é tudo impressionantemente de mentirinha nesse filme, os efeitos especiais dando origem a um mundo. quase tudo se passa numa floresta toda criada em computador, o que lembra aqueles filmes da era de ouro de Hollywood, que imitavam lugares do mundo todo nuns cenários em Los Angeles. mas lembra também um filme bem mais antigo pela falta de ironia, pela seriedade, pela confiança na própria história. isso só funciona porque os animais são reais demais, tanto na estética quanto na personalidade. eles aparentam ter mais humanidade do que o único humano da história, talvez porque o menino não seja muito bom ator. ele sofre principalmente comparado com o Bill Murray, que é incrível aqui, combinando perfeitamente com a personalidade do Baloo, trazendo um monte de leveza e graça pra história. o maior problema do filme pra mim é ele seguir tão à risca essa fórmula de aventura infantil e acabar ficando meio cansativo e bastante familiar, que nem muita coisa que a Disney anda fazendo recentemente.
a trama desse filme é muito besta. várias coincidências improváveis levam a uma confusão que seria facilmente resolvida se os personagens sentassem e conversassem entre si. ainda bem que nada disso importa. quando Fred Astaire e Ginger Rogers dançam, é só alegria. a cena do Cheek to Cheek é linda.
é muito difícil entender os Irmãos Coen. o que exatamente eles querem dizer com Ave, César? ao mesmo tempo em que eles fazem uma crítica bem ácida dos estúdios de cinema dos anos 50, eles criam uma homenagem apaixonada aos filmes que saíam desses estúdios. o sistema é horrível, falta talento, é tudo ridículo e falso, mas o resultado final às vezes é lindo. talvez tudo valha a pena, né, deve ser melhor do que trabalhar com a bomba. e aí vêm várias paródias dos filmes de vários gêneros da época, que eu não sei ainda se são sinceras ou irônicas, mas sei que são incríveis.
ainda bem então que a gente se diverte muito enquanto tenta decifrar as ideias do filme sobre religião, sobre comunismo, sobre cinema e sobre um Josh Brolin em conflito com essas coisas todas. talvez seja tudo uma piada dos diretores, mas é engraçado demais. e o elenco é ótimo: tem vários personagens pequenos, um mais legal que o outro, e alguns deles são interpretados por atores muito famosos em participações bem curtas, mas ninguém é desperdiçado, todo mundo faz o seu melhor naquele estilo exagerado e satírico dos Irmãos Coen. é por isso que funciona tão bem e tem várias cenas sensacionais, tipo quando o Ralph Fiennes contracena com o Alden Ehrenreich e quando a Tilda Swinton não contracena com a outra Tilda Swinton. o Channing Tatum tem duas cenas só pra ele, uma delas é a melhor do filme, e a outra é bizarra e quase tão boa quanto. a Frances McDormand deveria tomar mais cuidado na sala de edição, e eu acho que eu nunca na minha vida vou parar de rir disso.
é um filme que poderia ser só uma sucessão de momentos mágicos do cinema, e de certa forma é um pouco disso. tem uma estrutura meio bagunçada, desfocada, a trama principal parece que não importa muito e é sempre esquecida por causa de uma digressão qualquer. mas isso combina com a confusão temática da narrativa, e eu ainda não sei o que é sério e o que é piada nessa história. talvez seja tudo uma coisa só, ou as duas coisas ao mesmo tempo. eu sei que esse filme não poderia ter sido feito por mais ninguém que não fosse os Irmãos Coen e que a cada novo trabalho eles provam de novo que são dois dos autores mais inteligentes do cinema.
tem muita porcaria e algumas coisas lindas, mas é legal demais assistir vários filmes de grandes diretores (e outros nem tanto) seguidos. é interessante também ver como eles lidam com a limitação de tempo e o que eles tentam passar - ideias, beleza, humor, etc. - quando falam sobre cinema. não sei se existem muitos outros filmes desse tipo, mas eu assistiria todos.
esse é o filme que quase todos os blockbusters de estúdio queriam ser, mas não conseguem. uma aventura perfeita, sempre envolvente e inventiva, e baseada em personagens bem desenvolvidos e carismáticos. aquela primeira cena engana de propósito, parece que o filme vai ser uma daquelas continuações que perdem o controle, adicionam elementos demais e tentam alcançar o espaço sideral, mas logo o filme volta pra Terra. os personagem passam por situações incríveis e perigosas, tipo a cena ótima deles atravessando a rua, mas a escala da história continua sendo pequena como no primeiro filme, até porque é um filme sobre brinquedos, que se passa em quartos, lojas, carros, em que qualquer coisa se torna um perigo gigante. isso é um dos principais motivos pra essa história funcionar tão perfeitamente do início ao fim.
além disso, é essencial a empatia que a Pixar tem por esses personagens tão bem feitos e bem escritos. muitas vezes, os conflitos dos personagens emocionam demais, porque é tudo muito sincero e bonito, então a história de uma boneca abandonada por uma criança de repente se torna a história de rejeição mais triste do mundo. mas na maior parte do tempo, só é bom demais assistir esses brinquedos interagindo, porque eles têm personalidades tão ótimas. é característica da Pixar desde o início o talento pra trazer uma humanidade bem verdadeira pra personagens não-humanos, mas Toy Story 2 é um dos melhores filmes deles por conseguir juntar isso com uma narrativa tão prazerosa e divertida.
