Conheci esse trabalho da cinegrafia brasileira durante a minha graduação em História em meados de 2014. Hoje, 2021, já mestre em educação e pesquisador resolvi escrever algumas palavrinhas sobre a trama. Aqui temos uma abordagem sobre a luta contra o silenciamento da memória e, literalmente, contra o "afogamento" da história. Com tons de ironia e jocosidade, seguimos as peripécias e o processo do fazer historiográfico do pseudo-historiador Antônio Biá. Por trás dessa lente e avançando sobre uma análise mais aprofundada, vemos que a trama gira em torno do combate contra o esquecimento de uma população, a sua luta pela identidade e pelo reconhecimento de sua cultura. A sobrevivência de uma região ligada a sua historicidade. Narradores de Javé é um filme que convida o telespectador a refletir sobre a importância da preservação da história em detrimento dos "esquecimentos" - propositais ou não -, mas que continuam a espreitar o mundo moderno. Recomendo.
Não irei avançar sobre a filosofia presente na obra - muito já foi dito e escrito sobre -, pretendo apenas compartilhar a minha experiência ao acompanhar a narrativa. Ontem, assisti novamente a película e o filme não ficou datado, ao contrário, sinto que ao passar dos anos compreendo o sentido de "viver a vida". Se como escreverá a personagem no último ato da trama: "a felicidade só é real quando compartilhada" for uma máxima em nossas vidas podemos, portanto, encontrar o sentido do existir quando compartilhamos aos que estão próximos - física ou virtualmente - sobre os nossos prazeres, dores, sonhos e objetivos. A vida, como a grande experiência da incerteza, torna-se menos caótica quando temos pessoas com quem contar, confiar, amar. É essa, ao meu ver, a grande mensagem da trama: não é sobre se aventurar no vazio, no desconhecido, mas encontrar pessoas pelas quais vale viver, sentir. No mar da indiferença social, sejamos, na medida do possível, presenças!
Quero começar afirmando que toda obra de arte é, essencialmente, um objeto político. Os filmes, para citar uma paixão que compartilhamos aqui, não desviam dessa regra, visto que apresentam em suas tramas o debate acerca de ideias e práticas de pessoas que vivem em sociedade. Salientando as particularidades do grupo a ser filmado, em que por meios da lentes do câmera, observamos um pouco mais sobre a cultura, sobre o imaginário, sobre a política, os costumes e outros assuntos debatidos em nosso cotidiano tão frenético. A trama não é uma obra sobre invasão de alienígenas ou a documentação da guerra entre nações beligerantes, mas aqui a discussão gira em torno do processo de divorcio - dramático - de Viviane Amsalem dentro de uma sociedade de matriz teocrática e opressiva. Cabe dizer que a expressividade, os silêncios e as palavras entrecortadas da protagonista apresenta, muito bem, ao público ocidental como a estrutura social e a pressão religiosa impedem a possibilidade de determinadas escolhas da "vida prática". Compartilhamos pelos olhos da protagonista esse processo que é, ao mesmo tempo, desagradável e desconfortável, mas que provoca boas reflexões sobre a necessidade do "falar" - neste caso da protagonista feminina - dentro de uma estrutura social e teocrática que preza e defende os silêncios desse grupo social.
Aqui temos uma obra que está ligada diretamente a minha formação como cinéfilo, visto que tenho grande apreço emocional pelo trabalho das irmãs Wachowski. Lembro-me de alugar a fita numa locadora e assistir junto com os amigos. Olhando para trás agora, vejo que, de fato, foram belíssimos momentos :) Vamos ao filme. Essencialmente, Matrix (1999) é o primeiro filme de uma tetralogia - o último está programado para ser exibido em dezembro de 2021 - em que temos o confronto - ambientado em uma distopia técnico-científica - entre humanos e máquinas, tão comum na literatura, mas também no cinema do século XX/XXI. Não irei me estender muito aqui, pois, há na internet, para os mais aficionados, uma vasta literatura sobre as "alegorias", "discursos", "contra discursos" a respeito das possíveis interpretações, referências e contextos que permeiam todo objeto filme. Gostaria apenas de referenciar uma fala do líder da resistência contra o sistema, Morpheus, direcionado ao protagonista da trama: “Bem-vindo ao deserto do real”. A força presente nessa frase é o catalizador, ao meu ver, da obra: "O que significa sentir?", "O que é o real?", "O que somos?", entre outras ponderações e questionamentos que podem ser levantados após a apreciação da trama. Nesse sentido, como afirmou Morpheus, Matrix - o mundo em que nos não nascemos, mas somos cultivados: "é o mundo que foi colocado diante dos seus olhos para cegá-lo da verdade". "Mas, afinal, onde está a verdade?" você poderia questionar. Bem, meu caro leitor de comentários avulsos do filmow, isso cabe a você responder. Recomendo o filme :)
Sou vegetariano há cinco anos, dito isto, marco uma posição política e social frente ao mundo. E o documentário, para mim, só legitima com bastante sensibilidade a escolha que fiz em vida. Mas vamos para o comentário :). Em primazia, quero destacar a citação do Craig - o documentarista - praticamente no último ato: "não somos visitantes na natureza, mas parte dela" representa, ao meu ver, o ponto central dessa obra. Ao acompanhar o cotidiano desse magnifico animal - ela - da natureza, somos convidados a refletir sobre a nossa relação com o nosso ambiente, nossas escolhas e nossas sensibilidades - culturas, identidades, práticas - frente ao mundo que nos rodeia. Discordo de alguns comentários que li, abaixo nessa seção, acerca do texto do Craig ser "simplório", ou meramente uma "autopiedade", às vezes sexualidade, digna de materiais produzidos pelos livros de autoajuda. Não entrarei nesse debate, basta dizer que é necessário sair da "superfície" da trama e, assim como o diretor, mergulhar/aprofundar no discurso que é defendido. É importante ressaltar que "My Octopus Teacher (2020)" é uma obra que mescla biografia(s) com o estudo acerca do comportamento dos polvos; logo, negar/separar criador/criatura é produzir "silêncios". Portanto, vimos aqui a personagem principal da obra ser o centro das nossas atenções, pois, em pouquíssimo tempo, já estamos encantados por sua performance singular em tela: ela comove, diverte e, por vezes, angústia o telespectador desavisado. E esse sentimento de alteridade - a capacidade de se colocar no lugar do outro, independente da espécie - é que torna, em síntese, esse documentário sublime. Por fim, recomendo esse excelente "estudo de caso" sobre a vida marinha!
