Rose Glass cria uma espécie de "Thelma & Louise" à la David Cronenberg, a partir de um caos acumulativo na vida das protagonistas que deixa tudo cada vez mais insano e até surreal. Tragicomédia policial excitante em todos os sentidos!
Eu acho que é muito sintomático que tanta gente esteja adorando o medíocre "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" e, ao se referirem a "Os Banshees de Inisherin", repetem a infame frase: "MAS NADA ACONTECE!!!"
Isso só me convence de como a era digital treina cada vez mais as pessoas a só se sentirem satisfeitas com movimentos e informações constantes. Tudo tem que ser maximalista, megalomaníaco, pseudo-importante, metalinguístico...
Não há mais espaço pro sutil, pro singelo, pro contemplativo, nem mesmo pra narrativa clássica (vide tanta gente questionando o impacto de "Avatar: O Caminho da Água")... O público vai pro Cinema esperando grandes eventos até em filmes que nunca se propuseram a oferecer esse tipo de coisa. Por isso que, sempre que entro no Filmow e pesquiso a reação a filmes como esse ou "Tár", eu sempre posso ter certeza de uma coisa:
Não por ter personagens burros tomando atitudes burras e sendo impotentes do início ao fim. Essa é a ideia que o filme TENTA vender pra elaborar sua crítica social (o título do filme entrega isso). É um filme ridículo por TENTAR vender essa ideia com situações pobres, cafajestes e artificiais a ponto de jamais conseguir convencer sobre a complacência do casal dinamarquês. É um filme ridículo por imitar essa estética simétrica e saturada digna de uma imitação barata de Ari Aster por absolutamente nenhum motivo apenas nessas tentativas fracassadas de gerar desconforto através do "diferente", do "inusitado".
E nessa obviedade risível da direção de Christian Tafdrup, o elenco - mais especificamente Fedja van Huêt e Karina Smulders - acaba sendo sabotado. Os únicos que funcionam bem independentemente das escolhas do cineasta são os protagonistas vividos por Morten Burian e Sidsel Siem Koch, que fazem algo além do óbvio, que realmente criam personagens identificáveis, embora absurdamente falhos em sua cordialidade quase doentia. No geral, é o pior filme de 2022 junto com "Men" e ironicamente ambas as obras possuem praticamente os mesmos equívocos: se acham inteligentes demais na transmissão de uma certa mensagem ou no desenvolvimento de um certo conceito e, ao perceberem que estão sendo óbvios, apelam pro choque visual vazio e (de certa forma) gratuito pra fechar com uma impressão "mais forte". Se não fosse essa trapaça, assumo que esse filme fugiria da minha mente em pouco mais do que...
ATENÇÃO, O TEXTO A SEGUIR PODE CONTER SPOILERS LEVES!!!
Em 2017, o comediante Jordan Peele – da série de esquetes "Key & Peele" – deu seu primeiro grande passo como diretor de cinema e surpreendeu a todos. Não apenas porque "Corra!" era um terror social, mas também porque conquistou crítica e público, tornou-se instantaneamente popular (basta observar sua proliferação em memes pelas redes sociais) e ainda arrecadou Oscar de Melhor Roteiro Original e indicações a Direção e Filme, algo que poucas obras de terror conquistaram em 94 anos da premiação.
Eu mesmo admito que adoro "Corra!" e que parte da minha empolgação para o lançamento desse novo filme de Peele vinha de sua poderosa estreia. Mas junto com a empolgação, vinha um bocado de incerteza gerada pela sua segunda obra "Nós", de 2019, que me frustrou bastante por ser desregulada em tom e ritmo, irritantemente expositiva e prejudicialmente pretensiosa e auto-indulgente. Restava a pergunta: para qual lado seu terceiro projeto seguiria?
Bom, uma das lições que aprendi em anos de cinefilia é que a Arte não é binária e jamais deve ser encarada como tal. Então, logo ao sair da sala de cinema, refleti por um tempo e concluí que "Não! Não Olhe!" tinha alguns dos pontos positivos de "Corra!" e alguns dos pontos negativos de "Nós", mas que, acima de tudo, era um filme completamente diferente de ambos. Afinal, se o foco de suas duas produções anteriores era encenar uma crítica social incisiva a partir de absurdos costumeiros do cinema de horror (hipnose, troca de corpos, duplicatas, assassinos com armas brancas), aqui Peele se deixa levar pelas convenções de clássicos da ficção científica sem abandonar sua construção de atmosfera enigmática que também estava presente lá atrás. Ah claro, e sem abandonar sua carga de humor, bem mais complementar aqui do que invasiva como acontecia em sua obra anterior.
Acompanhando os irmãos OJ e Em Haywood – que treinam cavalos para a produção de filmes ou comerciais – em tentativas ingratas para sustentar a velha fazenda de seu recém-falecido pai, "Não! Não Olhe!" logo começa a criar um suspense inquietante com algo que pode estar à espreita no isolado deserto da região de Agua Dulce, Califórnia. É nesse contexto que o diretor começa a instigar a curiosidade do público, seguindo a lógica de que precisamos saber tanto quanto os personagens, consequentemente aumentando a imersão, a impressão que estamos com eles desvendando aquele mistério e presenciando aquelas anomalias. Nesse aspecto, a condução de Peele parece pegar como inspiração o clássico "Contatos Imediatos do Terceiro Grau", de Steven Spielberg, e "Sinais", de M. Night Shyamalan, no sentido de “cozinhar” sua expectativa ao máximo antes de revelar a verdadeira ameaça, enquanto usa a mesma abordagem de "Tubarão", também de Spielberg, no tratamento que dá ao “monstro”.
Claro que, quando traço tais paralelos, meu objetivo é evidenciar as influências do cineasta, mas não entendam errado: "Não! Não Olhe!" tem sua boa parcela de originalidade e cria quase um universo próprio a partir de certa iconografia, como o parque temático de faroeste Jupiter’s Claim, os bonecões de posto coloridos, a van da Fry’s Electronics conduzida pelo alívio cômico Angel, o capacete retrofuturista do repórter sensacionalista do TMZ no terceiro ato, os cavalos dos Haywood e especialmente o design da criatura nos momentos finais... Todos esses elementos combinados dão a esse terceiro projeto de Peele uma cara própria e o diretor sempre foi bom nisso. Basta notar os macacões vermelhos e as tesouras douradas das duplicatas de "Nós", por exemplo.