essa continuação do Frankenstein explora os mesmos temas que o James Whale já tinha desenvolvido no primeiro filme, mas de forma mais aprofundada. é um estudo de um personagem bom mas inocente, jogado em um mundo ruim e que acaba então por tomar atitudes muito erradas, feito de forma ainda mais inteligente e cheia de nuances. o filme estende empatia pra todos os personagens, e até os mais malvados têm humanidade. e acaba por ser uma história muito comovente, principalmente por causa da amizade linda entre o monstro e o violinista cego, em que o filme alcança uma bondade bem sincera, um humanismo puro, difícil de encontrar.
o mais legal é que é uma tragédia bem complexa, que mostra como a hostilidade e a gentileza da sociedade se refletem no comportamento de um personagem ainda despreparado pro mundo, mas tudo isso é filmado num tom divertidíssimo, exagerado, bizarro. a história parece se passar numa realidade mais gótica e melodramática, o que aparece principalmente nas atuações sensacionais do Ernest Thesiger e da Una O'Connor. a estranheza doida do filme fica sempre no limite do aceitável, mas nunca ultrapassa esse limite, e estabelece um contraste delicioso com o drama bonito dos personagens. esse filme tem tudo.
o mundo do Hal Hartley é um mundo em que coisas muito estranhas podem acontecer e acontecem a qualquer momento, um sonho com aparência de realidade. em Amateur, ele brinca com o gênero de uma forma diferente e incrível, empregando aquele estilo meio frio e distante típico desse cinema americano independente dos anos 90 junto com uma trama absurda de espionagem e, assim, atinge emoções bem profundas. no meio de tiros inesperados, roupas de couro e furadeiras, ele retrata os traumas causados pelos homens nas mulheres por meio do sexo, a repressão e a exploração. esse filme é uma conspiração internacional de corpos proibidos, abusados e abandonados. é difícil não se identificar com a ex-freira supostamente ninfomaníaca que fracassa escrevendo pornografia por ser poética demais, e o final dela é muito poderoso, coerente e emocionante. eu gosto do Hal Hartley e a Isabelle Huppert é talvez a maior atriz do mundo, mas eu nunca imaginei que esse filme seria sensacional assim.
Toy Story é um filme simples, mas impecável. é curtinho, leve, despretensioso, mas é também o começo de uma era. esse é o primeiro longa da Pixar, que ainda viria a se desenvolver muito e fazer animações criativas e emocionalmente complexas. o mais marcante desse filme é como essas características da Pixar já estavam presentes nos filmes desde o início. a história do Woody e do Buzz Lightyear é uma aventura bem divertida mas também muito inventiva na criação dos personagens secundários e dos ambientes, principalmente o quarto dos dois meninos. o melhor de tudo são os dois protagonistas, a relação entre eles, o arco emocional tocante e bem desenvolvido dos dois. desde o início, impressiona a inteligência e a dedicação da Pixar, que aparecem nos filmes tanto na parte técnica quanto no tratamento dos personagens.
o Hitchcock é um diretor que combina muito bem com esse tipo de material, uma história divertida por si só e bem mirabolante - os próprios personagens têm dificuldade em acreditar em muitas das coisas que acontecem. ele tira um monte de suspense e estilo desse thriller, além de encontrar muita beleza na forma como filma os campos da Escócia e os personagens trágicos que vivem lá. é bem interessante o uso da música no filme, que é quase sempre descartada em favor de uma trilha sonora composta de barulhos tipo ovelhas e um telefone. mesmo assim, tem uma cena de ação chave ali no meio do filme em que ele deixa a música de suspense tocar bem alto, e o efeito é sensacional.
o que mais me incomoda aqui é aquilo que fica claro na última imagem do filme, sugerindo que toda essa trama absurda de espionagem e perseguição era só um pretexto pra o que verdadeiramente importa: a história de amor dos dois protagonistas. eu acho bem bizarro que a relação entre esses dois, toda baseada em coerção, se torne um romance e seja vista de forma positiva pelo filme. é inacreditável e incômodo que a mulher seja carregada por aí algemada a um cara que ameaça ela de morte e volte pra ele por livre e espontânea vontade, quando percebe que "ele estava falando a verdade". a gente tem que perdoar muita coisa quando vê um filme de 1935, entender que os tempos eram diferentes e que muitas formas de violência não eram encaradas como violência, mas esse tipo de relacionamento não pode ter sido aceitável nunca. é um filme muito bom, mas seria melhor sem esse "romance".
tudo fica bem claro naquele início, explicando a história do Batman: o Zack Snyder é um diretor bombástico, exagerado, patético. mas o estilo dele combina com um material inerentemente ridículo como o desse filme. o Snyder se esforça bastante e, no meio de tanta coisa que ele joga na tela, surgem imagens lindas, impressionantes. a direção dele não funciona e não é adequada pra maioria dos filmes, mas aqui ele se supera e se revela e faz coisas incríveis. talvez tenha a ver com o fato de Batman vs Superman ser ainda mais ridículo do que os outros filmes de super herói e se levar muito a sério mesmo assim.
nada disso muda o fato de que esse filme é na verdade uma bagunça muito maior do que aquela que o Superman fez no final do Homem de Aço. existe a tentativa de desenvolver umas ideias bem interessantes sobre formas de controle dos super-heróis e a responsabilidade que eles deveriam ter sobre as pessoas que protegem, mas a impressão que eu tive foi que tudo isso foi esquecido depois de uma explosão. pra além disso, é uma narrativa totalmente desinteressante e aquela trama padrão e insuportável da maioria dos filmes de super-herói, com umas pedrinhas e uns monstrengos. não ajuda o fato de o filme não saber a hora de acabar e os dois protagonistas não terem carisma nenhum. o Superman, como sempre, poderia ter sido substituído por um boneco. mas o mais horrível é o Batman, que age como um louco sádico sem nenhum motivo aparente, pra depois se tornar um amiguinho bondoso sem nenhum motivo aparente.