"Vocês podem matar o libertador, mas não a libertação", escreve Fred Hampton em 1969. A frase, se podemos interpretar-lá corretamente, delimita o tom de seu discurso político. Logo, a trama do filme gira em torno do protagonismo da personagem histórica. O seu ativismo enquanto líder dos "Black Panther Party" provocou intenso debate e reação - de diferentes grupos e segmentos - a respeito da situação politica e racial nos finais dos anos 1960 nos Estados Unidos. No filme é retratado, além de uma brevíssima biografia da personagem, a criação do movimento conhecido como "Rainbow Coalition", que ocorreu na cidade de Chicago, em 1969, sob a liderança de Fred Hampton - o "Messias Negro" do título da obra - que iniciou a formação de uma aliança, ultrapassando as barreiras de raça e etnicidade, com outras comunidades e movimentos sociais da cidade para coordenarem reivindicações contra a segregação, péssimas condições de vida e brutalidade policial. Nesse caldeirão, acompanhamos pela perspectiva de "Judas", o infiltrado, a sua relação conturbada com os outros grupos que fervilhavam nesse período, ao mesmo tempo, que conhecemos um pouco mais sobre as ações promovidas pelo "BPP". O interessante é que as interpretações de ambos os atores - Daniel Kaluuya e LaKeith Stanfield - dão uma carga bastante emotiva e performática muito boa para a narrativa. Por fim, em tempos de repressão estatal e policial, o debate promovido por "Judas e o Messias Negro (2021)" continua atual e bastante necessário. Recomendadíssimo!
O filme possui como proposta apresentar uma relação abusiva entre "mãe" e "filha", esta última que possui paraplegia. A tensão criada pela Chloe - interpretada por Kiera Allen que compartilha da mesma necessidade especial da personagem -, envolvendo a descoberta da situação foi interessante. Assim como a boa atuação de Sarah Paulson, a mãe da protagonista, que oferece todo o background necessário para o desconforto do telespectador. Dito isso, podemos dizer que é um bom filme, com boas pitadas de suspense, mas que no arco final perca, talvez por excesso, pois o "círculo de terror" continua. Poderia ter inovado: acredito que se encerrasse a trama algumas cenas antes causaria um impacto maior. Bom, é uma narrativa para passar o tempo, mas não espere a "reinvenção" da roda/gênero.
Após concluir a magistral biografia escrita por Steven Naifeh e Gregory Smith intitulada Van Gogh: a vida, "corri" para assistir essa adaptação. Atualmente temos contato com as obras de Van Gogh, direta ou indiretamente, por diferentes mídias: documentários, séries de tv, livros, filmes, quadros, fotografias, mas também a referências em peças de teatro, músicas e até em games. O fato é que Van Gogh, esse grande pintor do século XIX, encanta gerações. É certo, devido a longa documentação deixada pelo próprio em formas de cartas, que ele possuía um certo "weltscherz" (cansaço do mundo), mas que combatia esse sentimento por meio da pintura. Como escreve os dois biógrafos já citados: "Vincent não só via, vivia as imagens. Com sua curiosidade sem limites, o ardor obsessivo, a enorme receptividade e a impressionante capacidade de rememoração, entrelaçava-as em sua consciência como reflexos profundos. Vindo de uma infância definida por imagens - que pregavam, alertavam, agradavam, inspiravam -ele continuou a ordenar e descrever o mundo real a partir de um mundo figurado" (NAIFEH & SMITH, 2012. p. 343). Ou seja, não há como separar as pinturas de sua vida, visto que Vincent definia que "o que minha arte é, eu sou também" e que mesmo "num momento de profunda sinceridade, reconheceu a Theo (seu irmão) que sentia "uma grande depressão porque tudo o que fiz deu errado" (NAIFEH & SMITH, 2012. p. 181) revelava um sentimento de incompletude em relação ao seu trabalho. Essa auto depreciação decorre de seu método caótico de produção: sempre refazendo seus desenhos a exaustão em busca da perfeição. E aqui cabe um comentário sobre a adaptação fílmica de 2019: Willem Dafoe nos apresenta um homem que está nesse frenesi. A fotografia, os longos silêncios e a trilha sonora presente na obra dá um ar esteticamente belo à película. Vemos aqui, portanto, um homem que busca externalizar os sentimentos que carrega em seu coração e manifesta-los por meio da pintura. "As ilusões podem desaparecer, mas o sublime permanece" (NAIFEH & SMITH, 2012. p. 998), esse é um dos principais "mantras" do artista. E, talvez, a vida trágica e psicologicamente conturbada de Vincent Van Gogh tenha sido um dos pontos que contribuíram para que este artista ficasse tão conhecido pelo público em geral, no entanto, sua obra, de extrema força e delicadeza, nos deixa ver um artista levado por sua arte, fazendo dela o sentido e a expressão de sua vida, inaugurando com sua gestualidade um "modo passional" de representar. Como o próprio pintor no conta: "Quero que as pessoas digam de meu trabalho: aquele homem sente profundamente, aquele homem sente agudamente" (NAIFEH & SMITH, 2012. p. 363). E devo dizer, meu caro Vincent, que você conseguiu, mesmo após a sua precoce morte, mostrar o que sentia dentro de seu coração.
Sobre o filme, bem: acho que não há muito o que falar, apenas sentir :)
Referência: NAIFEH, Steven; SMITH, Gregory White. Van Gogh: a vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
Existe uma palavra comum dentro de algumas comunidades humanas que vivem no continente africano: "Ubuntu". Em tradução livre para o bom e velho português a palavra carrega uma expressão bastante interessante: "Eu sou porque nós somos". Este foi o sentimento que tive ao concluir este documentário. O que nos torna humanos é a nossa pluralidade cultural, social e religiosa, a nossa vitalidade de transformar o mundo ao nosso redor. Como é de praxe, sabemos que dentro de cada um existe um mundo a ser compartilhado, vivenciado e expandido. E a presente obra possibilita isso de forma intensa ao telespectador. A trilha sonora do documentário, unido a linda fotografia encanta quem passa, e aqui sem alegorias, por essa experiência audiovisual. Por fim, em um mundo de grandes transformações, dinamicidade e dentro da cultura do "descartável" e do "momentâneo", dá chance a este documentário é se permitir ver o mundo por outras perspectivas, por outros olhos. Recomendadíssimo!
