Bom filme. Nos faz pensar que por aqui no Brasil não fomos capazes nem de botar esses vagabundos torturadores da ditadura em uma cadeira de réu como fizeram na Argentina. Pelo contrário, os vagabundos militares por aqui fizeram a transição "lenda, gradual e segura", com anistia geral e se não bastasse isso são homenageados até hoje por outros vagabundos como o que ocupou a presidência nos últimos 4 anos.
Excelente adaptação da genial obra de Umberto Eco. Filme feito sob um cuidado meticuloso ao utilizar orientação acadêmica (Le goff para história) para reconstruir uma medievalidade mais próxima possível do tido como ideal. A trama consegue representar as tensões da multifacetada igreja medieval e suas diferentes ordens (mendicantes, monásticas, cléricas) em meio a uma narrativa ''policial'' medieval protagonizada pelo excelente personagem William de Baskerville e seu aprendiz Adso. Demorei muito a assistir por achar que não corresponderia ao nível do livro, mas, felizmente, me enganei.
Outubro está incluso na onda de movimento revolucionário cultural russo que acompanhou os acontecimentos políticos. Engraçado observar como neste filme, que foi lançado 10 anos após a revolução, Trotsky é retratado não diretamente como um traidor da revolução, já sob a batuta de Stalin, no comando da URSS.
Dentre os filmes bíblicos que buscam tratar da história de Jesus Cristo esse é um dos que apresenta mais pontos interessantes para mim.
Em primeiro lugar pela ideia de gravá-lo em aramaico, idioma do tempo da Judeia, com partes em latim, do império romano. Embora seja improvável que historicamente jesus tenha tido um diálogo em latim com Pôncio Pilatos essa busca de dar realidade a história através dessa retomada do idioma é interessante.
Outro ponto que me chama a atenção é a fotografia que o Mel gibson diz ter se inspirado nos vitrais góticos das igrejas, e de fato resultou em belas imagens.
Mel Gibson ainda retomou a pitada de anti-semitismo nesse filme, colocando os judeus como claros responsáveis pela morte de Jesus, coisa que em outros filmes desse tema é amortecida, culpando apenas uma pequena elite, fariseus, aqui o antisemitismo é claro, característico do Mel Gibson, que é um sujeito de caráter deverás duvidoso.
E por último, a violência descarada nesse trajeto da via sacra, que aliás, é a única parte da trajetória de jesus tratada no filme, sendo esse um elemento que chama bastante atenção. Fui assistir despretensiosamente, sem vontade, por não ter interesse por essa temática religiosa cristã e acabei sendo surpreendido por esses elementos, me levando a ver outros filmes que tratam sobre a vida de cristo para comparar as maneiras de reproduzir os evangelhos no cinema.
Excelente a crítica que o filme traz assim como a ideia central do seu roteiro. Tem tudo a ver com a realidade vivida nas cidades da américa latina. Em tempos que vivemos, particularmente, aqui no Brasil, percebemos inúmeras semelhanças com a história que esse filme se propõe a trazer. Desde a perpétua desigualdade suntuosa ao punitivismo dos sádicos justiceiros sociais.
A trama também me lembrou bastante a grande obra que sou fã, Som ao Redor, principalmente no que se trata do isolacionismo da classe média e das elites, em sua tentativa de ignorar os problemas sociais, dentre eles a violência, achando que ao se isolarem em sua bolha estarão se livrando de tais ameaças, embora estejam para sempre fadados a lidar com o som ao redor que muros não podem parar.
No entanto, apesar da ótima intenção que o filme tem, ele é mal executado. A ambientação é ruim e principalmente os atores são fracos, o que infelizmente não permite dar uma nota muito alta para o filme.
Na grande obra do novo cinema pernambucano O som ao redor de 2013, dirigido por Kleber Mendonça, temos uma crítica contínua do começo ao fim do filme às questões sociais do Brasil. Ambientado na grande Recife, o filme conta a história de um grupo de seguranças que aparece em um bairro de classe média alta da cidade para oferecer seu serviço de vigília. Os moradores que alegavam uma crescente insegurança com o aumento da criminalidade os contratam e a partir daí uma série de acontecimentos se desenrolam.
A trama conta com diversos núcleos, sendo o principal focando em João, um jovem corretor de imóveis e uma moça chamada Sofia, com a qual ele vive um romance. João é neto de Francisco, o proprietário de praticamente todos os imóveis da região. Somente por este cenário inicial apresentado, já é possível percebermos uma forte crítica a esta especulação imobiliária presente no colonialismo do grande proprietário de imóveis da região, assim como à classe média emergente que habita o bairro, em vários momentos da trama, o individualismo e o consumo desta classe média brasileira ficam evidentes, como na fútil discussão acerca do "mau serviço" do porteiro do prédio entre os moradores do condomínio de João, por dormir no trabalho, ou por entregar a revista veja fora do saco plástico.
Ao mesmo tempo em que faz essas críticas contemporâneas à sociedade brasileira, Kleber Mendonça dialoga com um passado colonial, coronelista e escravista. No começo da película são passadas cenas onde se apresentam grandes fazendas com plantações de cana de açúcar, famílias humildes em fileira e um senhor do engenho. Portanto, a crítica atual repete antigos vícios do passado. O som ao redor, literalmente falando, presente durante a trama, é o som que os moradores da classe mais favorecida não conseguem impedir que entrem em suas casas por meio de muros, grades ou seguranças.
No fim, aqueles vigilantes que foram contratados para realizar a segurança do bairro. Clodoaldo e seus parceiros, estavam ali justamente para vingar o passado, quando o seu pai foi assassinado por causa de brigas territoriais com o latifundiário Francisco, apesar de esta cena ser pouco explicada, remetemos à cena inicial das fazendas e dos coronéis e logo associamos Francisco a esse posto. Por fim, o longa se encerra com João e Sofia tomando um banho de cachoeira que se torna um banho de sangue.
Em Som ao Redor a repetição e os fantasmas do passado são justamente essas classes historicamente negligenciadas que se perpetuam no imaginário das classes privilegiadas como uma perturbação.
Atuação extraordinária da Isabelle Hupert e um absurdo completo o filme ter sido rejeitado ao oscar por ser ''amoral''. Voltamos aos anos 50?
Enfim, sobre a história, discordo completamente da visão que alguns comentários expõem sobre a romantização e o fetichismo do estupro supostamente retratados no filme.
Na minha leitura o filme aborda a relação entre estupro e poder. A dominação sobre o mais fraco que supera o prazer. Em nenhum momento Michèle gostou ou romantizou os estupros dos quais foi vítima. Pelo contrário, se sentiu vitimizada e inferiorizada por Patrick, pessoa que ela sentia atração sexual antes de saber que era o seu estuprador, só desejá-la através da violência e não de forma consensual.
A personalidade fria e seu aparente descaso referentes às violências que sofreu fazem parte dela. Os traumas aos quais foi exposta em sua infância pelo seu pai psicopata a tornaram uma pessoa extremamente pragmática, distante e calculista. Não vejo como se ela não tivesse se importado, mas para ela seria pior denunciar essa situação e voltar a ser o centro das atenções da mídia e da polícia após todo o trabalho que teve para reconstruir sua vida. Ainda mais por se tratar do momento em que seu pai havia acabado de morrer.
