Deus. Mas de um Deus destrutivo, punitivo, vingador. Um Deus que odeia sua própria criação, um Deus que odeia a si mesmo. Ele não consegue tolerar a ambivalência da experiência humana, sua constituição impura, formada justamente de opostos, marcadas pelo conflito, amor e ódio, amor e agressividade, vícios e virtudes.
Pensando bem, o detetive Somerset é o personagem que mais se aproxima de John Doe. Ele percebe que há algo errado no mundo, ele percebe a sombra da destrutividade que paira como um espectro diariamente no cotidiano das inúmeras babilônias em que vivemos. Porém, ele ao contrário de Doe, faz parte da humanidade, co-existe em meio ao conflito humano, percebe-se inserido no dilema, e não sente-se a parte dele, por cima, impermeável.
Na cena do diálogo dos três personagens no carro, quase compramos o delírio psicopático de John Doe, quase aceitamos sua versão destorcida dos eventos humanos. É ali que percebemos que todos os três personagens são essenciais entre si, Mills como a força jovial, ainda com a chama da vida pulsante, bem estabelecido no amor, na esperança e na crença de que podemos contribuir para o mundo, mesmo que na prática isso signifique arrogância, ingenuidade e uma boa dose de narcisismo, Somerset como o exemplar da experiência humana, culto, empático, experiente, porém machucado, cansado, perdido nas sombras que tanto tentou dissipar e por fim Doe, como a encarnação do terror de experimentar-se como um humano, imbuído de vícios, compulsões, e como a reação destrutiva de por fim a esta maluquice toda. Do pó ele veio e ao pó retornou, mesmo que no âmago de seu vazio, fez de tudo para tornar-se não só alguém, mas sim, tornar-se a figura mais importante de redenção e sacrifício. Como um Deus do velho testamento, distante e externo aos seus filhos.
Amantes Eternos
3.8 783 Assista AgoraOnly lovers left alive mostra-nos como é mórbido estar vivo em um mundo dominado por zumbis. Os vampiros Adam e Eve são seres eternos, seres que não compartilham da experiência mais radicalmente humana que podemos imaginar: A finitude. Ambos para driblar a eternidade de uma vida onde o tempo não significa nada, vivem exclusivamente para desfrutar das mais elevadas artes e de sua relação amorosa que não sabemos quando começou e muito menos se um dia poderá terminar, visto que estas medidas parecem ser estranhas a seres não afetados pelo tempo. São a verdadeira antítese dos Zumbis como chamam os Humanos no filme, o que poderia ser chamado também de Filisteus como os românticos alemães do século XVIII denominaram a burguesia preocupada exclusivamente com as coisas uteis, os negócios, a segurança, o conforto, etc., e que não garantiam apreço nem sensibilidade alguma para a literatura, a música, a filosofia ou a riqueza que existe nos espaços que percorrem as relações humanas, Adam e Eve vivem do sangue, não precisam de comida, não se preocupam com dinheiro da mesma forma que os Zumbis se preocupam, e já viveram nas mais variadas situações culturais, com gênios, artistas, cientistas que elevaram o espírito humano a alturas hoje desconhecidas. O que foi o alimento de outrora, o Sangue humano, responsável por toda fertilidade e criatividade que os entreteceram na malha da cultura e que mantinha suas imortalidades validas e dignas, hoje encontra-se em decadência, torna-se justamente o veneno que os expulsa de sua condição de imortais.
Sob a Pele
3.2 1,4K Assista AgoraDeixo aqui minhas impressões, afetações e interpretações sobre este maravilhoso e enigmático filme. São comentários subjetivos, abertos a complementações e discordâncias, não optei por uma leitura pormenorizada e sistemática, mas tentei expor o que o filme como totalidade significou para mim!