é até difícil saber se esse filme é bom ou ruim. pelo menos Batman vs Superman não tenta esconder sua natureza ridícula por trás de um monte de ironia e piadas sem graça, que nem aqueles outros super-heróis fazem. acaba sendo bem mais chato que os filmes da Marvel, mas é mais interessante por se esforçar tanto em ser único.
esse é um noir muito bom do Jules Dassin, com uma narrativa intrincada mas também muito bem amarrada e desenvolvida. o que a complexidade dessa trama tão envolvente pode esconder é o desespero que consome os personagens. isso é bem claro no protagonista, um trapaceiro que corre por aí pela noite em preto e branco de Londres sendo simpático com todo mundo, mas que aos poucos vai perdendo qualquer contato humano verdadeiro por causa de uma ambição destruidora. a personagem da Gene Tierney aparece menos que deveria, mas faz um contraponto muito bom ao personagem principal, funcionando como alma e coração do filme, uma pessoa verdadeiramente bondosa na história. aquele final é muito bonito como forma de redenção por meio das relações sinceras entre as pessoas, que insistem em continuar existindo num mundo de maldade e sombras.
o prólogo desse filme é uma das melhores coisas do mundo, meticulosamente concebido e totalmente criativo. o mais incrível é que o filme que segue essa introdução não é decepcionante, é a promessa cumprida pelo início, é o pássaro voando ao som de Hey Jude, é a genialidade destruída por vinte anos de tragédia. é surpreendente como, ainda no início da carreira, o Wes Anderson já era tão brilhante e inventivo formalmente, a câmera sempre no lugar certo, uma música pop deliciosa atrás da outra, o controle total sobre todos os elementos do cinema.
esse é um filme que pode causar um pouco de estranhamento no início, porque o estilo dos Wes Anderson parece criar um distanciamento irônico entre os personagens e o público. as atuações são secas e diretas e tudo tem um tom meio distante e cômico. um bom exemplo é como o filme não deixa de fazer piada nem na parte mais triste da história, aquela tentativa de suicídio. a verdade é que esse estilo do filme, essa indiferença aparente escondendo emoções muito profundas, é bem coerente com a forma de agir e de ver o mundo desses personagens tão estranhos.
não é o que parece à primeira vista, mas esse filme exige que o público enxergue os personagens com sinceridade, compreensão e identificação. é raro encontrar um filme que se importa tanto com o próprio drama, mesmo que seja por trás dessa fachada de comédia bizarra. eu nunca pensei que o Luke Wilson e a Gwyneth Paltrow fossem capazes de emocionar tanto quanto eles fazem aqui, principalmente naquela cena linda da cabana. e a história dos dois é só mais um dos muitos conflitos complexos e profundos entre o personagens muito bem construídos dessa família. é uma história que alcança as formas mais profundas do sentimento humano, e é tudo muito divertido também.
não sei se a comédia dos Irmãos Marx envelheceu mal mesmo ou se o problema é comigo, mas a verdade é que eu não achei esse filme engraçado. mesmo assim, as tramas dos filmes deles são malucas de um jeito bem divertido, servindo como ótimas desculpas pra juntar várias cenas incríveis de tão absurdas e doidas, tipo quando todas as pessoas do mundo se juntam numa cabine minúscula de navio e quando os irmãos trocam os móveis da sala pelos móveis do quarto. esse filme também tem um elemento musical e é interessante o contraste entre a sinceridade melodramática das cenas musicais e a ironia ácida da personalidade insuportável do Groucho Marx (foi mal). aquele interlúdio musical com os dois outros irmãos é bem bonito e uma das melhores coisas do filme, apesar de eu ter achado tudo filmado de um jeito meio indiferente. eu não tenho muita vontade de ver mais filmes dos Irmãos Marx, mas a natureza anárquica e imprevisível desse filme faz com que ele seja uma experiência bem agradável.
a cidade de Zootopia é criada de um jeito muito inventivo e a trama de investigação é divertida, apesar de ser bem absurda. Zootopia é um filme engraçadinho, fofinho e bastante familiar. o que poderia tornar esse filme mais memorável são as mensagens que ele tenta passar. aquela ideia de "você pode ser o que você quiser" é bem genérica e didática, então o mais interessante é a crítica àquele racismo meio fascista à la Donald Trump que o filme faz e que é muito admirável, apesar de não acrescentar nada de novo ou complexo. em geral, é um filme um pouco boboca, tanto nos desenvolvimentos cada vez mais ridículos da trama, quanto no humor, bastante baseado em referências sem graça à cultura pop e em estereótipos, o que estraga um pouco a mensagem contra o preconceito que o filme defende. a pior parte é ter que ouvir duas vezes aquela música horrível da Shakira. no final, fica a sensação de ter visto um filme igual a todos os outros.
a Ava DuVernay conta histórias de drama humano, descobrindo beleza e poesia em sons, imagens e interações, mas esse é um talento que ela viria a refinar mais tarde. I Will Follow é o primeiro filme dela e dá pra perceber, porque é encenado de uma forma meio desajeitada e, pra um filme que fala também de música, a trilha sonora é bem ruim, melosa e excessiva. além de que o Bradford Young faz muita falta: às vezes, esse filme tem a aparência de um daqueles filmes cristãos feitos pra TV. mesmo assim, é uma história tornada melhor por ser contada a partir do ponto de vista ainda relativamente raro no cinema de uma mulher negra madura, inteligente, bem resolvida. é um filme pequeno com a narrativa intimista e uma dramaturgia boa e sincera, que carrega um monte de sentimento e emociona aos poucos.