Ainda de acordo com a minha interpretação, Michèle, portanto, planeja que seu filho bobalhão os encontre naquela cena de violência sexual sabendo que ele reagiria e provavelmente colocaria um fim àquilo.
Acho que julgar as atitudes insensíveis de Michèle nessa história é desconsiderar os traumas psicológicos aos quais ela foi exposta durante sua infância que a afetaram por toda a sua vida, e desconsiderar, também, que o Patrick se aproveitou disso.
Garoto Selvagem se trata da história real de um menino encontrado por um grupo de caçadores em uma floresta francesa. Tendo provavelmente sido abandonado pelos pais por julgarem que tivesse algum tipo de deficiência, o rapaz sobrevive e cresce em meio a natureza selvagem, tendo que sobreviver com seus instintos e longe de qualquer contato com a sociedade.
Temos aqui a representação bestial do ser humano, uma criança que não fala, não anda e não possui qualquer costume tido como civilizado. Ao ser encontrado, é levado para a cidade com uma grande expectativa por parte da imprensa Parisiense, por pensarem que se trataria de uma criança monstruosa. Tal expectativa, no entanto, é frustrada pelo seu aspecto de ser humano comum. A repentina falta de interesse fez então com que a criança selvagem fosse deixada de lado e enviada para um instituto de surdo mudos, devido a sua indiferença quanto às interações dos homens civilizados, que assim o julgaram.
O médico humanista, Jean-Pierre Itard, interpretado genialmente pelo próprio Truffaut, vai contra essa falta de interesse com o menino e decide ele mesmo educá-lo e tentar torná-lo civilizado. O que é do ponto de vista das outras pessoas considerado um tempo perdido. Por meio de uma série de métodos, um tanto quanto rigorosos, o médico vai aos poucos conseguindo fazer com que o então o nomeado Victor apresente avanços rumo à sua civilização. Chegando ao ponto em que ele já é capaz até mesmo de pronunciar determinadas palavras e expressar os seus desejos, o que parecia totalmente impossível no começo.
Na última parte do filme é possível perceber ainda, que apesar de agora já parcialmente civilizado, Victor sempre terá em si algo que não pôde ser transformado, a sua natureza e a sua intimidade com a liberdade, longe dos rituais e padrões impostos por uma sociedade que se julga superior ao que é primitivo.
É interessante também destacar que apesar de ser um filme curto e direto em sua mensagem, é um material que rende muito debate e que é referência em diversas áreas das ciências como a antropologia (acho que o filme é um clichezão das aulas dessa matéria), sociologia, psicologia, etc. Essas discussões profundas que se pode fazer acerca da obra mostram o quão grandioso foi Truffaut ao dirigir esse filme, tomando como base os relatos médicos do acontecimento que aconteceu de verdade. Não é a toa que é um dos maiores diretores da história do cinema.
Filme belo e poético assim como os outros do Kar Wai Wong que já tive o prazer de assistir. Nesse aqui, em especial, me apaixonei pela filmagem da câmera incontrolável sempre buscando um sentido desesperado em torno dos personagens. Estes personagens são os anjos caídos, pessoas solitárias que perambulam pela noite em uma cidade gigante e totalmente influenciada pelo capitalismo e a cultura ocidental como é Hong Kong. Os McDonalds, Marlboro, 7up e outras marcas que representam essa dominação estão presentes por todo o filme. Por ser uma narrativa que mexe com os sentimentos do espectador, e não um padrão certinho e linear, eu admiro mais essa obra agora, após rever, do que da primeira vez que assisti. O assassino que não tem problema em matar ninguém, mas se perde em um romance inesperado com a ''loira''. Sua cúmplice misteriosa que limpa as suas impressões digitais, entra em sua casa e recolhe o seu lixo, protagonizando cenas de masturbação, e o delinquente mudo que vive com o pai e invade estabelecimentos comerciais a noite trabalhando como se fosse o dono, e em um desses trabalhos acaba por consolar uma mulher que passa sempre a chorar em seu ombro. Estes últimos que fazem parte da capa do fime em uma bela viagem de moto, acompanhada pela habitual banda sonora adequada aos ritmos da narrativa, onde a versão de "Only You" dos Flying Pickets toca e deixa a cena marcada na memória. É difícil tentar compreender tais personagens, a realidade é que não tem o que entender, apenas aceitar que eles vivem um conjunto de episódios definidores das suas vidas, num território cosmopolita paradoxal à solidão que apresentam.
Sétimo continente é uma porrada niilista. Como a existência e o convívio de uma família pode ser pautada numa rotina robótica, repetitiva, sem sentido. Todos os dias sendo o mesmo loop eterno. Um pai, uma mãe e uma filha aparentemente normais na visão da sociedade, mas que planejavam algo sinistro. Tem tantas críticas ao nosso modelo de viver nessa obra que fica até difícil de listar: sociedade consumista, burocratização da vida, conformismo, a crueldade que o ser humano pode ter com os fracassados segundo o modelo civilizatório em que vivemos, a riqueza material obtida nos países desenvolvidos e a consequente capacidade de não preencher o vazio que esta não necessidade de ascensão econômica e social deixa. E por fim, o não final feliz, que difere do que é passado numa fantasia utópica de felicidade. Com poucas falas e um silêncio incômodo, essa obra consegue nos transmitir todos esses pensamentos e reflexões, além de uma profunda angústia.
Seja pela estética de neorealismo italiano tendo em foco uma Milão em ebulição na sua recuperação pós guerra, ou pela história de cada irmão da família sulista que migra em busca de uma ascensão social no norte industrializado, cada um com suas características e ações que se transformam em consequências. (italiano representando família é genial) Seja ainda pelo triângulo amoroso constituído por Rocco, Simeone e Nadia, três excelentes personagens, por sinal, o bom, o mau e a dúbia. Triângulo amoroso esse que acaba por se tornar o foco principal do filme. Enfim, seja pelo que quiser, não sei nem dizer por quais destes aspectos o filme merece uma nota tão alta e um coraçãozinho, talvez por tudo isso junto. Filmaço.
Se eu desconsiderasse o fundo de verdade histórico que há neste filme, ele, ainda assim, seria gigantesco. Sua fotografia, direção, a atuação do Peter O'Toole, a evolução que o seu personagem vive, tudo isso faz com que seja um dos maiores filmes que já tive o prazer de assistir. No entanto, ainda temos como bônus esse detalhe histórico que há em seu enredo, a existência verídica de TE Lawrence, e o interesse do Reino Unido pela região das ''arábias'', que permitem a ele traçar o seu objetivo. O inicial pacato e grande conhecedor da região árabe começa uma jornada que busca a união dos povos beduínos e a formação de uma identidade árabe, através de alianças entre as tribos e confrontos com os otomanos. Gradativamente, vemos Lawrence construir vínculos, amizades, atingir um ápice como herói, e finalmente decair como um louco sádico coberto de areia da cabeça aos pés. Lawrence da Arábia é uma obra única, que nos traz a grandiosidade de uma aventura no deserto, seja nas batalhas, seja nos momentos de silêncio, muita ação durante as lutas, e a história intimista de TE Lawrence e de seus ideais.