Eu só acho que, quando o roteiro quer explorar mais temas além do conflito direto de ficção científica, ele chega perto de ficar pretensioso. Há um “quê” de proteção aos animais, a tentativa de aplicar uma crítica meio "Black Mirror" à necessidade de filmar tudo que ocorre em detrimento da própria integridade física e à cultura do espetáculo... No filme, geralmente são elementos que não soam invasivos, mas o que me pega é justamente como o longa começa: com uma citação bíblica que concede holofote especialmente a essa cultura do espetáculo. E confesso que não consegui enxergar essa temática como mote central da obra. Além disso, acho invasiva a importância que dão para o passado do personagem Jupe, querendo conferir destaque a algo que – de novo – não me pareceu ser tão relevante no resto da projeção.
Dito isso, gostei muito de "Não! Não Olhe!". Além das ótimas performances de Daniel Kaluuya e Keke Palmer, Peele faz desse projeto seu mais divertido e imersivo até aqui. E estou ansioso desde já para seu próximo trabalho!
"Terra Selvagem" é o tipo de filme que lançava aos montes ali pelos anos 90 e 2000: um suspense policial melancólico, gélido (literal e figurativamente) e intenso. Porém, com o roteiro e a direção de Taylor Sheridan, engana-se quem vai pra essa obra esperando foco permanente na investigação.
Assim como "Sicario" e "A Qualquer Custo" (filmes escritos por Sheridan mas dirigidos por terceiros), o real protagonista aqui é o ambiente inóspito e sem leis do interior abusivamente frio e montanhoso de Wyoming. Nesse sentido, não é absurdo considerá-lo um faroeste moderno - assim como ambos acima. Os personagens masculinos são de poucas palavras e costumam recorrer à violência (mal intencionados ou não), as personagens femininas são vitimadas pelos crimes dos homens ou, quando se impõem, acabam sendo indesejadas ou julgadas, e o terreno é inimigo de todos, parecendo até esconder ou revelar pistas sobre o assassinato a bel-prazer. Isso além, claro, da constante presença indígena e de como esse povo é inserido na mensagem sobre luto e vingança - e esse é meu papel favorito do Gil Birmingham.
O único escorregão que o filme comete é na hora de construir seu clímax, especialmente quando decide dar uma de "Os Oito Odiados" e insere do nada um flashback expositivo e quase sensacionalista. A edição entre presente e passado é ótima, mas o conteúdo desse flashback não só é desnecessário pra toda a ideia do filme como também interrompe a construção do suspense ali no 3º ato. Ainda assim, não é criminoso a ponto de comprometer o resto do filme que ainda fecha muito bem essa jornada.
Em certo momento de Lovelace, um personagem diz que Garganta Profunda é um equivalente pornográfico ao sucesso de E o Vento Levou. Algo que eu já sabia de antemão e, por isso, considerava assistir ao dito cujo mais pela relevância histórica do que pelo conteúdo - que atualmente pode ser encontrado em qualquer lugar, cá entre nós. Comecei a assistir Garganta Profunda e parei depois de perceber que não ia ganhar nada assistindo àquilo.
E ao fim de Lovelace, eu considerei um baita acerto ter desistido. Fato é que eu não conhecia muito sobre Linda Boreman, mas essa cinebiografia de 2013 conseguiu o que muitos de seus semelhantes jamais chegam perto: transformar a biografada numa genuína personagem a ponto de fazer com que nos aproximemos da PESSOA Linda Boreman. E isso ficou ainda mais claro quando, após um desfecho beeem cafona (mais do que deveria!), fiquei absolutamente entristecido ao saber que Boreman havia morrido com 53 anos num acidente de carro. E uma notinha de rodapé jamais teria esse efeito se o filme não tivesse realizado um bom trabalho.
Fato é que a forma como Rob Epstein e Jeffrey Friedman estruturaram o filme é muito eficiente justamente por separar o sonho do estrelato idealizado da realidade feia e dura do relacionamento de Linda com o violento Chuck. Até a linguagem segue essa ideia, a partir da manipulação de luzes e cores ou da ausência delas; basta comparar o belíssimo plano que mostra Linda sendo aplaudida pela plateia do cinema em contra-luz (que não à toa demarca seu corpo sob o vestido) com o momento em que Chuck a ameaça com um revólver, um plano escuro e fechado cujos maiores focos de luz surgem no reflexo luminoso do revólver e nos olhos amedrontados de Linda. E no cerne de tudo está a melhor atuação da carreira de Amanda Seyfried (junto a Mank), que em poucos olhares, transforma Boreman em uma mulher real cheia de sonhos e inseguranças a ponto de tornar praticamente insuportável presenciar os abusos que sofre nas mãos de do marido. Destaque também pra Sharon Stone e Robert Patrick como os pais da moça.
É inexplicável como os anos 2000 especialmente popularizaram aqui no Brasil certos filmes medíocres apenas pela superexposição em grandes emissoras ou pela iconografia que, quase 20 anos depois, se tornaria nostálgica. Incluo nesse balaio obras como "De Repente 30", "As Branquelas", "Crepúsculo" e, claro, "O Diabo Veste Prada".
Essa comédia vem de um dos diretores mais formulaicos desse período, David Frankel, responsável também pelo manipulativo e também medíocre "Marley & Eu". Porém, "O Diabo Veste Prada" não conta com um carismático labrador pra sustentar sua falta de personalidade. E nem Meryl Streep consegue sustentar o quão insosso é esse filme, surgindo como uma caricatura irritante que vez ou outra mostra o seu real potencial só pra voltar à estaca zero segundos depois. O filme jamais busca se aprofundar em Miranda Priestly, algo que "Whiplash" fez 8 anos depois com o personagem de J.K. Simmons. Bom, se a vilã não sustenta o filme, talvez a protagonista o faça, certo? Hmm também não! A proposta da personagem de Anne Hathaway é boa, esse conflito entre o pessoal e o profissional rende bons frutos em alguns diálogos (especialmente com Stanley Tucci, uma das melhores coisas do filme), mas sua jornada se torna tão cíclica e redundante que, quando surge um ponto de virada, parece súbito demais. Sem contar que sua relação com Miranda nunca soa realmente convincente até talvez a meia-hora final.
