Reflexão bem interessante sobre a relação entre realidade e ficção em seu esplendor figurativo, rendendo ainda uma homenagem à "Commedia dell'Arte". Um dos grandes filmes do Renoir, mas acredito que teria ficado melhor se dirigido pelo Luchino Visconti.
Visconti retoma aqui, com grande inspiração em Shakespeare Macbeth, Os demônios Dostoiévski, Götterdämmerung de Wagner e Thomas Mann, sua vocação em registrar a queda, profanando o romantismo e substituindo-o pela desilusão.
Parábola irônica e ácida sobre a vida de um falso profeta na onda da proliferação de seitas cristãs em uma África profundamente dividida entre religião, tradição e modernidade.
Pasolini era ateu, acreditava que o cristianismo tinha em si uma dimensão escatológica, preparando as pessoas para viverem no futuro em um mundo ideal que contrastava radicalmente a idéia de um presente ligado ao imediato. Na verdade o grande escândalo desse filme não foi por pelo conteúdo, como costuma ser nos filmes dele, mas por ter sido feito por ele: pecador convicto, ateu, homossexual, laicista, marxista, só pra citar os mais evidentes. Na verdade Pasolini valorizava a figura de Jesus como humano, as ideias que pregava, mas nem mesmo o considerava filho de deus etc. O filme fala sobre exaltação da palavra, e nada mais humano que a palavra e o poder que ela tem.
Polêmicas à parte, Lacombe Lucien é certamente uma das obras mais bem-sucedidas de Louis Malle, seja pela reconstituição da época, o retrato perturbador de seu herói negativo, o contraponto elegíaco da paisagem e o peso dramatúrgico da dialética entre necessidade e oportunidade.
Após 7 minutos escuridão e a música infernal de Edgard Varèse, apenas as palavras do Canto XXXIII (Paraíso), da Divina Comédia, ali só permanecem: áspero, resistente e livre, o monólogo, na voz de Giorgio Passerone, ilumina a cena.
Sempre em equilíbrio entre a reconstituição histórica e a descrição surreal da burguesia, com muito de Chaplin no personagem Jan, mas também uma audácia visual que não cai em momento algum na vulgaridade.
Raoul Ruiz queria provar a teoria de que o caráter de um indivíduo já está irremediavelmente formado na primeira infância. Para isto, constrói um labiríntico e vertiginoso jogo de espelhos que tende a provar duas hipóteses complementares:
Existe um número x, portanto finito, de histórias possíveis (re)percorríveis no sentido inverso, na trilha das matrizes que as geraram.
Os homens acreditam viver as histórias, mas na verdade as histórias dominam os homens.
Ambientado no inverno e quase sempre durante a noite, é um dos filmes mais amargos que já assisti do Ozu. Crueldade, indiferença, incerteza e ausência de valores de uma geração perdida entre a irresponsabilidade do passado e a obscuridade do presente.
A leitura de cunho populista de Claude Berri é bruta, até mesmo ingênua em seu maniqueísmo. As desagradáveis atrocidades zolanianas são expostas sem nenhum refinamento. Uma ilustração de Émile Zola, não uma releitura crítica e pessoal.
Um Herzog seco, a serviço do texto de Georg Büchnerpara para despir a tragicidade de um insondável desespero existencial, com uma linguagem decantada, simples e intensa. A interpretação de Klaus Kinski e a cidadezinha tchecoslocava fazem o resto.
Um dos muitos filmes produzidos na França de Vichy com o intuito de distrair os franceses dos próprios problemas. Mas esse é realmente muito bom: equilibrado, cheio de reviravoltas, personagens bizarros etc Vale realmente pela sofisticação da direção, cenografia, montagem e fotografia.
O mais interessante é que o tema central não é o terrorismo na Alemanha Ocidental em si, mas a presença do passado que os alemães removeram pra tentar apagar o próprio sentimento de culpa. Margarethe Von Trotta conseguiu fazer um filme em que ética e estética, paixão e dialética, comoção e lucidez convivem sem que um neutralize o outro.