Kes é um filme muito próximo ao clássico de Truffaut, os incompreendidos, e nos faz lembrar do filme durante todo minuto em que assistimos. Tornando quase impossível não se fazer comparações e denominá-lo como o incompreendidos britânico.
O tema da infância, tão presente no cinema é mais uma vez abordado nesta película. O diretor inglês Ken Loach apresenta com maestria uma história comovente e impactante, na qual Billy é o protagonista, e vive numa cidade mineira da Inglaterra na década de 60.
O rapazinho vive com uma mãe ausente que cuida dos seus próprios interesses, deixando o filho de lado, e com um irmão mais velho que trabalha nas minas da cidade e não perde a oportunidade de maltratá-lo. Se o cenário familiar é triste, na escola consegue ser tão ruim quanto, ou pior. Professores autoritários praticantes da palmatória, em uma instituição autoritária e cheia de regras, no melhor estilo The Wall do pink floyd, fazem com que ele se torne ainda mais desajustado.
No entanto, em seu tempo livre, na busca de uma atividade em que possa encontrar alguma felicidade, Billy se depara com o que viria a ser sua grande paixão, um filhote de gavião, o qual passa a treinar com muito afeto e dedicação, se tornando um perito no adestramento de sua pequena ave. Fato que parece devolver, de certa forma, o sentido de sua vida.
Se engana, no entanto, quem acredita que a mensagem do filme termina na relação de Billy com o seu animalzinho de estimação. Como ele mesmo explica a um dos seus professores, que seu interesse em cuidar da ave não tem nada a ver como um desejo de poder, de domesticar o animal, mas sim de observar seu crescimento, a intensificação da sua potência de existir. Ele explica que Kes não é e nunca será um bicho de estimação, ela pode voar em liberdade, e permanecer apenas enquanto desejar.
Essa relação demonstra uma crítica ao sistema de educação. Enquanto a instituição de ensino se prende ao lado autoritário da disciplina, Billy realiza o seu projeto plenamente, apenas por sua vontade própria.
A triste morte do seu falcão, realizada pelo seu irmão, pelo fato do rapaz ter usado o dinheiro do mesmo para comprar comida, ao invés de fazer a aposta que foi mandado, representa assim a morte da inocência do protagonista. O ponto que mostra que o sistema educacional atual é soberano. A condução dos estudos ao sistema em que somos obrigados a viver. Capaz de reduzir a nada a motivação e o sentido da existência.
Ikiru é uma das mais belas reflexões sobre o propósito da vida e do engajamento social da história do cinema.
Senhor Watanabe é um burocrata que passou toda a sua vida enclausurado em um escritório. Seu papel consiste em nada mais que carimbar papéis e juntá-los a uma pilha de outros papéis carimbados de casos que nunca irão se resolver. Uma existência mecanizada de uma grande indústria que é o Japão ocidentalizado pós-guerra.
Após descobrir que estava condenado a apenas poucos meses de vida por conta de um câncer no estômago, Watanabe toma consciência dessa condição em que vive, e do vazio que é a sua vida. Viúvo, com um filho que se distanciou e o trata com indiferença, e com uma trabalho inútil. Começa então uma desesperada procura por sentido em sua existência, em fazer algo realmente significativo.
Tal oportunidade é encontrada quando se depara com a possibilidade de resolver um caso específico do seu departamento público, que é a construção de um parque em meio a um terreno baldio, em uma área abandonada de um bairro pobre. A partir daí, o protagonista não mede esforços para que essa tarefa seja executada, e não apenas adiada como todas as outras.
A segunda parte do filme do filme se desenrola após a morte de Watanabe. Com uma reflexão por parte das pessoas próximas a ele, em busca do entendimento das razões que o fizeram agir de tal maneira. Sem saberem que ele já sabia da sua condição de saúde, sendo este o motivo que o fez mudar radicalmente de atitude. Uma cena especial é a que as famílias do bairro que ganhou o parque comparecem ao velório para agradecer a generosidade dele. O que gera desconforto por parte de seus companheiros de ofício. Que prometem até mesmo mudarem de atitude a partir de então, e agirem como Watanabe agiu em seus últimos dias. O que podemos constatar que nunca aconteceu, graças a cena final, em que toda a burocracia esta de volta ao seu lugar de sempre.
A cena mais emblemática do filme, sem dúvidas, é a capa do filme. O protagonista no balanço do parque que ajudou a ser feito. Em seus últimos momentos de vida, apreciando a obra que não seria possível sem o seu empenho.
É interessante destacar também a atuação de Takashi Shimura. Ator que na maioria das suas atuações ficou na sombra do também genial Toshiro Mifune. Como, por exemplo, em Sete Samurais, ou Rashomon. Neste filme, ele rouba os holofotes e nos mostra que não é menos gênio. Sua atuação consegue comover, e demonstrar o sentimento profundo de angústia que vive na trama.
Não sou fã de filme de romance, nunca fui, e provavelmente nunca serei. Mas o que é isso aqui? Isso é uma obra de arte, meus amigos. Que diálogos, que ambiente vivido, que cenários, puta que me pariu. Dois estranhos, estrangeiros, uma francesa e um americano, que se conhecem num trem pela Europa e fazem um acordo de uma ''saída'' por apenas um dia proposta pelo Jesse, com uma argumentação ´´genial´´ aceita por Celine. A partir daí os dois vivem um dia intenso. E leia-se um dia intenso sem necessariamente nenhuma ação explosiva. Intenso nos diálogos, intenso naquele amor leve e novo vivido pelos personagens sob o céu de Viena, a cidade na qual eles resolvem desembarcar e viver essa aventura, mesmo sem ter o mínimo conhecimento da língua alemã. Tudo nesse filme é bonito e grandioso, as mais simples conversas, os mais simples gestos, o primeiro beijo após longo conhecimento que um adquire sobre o outro, o temor do fim daquele momento mágico e da provável despedida de acordo com o combinado. Um dia que pode ser deixado para trás, mas nunca esquecido. Enfim, tudo nesse filme é lindo. Para mim, o melhor da trilogia também, apesar dos outros dois serem ótimos.