Saramago foi, sem sombra de dúvida, um dos maiores escritores que o mundo já conhecerá. A sua vasta produção literária resisti e continua a encantar, mesmo após a morte do escritor, novos leitores por todo o mundo. E isto, por si só, legitima o poder da sua literatura. Aqui, neste belíssimo documentário, acompanhamos uma parte do seu cotidiano ao lado de Pilar, sua esposa. Conhecemos um pouco sobre a sua rotina atribulada, o impacto cultural de suas obras e o próprio debate, proposto pelo autor, sobre o sentido de sua produção literária. E se é verdade, como declama o próprio escritor que a "nossa maior tragédia é não saber o que fazer com a vida", talvez possamos ao menos buscar entende-la. E Saramago, que lutou durante toda a vida com os "versos", buscou nesse "ofício" um motivo pelo qual viver. Acho que no final ele conseguiu :)
Neste trabalho temos o privilégio, tão raro para o grande público, de observar o catatônico processo de direção do Coppola. As dificuldades encontradas no set - desde a construção da trama fílmica à relação com os atores, acionistas e demais produtores - são registradas pela lente de uma câmera. A documentação encontrada aqui permite, tanto ao leigo quanto o especialista em cinema, se deparar com uma magistral "aula" sobre o quê, de fato, significa criar uma película. Ademais, para quem se debruça sobre o estudo da sétima arte temos aqui uma "bibliografia" obrigatória. Recomendadíssimo!
Toda obra de arte independente de sua "forma" - filmes, literatura, games-, possui como umas das suas características a manifestação de um discurso. Em "Os 7 de Chicago" essa máxima procede. A obra toca em um ponto central: o autoritarismo do Estado - enquanto aparelho de repressão e controle social - e nivela as práticas arbitrárias que ocorrem frequentemente no campo jurídico em que o principio da imparcialidade - tão caro aos juristas - é, nada mais, que uma farsa disseminada aos "sete ventos". O direito a resistência, aquilo que Henry David Thoreau (1817-1862) , em seu livro "Desobediência Civil" definiu como: “o direito de recusar lealdade e de resistir ao governo quando sua tirania ou sua ineficiência são grandes e insuportáveis” é uma das mensagens mais fortes do filme. E o ato final encerrou brilhantemente a trama. Logo, não sei se a obra vencerá a premiação do Oscar, mas que promoveu reflexões importantes sobre liberdade, direito e, quiçá, utopias. Recomendo.
Em primazia, gostaria de citar o historiador alemão Jörn Rüsen neste breve texto. O autor reafirma, magistralmente, a necessidade de nós - enquanto sujeitos cognoscentes - externalizar por meio da linguagem o mundo em que vivemos. Escreve o historiador: "os seres humanos precisam interpretar seu mundo e entender a si mesmos na relação com outros para poderem viver. Esse feito interpretativo faz do mundo e do ser humano uma formação de sentido que, enquanto quadro orientador, torna o sofrimento compreensível e determina o agir". De fato, não poderia resumir melhor! Somos agraciados e convidados a exercer a alteridade - capacidade de se colocar no lugar do outro - durante toda a obra. A sensibilidade do documentário cativa, ao mesmo tempo que permiti um olhar mais interiorizado sobre as mazelas, prazeres, em suma, os "sentidos" que nós, enquanto espécie, compartilhamos com nossos semelhantes. Não há muito o que falar para incentivar você, caro leitor, a conhecer a obra, apenas gostaria de frisar que "human" não é um conjunto de "microcasos" e/ou micronarrativas compilados em vídeo, mas a representação das nossas dores, dos nossos sonhos, medos e vivências sobre o que nós torna, enfim, humanidade.
Tenho como foco esse ano reassistir aos grandes clássicos produzidos pelo Hayao Miyazaki. É espaço comum ao falar de animações nipônicas citar, direta ou indiretamente, a influência do Studio Ghibli na produção desse gênero dentro e fora do Japão. E não é para menos. Aqui, em particular, temos a análise muito interesse sobre o confronto entre "modernidade" e "natureza": a perda da sensibilidade do "mundo natural" em detrimento do avanço da técnica/indústria. As alegorias - "o realismo mágico", como diria Gabo - que permeiam toda a trama giram em torno da problemática do avanço - tatakae - da humanidade e os impactos da "civilização" para os outros seres do planeta. A trilha sonora e a bela animação dão a obra um "magnetismo" que captura a atenção do telespectador do início ao fim; além, é claro, dos breves silêncios em que a arte, por si só, manifesta o seu discurso. Não irei me estender sobre as personagens e suas motivações, apenas saliento a necessidade de, se possível, aprecie esse grande trabalho. Recomendadíssimo!
Sou professor e ministro aulas para alguns alunos surdos e filme tem muito a "dizer". Talvez quem não esteja familiarizado com essa situação diariamente veja no filme apenas caricaturas e "personas" foçadas pelos atorxs. Ei de discordar e muito! Aqui os longos silêncios, os interditos e a necessidade da "fala" criam uma atmosfera tão visceral e crua que comove o telespectador. O gestual ganha destaque e o "corpo" dos personagens dizem, e muito, sobre seus sentimentos e aspirações. Novamente, não vou me estender, é um belíssimo filme e que recomendo!
"Desmercantilizar a natureza!" esse, sem dúvida, foi o sentimento que tive ao concluir o documentário. Aquilo que Alberto Acosta - economista equatoriano - nos avisa há décadas: "não há como existir crescimento permanente em um mundo com limites finitos". A necessidade urgente de uma economia voltada/retornada a "pachamama", não como complemento ao desenvolvimento industrial, mas como foco, centro das nossas discussões e aspirações no século XXI. O antropocentrismo rompeu o "cordão umbilical" do homem com a mãe-terra. As mudanças provocadas pelo consumo desfreado, o extrativismo inconsequente e a crença dos recursos naturais ilimitados nos direcionou a um quadro desesperado da condição humana: estamos caminhado a passos largos para o "shoah" da natureza e, consequentemente, o nosso. A grande pergunta a se fazer é se, mediante tudo o que vivemos até agora, temos tempo suficiente para reverter esse cataclismo generalizado ou se iremos sucumbir. O relógio está girando e estamos, infelizmente, ficando sem tempo para reagir.