Contando com algumas pitadas de humor inspirado e sutil aqui e ali (destaco o momento que Miranda debocha da falta de mulheres na Suprema Corte), todo o resto de "O Diabo Veste Prada" mal permite um texto já que nada é realmente interessante pra se extrair dessa mediocridade.
Em 2021, quando assisti a "The Nest", me surpreendi com Sean Durkin, diretor do qual nunca tinha ouvido falar até aquele momento. A partir de uma premissa banal e com recursos que mais pagavam o elenco do que qualquer outra coisa, Durkin conseguiu construir naquele filme uma complexa relação entre drama familiar e conflitos psicológicos, chegando a demonstrar seu talento também pro suspense.
Em seu longa anterior "Martha Marcy May Marlene", vejo que Durkin já havia demonstrado tudo isso ao explorar a relação entre duas irmãs sob a penumbra de um passado traumático de uma delas que, numa belíssima estreia de Elizabeth Olsen, se revela uma personagem lotada de feridas psicológicas a partir de abusos do culto ao qual pertencia. A partir da alternância frequente entre passado e presente, feita de forma inteligente e ludibriante pela edição que respeita a crise da protagonista ao sempre mostrar o passado invadindo seu presente supostamente confortável, o filme cria uma paranóia constante que nunca nos dá certeza do que vemos - algo que acontecia com a personagem de Carrie Coon em "The Nest".
Sempre incertos do que a protagonista fará em seguida e do que ela realmente passou nos tempos do culto em totalidade, nos encontramos também na posição da irmã vivida por Sarah Paulson, sem saber o que fazer ao passo em que sentimos por aquela jovem mas ao mesmo tempo reconhecemos sua capacidade auto-destrutiva e perigosa. "Martha Marcy May Marlene" é um filme simples, sensível mas lotado de incertezas e paranóias. Ansioso pra mais trabalhos de Durkin!
À primeira vista, "Quero Ser Grande" pode parecer mais um clássico da Sessão da Tarde que nada mais oferece além de momentos engraçadinhos e fofinhos pra família assistir durante as tardes da semana. Porém, sob a direção de Penny Marshall e o roteiro de Gary Ross e Anne Spielberg (irmã de Steven), o longa se torna uma grande celebração da infância por via de comparação com a burocracia da vida adulta.
Por mais que, vez ou outra, Marshall acabe escorregando ao deixar passar certas insinuações ou sugestões que agem contra a ingenuidade do restante do filme, nem mesmo esses deslizes conseguem destoar da abordagem pura com que toda a obra é tratada, desde a magnífica performance de Tom Hanks, que em momento algum parece ter mais de 12 anos, até a trilha calorosa e inocente de Howard Shore, passando pelo contraste entre os tons sóbrios da cidade de Nova York e dos figurinos de seus habitantes com os brinquedos coloridos e as próprias vestes de nosso protagonista, uma figura realmente encantadora por ser um agente de mudanças nas vidas de adultos que "desaprenderam" a magia de ser criança.
E por mais que caia em algumas daquelas insinuações que citei acima, sua relação com a Susan de Elizabeth Perkins tal como aquela que tem com o chefe vivido por Robert Loggia (rendendo a emblemática cena do piano) representam perfeitamente a mensagem bela e necessária de que todo indivíduo precisa guardar um pouco de sua infância pra viver uma vida feliz. "Quero Ser Grande", tal como "E.T." e "Os Goonies", é a representação perfeita do tratamento que os anos 80 tinham com as vantagens de ser criança. No fim, só precisamos de uma cama elástica pra reencontrar nossa criança interior!
Eu adoro como William Friedkin parece pouco se lixar pras possíveis polêmicas que seus filmes podem gerar. Além dessa mentalidade ter nos oferecido "O Exorcista", um dos melhores filmes de terror de todos os tempos, ainda nos presenteou com um dos melhores filmes de temática LGBTQIA+.
"Cruising" é praticamente um "Taxi Driver" de Friedkin no que diz respeito à jornada interna do personagem de Al Pacino - fabuloso como sempre - nesse microcosmos da comunidade gay BDSM. Em meio a isso, o diretor faz questão de retratar como esse nicho era marginalizado nos anos 70 (não que tenha deixado de ser) ao trabalhar muito com planos de estabelecimento; as imagens de ruas úmidas, sujas e desertas de Nova York, especialmente em distritos industriais, geram uma ideia literal de submundo - algo que gerou polêmica, já que muitos pensaram que a intenção de Friedkin era relacionar homossexualidade à criminalidade, uma visão equivocada, ao meu ver.
Em meio a isso, a investigação que move o filme fica até em segundo plano, servindo mais como catalisadora da transformação do protagonista e de exploração desse submundo marginalizado e - infelizmente por isso - mais refém de possíveis criminosos beneficiados pela negligência policial. Uma GENUÍNA obra dessa Hollywood pessimista dos anos 70!
Um dos maiores desafios do cinema mais autoral nos dias de hoje é não cair na auto-indulgência, em especial com o uso excessivo de simbolismos, material esse que sempre chama atenção de cineastas que têm muito a dizer durante seu processo de COMO fazê-lo. Simbolismos são ótimos... a não ser quando sufocam todo o resto do filme.
E esse é QUASE o caso de "Titane", nova obra de Julia Ducournau depois do ótimo "Grave". O que temos aqui, na verdade, não é algo tão comprometedor quanto em "Men" de Alex Garland. A diretora francesa ao menos tem uma ideia do que quer transmitir e como. O problema é que ela jamais consegue transformar isso em uma unidade. São dois filmes em um aqui, filmes extremamente distintos entre si. E que praticamente nunca se unem (a não ser pelos péssimos minutos finais). Começando como um body horror extremamente incômodo, "Titane" logo transita pra um drama sobre luto e pertencimento, o que faria total sentido se não se desviasse de forma tão radical do rumo que a obra estava tomando até ali.