Na melancólica liturgia de sua reflexão histórica, páginas em branco não faltam, mas as páginas bem-sucedidas são de alto nível e muito mais numerosas. Esse diretor isolado, peculiar e único é u m convite à razão. Não à "razão de estado" maquiavélica, mas à razão da qual temos necessidade para que o relativo sono não gere outros monstros goyescos.
Encontrar uma explicação para o terrorismo não é uma tarefe simples nem um trabalho pra uma só pessoa. Levando em conta os devidos contrastes, o trabalho em conjunto se mostra bastante harmônico, com destaque especial para o de Fassbinder, interpretando a si mesmo em busca de respostas em relação a situação do terrorismo que o oprime (aterrorizado pelo poder exercido pela policia que justifica através do terrorismo muitas de suas ações excessivas contra aos cidadãos) e para o episódio de Volker Schlöndorff, que coloca em cena uma produção televisiva em nítido contraste com a escolha de um diretor ao colocar no ar a tragédia Antígona de Sófocles.
O filme termina com imagens da sepultura dos terroristas, metáfora para o eventual encerramento de um capítulo que aterrorizou cada um dos diretores naquele outono sangrento.
Gosto muito de alguns filmes do Giuliano Montaldo dos anos 70, em especial Sacco e Vanzetti e Giordano Bruno. Nos dois filmes as contradições entre "sociedade e indivíduo não alienado" explodem de uma forma dramática até a aniquilação total do indivíduo, do singular. Na época isso teve um impacto muito grande porque através da biografia de personagens históricos o Montaldo fez uma denúncia muito forte em relação a falta de espaço para as ideias que não iam de acordo com o sistema político e religioso vigentes na época atual.
Do romance de Georges Bernanos, Pialat produziu um filme duro, frio, elíptico, às vezes opaco, mas com um força extraordinária e uma admirável competência estilística, condensando a complexa temática religiosa com uma abordagem materialista que resulta tão radical quanto o jansenismo incandescente do escritor católico.
A juventude de Munch (as doenças, os amores, o contexto social entre puritanismo e boêmia), um filme de rara excelência sobre a vida de um artista. Planos temporais obsessivamente sobrepostos colocando em curto circuito diferentes momentos da vida do do pintor, esclarecendo-a. As próprias tomadas são inquietantes: quase constantemente em primeiríssimo plano, investigando rostos e fragmentos de quadros. Olhares contínuos para a câmera por parte dos atores (não profissionais) que inevitavelmente envolvem o espectador. Obra prima.
Ao invés de trilhar o caminho da solidão, como Ikiru, ou do exame de consciência e nostalgia, como Morangos Silvestres, Kinoshita propõe uma análise sobre a "inutilidade" da velhice e a sua fatalística aceitação por parte de quem decide afrontar a morte com um tranquilo e altruístico estoicismo. Uma obra que cria, através de elementos do teatro Kabuki, uma atmosfera folclórica fascinante. O lugar e a época não são especificados, talvez mostrando que os problemas que origina a estória (a miséria, a escassez), sejam os mesmos de tantas outras épocas e lugares, até mesmo contemporâneos.
Um filme que desliza suavemente entre realidade e ficção, dentro e fora do palco, sempre próximo aos personagens com movimentos de câmera tão mínimos e funcionais que tendem a anular sua presença. Teatro enlatado? Talvez… mas que classe, que leveza, que sofisticação.
A Carruagem de Ouro
3.8 17Reflexão bem interessante sobre a relação entre realidade e ficção em seu esplendor figurativo, rendendo ainda uma homenagem à "Commedia dell'Arte". Um dos grandes filmes do Renoir, mas acredito que teria ficado melhor se dirigido pelo Luchino Visconti.
Os Deuses Malditos
4.2 33Visconti retoma aqui, com grande inspiração em Shakespeare Macbeth, Os demônios Dostoiévski, Götterdämmerung de Wagner e Thomas Mann, sua vocação em registrar a queda, profanando o romantismo e substituindo-o pela desilusão.
Em Nome de Cristo
3.7 3Parábola irônica e ácida sobre a vida de um falso profeta na onda da proliferação de seitas cristãs em uma África profundamente dividida entre religião, tradição e modernidade.