Após assistir o filme no auge da minha adolescência - 15/16 anos - retornei já mais "adulto" - 25 anos - de volta a trama. A primeira sessão se destacou, evidentemente, as cenas de combate e as táticas de guerrilha que foram apresentados pelo protagonista, com uma mistura, podemos dizer assim, de força bruta com destreza militares. Hoje, mais velho, vejo uma narrativa mais complexa: traumas de guerra, exclusão social, antimilitarismo, corrupção policial entre outras abordagens que podem ser analisadas na obra. É certo que as outras sequências fogem do tema do primeiro filme, mas aqui vemos o difícil "retorno para casa" de um homem que lutou no front e conheceu a barbárie da guerra. É um bom filme e produz no telespectador reflexões importantes sobre o trauma da guerra, os "silêncios internos" e a dor da perda. Filme mais que recomendado!
Poderia redigir aqui um tratado sobre a importância do debate que é levantado na trama, mas com poucas palavras apenas saliento: assista essa maravilha. Não perca tempo com o meu comentário vazio. Apenas presencie essa obra de arte chamada "Meu Pai" (2020). Sinta a sensibilidade nas atuações, os ótimos diálogos e a complexidade cronológica apresentada na trama. Filme mais que excepcional!
"Despertar para a vida": talvez essa seja uma boa definição para o filme. Não me recordo de ter assistido muitos filmes suecos - quiçá seja o primeiro -, a trama foi bem desenvolvida e o plot bem original. Cada um dos professores possuem problemas que são potencializados pelo consumo do álcool, visto como um "dispositivo para ação", mas que depois apresenta-se como catalizador de problemas. Sem qualquer moralismo aqui, vemos o álcool como ferramenta de "socialização do indivíduo", tanto no âmbito privado quanto no setor do trabalho. É perceptível em alguns momentos que há uma certa valorização do consumo da bebida, todavia nada que desmerece o filme como um todo. Sobre as atuações destaca-se, evidentemente, a do Mads Mikkelsen. O autor deu vida ao personagem de forma convincente; inclusive a performance/"libertação" no arco final foi a cereja do bolo. Em síntese é um excelente filme. A trama promove, em seu interior, debates interessantes sobre a questão da socialização, perspectivas de vida e alcoolismo. Recomendadíssimo!
Antes de falar sobre a trama em si, acho que seria interessante destacar rapidamente a trilha sonora. O material sonoro - que fora magistralmente composto por Ludovico Einaudi - valoriza em intensidade e dramaticidade as múltiplas mensagens que podem ser extraídas dessa grande película. Sobre a narrativa de Nomadland (2020) somos agraciados com o estudo de personagem muito bem executado, com trejeitos e com vasta expressividade. A performance de Frances McDormand encaixa perfeitamente ao estilo do filme, visto que essa seleção, no mínimo, foi muito bem acertada. Não sei se o filme receberá a estatueta, mas possui grandes chances de ser lembrado como um excelente filme. Recomendo.
De volta ao front do desconfortável e do absurdíssimo! Passando-se anos desde o primeiro filme, vemos aqui nessa sequência, do jornalista ficcional mais famoso do planeta, uma continuação (des)necessária. O historiador Sacha Baron Cohen, sim ele tem formação acadêmica além de atuar na área artística - interpreta, mais uma vez, a sua "persona" mais singular: Borat. Diferente da primeira experiência - que ao meu ver apresentou com mais crueza a sociedade caótica estadunidense - essa em particular deixou um pouco a desejar. Talvez pelas condições em que a trama foi narrada, em meio a maior pandemia do mundo, e que resultou em um filme inferior. Veja, não houve tempo para executar mais sequências com as "pessoas comuns" que era, convenhamos, a "cereja do bolo". Não me entendam mal: é uma bom filme de comédia, mas faltou o sarcasmo e o deboche - que eram características tão vívidos na primeira trama. Por fim, é um bom entretenimento, mas que não provoca estranheza a plateia, visto que estamos em 2021 e o absurdíssimo - que chocou em 2006 - bem, já é uma rotina há muito conhecida por todos nós.
Essa obra é um caso curioso: a reexibirão de uma história que já fora contada nos cinemas, mas que agora é apresentada em sua totalidade pela ótica do realizador/diretor original via plataforma de streaming. Temos aqui a Liga da Justiça de Zack Snyder com uma abordagem, digamos, mais crua, adulta e política. Após a primeira versão da Liga da Justiça de 2017 que fora dirigida/continuada por Joss Whedon - que não fora bem apreciada pela crítica e nem pelos fãs mais fervorosos da DC - temos a versão do diretor em 2021. Praticamente "dois filmes em um" e que possui uma estética própria, singular: câmera lenta, pouco humor e com mais sanguinolência. Como filme "solo" a obra perca pela longa duração, mas como foi apresentado em forma de "série" teve um aproveitamento melhor pelo público. É uma boa produção com um diretor que tem nas mãos a realização de seu projeto. Caso aprecie filmes de super-heróis acredito que seja uma boa pedida.
"O efeito borboleta levado ao extremo", podemos assim dizer em uma sentença. Mr. Nobody (2009) é ao mesmo tempo todos nós e ninguém; é o espaço vazio entre o agir e não agir, entre a possibilidade e a ausência. A reflexão proposta na película nos convida a imaginar as possibilidades de outras vidas; cada "micro escolha" reverbera em outras milhares demonstrando - para o nosso infortúnio - como somos "meros acasos de possibilidades". E ao pensamos, após o término do filme, nessas situações e convergências só denota, ao meu ver, que o objetivo da obra fora alcançado com primor. Recomendadíssimo!
Narradores de Javé
3.9 274Conheci esse trabalho da cinegrafia brasileira durante a minha graduação em História em meados de 2014. Hoje, 2021, já mestre em educação e pesquisador resolvi escrever algumas palavrinhas sobre a trama.
Aqui temos uma abordagem sobre a luta contra o silenciamento da memória e, literalmente, contra o "afogamento" da história. Com tons de ironia e jocosidade, seguimos as peripécias e o processo do fazer historiográfico do pseudo-historiador Antônio Biá. Por trás dessa lente e avançando sobre uma análise mais aprofundada, vemos que a trama gira em torno do combate contra o esquecimento de uma população, a sua luta pela identidade e pelo reconhecimento de sua cultura. A sobrevivência de uma região ligada a sua historicidade.