Inclusive, dou até um exemplo de um filme bizarro que tratou de temas parecidos de uma forma bem mais consistente. Já assistiram "Midsommar"? Então... "Titane" tem ótimas ideias e alguns ótimos momentos, mas, no fim das contas, não consegue criar uma ideia em torno de suas bizarrices e de seu drama convencional.
Quando eu assisti a "Ex Machina" pela primeira vez, achei que estava presenciando a estreia de um futuro gênio do Cinema em Alex Garland. Anos depois, no lançamento de "Aniquilação", presenciei o que parecia ser um escorregão, um filme com boas ideias mas que jamais conseguia se encontrar.
Aqui em "Men", vejo que Garland se afunda cada vez mais em sua auto-indulgência, algo que eu esperaria de um M. Night Shyamalan ou de um Lars von Trier, só que pior ainda. Nada conversa com nada nesse filme. Há boas ideias nos primeiros minutos e um ou outro momento onde a atmosfera de suspense é bem construída. Mas são momentos tão súbitos que logo são atropelados por mais ideias desconexas e inconclusivas, parecendo visar mais o inusitado e o chocante do que a unidade, a ideia.
Jessie Buckley e Rory Kinnear até tentam levar a obra além com suas performances, mas também são sabotados pelo que Garland faz com sua narrativa. Uma pena realmente. "Men", por enquanto, é o pior filme desse ano!
Vários comentários sobre o filme ser muito simples e nada excepcional. Ué, mas por que todo filme precisa ser complexo, profundo ou excepcional? Se o problema foi o hype pela fama do filme, a culpa não é do filme. Se estavam esperando algo que o filme jamais prometeu, também não. Assistir a um filme com justiça é sentar e absorver o que ele tem a oferecer, independente de ser simples ou complexo.
"Pleasure" é um filme que, por vezes, parece perto de cair naquele balaio de crueza exploratória ao modelo Lars von Trier ou Gaspar Noé, com direito até a falsas contemplações naquele estilo visual neon estilosinho de "Euphoria". Porém, por mais irregular que seja o resultado geral, acredito que a estreante Ninja Thyberg consegue conceber uma melancólica jornada de ascensão-e-queda através da desumanização gradual. Ok, a trilha sonora operística foi exagero, até porque o que esse filme faz de melhor é justamente o "desnudamento" (não há melhor termo!) de floreios pra representar essa mecanização da indústria pornográfica. Sou mais fã de quando Thyberg usa cenários claros, neutros e impessoais pra passar uma falsa ideia de estabilidade e, na hora do ato, começa a usar ângulos e enquadramentos tão incômodos que me arrancaram reações físicas. A performance de Sofia Kappel é, obviamente, instrumento central da diretora e a atriz (também estreante) se destaca especialmente a partir da metade da projeção, quando sua personagem dá uma guinada questionável. Os 20 minutos finais são surpreendentemente comoventes - por vários motivos. "Pleasure" não acerta todas as notas, mas já demonstra um grande potencial de sua nova realizadora sueca.
Na contramão do fraco "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo", esse mais recente filme de David Robert Mitchell representa o que as produções da A24 fazem de melhor: provocar o público com uma ideia ambiciosa executada de forma cuidadosa e calculada, por mais aleatória que PAREÇA. "O Mistério de Silver Lake" se apropria de convenções de gênero e técnicas comuns do cinema clássico - especialmente o noir hitchcockiano - para nos conduzir por uma cruzada quase alucinógena do protagonista que pode remeter bastante a algo que David Lynch ou David Cronenberg fariam (e estamos falando de mais um David aqui). Não à toa, é um filme que comenta de forma recorrente sobre um certo preciosismo ao passado em relação à efemeridade do presente, culturalmente falando. Porém, a forma como Mitchell trabalha essa temática e a crítica que tece à elite hollywoodiana faz com que questionemos o tempo todo qual é o alvo do deboche do filme. Ou será que o alvo somos nós, que fomos transformados em conspiracionistas inveterados por passar 2h20 sob o ponto de vista de um homem cuja vida se mostrou tão frustrante que decidiu recorrer a fantasias pseudo-importantes?! FILMAÇO e provavelmente o melhor trabalho da carreira de Andrew Garfield.
"Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo", assim como o recente "X", representa o que as produções da A24 tem de pior: achar que estética e "conceito" são o suficiente para sustentar um filme e transmitir uma falsa ideia de originalidade. O resultado é uma obra que, de primeira, parece brincar com a aleatoriedade justamente por tratar de um tema que possibilita isso, mas aos poucos vai revelando suas intenções banais, frágeis e piegas que mais parecem saídas de um filme teen que a Disney provavelmente lançaria nos anos 2000 (com o diferencial da representatividade LGBT e asiática). Tudo, é claro, coberto de várias aleatoriedades e bizarrices para fazer o espectador pensar a cada momento "Nossa, como esse filme é diferente!" quando na verdade só está distraindo o público do fato de que... esse é um filme vazio de conteúdo que quer soar complexo e inovador. Fica um pouco difícil sustentar essa ideia quando tudo aqui PRECISA ser verbalizado, de sentimentos profundos a conceitos da ficção científica, ou quando o humor soa como uma comédia ruim da turma de "Freaks & Geeks". A forma como o drama familiar é concluído, por sinal, é tão desinteressante e genérica que me lembrou a terrível fala de Anne Hathaway no igualmente prepotente "Interestelar": "O poder do amor transcende tempo e espaço." Claro que esteticamente é um filme impecável, a montagem dá certa agilidade - embora jamais mude o fato das 2h20 serem maçantes - e o elenco é genuinamente carismático (adoro Michelle Yeoh). Mas tudo em função de uma ideia tão trivial executada de forma tão desconexa e preguiçosa.
Love Lies Bleeding: O Amor Sangra
3.6 87Rose Glass cria uma espécie de "Thelma & Louise" à la David Cronenberg, a partir de um caos acumulativo na vida das protagonistas que deixa tudo cada vez mais insano e até surreal. Tragicomédia policial excitante em todos os sentidos!
Os Banshees de Inisherin
3.9 568 Assista AgoraEu acho que é muito sintomático que tanta gente esteja adorando o medíocre "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" e, ao se referirem a "Os Banshees de Inisherin", repetem a infame frase: "MAS NADA ACONTECE!!!"