o Miyazaki é obviamente um mestre da animação, mas eu nunca tinha visto um filme dele tão rico tematicamente e com uma narrativa tão bem executada. e é um filme muito gostoso de se assistir, em que cada momento é impressionante, cada cena é maravilhosa e essas maravilhas se sucedem sem pausa. o efeito disso é a construção de um mundo lindo, bizarro, mais próximo de um sonho do que da realidade, mas de certa forma também bem acessível e compreensível. a Chihiro personifica muito bem um processo de amadurecimento em que o mundo se torna um lugar estranho e hostil, no início dependendo da bondade de estranhos pra depois substituir aquele sentimento de ingenuidade e desespero por força. a trilha sonora do Joe Hisaishi é ótima, bem clássica e tradicional, mas nunca familiar ou genérica, e isso pode se aplicar ao filme todo também, que usa convenções de outros gêneros e emoções bem universais pra contar uma história que é sempre única e imprevisível.
muito bom como um filmão envolvente de aventura no mar. é bem longo e tem muita história pra contar, então acaba que é até estranho como o motim do título demora pra acontecer e, quando acontece, é tão rápido. é uma parte crucial do filme, mas é tratado como um detalhe. as sequências no Taiti parecem desnecessárias na hora e são racialmente insensíveis, como era de se esperar de um filme de 1935, mas funcionam como um interlúdio bonito na história de maldade e abuso incessantes que acontecia antes, são cenas que deixam a narrativa respirar um pouco. é inacreditável como a relação entre os ingleses e os taitianos é tão cordial e respeitosa, até da parte do vilão.
o Capitão Bligh é um pouco ridículo e absurdo de tão constantemente cruel, o Charles Laughton atuando como se fosse um daqueles monstros da Universal, mas é um personagem que tem alguns desenvolvimentos que tornam a personalidade dele mais complexa, apesar de passarem longe de uma redenção. o Capitão Christian é mais interessante, como um cara decente e carismático que faz algumas coisas questionáveis às vezes. esse filme é um monte de coisa ao mesmo tempo e acaba sendo um exemplo muito bom de um desses filmes de espetáculo dos estúdios antigos, mas também é uma boa crítica, didática e revoltante.
eu não tenho a menor dúvida de que a animação nesse filme é linda, o que contribui pra que o Miyazaki crie muitas sequências bonitas, tipo a abertura e aquela cena impressionante e incrível na caverna que brilha. e Laputa é uma criação ótima que combina com todo o mundo mágico sem lugar nem tempo definidos em que se passa o filme. o problema pra mim aqui é que essa trama de aventura e perseguições é tão cheia de informação e de reviravoltas desnecessárias, tão longa e complicada, que o filme fica meio bagunçado e desinteressante. a relação entre os dois personagens principais é bem legal, mas a personalidade deles é um pouco vazia demais pra sustentar esse monte de narrativa. no final, eu já não me importava com nada e queria que o filme acabasse logo.
Psicose tem esse tom de trasheira diabólica, como terror, como suspense e como noir, mas é bem inteligente como construção de um personagem também. e é um material que deixa o Hitchcock fazer coisas sensacionais como estilista, usando o Anthony Perkins, aquela trilha do Bernard Herrmann e uma fotografia preto e branco que é aterrorizante por si só. isso tudo fica bem claro naquela cena ótima de perseguição de carro no início. e a conversa entre o Norman Bates e a Marion Crane no motel é filmada de um jeito incrível, a câmera parada mudando de posição de acordo com o humor dos personagens e as viradas na conversa. esses são só alguns exemplos que não chamam tanta atenção assim em um filme que é todo consistentemente dirigido de forma brilhante. se o filme e a história perderam um pouco do impacto, é porque é um clássico tão conhecido, tão copiado e parodiado, mas isso não é culpa do filme, é culpa do resto do mundo. aquela cena do psiquiatra no final é bem ruim, porque explica as coisas muito desnecessariamente bem explicadinho. mas a cena final é uma maravilha e compensa tudo.
claro que esse filme é uma besteira, mas isso não necessariamente é uma coisa ruim. a premissa é bizarramente divertida e tem umas sequências de ação e comédia bem legais, principalmente quando o padre vai buscar o sangue de uma virgem. toda aquela parte no apartamento do apresentador de televisão é muito boa, mas o problema é que essa parte acaba. aí o filme fica sem ritmo, sem graça, vira uma bagunça. e continua sendo uma besteira.
não é nada substancial, mas as cenas na igreja são muito legais e os efeitos especiais dão um charme pra coisa toda. engraçado que o personagem título aparece por menos de um minuto só pra deixar tudo mais bizarro. eu tava torcendo pela bruxa, difícil torcer por um filósofo tão pateta com aquele cabelinho e aquela risadinha.
fica melhor quando se livra da vontade de fazer piada e abraça a melancolia silenciosa que se espera da Sofia Coppola e do Bill Murray de hoje em dia. e aí vira um retrato bem bonito de pessoas se reunindo pra fazer uma festa no meio da decepção e da solidão. a história de A Very Murray Christmas é só um desculpinha pra botar vários famosos cantando juntos. tem alguns cantores profissionais, mas o mais legal é como as pessoas cantam com a voz normal delas, a música mostrando os sentimentos que elas não sabem como expressar, tipo uma versão estendida da cena do karaokê de Lost in Translation. depois disso vira um pequeno espetáculo e perde um pouco daquela sinceridade de uma celebração meio triste, mas vale a pena por terem chamado o George Clooney só pra ficar brincando no fundo.