O enredo do filme gira em torno da questão existencial vivida pelo protagonista e a sua dúvida de como diferenciar a vida real daquela que existe somente em nossos sonhos. O mesmo vive um looping eterno de acordar de um sonho e estar dentro de outro. Como separar o que é real do que é sonho? Não é uma tarefa fácil de acordo com as questões levantas neste filme. Diversas questões maravilhosas são apontadas por diversos personagens peculiares e únicos que discutem com o protagonista assuntos totalmente aleatórios e abstratos. Da política, religião até as grandes conspirações globais. Presenciei nesse filme uma filosofia de boteco indescritível, frases e situações que sempre tive em minha mente, porém nunca soube como colocar em palavras. Ver esse filme foi um orgasmo mental, fiquei em êxtase absoluta. A técnica de filmagem engana muito, a princípio pensei que se tratava de uma animação, o que a primeira vista não me agradou, mas na verdade é muito mais do que isso: O filme é inteiramente filmado em rotoscópio, com cenas filmadas sobrepostas a uma película que imitam uma textura de animações flash. Um trabalho gigantesco que deve ser reconhecido, fazendo cada gravação de cena durar horas. É legal destacar também as referências que o filme faz, há uma cena com referência ao filme ''Sonhos'' do Akira Kurosawa, a da preleção feita pelo macaco. Há também a participação de Ethan Hawke e Julie Delpy, atores do filme anterior, e também maravilhoso, do Linklater: ''Antes do amanhecer''. Há ainda várias outras referências que merecem destaque, mas para não me prolongar muito vou citar apenas essas duas.
Afinal, somos conscientes enquanto dormimos, ou sonâmbulos enquanto acordados?
Dogville é uma minúscula cidade, com cerca de 15 habitantes, situada em algum lugar na região montanhosa dos EUA. A história se passa durante o período da grande recessão americana e gira em torno da jovem Grace que, por algum motivo, busca abrigo e proteção contra um grupo de gangsters perigosos que a perseguem. Atraído pela moça, Tom, um dos habitantes da cidade, propõe que a cidade ofereça abrigo a Grace em troca de que a mesma realize serviços aos habitantes.
Porém, os até então amáveis moradores, ao perceberem a situação delicada em que Grace se encontra, sendo perseguida não só pelos gansters, como pela polícia, começam a revelar um lado sombrio. Explorando a jovem mulher e a impedindo que deixe o lugar. A cenografia utilizada neste filme é brilhante, o diretor utilizou objetos em cenas, mas nenhum cenário. Não há portas, casas, ruas, árvores. Apenas são utilizadas linhas demarcadas no chão para representar esses simplórios elementos presentes na pequena cidade. Esse cenário ''invisível'' permite ao espectador ver o que os personagens fazem em suas casas longe do foco principal da ação. Dessa maneira, foi possível intensificar e aprofundar a consequência de cada ação ocorrida através da trama. Como, por exemplo, a consequência do(s) estupro(s) sofridos por Grace. Sem cenários podemos olhar diretamente para a natureza crua do ser humano, a sua desumanidade, livre de distrações superficiais. O filme é dividido em capítulos: nove, ao todo. Sendo o primeiro onde Grace é aceita na cidade, e o último, o esperado encontro com os perigosos gangsters que a perseguem. E é nesse momento em que o mais inesperado acontece. O líder dos mafiosos é o pai de Grace e representa nada mais, nada menos do que um Deus impiedoso. Nesse momento, ela e o pai argumentam sobre o que é ser soberbo: Ela quer o perdão para os habitantes da cidade, como se dissesse "eles não sabem o que fazem". Deus a acusa de soberbia por fazer a querer perdoar quem lhe é inferior e lhe causou tanto sofrimento. Grace diz que o pai é soberbo devido à sua vontade de vingança e pede poder, que lhe é concedido, para salvar Dogville. Entretanto, ao sair do carro, e ouvir Tom "o intelectual" dizer que escreveria sobre o que se passou, que aquilo seria passível de análise, ela se desilude com a humanidade e condena Dogville com o aniquilamento. Tom representa a sociedade intelectualizada, que sempre repete as mesmas coisas com seu discurso vago, mas nada faz. Nada fez quando Grace realmente precisou de ajuda. Mente para enganar a si mesmo sobre as suas teorias, mas não tem coragem de cair de cabeça nos problema sociais. O único sobrevivente da cidade acaba por ser o cão, o qual havia demonstrado antipatia por Grace pela mesma ter roubado seu osso. O filme martela nas lições de moral que somos todos responsáveis pelos nossos próprios atos, e se temos problemas é porque não fazemos o suficiente para resolvê-los, que somos ignorantes e temos desinteresse pelo coletivo. Dogville tem a intenção de representar a novela exemplar do comportamento humano. Por trás dos gestos de bondade e compreensão, há sempre segundos interesses individuais. Por fim, os créditos do filme passam com fotos dos EUA no período da recessão e com a música young americans do David Bowie, nada poderia ser maior do que esse desfecho colossal.
Uma grande obra que envolve mitologia japonesa, o meio ambiente, a natureza humana e nossa relação com o planeta. Desde o primeiro instante fiquei totalmente interessado pela maldição que afeta Ashitaka e a maneira como ele conseguiria, ou não, se curar. O seu caminho em busca dessa cura é um caminho de honra e compreensão de nunca se voltar contra a natureza e nem contra a sua própria espécie humana. Resultando em uma posição neutra de não tomar necessariamente uma posição no conflito que há entre os homens e os deuses animais protetores da floresta. A riqueza dos detalhes de animação é admirável, assim como em todos os outros filmes do studio ghibli que vi até o momento. Todos esses aspectos reunidos: sua simbologia, belas imagens e a grandiosa história fazem princesa mononoke ser uma obra-prima da animação.
Filme me ganhou logo no início pela cenografia quase que apocalíptica de 2027 totalmente realista e bem elaborada, incrível a sensibilidade de cada detalhe imaginado dentre as modernidades futurísticas. A história não fica nem um pouco atrás, os problemas enfrentados como a infertilidade da humanidade, o caos com os imigrantes, a fome e as doenças, parecem não afetar o personagem principal, o cara passa uma imagem total de indiferença e ceticismo, um desacreditado na humanidade. Tudo isso muda ao se deparar com o bebê da jovem negra. Ali a sua vida ganha um novo sentido, ele se vê na obrigação de protegê-la e garantir a tão sonhada esperança.
ver o Clint atuando me provoca um sentimento misto de inveja com admiração, que cara fodão, amigos. Chega um momento que você nem acredita mais que seja apenas um personagem, é o verdadeiro cowboy. A atmosfera "suja" desse filme tem todo um toque especial, os bandidos da gangue do índio com seus rostos suados e barbudos são um charme a parte. A trilha sonora se encaixa perfeitamente com o ambiente, enfim, um filme que resume toda a essência do western, não possui nada de mais em termos de conteúdo, e sim em interpretação e riquezas simbólicas. "Onde a vida não tem valor, a morte as vezes tem o seu preço. Eis que surgem os caçadores de recompensa."
Argentina, 1985
4.3 334Bom filme. Nos faz pensar que por aqui no Brasil não fomos capazes nem de botar esses vagabundos torturadores da ditadura em uma cadeira de réu como fizeram na Argentina. Pelo contrário, os vagabundos militares por aqui fizeram a transição "lenda, gradual e segura", com anistia geral e se não bastasse isso são homenageados até hoje por outros vagabundos como o que ocupou a presidência nos últimos 4 anos.
O Nome da Rosa
3.9 775 Assista AgoraExcelente adaptação da genial obra de Umberto Eco.
Filme feito sob um cuidado meticuloso ao utilizar orientação acadêmica (Le goff para história) para reconstruir uma medievalidade mais próxima possível do tido como ideal.