Mogambo
3.6 27 Assista AgoraFilme com menos elementos fordianos que já assisti. Uma espécie de Hatari do Ford, mas ironicamente, com Gable no lugar do Wayne.
O Evangelho Segundo São Mateus
4.0 89Pasolini era ateu, acreditava que o cristianismo tinha em si uma dimensão escatológica, preparando as pessoas para viverem no futuro em um mundo ideal que contrastava radicalmente a idéia de um presente ligado ao imediato. Na verdade o grande escândalo desse filme não foi por pelo conteúdo, como costuma ser nos filmes dele, mas por ter sido feito por ele: pecador convicto, ateu, homossexual, laicista, marxista, só pra citar os mais evidentes. Na verdade Pasolini valorizava a figura de Jesus como humano, as ideias que pregava, mas nem mesmo o considerava filho de deus etc. O filme fala sobre exaltação da palavra, e nada mais humano que a palavra e o poder que ela tem.
Lacombe Lucien
3.8 36Polêmicas à parte, Lacombe Lucien é certamente uma das obras mais bem-sucedidas de Louis Malle, seja pela reconstituição da época, o retrato perturbador de seu herói negativo, o contraponto elegíaco da paisagem e o peso dramatúrgico da dialética entre necessidade e oportunidade.
O Somma Luce
3.9 2Após 7 minutos escuridão e a música infernal de Edgard Varèse, apenas as palavras do Canto XXXIII (Paraíso), da Divina Comédia, ali só permanecem: áspero, resistente e livre, o monólogo, na voz de Giorgio Passerone, ilumina a cena.
E La Nave Va
4.0 70 Assista AgoraTudo é explicitamente falso nesse filme sobre o mar, tudo é maravilhosamente verdadeiro nessa ficção em que o humor se desvanece na melancolia.
Eu Servi o Rei da Inglaterra
3.9 8Sempre em equilíbrio entre a reconstituição histórica e a descrição surreal da burguesia, com muito de Chaplin no personagem Jan, mas também uma audácia visual que não cai em momento algum na vulgaridade.
Genealogias de um Crime
3.7 8Raoul Ruiz queria provar a teoria de que o caráter de um indivíduo já está irremediavelmente formado na primeira infância. Para isto, constrói um labiríntico e vertiginoso jogo de espelhos que tende a provar duas hipóteses complementares:
Existe um número x, portanto finito, de histórias possíveis (re)percorríveis no sentido inverso, na trilha das matrizes que as geraram.
Os homens acreditam viver as histórias, mas na verdade as histórias dominam os homens.
Crepúsculo em Tóquio
4.3 12Ambientado no inverno e quase sempre durante a noite, é um dos filmes mais amargos que já assisti do Ozu. Crueldade, indiferença, incerteza e ausência de valores de uma geração perdida entre a irresponsabilidade do passado e a obscuridade do presente.
Escravas do Amor
3.6 1Apesar do maneirismo, um fiel e sugestivo seguidor do realismo poético.
Germinal
3.9 122A leitura de cunho populista de Claude Berri é bruta, até mesmo ingênua em seu maniqueísmo. As desagradáveis atrocidades zolanianas são expostas sem nenhum refinamento. Uma ilustração de Émile Zola, não uma releitura crítica e pessoal.
Woyzeck
3.9 31Um Herzog seco, a serviço do texto de Georg Büchnerpara para despir a tragicidade de um insondável desespero existencial, com uma linguagem decantada, simples e intensa. A interpretação de Klaus Kinski e a cidadezinha tchecoslocava fazem o resto.
A Mão do Diabo
3.7 6Um dos muitos filmes produzidos na França de Vichy com o intuito de distrair os franceses dos próprios problemas. Mas esse é realmente muito bom: equilibrado, cheio de reviravoltas, personagens bizarros etc Vale realmente pela sofisticação da direção, cenografia, montagem e fotografia.
Os Anos de Chumbo
4.1 15O mais interessante é que o tema central não é o terrorismo na Alemanha Ocidental em si, mas a presença do passado que os alemães removeram pra tentar apagar o próprio sentimento de culpa. Margarethe Von Trotta conseguiu fazer um filme em que ética e estética, paixão e dialética, comoção e lucidez convivem sem que um neutralize o outro.