Narradores de Javé é um filme que convida o telespectador a refletir sobre a importância da preservação da história em detrimento dos "esquecimentos" - propositais ou não -, mas que continuam a espreitar o mundo moderno. Recomendo.
Na Natureza Selvagem
4.3 4,5K Assista AgoraNão irei avançar sobre a filosofia presente na obra - muito já foi dito e escrito sobre -, pretendo apenas compartilhar a minha experiência ao acompanhar a narrativa. Ontem, assisti novamente a película e o filme não ficou datado, ao contrário, sinto que ao passar dos anos compreendo o sentido de "viver a vida".
Se como escreverá a personagem no último ato da trama: "a felicidade só é real quando compartilhada" for uma máxima em nossas vidas podemos, portanto, encontrar o sentido do existir quando compartilhamos aos que estão próximos - física ou virtualmente - sobre os nossos prazeres, dores, sonhos e objetivos. A vida, como a grande experiência da incerteza, torna-se menos caótica quando temos pessoas com quem contar, confiar, amar. É essa, ao meu ver, a grande mensagem da trama: não é sobre se aventurar no vazio, no desconhecido, mas encontrar pessoas pelas quais vale viver, sentir.
No mar da indiferença social, sejamos, na medida do possível, presenças!
O Julgamento de Viviane Amsalem
4.3 83Quero começar afirmando que toda obra de arte é, essencialmente, um objeto político. Os filmes, para citar uma paixão que compartilhamos aqui, não desviam dessa regra, visto que apresentam em suas tramas o debate acerca de ideias e práticas de pessoas que vivem em sociedade. Salientando as particularidades do grupo a ser filmado, em que por meios da lentes do câmera, observamos um pouco mais sobre a cultura, sobre o imaginário, sobre a política, os costumes e outros assuntos debatidos em nosso cotidiano tão frenético.
A trama não é uma obra sobre invasão de alienígenas ou a documentação da guerra entre nações beligerantes, mas aqui a discussão gira em torno do processo de divorcio - dramático - de Viviane Amsalem dentro de uma sociedade de matriz teocrática e opressiva.
Cabe dizer que a expressividade, os silêncios e as palavras entrecortadas da protagonista apresenta, muito bem, ao público ocidental como a estrutura social e a pressão religiosa impedem a possibilidade de determinadas escolhas da "vida prática". Compartilhamos pelos olhos da protagonista esse processo que é, ao mesmo tempo, desagradável e desconfortável, mas que provoca boas reflexões sobre a necessidade do "falar" - neste caso da protagonista feminina - dentro de uma estrutura social e teocrática que preza e defende os silêncios desse grupo social.
Matrix
4.3 2,5K Assista AgoraAqui temos uma obra que está ligada diretamente a minha formação como cinéfilo, visto que tenho grande apreço emocional pelo trabalho das irmãs Wachowski. Lembro-me de alugar a fita numa locadora e assistir junto com os amigos. Olhando para trás agora, vejo que, de fato, foram belíssimos momentos :)
Vamos ao filme. Essencialmente, Matrix (1999) é o primeiro filme de uma tetralogia - o último está programado para ser exibido em dezembro de 2021 - em que temos o confronto - ambientado em uma distopia técnico-científica - entre humanos e máquinas, tão comum na literatura, mas também no cinema do século XX/XXI.
Não irei me estender muito aqui, pois, há na internet, para os mais aficionados, uma vasta literatura sobre as "alegorias", "discursos", "contra discursos" a respeito das possíveis interpretações, referências e contextos que permeiam todo objeto filme. Gostaria apenas de referenciar uma fala do líder da resistência contra o sistema, Morpheus, direcionado ao protagonista da trama: “Bem-vindo ao deserto do real”. A força presente nessa frase é o catalizador, ao meu ver, da obra: "O que significa sentir?", "O que é o real?", "O que somos?", entre outras ponderações e questionamentos que podem ser levantados após a apreciação da trama.
Nesse sentido, como afirmou Morpheus, Matrix - o mundo em que nos não nascemos, mas somos cultivados: "é o mundo que foi colocado diante dos seus olhos para cegá-lo da verdade".
"Mas, afinal, onde está a verdade?" você poderia questionar. Bem, meu caro leitor de comentários avulsos do filmow, isso cabe a você responder.
Recomendo o filme :)
Professor Polvo
4.2 387 Assista AgoraSou vegetariano há cinco anos, dito isto, marco uma posição política e social frente ao mundo. E o documentário, para mim, só legitima com bastante sensibilidade a escolha que fiz em vida. Mas vamos para o comentário :).
Em primazia, quero destacar a citação do Craig - o documentarista - praticamente no último ato: "não somos visitantes na natureza, mas parte dela" representa, ao meu ver, o ponto central dessa obra. Ao acompanhar o cotidiano desse magnifico animal - ela - da natureza, somos convidados a refletir sobre a nossa relação com o nosso ambiente, nossas escolhas e nossas sensibilidades - culturas, identidades, práticas - frente ao mundo que nos rodeia.
Discordo de alguns comentários que li, abaixo nessa seção, acerca do texto do Craig ser "simplório", ou meramente uma "autopiedade", às vezes sexualidade, digna de materiais produzidos pelos livros de autoajuda. Não entrarei nesse debate, basta dizer que é necessário sair da "superfície" da trama e, assim como o diretor, mergulhar/aprofundar no discurso que é defendido.
É importante ressaltar que "My Octopus Teacher (2020)" é uma obra que mescla biografia(s) com o estudo acerca do comportamento dos polvos; logo, negar/separar criador/criatura é produzir "silêncios". Portanto, vimos aqui a personagem principal da obra ser o centro das nossas atenções, pois, em pouquíssimo tempo, já estamos encantados por sua performance singular em tela: ela comove, diverte e, por vezes, angústia o telespectador desavisado. E esse sentimento de alteridade - a capacidade de se colocar no lugar do outro, independente da espécie - é que torna, em síntese, esse documentário sublime.
Por fim, recomendo esse excelente "estudo de caso" sobre a vida marinha!
Judas e o Messias Negro
4.1 517 Assista Agora"Vocês podem matar o libertador, mas não a libertação", escreve Fred Hampton em 1969. A frase, se podemos interpretar-lá corretamente, delimita o tom de seu discurso político. Logo, a trama do filme gira em torno do protagonismo da personagem histórica. O seu ativismo enquanto líder dos "Black Panther Party" provocou intenso debate e reação - de diferentes grupos e segmentos - a respeito da situação politica e racial nos finais dos anos 1960 nos Estados Unidos.