A personagem da Scarlett Johansson me chamou a atenção por dois motivos: Primeiro que ela é uma alienígena, ou seja um ser não humano que não tem a terra como seu berço e seu local familiar. Segundo ela é mulher, uma modalidade de ser humano que como a história nos mostra acaba não existindo de forma igualmente digna que a modalidade masculina. O primeiro ponto me faz pensar na experiência humana de se sentir de outro lugar que não este mesmo, de se sentir de outro mundo. Podemos ilustrar este fenômeno com as narrativas míticas, religiosas e etc. Muitas destas veem o humano como estrangeiro a este mundo, vem o ser do humano como filho de outros mundos. Daí podemos entender os inúmeros problemas, questões e paradoxos inerentes a condição humana, afinal ao contrario dos outros animais e dos outros objetos da realidade, o humano é um eterno tornar-se, não se encontra em repouso com uma essência estabilizada e cristalizada para além do tempo, da cultura, do contexto e da historia. Um humano é apenas uma potencia, ele deve transformar-se em humano, através da linguagem, através do social, através do Outro como na psicanálise. (como exemplo as crianças lobo) Na política e na ética ele entra na região que mais representa sua peculiaridade e que expõe seu ser como conflito, como processo. Em minha interpretação vejo a personagem da Scarlett como uma metáfora para esta questão, o tornar-se humano, a principio ela é uma estrangeira, mas ao decorrer do filme deve conquistar sua humanidade (emblemático que seja através do homem com a face desfigurada, aqui ela vivencia pela primeira vez a empatia, através da vulnerabilidade ela é capaz de ser habitada pela interioridade de um Outro). O segundo ponto é a questão do ser mulher, do feminino. Ela é do sexo feminino, e parafraseando Simone de Beauvoir uma mulher não nasce mulher, ela deve tornar-se mulher. Seu corpo através de enquadramentos culturais que favorecem o gênero masculino deve ser também possuído, deve ser encarnado, em sua estrutura muscular, hormonal, sua diferença genital, etc. Se por um lado compartilha estruturas semelhantes ao do gênero masculino, por outro lado no campo cultural suas peculiaridades a conferem um modo de ser extremamente diferente e em muitos aspectos ao decorrer da historia, um modo de ser dominado, violentado e diminuído pelo outro gênero. Aqui entro em um terceiro ponto: O da morte. Todo este processo de tornar-se humana e tornar-se mulher é um processo regido por um impulso ou uma pulsão violenta, destruidora, devoradora. Aqui penso em Freud que caracteriza a condição humana como conflituosa e como influenciada consideravelmente por tendências destrutivas. O sexo está ligado também a morte, ao poder. O parceiro sexual uma vez sob a influencia do toque, do contato genital, ou seja, possuído pelo outro que é o produtor de seu prazer está imbricado em uma relação de poder, submissão/submetido. A personagem de Scarlett, até antes de encontrar o homem desfigurado apenas se relaciona com os outros por cima da pele, apenas se engaja em relações de poder. O sexo pode ser entendido como exclusividade humana, os outros animais se reproduzem, copulam, fornicam, mas o ser humano tem que fazer sexo. A forma que nos relacionamos com o prazer e pior, com o prazer com o outro não é simples e natural, pelo contrario ela está totalmente ligada com inúmeros aspectos culturais, simbólicos, singulares a cada um, logo podemos forçar dizendo que o sexo é alienígena (neste sentido alegórico). Ao final do filme, quando ela já está submersa na condição humana, busca a floresta para isolar-se dos outros, para rever consigo mesma, ela encontra o outro lado da empatia da qual a trouxe para mais perto da humanidade, ela encontra o homem da floresta. Ele, (inclusive representante do sexo masculino), na primeira possibilidade que encontra, quer se aproveitar de seu corpo, de sua pele. Para ele não há nada sob sua pele, ele apenas consegue ver seu corpo, território formoso e voluptuoso, capaz de satisfazer seus desejos. Ao conseguir fincar os pés na terra como ser humana, através da empatia, o homem da floresta a mostra a outra face do ser humano, representado como a antítese da empatia, a personagem de Scarlet que entrou na vida humana através dela, irá descobrir de maneira trágica que o Outro não é só empatia, que seu olhar não é só comunicação e proximidade mas que "ser olhado pelo Outro" é muitas vezes ser transformado em objeto, algo sem interioridade, sem dignidade, algo a ser usado e descartado.