A trama consegue representar as tensões da multifacetada igreja medieval e suas diferentes ordens (mendicantes, monásticas, cléricas) em meio a uma narrativa ''policial'' medieval protagonizada pelo excelente personagem William de Baskerville e seu aprendiz Adso.
Demorei muito a assistir por achar que não corresponderia ao nível do livro, mas, felizmente, me enganei.
Outubro
4.0 51 Assista AgoraOutubro está incluso na onda de movimento revolucionário cultural russo que acompanhou os acontecimentos políticos. Engraçado observar como neste filme, que foi lançado 10 anos após a revolução, Trotsky é retratado não diretamente como um traidor da revolução, já sob a batuta de Stalin, no comando da URSS.
A Paixão de Cristo
3.7 1,2K Assista AgoraDentre os filmes bíblicos que buscam tratar da história de Jesus Cristo esse é um dos que apresenta mais pontos interessantes para mim.
Em primeiro lugar pela ideia de gravá-lo em aramaico, idioma do tempo da Judeia, com partes em latim, do império romano. Embora seja improvável que historicamente jesus tenha tido um diálogo em latim com Pôncio Pilatos essa busca de dar realidade a história através dessa retomada do idioma é interessante.
Outro ponto que me chama a atenção é a fotografia que o Mel gibson diz ter se inspirado nos vitrais góticos das igrejas, e de fato resultou em belas imagens.
Mel Gibson ainda retomou a pitada de anti-semitismo nesse filme, colocando os judeus como claros responsáveis pela morte de Jesus, coisa que em outros filmes desse tema é amortecida, culpando apenas uma pequena elite, fariseus, aqui o antisemitismo é claro, característico do Mel Gibson, que é um sujeito de caráter deverás duvidoso.
E por último, a violência descarada nesse trajeto da via sacra, que aliás, é a única parte da trajetória de jesus tratada no filme, sendo esse um elemento que chama bastante atenção. Fui assistir despretensiosamente, sem vontade, por não ter interesse por essa temática religiosa cristã e acabei sendo surpreendido por esses elementos, me levando a ver outros filmes que tratam sobre a vida de cristo para comparar as maneiras de reproduzir os evangelhos no cinema.
Zona do Crime
3.8 29Excelente a crítica que o filme traz assim como a ideia central do seu roteiro. Tem tudo a ver com a realidade vivida nas cidades da américa latina. Em tempos que vivemos, particularmente, aqui no Brasil, percebemos inúmeras semelhanças com a história que esse filme se propõe a trazer. Desde a perpétua desigualdade suntuosa ao punitivismo dos sádicos justiceiros sociais.
A trama também me lembrou bastante a grande obra que sou fã, Som ao Redor, principalmente no que se trata do isolacionismo da classe média e das elites, em sua tentativa de ignorar os problemas sociais, dentre eles a violência, achando que ao se isolarem em sua bolha estarão se livrando de tais ameaças, embora estejam para sempre fadados a lidar com o som ao redor que muros não podem parar.
No entanto, apesar da ótima intenção que o filme tem, ele é mal executado. A ambientação é ruim e principalmente os atores são fracos, o que infelizmente não permite dar uma nota muito alta para o filme.
O Som ao Redor
3.8 1,1K Assista AgoraNa grande obra do novo cinema pernambucano O som ao redor de 2013, dirigido por Kleber Mendonça, temos uma crítica contínua do começo ao fim do filme às questões sociais do Brasil. Ambientado na grande Recife, o filme conta a história de um grupo de seguranças que aparece em um bairro de classe média alta da cidade para oferecer seu serviço de vigília. Os moradores que alegavam uma crescente insegurança com o aumento da criminalidade os contratam e a partir daí uma série de acontecimentos se desenrolam.
A trama conta com diversos núcleos, sendo o principal focando em João, um jovem corretor de imóveis e uma moça chamada Sofia, com a qual ele vive um romance. João é neto de Francisco, o proprietário de praticamente todos os imóveis da região. Somente por este cenário inicial apresentado, já é possível percebermos uma forte crítica a esta especulação imobiliária presente no colonialismo do grande proprietário de imóveis da região, assim como à classe média emergente que habita o bairro, em vários momentos da trama, o individualismo e o consumo desta classe média brasileira ficam evidentes, como na fútil discussão acerca do "mau serviço" do porteiro do prédio entre os moradores do condomínio de João, por dormir no trabalho, ou por entregar a revista veja fora do saco plástico.
Ao mesmo tempo em que faz essas críticas contemporâneas à sociedade brasileira, Kleber Mendonça dialoga com um passado colonial, coronelista e escravista. No começo da película são passadas cenas onde se apresentam grandes fazendas com plantações de cana de açúcar, famílias humildes em fileira e um senhor do engenho. Portanto, a crítica atual repete antigos vícios do passado. O som ao redor, literalmente falando, presente durante a trama, é o som que os moradores da classe mais favorecida não conseguem impedir que entrem em suas casas por meio de muros, grades ou seguranças.
No fim, aqueles vigilantes que foram contratados para realizar a segurança do bairro. Clodoaldo e seus parceiros, estavam ali justamente para vingar o passado, quando o seu pai foi assassinado por causa de brigas territoriais com o latifundiário Francisco, apesar de esta cena ser pouco explicada, remetemos à cena inicial das fazendas e dos coronéis e logo associamos Francisco a esse posto. Por fim, o longa se encerra com João e Sofia tomando um banho de cachoeira que se torna um banho de sangue.
Em Som ao Redor a repetição e os fantasmas do passado são justamente essas classes historicamente negligenciadas que se perpetuam no imaginário das classes privilegiadas como uma perturbação.
Elle
3.8 886Atuação extraordinária da Isabelle Hupert e um absurdo completo o filme ter sido rejeitado ao oscar por ser ''amoral''. Voltamos aos anos 50?
Enfim, sobre a história, discordo completamente da visão que alguns comentários expõem sobre a romantização e o fetichismo do estupro supostamente retratados no filme.
Na minha leitura o filme aborda a relação entre estupro e poder. A dominação sobre o mais fraco que supera o prazer. Em nenhum momento Michèle gostou ou romantizou os estupros dos quais foi vítima. Pelo contrário, se sentiu vitimizada e inferiorizada por Patrick, pessoa que ela sentia atração sexual antes de saber que era o seu estuprador, só desejá-la através da violência e não de forma consensual.
A personalidade fria e seu aparente descaso referentes às violências que sofreu fazem parte dela. Os traumas aos quais foi exposta em sua infância pelo seu pai psicopata a tornaram uma pessoa extremamente pragmática, distante e calculista. Não vejo como se ela não tivesse se importado, mas para ela seria pior denunciar essa situação e voltar a ser o centro das atenções da mídia e da polícia após todo o trabalho que teve para reconstruir sua vida. Ainda mais por se tratar do momento em que seu pai havia acabado de morrer.
Ainda de acordo com a minha interpretação, Michèle, portanto, planeja que seu filho bobalhão os encontre naquela cena de violência sexual sabendo que ele reagiria e provavelmente colocaria um fim àquilo.