No filme é retratado, além de uma brevíssima biografia da personagem, a criação do movimento conhecido como "Rainbow Coalition", que ocorreu na cidade de Chicago, em 1969, sob a liderança de Fred Hampton - o "Messias Negro" do título da obra - que iniciou a formação de uma aliança, ultrapassando as barreiras de raça e etnicidade, com outras comunidades e movimentos sociais da cidade para coordenarem reivindicações contra a segregação, péssimas condições de vida e brutalidade policial.
Nesse caldeirão, acompanhamos pela perspectiva de "Judas", o infiltrado, a sua relação conturbada com os outros grupos que fervilhavam nesse período, ao mesmo tempo, que conhecemos um pouco mais sobre as ações promovidas pelo "BPP".
O interessante é que as interpretações de ambos os atores - Daniel Kaluuya e LaKeith Stanfield - dão uma carga bastante emotiva e performática muito boa para a narrativa.
Por fim, em tempos de repressão estatal e policial, o debate promovido por "Judas e o Messias Negro (2021)" continua atual e bastante necessário.
Recomendadíssimo!
Fuja
3.4 1,1K Assista AgoraO filme possui como proposta apresentar uma relação abusiva entre "mãe" e "filha", esta última que possui paraplegia. A tensão criada pela Chloe - interpretada por Kiera Allen que compartilha da mesma necessidade especial da personagem -, envolvendo a descoberta da situação foi interessante.
Assim como a boa atuação de Sarah Paulson, a mãe da protagonista, que oferece todo o background necessário para o desconforto do telespectador.
Dito isso, podemos dizer que é um bom filme, com boas pitadas de suspense, mas que no arco final perca, talvez por excesso, pois o "círculo de terror" continua. Poderia ter inovado: acredito que se encerrasse a trama algumas cenas antes causaria um impacto maior.
Bom, é uma narrativa para passar o tempo, mas não espere a "reinvenção" da roda/gênero.
No Portal da Eternidade
3.8 348 Assista AgoraApós concluir a magistral biografia escrita por Steven Naifeh e Gregory Smith intitulada Van Gogh: a vida, "corri" para assistir essa adaptação. Atualmente temos contato com as obras de Van Gogh, direta ou indiretamente, por diferentes mídias: documentários, séries de tv, livros, filmes, quadros, fotografias, mas também a referências em peças de teatro, músicas e até em games. O fato é que Van Gogh, esse grande pintor do século XIX, encanta gerações.
É certo, devido a longa documentação deixada pelo próprio em formas de cartas, que ele possuía um certo "weltscherz" (cansaço do mundo), mas que combatia esse sentimento por meio da pintura. Como escreve os dois biógrafos já citados:
"Vincent não só via, vivia as imagens. Com sua curiosidade sem limites, o ardor obsessivo, a enorme receptividade e a impressionante capacidade de rememoração, entrelaçava-as em sua consciência como reflexos profundos. Vindo de uma infância definida por imagens - que pregavam, alertavam, agradavam, inspiravam -ele continuou a ordenar e descrever o mundo real a partir de um mundo figurado" (NAIFEH & SMITH, 2012. p. 343).
Ou seja, não há como separar as pinturas de sua vida, visto que Vincent definia que "o que minha arte é, eu sou também" e que mesmo "num momento de profunda sinceridade, reconheceu a Theo (seu irmão) que sentia "uma grande depressão porque tudo o que fiz deu errado" (NAIFEH & SMITH, 2012. p. 181) revelava um sentimento de incompletude em relação ao seu trabalho. Essa auto depreciação decorre de seu método caótico de produção: sempre refazendo seus desenhos a exaustão em busca da perfeição.
E aqui cabe um comentário sobre a adaptação fílmica de 2019: Willem Dafoe nos apresenta um homem que está nesse frenesi. A fotografia, os longos silêncios e a trilha sonora presente na obra dá um ar esteticamente belo à película. Vemos aqui, portanto, um homem que busca externalizar os sentimentos que carrega em seu coração e manifesta-los por meio da pintura.
"As ilusões podem desaparecer, mas o sublime permanece" (NAIFEH & SMITH, 2012. p. 998), esse é um dos principais "mantras" do artista. E, talvez, a vida trágica e psicologicamente conturbada de Vincent Van Gogh tenha sido um dos pontos que contribuíram para que este artista ficasse tão conhecido pelo público em geral, no entanto, sua obra, de extrema força e delicadeza, nos deixa ver um artista levado por sua arte, fazendo dela o sentido e a expressão de sua vida, inaugurando com sua gestualidade um "modo passional" de representar.
Como o próprio pintor no conta: "Quero que as pessoas digam de meu trabalho: aquele homem sente profundamente, aquele homem sente agudamente" (NAIFEH & SMITH, 2012. p. 363). E devo dizer, meu caro Vincent, que você conseguiu, mesmo após a sua precoce morte, mostrar o que sentia dentro de seu coração.
Sobre o filme, bem: acho que não há muito o que falar, apenas sentir :)
Referência: NAIFEH, Steven; SMITH, Gregory White. Van Gogh: a vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
Samsara
4.6 127Existe uma palavra comum dentro de algumas comunidades humanas que vivem no continente africano: "Ubuntu". Em tradução livre para o bom e velho português a palavra carrega uma expressão bastante interessante: "Eu sou porque nós somos". Este foi o sentimento que tive ao concluir este documentário.
O que nos torna humanos é a nossa pluralidade cultural, social e religiosa, a nossa vitalidade de transformar o mundo ao nosso redor. Como é de praxe, sabemos que dentro de cada um existe um mundo a ser compartilhado, vivenciado e expandido. E a presente obra possibilita isso de forma intensa ao telespectador.
A trilha sonora do documentário, unido a linda fotografia encanta quem passa, e aqui sem alegorias, por essa experiência audiovisual.
Por fim, em um mundo de grandes transformações, dinamicidade e dentro da cultura do "descartável" e do "momentâneo", dá chance a este documentário é se permitir ver o mundo por outras perspectivas, por outros olhos. Recomendadíssimo!