o melhor desse filme é como ele concilia o clima de tensão do terror com uma história que é mais um drama humano do que qualquer coisa. é até difícil respirar durante aquele último ato, porque a trilha sonora macabra e as aparições sobrenaturais servem pra intensificar aquelas confrontações humanas em tom de melodrama. o elenco é tão bom e a narrativa tão bem conduzida até então que esse jogo de culpa entre a família se torna um drama real, envolvente, assustador. é um filme que implora pra ser lido como alegoria e ter seus temas discutidos, por causa do gênero, da ambientação e daquele clímax. ele usa tudo isso em seu favor pra fazer um retrato de como essa forma de fanatismo religioso se mostra como medo de tudo e de como esse medo se converte em medo da sexualidade e do corpo da mulher. é uma discussão dessa associação histórica entre bruxaria e sexualidade feminina e como as pessoas usavam isso exatamente como forma de culpar as mulheres pelo mal e pelo desconhecido. nesse sentido, aquele final talvez seja uma confirmação, mas também é destruição disso tudo e uma forma de libertação.
tem uns desenvolvimentos na história da personagem que são absurdos e inacreditáveis. a narrativa parece predeterminada pra fazer ela sofrer e explorar a tragédia dela. mesmo assim, o Lukas Moodysson lida com isso com o mesmo humanismo e graça que ele trouxe pra uma história leve sobre meninas roqueiras (Nós Somos as Melhores!). isso faz com que o filme seja muito bonito e forte emocionalmente mesmo quando as coisas se tornam cada vez mais terríveis. é triste, desesperador de tão triste, um dos filmes mais tristes do mundo, mas ajuda muito que seja uma personagem tão boa e tão real. a verdade é que, apesar de tudo, a Lilya é forte e uma das coisas mais marcantes da personagem é a resistência dela, que é meio insuficiente, mas diz muito mais do que qualquer outra coisa nesse filme. só não diz mais do que a amizade central da história, que segura essa narrativa de virar uma tragédia completa e mostra uma empatia muito grande pelos personagens, mesmo quando o resto do mundo é um lixo. aquele menino Volodya é a esperança e a bondade na vida da protagonista, e eu acho que essas são as coisas mais relevantes pro filme. é muito difícil não se emocionar com isso tudo.
Mogli: O Menino Lobo
3.8 1,0K Assista Agoraé tudo impressionantemente de mentirinha nesse filme, os efeitos especiais dando origem a um mundo. quase tudo se passa numa floresta toda criada em computador, o que lembra aqueles filmes da era de ouro de Hollywood, que imitavam lugares do mundo todo nuns cenários em Los Angeles. mas lembra também um filme bem mais antigo pela falta de ironia, pela seriedade, pela confiança na própria história. isso só funciona porque os animais são reais demais, tanto na estética quanto na personalidade. eles aparentam ter mais humanidade do que o único humano da história, talvez porque o menino não seja muito bom ator. ele sofre principalmente comparado com o Bill Murray, que é incrível aqui, combinando perfeitamente com a personalidade do Baloo, trazendo um monte de leveza e graça pra história. o maior problema do filme pra mim é ele seguir tão à risca essa fórmula de aventura infantil e acabar ficando meio cansativo e bastante familiar, que nem muita coisa que a Disney anda fazendo recentemente.
O Picolino
4.1 110 Assista Agoraa trama desse filme é muito besta. várias coincidências improváveis levam a uma confusão que seria facilmente resolvida se os personagens sentassem e conversassem entre si. ainda bem que nada disso importa. quando Fred Astaire e Ginger Rogers dançam, é só alegria. a cena do Cheek to Cheek é linda.
Ave, César!
3.2 311 Assista Agoraé muito difícil entender os Irmãos Coen. o que exatamente eles querem dizer com Ave, César? ao mesmo tempo em que eles fazem uma crítica bem ácida dos estúdios de cinema dos anos 50, eles criam uma homenagem apaixonada aos filmes que saíam desses estúdios. o sistema é horrível, falta talento, é tudo ridículo e falso, mas o resultado final às vezes é lindo. talvez tudo valha a pena, né, deve ser melhor do que trabalhar com a bomba. e aí vêm várias paródias dos filmes de vários gêneros da época, que eu não sei ainda se são sinceras ou irônicas, mas sei que são incríveis.
ainda bem então que a gente se diverte muito enquanto tenta decifrar as ideias do filme sobre religião, sobre comunismo, sobre cinema e sobre um Josh Brolin em conflito com essas coisas todas. talvez seja tudo uma piada dos diretores, mas é engraçado demais. e o elenco é ótimo: tem vários personagens pequenos, um mais legal que o outro, e alguns deles são interpretados por atores muito famosos em participações bem curtas, mas ninguém é desperdiçado, todo mundo faz o seu melhor naquele estilo exagerado e satírico dos Irmãos Coen. é por isso que funciona tão bem e tem várias cenas sensacionais, tipo quando o Ralph Fiennes contracena com o Alden Ehrenreich e quando a Tilda Swinton não contracena com a outra Tilda Swinton. o Channing Tatum tem duas cenas só pra ele, uma delas é a melhor do filme, e a outra é bizarra e quase tão boa quanto. a Frances McDormand deveria tomar mais cuidado na sala de edição, e eu acho que eu nunca na minha vida vou parar de rir disso.