Clube dos Cinco
4.2 2,6K Assista AgoraO clube dos cinco é na minha opinião uma obra que mostra de forma profunda e divertida o processo da formação da identidade, o tempo em que uma pessoa humana deve com as realidades já estabelecidas pelo passado e as potencialidades abertas indicadas no horizonte do futuro, com os afetos e as impressões passivamente aderidas pelo corpo e história de cada um e com a ativa singularidade e condição peculiar imanente ao nosso tipo de ser, firmar com graus variados o estilo de ser, a personalidade, a única e concreta assinatura existencial corporal, psicológica, filosófica e afetiva que cada um tem como desafio de vida. É sabido com os existencialistas que o humano não se reduz a um objeto, ele nunca se esgota e se conclui com definições e resoluções cientificas, religiosas ou filosóficas, por seu Ser ser justamente o tipo de ser que interroga que se lança em um mundo que não se dá de maneira definitiva, a inconclusão e a abertura fazem partes de si mesmo. A adolescência é um período interessante e foi escolhida de forma ideal para passar uma das possíveis mensagens do filme, o adolescente é aquele que não é mais criança ou seja, que não é mais pura potencialidade que se confronta com o mundo de maneira inédita a cada experiência, não, o adolescente já foi habituado e já esta sendo condensado a responder ao desafio que o mundo o confronta: Quem você será? Ou seja, o adolescente tem na linha de seu horizonte o convite (ou seria a invocação?) para o mundo adulto. O mundo adulto é este estabilizado, firmado e concluído pelas demandas do mundo, dos outros, da natureza, nele cada um deve ter um papel muito bem definido e estabelecido pois a segurança é o valor norteador nessa realidade. Cada um dos personagens na minha leitura está nesta situação exposta anteriormente, precisam responder a esta invocação, e como todos nós que já vivemos essa situação sabemos, essa invocação é violenta e agressiva ela não é mais como era em realidades comunitárias, não vem em companhia a orientação dos mais antigos, estes sábios e preocupados em uma transformação bem feita, a invocação ao mundo adulto no mundo moderno é realizada pelo adulto impessoal, generalizado sem qualquer traço de singularidade. O filme mostra como a generalização, o estereotipo é útil e exigido dos adultos (já que se encontram exatamente sob este paradigma) e como este processo é projetado nos adolescentes (que são esta instância temporária que estão em formação, são o processo, fluxo, movimento) com o objetivo de cristaliza-los. Os adolescentes vão já estabilizando seus estilos, e vão encontrando repouso e lugar nos estereótipos oferecidos pela sociedade, são os jogadores playboys, os esquisitos, os descolados rebeldes, o nerd, etc; E então, este fluxo de vir-a-ser, este impulso livre e aberto que é seu próprio corpo e seus caminhos, se adorna com os materiais sólidos e resistentes dos rótulos sociais, começam a se reconhecerem nos papeis que escolheram/foram escolhidos, acreditam nas verdades e valores oferecidos por estas micro-realidades, e esquecem-se desta pulsão primordial própria deles mesmos. Ao final do filme Bender em uma das cenas que mais me causaram impacto revela a todos que estiverem dispostos a ouvirem a singularidade de cada personagem,a resistência presente em cada um deles contra as imposições e visões do professor, a destruição dos estereótipos e o reconhecimento desta identidade compartilhada mais fundamental presente em cada um dos jovens, a própria liberdade, ele retrata através de sua denúncia como os adultos são incapazes de se comunicarem com aqueles que um dia eles também já foram, como são incapazes de os enxergarem, visto que tudo o que conseguem ver são os rótulos, que o constituíram um dia, e que os roubaram deste traço fundamental que um dia eles também o foram. O clube dos cinco é um hino e um manifesto que não é dirigido aos adolescentes apenas, mas sim a cada humano que possui em si mesmo a adolescência como possibilidade existencial, e nos alerta aos perigos de ser vencido pelas verdades exteriores.
Conta Comigo
4.3 1,9K Assista AgoraClássico da sessão da tarde dos anos dourados, o filme é uma adaptação de um conto de Stephen king chamado O CORPO. O filme é um impressionante retrato da realidade infantil, os problemas e conflitos dos garotos no filme são reais e violentos, o filme não possui final feliz nem nenhum tipo de maquiagem hollywoodiana, é um retrato fiel dos sofrimentos e injustiças do mundo real. Ambientado neste mundo extremamente cruel, com pais abusadores, adultos inescrupulosos, exploração, tragédias o filme consegue ser uma apologia e uma lição sobre a coisa mais concreta e poderosa da existência humana: a amizade. Os amigos no filme são o alicerce para cada um, com suas rudezas e insensibilidades, suas brincadeiras - que hoje os especialistas chamariam até mesmo de bully - sua amizade é a única coisa que os protegem da ameaça que é o mundo. Um mundo que não os entende, um mundo que os violenta com suas exigências insensatas e agressivas. A morte e o fim da amizade retratada pelo filme nos conecta com nossas próprias experiências vividas, é um exemplo de obra clássica; Ativa em nós tudo que realmente importa na vida. Sem duvida um dos filmes mais importantes de minha infância.
Nebraska
4.1 1,0K Assista AgoraUma aventura quixotesca que resgata do mais comum e indiferente cotidiano, das mais comuns e indiferentes pessoas a beleza e o sentido. Uma vida sem fantasia, sem afeto (por mais difícil que seja fazer florir o afeto de paisagens tão insólitas) é apenas sobrevivência. Como fazer da sobrevivência, uma vida? Como dar sentido à um sonho? Como transformar uma constelação de acontecimentos sem razão interior em legado?