O Apicultor
4.1 16O filme mais intimista e poético do Angelopoulos que já assisti.
Um Olhar a Cada Dia
4.4 25Na melancólica liturgia de sua reflexão histórica, páginas em branco não faltam, mas as páginas bem-sucedidas são de alto nível e muito mais numerosas. Esse diretor isolado, peculiar e único é u m convite à razão. Não à "razão de estado" maquiavélica, mas à razão da qual temos necessidade para que o relativo sono não gere outros monstros goyescos.
Não há retorno a Ítaca para seu Ulisses: o épico termina em tragédia. O olhar inocente dos pioneiros do cinema está perdido para sempre.
Alemanha no Outono
3.8 5Encontrar uma explicação para o terrorismo não é uma tarefe simples nem um trabalho pra uma só pessoa. Levando em conta os devidos contrastes, o trabalho em conjunto se mostra bastante harmônico, com destaque especial para o de Fassbinder, interpretando a si mesmo em busca de respostas em relação a situação do terrorismo que o oprime (aterrorizado pelo poder exercido pela policia que justifica através do terrorismo muitas de suas ações excessivas contra aos cidadãos) e para o episódio de Volker Schlöndorff, que coloca em cena uma produção televisiva em nítido contraste com a escolha de um diretor ao colocar no ar a tragédia Antígona de Sófocles.
O filme termina com imagens da sepultura dos terroristas, metáfora para o eventual encerramento de um capítulo que aterrorizou cada um dos diretores naquele outono sangrento.
Sacco e Vanzetti
4.3 29Gosto muito de alguns filmes do Giuliano Montaldo dos anos 70, em especial Sacco e Vanzetti e Giordano Bruno. Nos dois filmes as contradições entre "sociedade e indivíduo não alienado" explodem de uma forma dramática até a aniquilação total do indivíduo, do singular. Na época isso teve um impacto muito grande porque através da biografia de personagens históricos o Montaldo fez uma denúncia muito forte em relação a falta de espaço para as ideias que não iam de acordo com o sistema político e religioso vigentes na época atual.
Sob o Sol de Satã
3.7 22Do romance de Georges Bernanos, Pialat produziu um filme duro, frio, elíptico, às vezes opaco, mas com um força extraordinária e uma admirável competência estilística, condensando a complexa temática religiosa com uma abordagem materialista que resulta tão radical quanto o jansenismo incandescente do escritor católico.
Edvard Munch
4.4 13A juventude de Munch (as doenças, os amores, o contexto social entre puritanismo e boêmia), um filme de rara excelência sobre a vida de um artista. Planos temporais obsessivamente sobrepostos colocando em curto circuito diferentes momentos da vida do do pintor, esclarecendo-a. As próprias tomadas são inquietantes: quase constantemente em primeiríssimo plano, investigando rostos e fragmentos de quadros. Olhares contínuos para a câmera por parte dos atores (não profissionais) que inevitavelmente envolvem o espectador. Obra prima.
A Balada de Narayama
4.3 31Ao invés de trilhar o caminho da solidão, como Ikiru, ou do exame de consciência e nostalgia, como Morangos Silvestres, Kinoshita propõe uma análise sobre a "inutilidade" da velhice e a sua fatalística aceitação por parte de quem decide afrontar a morte com um tranquilo e altruístico estoicismo. Uma obra que cria, através de elementos do teatro Kabuki, uma atmosfera folclórica fascinante. O lugar e a época não são especificados, talvez mostrando que os problemas que origina a estória (a miséria, a escassez), sejam os mesmos de tantas outras épocas e lugares, até mesmo contemporâneos.
Tio Vanya em Nova York
3.6 11Um filme que desliza suavemente entre realidade e ficção, dentro e fora do palco, sempre próximo aos personagens com movimentos de câmera tão mínimos e funcionais que tendem a anular sua presença. Teatro enlatado? Talvez… mas que classe, que leveza, que sofisticação.