Acho que julgar as atitudes insensíveis de Michèle nessa história é desconsiderar os traumas psicológicos aos quais ela foi exposta durante sua infância que a afetaram por toda a sua vida, e desconsiderar, também, que o Patrick se aproveitou disso.
O Garoto Selvagem
3.8 89Garoto Selvagem se trata da história real de um menino encontrado por um grupo de caçadores em uma floresta francesa. Tendo provavelmente sido abandonado pelos pais por julgarem que tivesse algum tipo de deficiência, o rapaz sobrevive e cresce em meio a natureza selvagem, tendo que sobreviver com seus instintos e longe de qualquer contato com a sociedade.
Temos aqui a representação bestial do ser humano, uma criança que não fala, não anda e não possui qualquer costume tido como civilizado. Ao ser encontrado, é levado para a cidade com uma grande expectativa por parte da imprensa Parisiense, por pensarem que se trataria de uma criança monstruosa. Tal expectativa, no entanto, é frustrada pelo seu aspecto de ser humano comum. A repentina falta de interesse fez então com que a criança selvagem fosse deixada de lado e enviada para um instituto de surdo mudos, devido a sua indiferença quanto às interações dos homens civilizados, que assim o julgaram.
O médico humanista, Jean-Pierre Itard, interpretado genialmente pelo próprio Truffaut, vai contra essa falta de interesse com o menino e decide ele mesmo educá-lo e tentar torná-lo civilizado. O que é do ponto de vista das outras pessoas considerado um tempo perdido. Por meio de uma série de métodos, um tanto quanto rigorosos, o médico vai aos poucos conseguindo fazer com que o então o nomeado Victor apresente avanços rumo à sua civilização. Chegando ao ponto em que ele já é capaz até mesmo de pronunciar determinadas palavras e expressar os seus desejos, o que parecia totalmente impossível no começo.
Na última parte do filme é possível perceber ainda, que apesar de agora já parcialmente civilizado, Victor sempre terá em si algo que não pôde ser transformado, a sua natureza e a sua intimidade com a liberdade, longe dos rituais e padrões impostos por uma sociedade que se julga superior ao que é primitivo.
É interessante também destacar que apesar de ser um filme curto e direto em sua mensagem, é um material que rende muito debate e que é referência em diversas áreas das ciências como a antropologia (acho que o filme é um clichezão das aulas dessa matéria), sociologia, psicologia, etc. Essas discussões profundas que se pode fazer acerca da obra mostram o quão grandioso foi Truffaut ao dirigir esse filme, tomando como base os relatos médicos do acontecimento que aconteceu de verdade. Não é a toa que é um dos maiores diretores da história do cinema.
Anjos Caídos
4.0 260 Assista AgoraFilme belo e poético assim como os outros do Kar Wai Wong que já tive o prazer de assistir. Nesse aqui, em especial, me apaixonei pela filmagem da câmera incontrolável sempre buscando um sentido desesperado em torno dos personagens. Estes personagens são os anjos caídos, pessoas solitárias que perambulam pela noite em uma cidade gigante e totalmente influenciada pelo capitalismo e a cultura ocidental como é Hong Kong. Os McDonalds, Marlboro, 7up e outras marcas que representam essa dominação estão presentes por todo o filme.
Por ser uma narrativa que mexe com os sentimentos do espectador, e não um padrão certinho e linear, eu admiro mais essa obra agora, após rever, do que da primeira vez que assisti.
O assassino que não tem problema em matar ninguém, mas se perde em um romance inesperado com a ''loira''. Sua cúmplice misteriosa que limpa as suas impressões digitais, entra em sua casa e recolhe o seu lixo, protagonizando cenas de masturbação, e o delinquente mudo que vive com o pai e invade estabelecimentos comerciais a noite trabalhando como se fosse o dono, e em um desses trabalhos acaba por consolar uma mulher que passa sempre a chorar em seu ombro. Estes últimos que fazem parte da capa do fime em uma bela viagem de moto, acompanhada pela habitual banda sonora adequada aos ritmos da narrativa, onde a versão de "Only You" dos Flying Pickets toca e deixa a cena marcada na memória.
É difícil tentar compreender tais personagens, a realidade é que não tem o que entender, apenas aceitar que eles vivem um conjunto de episódios definidores das suas vidas, num território cosmopolita paradoxal à solidão que apresentam.
O Sétimo Continente
4.0 174Sétimo continente é uma porrada niilista.
Como a existência e o convívio de uma família pode ser pautada numa rotina robótica, repetitiva, sem sentido. Todos os dias sendo o mesmo loop eterno. Um pai, uma mãe e uma filha aparentemente normais na visão da sociedade, mas que planejavam algo sinistro.
Tem tantas críticas ao nosso modelo de viver nessa obra que fica até difícil de listar: sociedade consumista, burocratização da vida, conformismo, a crueldade que o ser humano pode ter com os fracassados segundo o modelo civilizatório em que vivemos, a riqueza material obtida nos países desenvolvidos e a consequente capacidade de não preencher o vazio que esta não necessidade de ascensão econômica e social deixa. E por fim, o não final feliz, que difere do que é passado numa fantasia utópica de felicidade.
Com poucas falas e um silêncio incômodo, essa obra consegue nos transmitir todos esses pensamentos e reflexões, além de uma profunda angústia.
Rocco e Seus Irmãos
4.4 125Seja pela estética de neorealismo italiano tendo em foco uma Milão em ebulição na sua recuperação pós guerra, ou pela história de cada irmão da família sulista que migra em busca de uma ascensão social no norte industrializado, cada um com suas características e ações que se transformam em consequências. (italiano representando família é genial) Seja ainda pelo triângulo amoroso constituído por Rocco, Simeone e Nadia, três excelentes personagens, por sinal, o bom, o mau e a dúbia. Triângulo amoroso esse que acaba por se tornar o foco principal do filme. Enfim, seja pelo que quiser, não sei nem dizer por quais destes aspectos o filme merece uma nota tão alta e um coraçãozinho, talvez por tudo isso junto. Filmaço.
Lawrence da Arábia
4.2 416 Assista AgoraSe eu desconsiderasse o fundo de verdade histórico que há neste filme, ele, ainda assim, seria gigantesco. Sua fotografia, direção, a atuação do Peter O'Toole, a evolução que o seu personagem vive, tudo isso faz com que seja um dos maiores filmes que já tive o prazer de assistir.
No entanto, ainda temos como bônus esse detalhe histórico que há em seu enredo, a existência verídica de TE Lawrence, e o interesse do Reino Unido pela região das ''arábias'', que permitem a ele traçar o seu objetivo. O inicial pacato e grande conhecedor da região árabe começa uma jornada que busca a união dos povos beduínos e a formação de uma identidade árabe, através de alianças entre as tribos e confrontos com os otomanos. Gradativamente, vemos Lawrence construir vínculos, amizades, atingir um ápice como herói, e finalmente decair como um louco sádico coberto de areia da cabeça aos pés.
Lawrence da Arábia é uma obra única, que nos traz a grandiosidade de uma aventura no deserto, seja nas batalhas, seja nos momentos de silêncio, muita ação durante as lutas, e a história intimista de TE Lawrence e de seus ideais.