Isso só me convence de como a era digital treina cada vez mais as pessoas a só se sentirem satisfeitas com movimentos e informações constantes. Tudo tem que ser maximalista, megalomaníaco, pseudo-importante, metalinguístico...
Não há mais espaço pro sutil, pro singelo, pro contemplativo, nem mesmo pra narrativa clássica (vide tanta gente questionando o impacto de "Avatar: O Caminho da Água")... O público vai pro Cinema esperando grandes eventos até em filmes que nunca se propuseram a oferecer esse tipo de coisa. Por isso que, sempre que entro no Filmow e pesquiso a reação a filmes como esse ou "Tár", eu sempre posso ter certeza de uma coisa:
Alguém vai falar que "NADA acontece!"
Não Fale o Mal
3.6 673"Speak No Evil" é um filme ridículo!
Não por ter personagens burros tomando atitudes burras e sendo impotentes do início ao fim. Essa é a ideia que o filme TENTA vender pra elaborar sua crítica social (o título do filme entrega isso). É um filme ridículo por TENTAR vender essa ideia com situações pobres, cafajestes e artificiais a ponto de jamais conseguir convencer sobre a complacência do casal dinamarquês. É um filme ridículo por imitar essa estética simétrica e saturada digna de uma imitação barata de Ari Aster por absolutamente nenhum motivo apenas nessas tentativas fracassadas de gerar desconforto através do "diferente", do "inusitado".
E nessa obviedade risível da direção de Christian Tafdrup, o elenco - mais especificamente Fedja van Huêt e Karina Smulders - acaba sendo sabotado. Os únicos que funcionam bem independentemente das escolhas do cineasta são os protagonistas vividos por Morten Burian e Sidsel Siem Koch, que fazem algo além do óbvio, que realmente criam personagens identificáveis, embora absurdamente falhos em sua cordialidade quase doentia. No geral, é o pior filme de 2022 junto com "Men" e ironicamente ambas as obras possuem praticamente os mesmos equívocos: se acham inteligentes demais na transmissão de uma certa mensagem ou no desenvolvimento de um certo conceito e, ao perceberem que estão sendo óbvios, apelam pro choque visual vazio e (de certa forma) gratuito pra fechar com uma impressão "mais forte". Se não fosse essa trapaça, assumo que esse filme fugiria da minha mente em pouco mais do que...
Espera, do que eu estava falando mesmo?!?!
Não! Não Olhe!
3.5 1,3K Assista AgoraATENÇÃO, O TEXTO A SEGUIR PODE CONTER SPOILERS LEVES!!!
Em 2017, o comediante Jordan Peele – da série de esquetes "Key & Peele" – deu seu primeiro grande passo como diretor de cinema e surpreendeu a todos. Não apenas porque "Corra!" era um terror social, mas também porque conquistou crítica e público, tornou-se instantaneamente popular (basta observar sua proliferação em memes pelas redes sociais) e ainda arrecadou Oscar de Melhor Roteiro Original e indicações a Direção e Filme, algo que poucas obras de terror conquistaram em 94 anos da premiação.
Eu mesmo admito que adoro "Corra!" e que parte da minha empolgação para o lançamento desse novo filme de Peele vinha de sua poderosa estreia. Mas junto com a empolgação, vinha um bocado de incerteza gerada pela sua segunda obra "Nós", de 2019, que me frustrou bastante por ser desregulada em tom e ritmo, irritantemente expositiva e prejudicialmente pretensiosa e auto-indulgente. Restava a pergunta: para qual lado seu terceiro projeto seguiria?
Bom, uma das lições que aprendi em anos de cinefilia é que a Arte não é binária e jamais deve ser encarada como tal. Então, logo ao sair da sala de cinema, refleti por um tempo e concluí que "Não! Não Olhe!" tinha alguns dos pontos positivos de "Corra!" e alguns dos pontos negativos de "Nós", mas que, acima de tudo, era um filme completamente diferente de ambos. Afinal, se o foco de suas duas produções anteriores era encenar uma crítica social incisiva a partir de absurdos costumeiros do cinema de horror (hipnose, troca de corpos, duplicatas, assassinos com armas brancas), aqui Peele se deixa levar pelas convenções de clássicos da ficção científica sem abandonar sua construção de atmosfera enigmática que também estava presente lá atrás. Ah claro, e sem abandonar sua carga de humor, bem mais complementar aqui do que invasiva como acontecia em sua obra anterior.
Acompanhando os irmãos OJ e Em Haywood – que treinam cavalos para a produção de filmes ou comerciais – em tentativas ingratas para sustentar a velha fazenda de seu recém-falecido pai, "Não! Não Olhe!" logo começa a criar um suspense inquietante com algo que pode estar à espreita no isolado deserto da região de Agua Dulce, Califórnia. É nesse contexto que o diretor começa a instigar a curiosidade do público, seguindo a lógica de que precisamos saber tanto quanto os personagens, consequentemente aumentando a imersão, a impressão que estamos com eles desvendando aquele mistério e presenciando aquelas anomalias. Nesse aspecto, a condução de Peele parece pegar como inspiração o clássico "Contatos Imediatos do Terceiro Grau", de Steven Spielberg, e "Sinais", de M. Night Shyamalan, no sentido de “cozinhar” sua expectativa ao máximo antes de revelar a verdadeira ameaça, enquanto usa a mesma abordagem de "Tubarão", também de Spielberg, no tratamento que dá ao “monstro”.
Claro que, quando traço tais paralelos, meu objetivo é evidenciar as influências do cineasta, mas não entendam errado: "Não! Não Olhe!" tem sua boa parcela de originalidade e cria quase um universo próprio a partir de certa iconografia, como o parque temático de faroeste Jupiter’s Claim, os bonecões de posto coloridos, a van da Fry’s Electronics conduzida pelo alívio cômico Angel, o capacete retrofuturista do repórter sensacionalista do TMZ no terceiro ato, os cavalos dos Haywood e especialmente o design da criatura nos momentos finais... Todos esses elementos combinados dão a esse terceiro projeto de Peele uma cara própria e o diretor sempre foi bom nisso. Basta notar os macacões vermelhos e as tesouras douradas das duplicatas de "Nós", por exemplo.