é um filme que poderia ser só uma sucessão de momentos mágicos do cinema, e de certa forma é um pouco disso. tem uma estrutura meio bagunçada, desfocada, a trama principal parece que não importa muito e é sempre esquecida por causa de uma digressão qualquer. mas isso combina com a confusão temática da narrativa, e eu ainda não sei o que é sério e o que é piada nessa história. talvez seja tudo uma coisa só, ou as duas coisas ao mesmo tempo. eu sei que esse filme não poderia ter sido feito por mais ninguém que não fosse os Irmãos Coen e que a cada novo trabalho eles provam de novo que são dois dos autores mais inteligentes do cinema.
Cada Um Com Seu Cinema
3.8 160tem muita porcaria e algumas coisas lindas, mas é legal demais assistir vários filmes de grandes diretores (e outros nem tanto) seguidos. é interessante também ver como eles lidam com a limitação de tempo e o que eles tentam passar - ideias, beleza, humor, etc. - quando falam sobre cinema. não sei se existem muitos outros filmes desse tipo, mas eu assistiria todos.
Toy Story 2
4.0 712 Assista Agoraesse é o filme que quase todos os blockbusters de estúdio queriam ser, mas não conseguem. uma aventura perfeita, sempre envolvente e inventiva, e baseada em personagens bem desenvolvidos e carismáticos. aquela primeira cena engana de propósito, parece que o filme vai ser uma daquelas continuações que perdem o controle, adicionam elementos demais e tentam alcançar o espaço sideral, mas logo o filme volta pra Terra. os personagem passam por situações incríveis e perigosas, tipo a cena ótima deles atravessando a rua, mas a escala da história continua sendo pequena como no primeiro filme, até porque é um filme sobre brinquedos, que se passa em quartos, lojas, carros, em que qualquer coisa se torna um perigo gigante. isso é um dos principais motivos pra essa história funcionar tão perfeitamente do início ao fim.
além disso, é essencial a empatia que a Pixar tem por esses personagens tão bem feitos e bem escritos. muitas vezes, os conflitos dos personagens emocionam demais, porque é tudo muito sincero e bonito, então a história de uma boneca abandonada por uma criança de repente se torna a história de rejeição mais triste do mundo. mas na maior parte do tempo, só é bom demais assistir esses brinquedos interagindo, porque eles têm personalidades tão ótimas. é característica da Pixar desde o início o talento pra trazer uma humanidade bem verdadeira pra personagens não-humanos, mas Toy Story 2 é um dos melhores filmes deles por conseguir juntar isso com uma narrativa tão prazerosa e divertida.
A Noiva de Frankenstein
3.9 146essa continuação do Frankenstein explora os mesmos temas que o James Whale já tinha desenvolvido no primeiro filme, mas de forma mais aprofundada. é um estudo de um personagem bom mas inocente, jogado em um mundo ruim e que acaba então por tomar atitudes muito erradas, feito de forma ainda mais inteligente e cheia de nuances. o filme estende empatia pra todos os personagens, e até os mais malvados têm humanidade. e acaba por ser uma história muito comovente, principalmente por causa da amizade linda entre o monstro e o violinista cego, em que o filme alcança uma bondade bem sincera, um humanismo puro, difícil de encontrar.
o mais legal é que é uma tragédia bem complexa, que mostra como a hostilidade e a gentileza da sociedade se refletem no comportamento de um personagem ainda despreparado pro mundo, mas tudo isso é filmado num tom divertidíssimo, exagerado, bizarro. a história parece se passar numa realidade mais gótica e melodramática, o que aparece principalmente nas atuações sensacionais do Ernest Thesiger e da Una O'Connor. a estranheza doida do filme fica sempre no limite do aceitável, mas nunca ultrapassa esse limite, e estabelece um contraste delicioso com o drama bonito dos personagens. esse filme tem tudo.
Amateur
3.5 18o mundo do Hal Hartley é um mundo em que coisas muito estranhas podem acontecer e acontecem a qualquer momento, um sonho com aparência de realidade. em Amateur, ele brinca com o gênero de uma forma diferente e incrível, empregando aquele estilo meio frio e distante típico desse cinema americano independente dos anos 90 junto com uma trama absurda de espionagem e, assim, atinge emoções bem profundas. no meio de tiros inesperados, roupas de couro e furadeiras, ele retrata os traumas causados pelos homens nas mulheres por meio do sexo, a repressão e a exploração. esse filme é uma conspiração internacional de corpos proibidos, abusados e abandonados. é difícil não se identificar com a ex-freira supostamente ninfomaníaca que fracassa escrevendo pornografia por ser poética demais, e o final dela é muito poderoso, coerente e emocionante. eu gosto do Hal Hartley e a Isabelle Huppert é talvez a maior atriz do mundo, mas eu nunca imaginei que esse filme seria sensacional assim.
Toy Story
4.2 1,3K Assista AgoraToy Story é um filme simples, mas impecável. é curtinho, leve, despretensioso, mas é também o começo de uma era. esse é o primeiro longa da Pixar, que ainda viria a se desenvolver muito e fazer animações criativas e emocionalmente complexas. o mais marcante desse filme é como essas características da Pixar já estavam presentes nos filmes desde o início. a história do Woody e do Buzz Lightyear é uma aventura bem divertida mas também muito inventiva na criação dos personagens secundários e dos ambientes, principalmente o quarto dos dois meninos. o melhor de tudo são os dois protagonistas, a relação entre eles, o arco emocional tocante e bem desenvolvido dos dois. desde o início, impressiona a inteligência e a dedicação da Pixar, que aparecem nos filmes tanto na parte técnica quanto no tratamento dos personagens.