Kes
4.2 142Kes é um filme muito próximo ao clássico de Truffaut, os incompreendidos, e nos faz lembrar do filme durante todo minuto em que assistimos. Tornando quase impossível não se fazer comparações e denominá-lo como o incompreendidos britânico.
O tema da infância, tão presente no cinema é mais uma vez abordado nesta película. O diretor inglês Ken Loach apresenta com maestria uma história comovente e impactante, na qual Billy é o protagonista, e vive numa cidade mineira da Inglaterra na década de 60.
O rapazinho vive com uma mãe ausente que cuida dos seus próprios interesses, deixando o filho de lado, e com um irmão mais velho que trabalha nas minas da cidade e não perde a oportunidade de maltratá-lo. Se o cenário familiar é triste, na escola consegue ser tão ruim quanto, ou pior. Professores autoritários praticantes da palmatória, em uma instituição autoritária e cheia de regras, no melhor estilo The Wall do pink floyd, fazem com que ele se torne ainda mais desajustado.
No entanto, em seu tempo livre, na busca de uma atividade em que possa encontrar alguma felicidade, Billy se depara com o que viria a ser sua grande paixão, um filhote de gavião, o qual passa a treinar com muito afeto e dedicação, se tornando um perito no adestramento de sua pequena ave. Fato que parece devolver, de certa forma, o sentido de sua vida.
Se engana, no entanto, quem acredita que a mensagem do filme termina na relação de Billy com o seu animalzinho de estimação. Como ele mesmo explica a um dos seus professores, que seu interesse em cuidar da ave não tem nada a ver como um desejo de poder, de domesticar o animal, mas sim de observar seu crescimento, a intensificação da sua potência de existir. Ele explica que Kes não é e nunca será um bicho de estimação, ela pode voar em liberdade, e permanecer apenas enquanto desejar.
Essa relação demonstra uma crítica ao sistema de educação. Enquanto a instituição de ensino se prende ao lado autoritário da disciplina, Billy realiza o seu projeto plenamente, apenas por sua vontade própria.
A triste morte do seu falcão, realizada pelo seu irmão, pelo fato do rapaz ter usado o dinheiro do mesmo para comprar comida, ao invés de fazer a aposta que foi mandado, representa assim a morte da inocência do protagonista. O ponto que mostra que o sistema educacional atual é soberano. A condução dos estudos ao sistema em que somos obrigados a viver. Capaz de reduzir a nada a motivação e o sentido da existência.
Viver
4.4 165 Assista AgoraIkiru é uma das mais belas reflexões sobre o propósito da vida e do engajamento social da história do cinema.
Senhor Watanabe é um burocrata que passou toda a sua vida enclausurado em um escritório. Seu papel consiste em nada mais que carimbar papéis e juntá-los a uma pilha de outros papéis carimbados de casos que nunca irão se resolver. Uma existência mecanizada de uma grande indústria que é o Japão ocidentalizado pós-guerra.
Após descobrir que estava condenado a apenas poucos meses de vida por conta de um câncer no estômago, Watanabe toma consciência dessa condição em que vive, e do vazio que é a sua vida. Viúvo, com um filho que se distanciou e o trata com indiferença, e com uma trabalho inútil. Começa então uma desesperada procura por sentido em sua existência, em fazer algo realmente significativo.
Tal oportunidade é encontrada quando se depara com a possibilidade de resolver um caso específico do seu departamento público, que é a construção de um parque em meio a um terreno baldio, em uma área abandonada de um bairro pobre. A partir daí, o protagonista não mede esforços para que essa tarefa seja executada, e não apenas adiada como todas as outras.
A segunda parte do filme do filme se desenrola após a morte de Watanabe. Com uma reflexão por parte das pessoas próximas a ele, em busca do entendimento das razões que o fizeram agir de tal maneira. Sem saberem que ele já sabia da sua condição de saúde, sendo este o motivo que o fez mudar radicalmente de atitude. Uma cena especial é a que as famílias do bairro que ganhou o parque comparecem ao velório para agradecer a generosidade dele. O que gera desconforto por parte de seus companheiros de ofício. Que prometem até mesmo mudarem de atitude a partir de então, e agirem como Watanabe agiu em seus últimos dias. O que podemos constatar que nunca aconteceu, graças a cena final, em que toda a burocracia esta de volta ao seu lugar de sempre.
A cena mais emblemática do filme, sem dúvidas, é a capa do filme. O protagonista no balanço do parque que ajudou a ser feito. Em seus últimos momentos de vida, apreciando a obra que não seria possível sem o seu empenho.
É interessante destacar também a atuação de Takashi Shimura. Ator que na maioria das suas atuações ficou na sombra do também genial Toshiro Mifune. Como, por exemplo, em Sete Samurais, ou Rashomon. Neste filme, ele rouba os holofotes e nos mostra que não é menos gênio. Sua atuação consegue comover, e demonstrar o sentimento profundo de angústia que vive na trama.
Antes do Amanhecer
4.3 1,9K Assista AgoraNão sou fã de filme de romance, nunca fui, e provavelmente nunca serei. Mas o que é isso aqui? Isso é uma obra de arte, meus amigos.
Que diálogos, que ambiente vivido, que cenários, puta que me pariu.
Dois estranhos, estrangeiros, uma francesa e um americano, que se conhecem num trem pela Europa e fazem um acordo de uma ''saída'' por apenas um dia proposta pelo Jesse, com uma argumentação ´´genial´´ aceita por Celine.
A partir daí os dois vivem um dia intenso. E leia-se um dia intenso sem necessariamente nenhuma ação explosiva. Intenso nos diálogos, intenso naquele amor leve e novo vivido pelos personagens sob o céu de Viena, a cidade na qual eles resolvem desembarcar e viver essa aventura, mesmo sem ter o mínimo conhecimento da língua alemã.
Tudo nesse filme é bonito e grandioso, as mais simples conversas, os mais simples gestos, o primeiro beijo após longo conhecimento que um adquire sobre o outro, o temor do fim daquele momento mágico e da provável despedida de acordo com o combinado. Um dia que pode ser deixado para trás, mas nunca esquecido.
Enfim, tudo nesse filme é lindo. Para mim, o melhor da trilogia também, apesar dos outros dois serem ótimos.
Acordar para a Vida
4.3 789O enredo do filme gira em torno da questão existencial vivida pelo protagonista e a sua dúvida de como diferenciar a vida real daquela que existe somente em nossos sonhos. O mesmo vive um looping eterno de acordar de um sonho e estar dentro de outro.
Como separar o que é real do que é sonho? Não é uma tarefa fácil de acordo com as questões levantas neste filme. Diversas questões maravilhosas são apontadas por diversos personagens peculiares e únicos que discutem com o protagonista assuntos totalmente aleatórios e abstratos. Da política, religião até as grandes conspirações globais.
Presenciei nesse filme uma filosofia de boteco indescritível, frases e situações que sempre tive em minha mente, porém nunca soube como colocar em palavras. Ver esse filme foi um orgasmo mental, fiquei em êxtase absoluta.