Eu só acho que, quando o roteiro quer explorar mais temas além do conflito direto de ficção científica, ele chega perto de ficar pretensioso. Há um “quê” de proteção aos animais, a tentativa de aplicar uma crítica meio "Black Mirror" à necessidade de filmar tudo que ocorre em detrimento da própria integridade física e à cultura do espetáculo... No filme, geralmente são elementos que não soam invasivos, mas o que me pega é justamente como o longa começa: com uma citação bíblica que concede holofote especialmente a essa cultura do espetáculo. E confesso que não consegui enxergar essa temática como mote central da obra. Além disso, acho invasiva a importância que dão para o passado do personagem Jupe, querendo conferir destaque a algo que – de novo – não me pareceu ser tão relevante no resto da projeção.
Dito isso, gostei muito de "Não! Não Olhe!". Além das ótimas performances de Daniel Kaluuya e Keke Palmer, Peele faz desse projeto seu mais divertido e imersivo até aqui. E estou ansioso desde já para seu próximo trabalho!
Terra Selvagem
3.8 594 Assista Agora"Terra Selvagem" é o tipo de filme que lançava aos montes ali pelos anos 90 e 2000: um suspense policial melancólico, gélido (literal e figurativamente) e intenso. Porém, com o roteiro e a direção de Taylor Sheridan, engana-se quem vai pra essa obra esperando foco permanente na investigação.
Assim como "Sicario" e "A Qualquer Custo" (filmes escritos por Sheridan mas dirigidos por terceiros), o real protagonista aqui é o ambiente inóspito e sem leis do interior abusivamente frio e montanhoso de Wyoming. Nesse sentido, não é absurdo considerá-lo um faroeste moderno - assim como ambos acima. Os personagens masculinos são de poucas palavras e costumam recorrer à violência (mal intencionados ou não), as personagens femininas são vitimadas pelos crimes dos homens ou, quando se impõem, acabam sendo indesejadas ou julgadas, e o terreno é inimigo de todos, parecendo até esconder ou revelar pistas sobre o assassinato a bel-prazer. Isso além, claro, da constante presença indígena e de como esse povo é inserido na mensagem sobre luto e vingança - e esse é meu papel favorito do Gil Birmingham.
O único escorregão que o filme comete é na hora de construir seu clímax, especialmente quando decide dar uma de "Os Oito Odiados" e insere do nada um flashback expositivo e quase sensacionalista. A edição entre presente e passado é ótima, mas o conteúdo desse flashback não só é desnecessário pra toda a ideia do filme como também interrompe a construção do suspense ali no 3º ato. Ainda assim, não é criminoso a ponto de comprometer o resto do filme que ainda fecha muito bem essa jornada.
Lovelace
3.4 548 Assista AgoraEm certo momento de Lovelace, um personagem diz que Garganta Profunda é um equivalente pornográfico ao sucesso de E o Vento Levou. Algo que eu já sabia de antemão e, por isso, considerava assistir ao dito cujo mais pela relevância histórica do que pelo conteúdo - que atualmente pode ser encontrado em qualquer lugar, cá entre nós. Comecei a assistir Garganta Profunda e parei depois de perceber que não ia ganhar nada assistindo àquilo.
E ao fim de Lovelace, eu considerei um baita acerto ter desistido. Fato é que eu não conhecia muito sobre Linda Boreman, mas essa cinebiografia de 2013 conseguiu o que muitos de seus semelhantes jamais chegam perto: transformar a biografada numa genuína personagem a ponto de fazer com que nos aproximemos da PESSOA Linda Boreman. E isso ficou ainda mais claro quando, após um desfecho beeem cafona (mais do que deveria!), fiquei absolutamente entristecido ao saber que Boreman havia morrido com 53 anos num acidente de carro. E uma notinha de rodapé jamais teria esse efeito se o filme não tivesse realizado um bom trabalho.
Fato é que a forma como Rob Epstein e Jeffrey Friedman estruturaram o filme é muito eficiente justamente por separar o sonho do estrelato idealizado da realidade feia e dura do relacionamento de Linda com o violento Chuck. Até a linguagem segue essa ideia, a partir da manipulação de luzes e cores ou da ausência delas; basta comparar o belíssimo plano que mostra Linda sendo aplaudida pela plateia do cinema em contra-luz (que não à toa demarca seu corpo sob o vestido) com o momento em que Chuck a ameaça com um revólver, um plano escuro e fechado cujos maiores focos de luz surgem no reflexo luminoso do revólver e nos olhos amedrontados de Linda. E no cerne de tudo está a melhor atuação da carreira de Amanda Seyfried (junto a Mank), que em poucos olhares, transforma Boreman em uma mulher real cheia de sonhos e inseguranças a ponto de tornar praticamente insuportável presenciar os abusos que sofre nas mãos de do marido. Destaque também pra Sharon Stone e Robert Patrick como os pais da moça.
Filme bem subestimado e que me surpreendeu.
And fuck porn, man!
O Diabo Veste Prada
3.8 2,4K Assista AgoraÉ inexplicável como os anos 2000 especialmente popularizaram aqui no Brasil certos filmes medíocres apenas pela superexposição em grandes emissoras ou pela iconografia que, quase 20 anos depois, se tornaria nostálgica. Incluo nesse balaio obras como "De Repente 30", "As Branquelas", "Crepúsculo" e, claro, "O Diabo Veste Prada".
Essa comédia vem de um dos diretores mais formulaicos desse período, David Frankel, responsável também pelo manipulativo e também medíocre "Marley & Eu". Porém, "O Diabo Veste Prada" não conta com um carismático labrador pra sustentar sua falta de personalidade. E nem Meryl Streep consegue sustentar o quão insosso é esse filme, surgindo como uma caricatura irritante que vez ou outra mostra o seu real potencial só pra voltar à estaca zero segundos depois. O filme jamais busca se aprofundar em Miranda Priestly, algo que "Whiplash" fez 8 anos depois com o personagem de J.K. Simmons. Bom, se a vilã não sustenta o filme, talvez a protagonista o faça, certo? Hmm também não! A proposta da personagem de Anne Hathaway é boa, esse conflito entre o pessoal e o profissional rende bons frutos em alguns diálogos (especialmente com Stanley Tucci, uma das melhores coisas do filme), mas sua jornada se torna tão cíclica e redundante que, quando surge um ponto de virada, parece súbito demais. Sem contar que sua relação com Miranda nunca soa realmente convincente até talvez a meia-hora final.