Em certa parte do filme a mulher que trabalha para a revista que cria propagandas enganadoras pergunta ao filho de Woody se o velho tem Alzheimer, ao passo que este responde com uma dura e trágica verdade: Não, ele só acredita no que as pessoas dizem! O preço do romântico ingênuo é ser enganado, já que vive em um mundo que funciona sobre outra lei que não a sua, seu privilégio é justamente funcionar sob outra ótica, habitar um outro mundo que não este das vazias más intenções, o reino dos espertos.
Inside Llewyn Davis - Balada de um Homem Comum
3.8 529 Assista Agora"Filmes sobre sucesso já foram feitos" Diz um dos diretores de Inside Llewyn Davis: Balada de um homem comum. Este é o tom que permeia todos os momentos do filme, morte, queda, ruína, este filme foi confeccionado com o material das falhas, dos erros, dos vícios que estão presentes em todo elemento humano. Este sim é um filme demasiadamente humano, brutalmente sincero, violentamente transparente. Este nível de sinceridade, de entrega não irá agradar a maioria da audiência, acostumada com odisseias de sucesso, sagas de desenvolvimento e evolução pessoal, aprendizagem e conquista. Não neste filme. Não com este personagem, Llewyn é um raro herói que conta e representa não a historia do homem comum de sucesso, aquele um em um milhão de historias que deram certo. Llewyn é uma pessoa de carne e osso, daqueles homens de talento que provam que a vida não respeita um fio-condutor lógico de mérito, a vida é um acidente, um efeito tardio do acaso, é uma dança doentia da matéria... e nela as historias que dão certo são a minoria, e como diz um dos Coen, estas historias já estão saturadas... Em certa parte do filme, ficam-se claro as referencias a Odisséia de Homero , Llewyn é o exato oposto de Ulisses, ele falha em todos os encontros, não consegue criar a ponte que faz o reino de dois estranhos se conectar, Llewyn em momento algum do filme consegue a tão desejada hospedagem humana.Llewyn foi construído para ser imune a qualquer tipo de identificação pessoal, logo no começo nós descobrimos que ele é o primo bastardo do rei Midas, tudo que ele toca vira merda. Entre abortos e auto sabotagens, Inside Llewn Davis mostra que o fracasso merece ter sua historia contada. A interioridade de um homem perdido nunca foi tão angustiante, mas também nunca tão bela.
O Homem Duplicado
3.7 1,8K Assista AgoraTentando juntar as pontas desse magnífico mistério surrealista:
As reações exageradamente dramáticas apenas ganham sentindo quando se interpreta de forma adequada. O personagem de Gylenhal esta vivendo uma cisão de personalidade, seu duplo é nada mais que uma dissociação de personalidade. A interpretação que venho mais lendo sobre o tema da aranha é ligado às mulheres e a responsabilidade imposta por elas, até acho que pode ter sentido mas prefiro entender pelo caminho do trauma, delírio e alucinação. Os comentários sobre Hegel e Marx corroboram para minha interpretação: A maior ditadora e maior deformadora da realidade é a própria consciência humana, ou o inconsciente descrito por Freud. Ela não deixa ele ser um "Indivíduo" (como citado nas aulas do professor) e opera esta cisão de personalidade. A aranha é uma representação imagética desta misteriosa conspiração psicológica que o personagem se meteu, ele está metaforicamente capturado nas teias de seus delírios e alucinações. Mas porque sua consciência acaba deformando sua identidade? Minha hipótese é que tudo começa com aquele acidente em que sua amante morre. O zoom da câmera mostra uma sugestiva fratura de vidro em forma de teia de aranha, com isto fica explicado supostamente a cicatriz dele, mostrando a real cadeia temporal, ou seja, que o acidente acontece antes do começo da história. Ele era um professor de história que com medo de cristalizar sua vida com uma esposa e com um filho por vir (6 meses de gravidez e 6 meses sem aparecer na agencia de atores) passa a tentar uma carreira secundaria como ator (e simbolicamente atuando em seu delírio). Segundo o proprio Adam, quando cita Hegel e Marx, a primeira vez que algo acontece é uma tragédia a segunda é uma farsa, ou seja, ele está preso na vivencia deste trauma (morte de sua amante), e sua esposa grávida sabe muito bem disso (quando ela mesmo fala para ele que ele sabe o que está acontecendo, e na cama quando pergunta como foi o dia na faculdade). Só assim podemos entender todas emoções super intensas com acontecimentos que julgamos não dramáticos. A boate, a chave (com a inscrição "única") e a aranha penso que pode dizer algo a confrontação com este trauma, e então enfrentar a morte da amante e voltar a ser um indivíduo, ou a queda novamente na teia da aranha, e viver em um ciclo interminável de delírios e alucinações.