A técnica de filmagem engana muito, a princípio pensei que se tratava de uma animação, o que a primeira vista não me agradou, mas na verdade é muito mais do que isso: O filme é inteiramente filmado em rotoscópio, com cenas filmadas sobrepostas a uma película que imitam uma textura de animações flash. Um trabalho gigantesco que deve ser reconhecido, fazendo cada gravação de cena durar horas.
É legal destacar também as referências que o filme faz, há uma cena com referência ao filme ''Sonhos'' do Akira Kurosawa, a da preleção feita pelo macaco. Há também a participação de Ethan Hawke e Julie Delpy, atores do filme anterior, e também maravilhoso, do Linklater: ''Antes do amanhecer''. Há ainda várias outras referências que merecem destaque, mas para não me prolongar muito vou citar apenas essas duas.
Afinal, somos conscientes enquanto dormimos, ou sonâmbulos enquanto acordados?
Dogville
4.3 2,0K Assista AgoraDogville é uma minúscula cidade, com cerca de 15 habitantes, situada em algum lugar na região montanhosa dos EUA. A história se passa durante o período da grande recessão americana e gira em torno da jovem Grace que, por algum motivo, busca abrigo e proteção contra um grupo de gangsters perigosos que a perseguem.
Atraído pela moça, Tom, um dos habitantes da cidade, propõe que a cidade ofereça abrigo a Grace em troca de que a mesma realize serviços aos habitantes.
Porém, os até então amáveis moradores, ao perceberem a situação delicada em que Grace se encontra, sendo perseguida não só pelos gansters, como pela polícia, começam a revelar um lado sombrio. Explorando a jovem mulher e a impedindo que deixe o lugar.
A cenografia utilizada neste filme é brilhante, o diretor utilizou objetos em cenas, mas nenhum cenário. Não há portas, casas, ruas, árvores. Apenas são utilizadas linhas demarcadas no chão para representar esses simplórios elementos presentes na pequena cidade. Esse cenário ''invisível'' permite ao espectador ver o que os personagens fazem em suas casas longe do foco principal da ação. Dessa maneira, foi possível intensificar e aprofundar a consequência de cada ação ocorrida através da trama. Como, por exemplo, a consequência do(s) estupro(s) sofridos por Grace. Sem cenários podemos olhar diretamente para a natureza crua do ser humano, a sua desumanidade, livre de distrações superficiais.
O filme é dividido em capítulos: nove, ao todo. Sendo o primeiro onde Grace é aceita na cidade, e o último, o esperado encontro com os perigosos gangsters que a perseguem. E é nesse momento em que o mais inesperado acontece. O líder dos mafiosos é o pai de Grace e representa nada mais, nada menos do que um Deus impiedoso. Nesse momento, ela e o pai argumentam sobre o que é ser soberbo: Ela quer o perdão para os habitantes da cidade, como se dissesse "eles não sabem o que fazem". Deus a acusa de soberbia por fazer a querer perdoar quem lhe é inferior e lhe causou tanto sofrimento. Grace diz que o pai é soberbo devido à sua vontade de vingança e pede poder, que lhe é concedido, para salvar Dogville. Entretanto, ao sair do carro, e ouvir Tom "o intelectual" dizer que escreveria sobre o que se passou, que aquilo seria passível de análise, ela se desilude com a humanidade e condena Dogville com o aniquilamento.
Tom representa a sociedade intelectualizada, que sempre repete as mesmas coisas com seu discurso vago, mas nada faz. Nada fez quando Grace realmente precisou de ajuda. Mente para enganar a si mesmo sobre as suas teorias, mas não tem coragem de cair de cabeça nos problema sociais.
O único sobrevivente da cidade acaba por ser o cão, o qual havia demonstrado antipatia por Grace pela mesma ter roubado seu osso.
O filme martela nas lições de moral que somos todos responsáveis pelos nossos próprios atos, e se temos problemas é porque não fazemos o suficiente para resolvê-los, que somos ignorantes e temos desinteresse pelo coletivo. Dogville tem a intenção de representar a novela exemplar do comportamento humano. Por trás dos gestos de bondade e compreensão, há sempre segundos interesses individuais.
Por fim, os créditos do filme passam com fotos dos EUA no período da recessão e com a música young americans do David Bowie, nada poderia ser maior do que esse desfecho colossal.
Os Esquecidos
4.3 109"De barriga cheia todos somos melhores."
"Se pudéssemos prender a miséria, em vez de crianças."
Princesa Mononoke
4.4 944 Assista AgoraUma grande obra que envolve mitologia japonesa, o meio ambiente, a natureza humana e nossa relação com o planeta.
Desde o primeiro instante fiquei totalmente interessado pela maldição que afeta Ashitaka e a maneira como ele conseguiria, ou não, se curar. O seu caminho em busca dessa cura é um caminho de honra e compreensão de nunca se voltar contra a natureza e nem contra a sua própria espécie humana. Resultando em uma posição neutra de não tomar necessariamente uma posição no conflito que há entre os homens e os deuses animais protetores da floresta.
A riqueza dos detalhes de animação é admirável, assim como em todos os outros filmes do studio ghibli que vi até o momento.
Todos esses aspectos reunidos: sua simbologia, belas imagens e a grandiosa história fazem princesa mononoke ser uma obra-prima da animação.
Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
3.8 3,4K Assista AgoraPeople, they love blood. They love action. Not this talky, depressing, philosophical bullshit.
Filhos da Esperança
3.9 940 Assista AgoraFilme me ganhou logo no início pela cenografia quase que apocalíptica de 2027 totalmente realista e bem elaborada, incrível a sensibilidade de cada detalhe imaginado dentre as modernidades futurísticas. A história não fica nem um pouco atrás, os problemas enfrentados como a infertilidade da humanidade, o caos com os imigrantes, a fome e as doenças, parecem não afetar o personagem principal, o cara passa uma imagem total de indiferença e ceticismo, um desacreditado na humanidade. Tudo isso muda ao se deparar com o bebê da jovem negra. Ali a sua vida ganha um novo sentido, ele se vê na obrigação de protegê-la e garantir a tão sonhada esperança.
Por um Punhado de Dólares
4.2 421 Assista Agoraresumo: yojimbo com pistolas em um cenário faroeste ao invés do Japão feudal
Por uns Dólares a Mais
4.3 364 Assista Agoraver o Clint atuando me provoca um sentimento misto de inveja com admiração, que cara fodão, amigos. Chega um momento que você nem acredita mais que seja apenas um personagem, é o verdadeiro cowboy.
A atmosfera "suja" desse filme tem todo um toque especial, os bandidos da gangue do índio com seus rostos suados e barbudos são um charme a parte. A trilha sonora se encaixa perfeitamente com o ambiente, enfim, um filme que resume toda a essência do western, não possui nada de mais em termos de conteúdo, e sim em interpretação e riquezas simbólicas.
"Onde a vida não tem valor, a morte as vezes tem o seu preço. Eis que surgem os caçadores de recompensa."
Nove Rainhas
4.2 463 Assista Agoraque final, amigos. jajajaja