Contando com algumas pitadas de humor inspirado e sutil aqui e ali (destaco o momento que Miranda debocha da falta de mulheres na Suprema Corte), todo o resto de "O Diabo Veste Prada" mal permite um texto já que nada é realmente interessante pra se extrair dessa mediocridade.
Martha Marcy May Marlene
3.4 268Em 2021, quando assisti a "The Nest", me surpreendi com Sean Durkin, diretor do qual nunca tinha ouvido falar até aquele momento. A partir de uma premissa banal e com recursos que mais pagavam o elenco do que qualquer outra coisa, Durkin conseguiu construir naquele filme uma complexa relação entre drama familiar e conflitos psicológicos, chegando a demonstrar seu talento também pro suspense.
Em seu longa anterior "Martha Marcy May Marlene", vejo que Durkin já havia demonstrado tudo isso ao explorar a relação entre duas irmãs sob a penumbra de um passado traumático de uma delas que, numa belíssima estreia de Elizabeth Olsen, se revela uma personagem lotada de feridas psicológicas a partir de abusos do culto ao qual pertencia. A partir da alternância frequente entre passado e presente, feita de forma inteligente e ludibriante pela edição que respeita a crise da protagonista ao sempre mostrar o passado invadindo seu presente supostamente confortável, o filme cria uma paranóia constante que nunca nos dá certeza do que vemos - algo que acontecia com a personagem de Carrie Coon em "The Nest".
Sempre incertos do que a protagonista fará em seguida e do que ela realmente passou nos tempos do culto em totalidade, nos encontramos também na posição da irmã vivida por Sarah Paulson, sem saber o que fazer ao passo em que sentimos por aquela jovem mas ao mesmo tempo reconhecemos sua capacidade auto-destrutiva e perigosa. "Martha Marcy May Marlene" é um filme simples, sensível mas lotado de incertezas e paranóias. Ansioso pra mais trabalhos de Durkin!
Quero ser Grande
3.7 802À primeira vista, "Quero Ser Grande" pode parecer mais um clássico da Sessão da Tarde que nada mais oferece além de momentos engraçadinhos e fofinhos pra família assistir durante as tardes da semana. Porém, sob a direção de Penny Marshall e o roteiro de Gary Ross e Anne Spielberg (irmã de Steven), o longa se torna uma grande celebração da infância por via de comparação com a burocracia da vida adulta.
Por mais que, vez ou outra, Marshall acabe escorregando ao deixar passar certas insinuações ou sugestões que agem contra a ingenuidade do restante do filme, nem mesmo esses deslizes conseguem destoar da abordagem pura com que toda a obra é tratada, desde a magnífica performance de Tom Hanks, que em momento algum parece ter mais de 12 anos, até a trilha calorosa e inocente de Howard Shore, passando pelo contraste entre os tons sóbrios da cidade de Nova York e dos figurinos de seus habitantes com os brinquedos coloridos e as próprias vestes de nosso protagonista, uma figura realmente encantadora por ser um agente de mudanças nas vidas de adultos que "desaprenderam" a magia de ser criança.
E por mais que caia em algumas daquelas insinuações que citei acima, sua relação com a Susan de Elizabeth Perkins tal como aquela que tem com o chefe vivido por Robert Loggia (rendendo a emblemática cena do piano) representam perfeitamente a mensagem bela e necessária de que todo indivíduo precisa guardar um pouco de sua infância pra viver uma vida feliz. "Quero Ser Grande", tal como "E.T." e "Os Goonies", é a representação perfeita do tratamento que os anos 80 tinham com as vantagens de ser criança. No fim, só precisamos de uma cama elástica pra reencontrar nossa criança interior!
Parceiros da Noite
3.5 184 Assista AgoraEu adoro como William Friedkin parece pouco se lixar pras possíveis polêmicas que seus filmes podem gerar. Além dessa mentalidade ter nos oferecido "O Exorcista", um dos melhores filmes de terror de todos os tempos, ainda nos presenteou com um dos melhores filmes de temática LGBTQIA+.
"Cruising" é praticamente um "Taxi Driver" de Friedkin no que diz respeito à jornada interna do personagem de Al Pacino - fabuloso como sempre - nesse microcosmos da comunidade gay BDSM. Em meio a isso, o diretor faz questão de retratar como esse nicho era marginalizado nos anos 70 (não que tenha deixado de ser) ao trabalhar muito com planos de estabelecimento; as imagens de ruas úmidas, sujas e desertas de Nova York, especialmente em distritos industriais, geram uma ideia literal de submundo - algo que gerou polêmica, já que muitos pensaram que a intenção de Friedkin era relacionar homossexualidade à criminalidade, uma visão equivocada, ao meu ver.
Em meio a isso, a investigação que move o filme fica até em segundo plano, servindo mais como catalisadora da transformação do protagonista e de exploração desse submundo marginalizado e - infelizmente por isso - mais refém de possíveis criminosos beneficiados pela negligência policial. Uma GENUÍNA obra dessa Hollywood pessimista dos anos 70!
Titane
3.5 390 Assista AgoraUm dos maiores desafios do cinema mais autoral nos dias de hoje é não cair na auto-indulgência, em especial com o uso excessivo de simbolismos, material esse que sempre chama atenção de cineastas que têm muito a dizer durante seu processo de COMO fazê-lo. Simbolismos são ótimos... a não ser quando sufocam todo o resto do filme.
E esse é QUASE o caso de "Titane", nova obra de Julia Ducournau depois do ótimo "Grave". O que temos aqui, na verdade, não é algo tão comprometedor quanto em "Men" de Alex Garland. A diretora francesa ao menos tem uma ideia do que quer transmitir e como. O problema é que ela jamais consegue transformar isso em uma unidade. São dois filmes em um aqui, filmes extremamente distintos entre si. E que praticamente nunca se unem (a não ser pelos péssimos minutos finais). Começando como um body horror extremamente incômodo, "Titane" logo transita pra um drama sobre luto e pertencimento, o que faria total sentido se não se desviasse de forma tão radical do rumo que a obra estava tomando até ali.