José e Pilar
4.5 160 Assista AgoraSaramago foi, sem sombra de dúvida, um dos maiores escritores que o mundo já conhecerá. A sua vasta produção literária resisti e continua a encantar, mesmo após a morte do escritor, novos leitores por todo o mundo. E isto, por si só, legitima o poder da sua literatura.
Aqui, neste belíssimo documentário, acompanhamos uma parte do seu cotidiano ao lado de Pilar, sua esposa. Conhecemos um pouco sobre a sua rotina atribulada, o impacto cultural de suas obras e o próprio debate, proposto pelo autor, sobre o sentido de sua produção literária. E se é verdade, como declama o próprio escritor que a "nossa maior tragédia é não saber o que fazer com a vida", talvez possamos ao menos buscar entende-la.
E Saramago, que lutou durante toda a vida com os "versos", buscou nesse "ofício" um motivo pelo qual viver.
Acho que no final ele conseguiu :)
Francis Ford Coppola - O Apocalipse de um Cineasta
4.4 90Neste trabalho temos o privilégio, tão raro para o grande público, de observar o catatônico processo de direção do Coppola. As dificuldades encontradas no set - desde a construção da trama fílmica à relação com os atores, acionistas e demais produtores - são registradas pela lente de uma câmera. A documentação encontrada aqui permite, tanto ao leigo quanto o especialista em cinema, se deparar com uma magistral "aula" sobre o quê, de fato, significa criar uma película.
Ademais, para quem se debruça sobre o estudo da sétima arte temos aqui uma "bibliografia" obrigatória. Recomendadíssimo!
Os 7 de Chicago
4.0 581 Assista AgoraToda obra de arte independente de sua "forma" - filmes, literatura, games-, possui como umas das suas características a manifestação de um discurso. Em "Os 7 de Chicago" essa máxima procede.
A obra toca em um ponto central: o autoritarismo do Estado - enquanto aparelho de repressão e controle social - e nivela as práticas arbitrárias que ocorrem frequentemente no campo jurídico em que o principio da imparcialidade - tão caro aos juristas - é, nada mais, que uma farsa disseminada aos "sete ventos".
O direito a resistência, aquilo que Henry David Thoreau (1817-1862) , em seu livro "Desobediência Civil" definiu como: “o direito de recusar lealdade e de resistir ao governo quando sua tirania ou sua ineficiência são grandes e insuportáveis” é uma das mensagens mais fortes do filme. E o ato final encerrou brilhantemente a trama. Logo, não sei se a obra vencerá a premiação do Oscar, mas que promoveu reflexões importantes sobre liberdade, direito e, quiçá, utopias. Recomendo.
Humano - Uma Viagem pela Vida
4.7 326 Assista AgoraEm primazia, gostaria de citar o historiador alemão Jörn Rüsen neste breve texto. O autor reafirma, magistralmente, a necessidade de nós - enquanto sujeitos cognoscentes - externalizar por meio da linguagem o mundo em que vivemos.
Escreve o historiador:
"os seres humanos precisam interpretar seu mundo e entender a si mesmos na relação com outros para poderem viver. Esse feito interpretativo faz do mundo e do ser humano uma formação de sentido que, enquanto quadro orientador, torna o sofrimento compreensível e determina o agir". De fato, não poderia resumir melhor!
Somos agraciados e convidados a exercer a alteridade - capacidade de se colocar no lugar do outro - durante toda a obra. A sensibilidade do documentário cativa, ao mesmo tempo que permiti um olhar mais interiorizado sobre as mazelas, prazeres, em suma, os "sentidos" que nós, enquanto espécie, compartilhamos com nossos semelhantes.
Não há muito o que falar para incentivar você, caro leitor, a conhecer a obra, apenas gostaria de frisar que "human" não é um conjunto de "microcasos" e/ou micronarrativas compilados em vídeo, mas a representação das nossas dores, dos nossos sonhos, medos e vivências sobre o que nós torna, enfim, humanidade.
Princesa Mononoke
4.4 944 Assista AgoraTenho como foco esse ano reassistir aos grandes clássicos produzidos pelo Hayao Miyazaki. É espaço comum ao falar de animações nipônicas citar, direta ou indiretamente, a influência do Studio Ghibli na produção desse gênero dentro e fora do Japão. E não é para menos. Aqui, em particular, temos a análise muito interesse sobre o confronto entre "modernidade" e "natureza": a perda da sensibilidade do "mundo natural" em detrimento do avanço da técnica/indústria.
As alegorias - "o realismo mágico", como diria Gabo - que permeiam toda a trama giram em torno da problemática do avanço - tatakae - da humanidade e os impactos da "civilização" para os outros seres do planeta.
A trilha sonora e a bela animação dão a obra um "magnetismo" que captura a atenção do telespectador do início ao fim; além, é claro, dos breves silêncios em que a arte, por si só, manifesta o seu discurso.
Não irei me estender sobre as personagens e suas motivações, apenas saliento a necessidade de, se possível, aprecie esse grande trabalho. Recomendadíssimo!
Black
4.3 92 Assista AgoraSou professor e ministro aulas para alguns alunos surdos e filme tem muito a "dizer". Talvez quem não esteja familiarizado com essa situação diariamente veja no filme apenas caricaturas e "personas" foçadas pelos atorxs. Ei de discordar e muito! Aqui os longos silêncios, os interditos e a necessidade da "fala" criam uma atmosfera tão visceral e crua que comove o telespectador. O gestual ganha destaque e o "corpo" dos personagens dizem, e muito, sobre seus sentimentos e aspirações. Novamente, não vou me estender, é um belíssimo filme e que recomendo!
Antropoceno: A Era Humana
4.1 11"Desmercantilizar a natureza!" esse, sem dúvida, foi o sentimento que tive ao concluir o documentário. Aquilo que Alberto Acosta - economista equatoriano - nos avisa há décadas: "não há como existir crescimento permanente em um mundo com limites finitos".
A necessidade urgente de uma economia voltada/retornada a "pachamama", não como complemento ao desenvolvimento industrial, mas como foco, centro das nossas discussões e aspirações no século XXI.
O antropocentrismo rompeu o "cordão umbilical" do homem com a mãe-terra. As mudanças provocadas pelo consumo desfreado, o extrativismo inconsequente e a crença dos recursos naturais ilimitados nos direcionou a um quadro desesperado da condição humana: estamos caminhado a passos largos para o "shoah" da natureza e, consequentemente, o nosso.