Os 39 Degraus
3.7 120 Assista Agorao Hitchcock é um diretor que combina muito bem com esse tipo de material, uma história divertida por si só e bem mirabolante - os próprios personagens têm dificuldade em acreditar em muitas das coisas que acontecem. ele tira um monte de suspense e estilo desse thriller, além de encontrar muita beleza na forma como filma os campos da Escócia e os personagens trágicos que vivem lá. é bem interessante o uso da música no filme, que é quase sempre descartada em favor de uma trilha sonora composta de barulhos tipo ovelhas e um telefone. mesmo assim, tem uma cena de ação chave ali no meio do filme em que ele deixa a música de suspense tocar bem alto, e o efeito é sensacional.
o que mais me incomoda aqui é aquilo que fica claro na última imagem do filme, sugerindo que toda essa trama absurda de espionagem e perseguição era só um pretexto pra o que verdadeiramente importa: a história de amor dos dois protagonistas. eu acho bem bizarro que a relação entre esses dois, toda baseada em coerção, se torne um romance e seja vista de forma positiva pelo filme. é inacreditável e incômodo que a mulher seja carregada por aí algemada a um cara que ameaça ela de morte e volte pra ele por livre e espontânea vontade, quando percebe que "ele estava falando a verdade". a gente tem que perdoar muita coisa quando vê um filme de 1935, entender que os tempos eram diferentes e que muitas formas de violência não eram encaradas como violência, mas esse tipo de relacionamento não pode ter sido aceitável nunca. é um filme muito bom, mas seria melhor sem esse "romance".
Batman vs Superman - A Origem da Justiça
3.4 4,9K Assista Agoratudo fica bem claro naquele início, explicando a história do Batman: o Zack Snyder é um diretor bombástico, exagerado, patético. mas o estilo dele combina com um material inerentemente ridículo como o desse filme. o Snyder se esforça bastante e, no meio de tanta coisa que ele joga na tela, surgem imagens lindas, impressionantes. a direção dele não funciona e não é adequada pra maioria dos filmes, mas aqui ele se supera e se revela e faz coisas incríveis. talvez tenha a ver com o fato de Batman vs Superman ser ainda mais ridículo do que os outros filmes de super herói e se levar muito a sério mesmo assim.
nada disso muda o fato de que esse filme é na verdade uma bagunça muito maior do que aquela que o Superman fez no final do Homem de Aço. existe a tentativa de desenvolver umas ideias bem interessantes sobre formas de controle dos super-heróis e a responsabilidade que eles deveriam ter sobre as pessoas que protegem, mas a impressão que eu tive foi que tudo isso foi esquecido depois de uma explosão. pra além disso, é uma narrativa totalmente desinteressante e aquela trama padrão e insuportável da maioria dos filmes de super-herói, com umas pedrinhas e uns monstrengos. não ajuda o fato de o filme não saber a hora de acabar e os dois protagonistas não terem carisma nenhum. o Superman, como sempre, poderia ter sido substituído por um boneco. mas o mais horrível é o Batman, que age como um louco sádico sem nenhum motivo aparente, pra depois se tornar um amiguinho bondoso sem nenhum motivo aparente.
é até difícil saber se esse filme é bom ou ruim. pelo menos Batman vs Superman não tenta esconder sua natureza ridícula por trás de um monte de ironia e piadas sem graça, que nem aqueles outros super-heróis fazem. acaba sendo bem mais chato que os filmes da Marvel, mas é mais interessante por se esforçar tanto em ser único.
Sombras do Mal
4.2 37esse é um noir muito bom do Jules Dassin, com uma narrativa intrincada mas também muito bem amarrada e desenvolvida. o que a complexidade dessa trama tão envolvente pode esconder é o desespero que consome os personagens. isso é bem claro no protagonista, um trapaceiro que corre por aí pela noite em preto e branco de Londres sendo simpático com todo mundo, mas que aos poucos vai perdendo qualquer contato humano verdadeiro por causa de uma ambição destruidora. a personagem da Gene Tierney aparece menos que deveria, mas faz um contraponto muito bom ao personagem principal, funcionando como alma e coração do filme, uma pessoa verdadeiramente bondosa na história. aquele final é muito bonito como forma de redenção por meio das relações sinceras entre as pessoas, que insistem em continuar existindo num mundo de maldade e sombras.
Os Excêntricos Tenenbaums
4.1 856 Assista Agorao prólogo desse filme é uma das melhores coisas do mundo, meticulosamente concebido e totalmente criativo. o mais incrível é que o filme que segue essa introdução não é decepcionante, é a promessa cumprida pelo início, é o pássaro voando ao som de Hey Jude, é a genialidade destruída por vinte anos de tragédia. é surpreendente como, ainda no início da carreira, o Wes Anderson já era tão brilhante e inventivo formalmente, a câmera sempre no lugar certo, uma música pop deliciosa atrás da outra, o controle total sobre todos os elementos do cinema.
esse é um filme que pode causar um pouco de estranhamento no início, porque o estilo dos Wes Anderson parece criar um distanciamento irônico entre os personagens e o público. as atuações são secas e diretas e tudo tem um tom meio distante e cômico. um bom exemplo é como o filme não deixa de fazer piada nem na parte mais triste da história, aquela tentativa de suicídio. a verdade é que esse estilo do filme, essa indiferença aparente escondendo emoções muito profundas, é bem coerente com a forma de agir e de ver o mundo desses personagens tão estranhos.
não é o que parece à primeira vista, mas esse filme exige que o público enxergue os personagens com sinceridade, compreensão e identificação. é raro encontrar um filme que se importa tanto com o próprio drama, mesmo que seja por trás dessa fachada de comédia bizarra. eu nunca pensei que o Luke Wilson e a Gwyneth Paltrow fossem capazes de emocionar tanto quanto eles fazem aqui, principalmente naquela cena linda da cabana. e a história dos dois é só mais um dos muitos conflitos complexos e profundos entre o personagens muito bem construídos dessa família. é uma história que alcança as formas mais profundas do sentimento humano, e é tudo muito divertido também.