Inclusive, dou até um exemplo de um filme bizarro que tratou de temas parecidos de uma forma bem mais consistente. Já assistiram "Midsommar"? Então... "Titane" tem ótimas ideias e alguns ótimos momentos, mas, no fim das contas, não consegue criar uma ideia em torno de suas bizarrices e de seu drama convencional.
Men: Faces do Medo
3.2 398 Assista AgoraQuando eu assisti a "Ex Machina" pela primeira vez, achei que estava presenciando a estreia de um futuro gênio do Cinema em Alex Garland. Anos depois, no lançamento de "Aniquilação", presenciei o que parecia ser um escorregão, um filme com boas ideias mas que jamais conseguia se encontrar.
Aqui em "Men", vejo que Garland se afunda cada vez mais em sua auto-indulgência, algo que eu esperaria de um M. Night Shyamalan ou de um Lars von Trier, só que pior ainda. Nada conversa com nada nesse filme. Há boas ideias nos primeiros minutos e um ou outro momento onde a atmosfera de suspense é bem construída. Mas são momentos tão súbitos que logo são atropelados por mais ideias desconexas e inconclusivas, parecendo visar mais o inusitado e o chocante do que a unidade, a ideia.
Jessie Buckley e Rory Kinnear até tentam levar a obra além com suas performances, mas também são sabotados pelo que Garland faz com sua narrativa. Uma pena realmente. "Men", por enquanto, é o pior filme desse ano!
Quase Famosos
4.1 1,4K Assista AgoraVários comentários sobre o filme ser muito simples e nada excepcional. Ué, mas por que todo filme precisa ser complexo, profundo ou excepcional? Se o problema foi o hype pela fama do filme, a culpa não é do filme. Se estavam esperando algo que o filme jamais prometeu, também não. Assistir a um filme com justiça é sentar e absorver o que ele tem a oferecer, independente de ser simples ou complexo.
Pleasure
3.4 112 Assista Agora"Pleasure" é um filme que, por vezes, parece perto de cair naquele balaio de crueza exploratória ao modelo Lars von Trier ou Gaspar Noé, com direito até a falsas contemplações naquele estilo visual neon estilosinho de "Euphoria". Porém, por mais irregular que seja o resultado geral, acredito que a estreante Ninja Thyberg consegue conceber uma melancólica jornada de ascensão-e-queda através da desumanização gradual. Ok, a trilha sonora operística foi exagero, até porque o que esse filme faz de melhor é justamente o "desnudamento" (não há melhor termo!) de floreios pra representar essa mecanização da indústria pornográfica. Sou mais fã de quando Thyberg usa cenários claros, neutros e impessoais pra passar uma falsa ideia de estabilidade e, na hora do ato, começa a usar ângulos e enquadramentos tão incômodos que me arrancaram reações físicas. A performance de Sofia Kappel é, obviamente, instrumento central da diretora e a atriz (também estreante) se destaca especialmente a partir da metade da projeção, quando sua personagem dá uma guinada questionável. Os 20 minutos finais são surpreendentemente comoventes - por vários motivos. "Pleasure" não acerta todas as notas, mas já demonstra um grande potencial de sua nova realizadora sueca.
O Mistério de Silver Lake
3.0 289 Assista AgoraNa contramão do fraco "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo", esse mais recente filme de David Robert Mitchell representa o que as produções da A24 fazem de melhor: provocar o público com uma ideia ambiciosa executada de forma cuidadosa e calculada, por mais aleatória que PAREÇA. "O Mistério de Silver Lake" se apropria de convenções de gênero e técnicas comuns do cinema clássico - especialmente o noir hitchcockiano - para nos conduzir por uma cruzada quase alucinógena do protagonista que pode remeter bastante a algo que David Lynch ou David Cronenberg fariam (e estamos falando de mais um David aqui). Não à toa, é um filme que comenta de forma recorrente sobre um certo preciosismo ao passado em relação à efemeridade do presente, culturalmente falando. Porém, a forma como Mitchell trabalha essa temática e a crítica que tece à elite hollywoodiana faz com que questionemos o tempo todo qual é o alvo do deboche do filme. Ou será que o alvo somos nós, que fomos transformados em conspiracionistas inveterados por passar 2h20 sob o ponto de vista de um homem cuja vida se mostrou tão frustrante que decidiu recorrer a fantasias pseudo-importantes?! FILMAÇO e provavelmente o melhor trabalho da carreira de Andrew Garfield.
Tudo em Todo O Lugar ao Mesmo Tempo
4.0 2,1K Assista Agora"Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo", assim como o recente "X", representa o que as produções da A24 tem de pior: achar que estética e "conceito" são o suficiente para sustentar um filme e transmitir uma falsa ideia de originalidade. O resultado é uma obra que, de primeira, parece brincar com a aleatoriedade justamente por tratar de um tema que possibilita isso, mas aos poucos vai revelando suas intenções banais, frágeis e piegas que mais parecem saídas de um filme teen que a Disney provavelmente lançaria nos anos 2000 (com o diferencial da representatividade LGBT e asiática). Tudo, é claro, coberto de várias aleatoriedades e bizarrices para fazer o espectador pensar a cada momento "Nossa, como esse filme é diferente!" quando na verdade só está distraindo o público do fato de que... esse é um filme vazio de conteúdo que quer soar complexo e inovador. Fica um pouco difícil sustentar essa ideia quando tudo aqui PRECISA ser verbalizado, de sentimentos profundos a conceitos da ficção científica, ou quando o humor soa como uma comédia ruim da turma de "Freaks & Geeks". A forma como o drama familiar é concluído, por sinal, é tão desinteressante e genérica que me lembrou a terrível fala de Anne Hathaway no igualmente prepotente "Interestelar": "O poder do amor transcende tempo e espaço." Claro que esteticamente é um filme impecável, a montagem dá certa agilidade - embora jamais mude o fato das 2h20 serem maçantes - e o elenco é genuinamente carismático (adoro Michelle Yeoh). Mas tudo em função de uma ideia tão trivial executada de forma tão desconexa e preguiçosa.
Eu juro que se eu tiver que ver aquelas mãos de salsicha de novo, eu vou... ARGHH!!!