A grande pergunta a se fazer é se, mediante tudo o que vivemos até agora, temos tempo suficiente para reverter esse cataclismo generalizado ou se iremos sucumbir. O relógio está girando e estamos, infelizmente, ficando sem tempo para reagir.
Rambo: Programado Para Matar
3.7 578 Assista AgoraApós assistir o filme no auge da minha adolescência - 15/16 anos - retornei já mais "adulto" - 25 anos - de volta a trama. A primeira sessão se destacou, evidentemente, as cenas de combate e as táticas de guerrilha que foram apresentados pelo protagonista, com uma mistura, podemos dizer assim, de força bruta com destreza militares. Hoje, mais velho, vejo uma narrativa mais complexa: traumas de guerra, exclusão social, antimilitarismo, corrupção policial entre outras abordagens que podem ser analisadas na obra. É certo que as outras sequências fogem do tema do primeiro filme, mas aqui vemos o difícil "retorno para casa" de um homem que lutou no front e conheceu a barbárie da guerra. É um bom filme e produz no telespectador reflexões importantes sobre o trauma da guerra, os "silêncios internos" e a dor da perda. Filme mais que recomendado!
Lágrimas do Sol
3.7 348 Assista AgoraBoa trilha sonora, entretém o telespectador, mas não inova ou apresenta algum de novo para o gênero.
Meu Pai
4.4 1,2K Assista AgoraPoderia redigir aqui um tratado sobre a importância do debate que é levantado na trama, mas com poucas palavras apenas saliento: assista essa maravilha. Não perca tempo com o meu comentário vazio. Apenas presencie essa obra de arte chamada "Meu Pai" (2020). Sinta a sensibilidade nas atuações, os ótimos diálogos e a complexidade cronológica apresentada na trama. Filme mais que excepcional!
Druk: Mais Uma Rodada
3.9 798 Assista Agora"Despertar para a vida": talvez essa seja uma boa definição para o filme. Não me recordo de ter assistido muitos filmes suecos - quiçá seja o primeiro -, a trama foi bem desenvolvida e o plot bem original. Cada um dos professores possuem problemas que são potencializados pelo consumo do álcool, visto como um "dispositivo para ação", mas que depois apresenta-se como catalizador de problemas.
Sem qualquer moralismo aqui, vemos o álcool como ferramenta de "socialização do indivíduo", tanto no âmbito privado quanto no setor do trabalho. É perceptível em alguns momentos que há uma certa valorização do consumo da bebida, todavia nada que desmerece o filme como um todo.
Sobre as atuações destaca-se, evidentemente, a do Mads Mikkelsen. O autor deu vida ao personagem de forma convincente; inclusive a performance/"libertação" no arco final foi a cereja do bolo.
Em síntese é um excelente filme. A trama promove, em seu interior, debates interessantes sobre a questão da socialização, perspectivas de vida e alcoolismo. Recomendadíssimo!
Nomadland
3.9 896 Assista AgoraAntes de falar sobre a trama em si, acho que seria interessante destacar rapidamente a trilha sonora. O material sonoro - que fora magistralmente composto por Ludovico Einaudi - valoriza em intensidade e dramaticidade as múltiplas mensagens que podem ser extraídas dessa grande película.
Sobre a narrativa de Nomadland (2020) somos agraciados com o estudo de personagem muito bem executado, com trejeitos e com vasta expressividade. A performance de Frances McDormand encaixa perfeitamente ao estilo do filme, visto que essa seleção, no mínimo, foi muito bem acertada. Não sei se o filme receberá a estatueta, mas possui grandes chances de ser lembrado como um excelente filme. Recomendo.
Borat: Fita de Cinema Seguinte
3.6 552 Assista AgoraDe volta ao front do desconfortável e do absurdíssimo! Passando-se anos desde o primeiro filme, vemos aqui nessa sequência, do jornalista ficcional mais famoso do planeta, uma continuação (des)necessária. O historiador Sacha Baron Cohen, sim ele tem formação acadêmica além de atuar na área artística - interpreta, mais uma vez, a sua "persona" mais singular: Borat. Diferente da primeira experiência - que ao meu ver apresentou com mais crueza a sociedade caótica estadunidense - essa em particular deixou um pouco a desejar.
Talvez pelas condições em que a trama foi narrada, em meio a maior pandemia do mundo, e que resultou em um filme inferior. Veja, não houve tempo para executar mais sequências com as "pessoas comuns" que era, convenhamos, a "cereja do bolo".
Não me entendam mal: é uma bom filme de comédia, mas faltou o sarcasmo e o deboche - que eram características tão vívidos na primeira trama.
Por fim, é um bom entretenimento, mas que não provoca estranheza a plateia, visto que estamos em 2021 e o absurdíssimo - que chocou em 2006 - bem, já é uma rotina há muito conhecida por todos nós.
Liga da Justiça de Zack Snyder
4.0 1,3KEssa obra é um caso curioso: a reexibirão de uma história que já fora contada nos cinemas, mas que agora é apresentada em sua totalidade pela ótica do realizador/diretor original via plataforma de streaming. Temos aqui a Liga da Justiça de Zack Snyder com uma abordagem, digamos, mais crua, adulta e política. Após a primeira versão da Liga da Justiça de 2017 que fora dirigida/continuada por Joss Whedon - que não fora bem apreciada pela crítica e nem pelos fãs mais fervorosos da DC - temos a versão do diretor em 2021. Praticamente "dois filmes em um" e que possui uma estética própria, singular: câmera lenta, pouco humor e com mais sanguinolência.
Como filme "solo" a obra perca pela longa duração, mas como foi apresentado em forma de "série" teve um aproveitamento melhor pelo público.
É uma boa produção com um diretor que tem nas mãos a realização de seu projeto. Caso aprecie filmes de super-heróis acredito que seja uma boa pedida.
Sr. Ninguém
4.3 2,7K"O efeito borboleta levado ao extremo", podemos assim dizer em uma sentença. Mr. Nobody (2009) é ao mesmo tempo todos nós e ninguém; é o espaço vazio entre o agir e não agir, entre a possibilidade e a ausência. A reflexão proposta na película nos convida a imaginar as possibilidades de outras vidas; cada "micro escolha" reverbera em outras milhares demonstrando - para o nosso infortúnio - como somos "meros acasos de possibilidades". E ao pensamos, após o término do filme, nessas situações e convergências só denota, ao meu ver, que o objetivo da obra fora alcançado com primor. Recomendadíssimo!