Uma Noite na Ópera
3.9 61 Assista Agoranão sei se a comédia dos Irmãos Marx envelheceu mal mesmo ou se o problema é comigo, mas a verdade é que eu não achei esse filme engraçado. mesmo assim, as tramas dos filmes deles são malucas de um jeito bem divertido, servindo como ótimas desculpas pra juntar várias cenas incríveis de tão absurdas e doidas, tipo quando todas as pessoas do mundo se juntam numa cabine minúscula de navio e quando os irmãos trocam os móveis da sala pelos móveis do quarto. esse filme também tem um elemento musical e é interessante o contraste entre a sinceridade melodramática das cenas musicais e a ironia ácida da personalidade insuportável do Groucho Marx (foi mal). aquele interlúdio musical com os dois outros irmãos é bem bonito e uma das melhores coisas do filme, apesar de eu ter achado tudo filmado de um jeito meio indiferente. eu não tenho muita vontade de ver mais filmes dos Irmãos Marx, mas a natureza anárquica e imprevisível desse filme faz com que ele seja uma experiência bem agradável.
Zootopia: Essa Cidade é o Bicho
4.2 1,5K Assista Agoraa cidade de Zootopia é criada de um jeito muito inventivo e a trama de investigação é divertida, apesar de ser bem absurda. Zootopia é um filme engraçadinho, fofinho e bastante familiar. o que poderia tornar esse filme mais memorável são as mensagens que ele tenta passar. aquela ideia de "você pode ser o que você quiser" é bem genérica e didática, então o mais interessante é a crítica àquele racismo meio fascista à la Donald Trump que o filme faz e que é muito admirável, apesar de não acrescentar nada de novo ou complexo. em geral, é um filme um pouco boboca, tanto nos desenvolvimentos cada vez mais ridículos da trama, quanto no humor, bastante baseado em referências sem graça à cultura pop e em estereótipos, o que estraga um pouco a mensagem contra o preconceito que o filme defende. a pior parte é ter que ouvir duas vezes aquela música horrível da Shakira. no final, fica a sensação de ter visto um filme igual a todos os outros.
I Will Follow
3.4 5a Ava DuVernay conta histórias de drama humano, descobrindo beleza e poesia em sons, imagens e interações, mas esse é um talento que ela viria a refinar mais tarde. I Will Follow é o primeiro filme dela e dá pra perceber, porque é encenado de uma forma meio desajeitada e, pra um filme que fala também de música, a trilha sonora é bem ruim, melosa e excessiva. além de que o Bradford Young faz muita falta: às vezes, esse filme tem a aparência de um daqueles filmes cristãos feitos pra TV. mesmo assim, é uma história tornada melhor por ser contada a partir do ponto de vista ainda relativamente raro no cinema de uma mulher negra madura, inteligente, bem resolvida. é um filme pequeno com a narrativa intimista e uma dramaturgia boa e sincera, que carrega um monte de sentimento e emociona aos poucos.
A Viagem de Chihiro
4.5 2,3K Assista Agorao Miyazaki é obviamente um mestre da animação, mas eu nunca tinha visto um filme dele tão rico tematicamente e com uma narrativa tão bem executada. e é um filme muito gostoso de se assistir, em que cada momento é impressionante, cada cena é maravilhosa e essas maravilhas se sucedem sem pausa. o efeito disso é a construção de um mundo lindo, bizarro, mais próximo de um sonho do que da realidade, mas de certa forma também bem acessível e compreensível. a Chihiro personifica muito bem um processo de amadurecimento em que o mundo se torna um lugar estranho e hostil, no início dependendo da bondade de estranhos pra depois substituir aquele sentimento de ingenuidade e desespero por força. a trilha sonora do Joe Hisaishi é ótima, bem clássica e tradicional, mas nunca familiar ou genérica, e isso pode se aplicar ao filme todo também, que usa convenções de outros gêneros e emoções bem universais pra contar uma história que é sempre única e imprevisível.
O Grande Motim
3.9 53 Assista Agoramuito bom como um filmão envolvente de aventura no mar. é bem longo e tem muita história pra contar, então acaba que é até estranho como o motim do título demora pra acontecer e, quando acontece, é tão rápido. é uma parte crucial do filme, mas é tratado como um detalhe. as sequências no Taiti parecem desnecessárias na hora e são racialmente insensíveis, como era de se esperar de um filme de 1935, mas funcionam como um interlúdio bonito na história de maldade e abuso incessantes que acontecia antes, são cenas que deixam a narrativa respirar um pouco. é inacreditável como a relação entre os ingleses e os taitianos é tão cordial e respeitosa, até da parte do vilão.
o Capitão Bligh é um pouco ridículo e absurdo de tão constantemente cruel, o Charles Laughton atuando como se fosse um daqueles monstros da Universal, mas é um personagem que tem alguns desenvolvimentos que tornam a personalidade dele mais complexa, apesar de passarem longe de uma redenção. o Capitão Christian é mais interessante, como um cara decente e carismático que faz algumas coisas questionáveis às vezes. esse filme é um monte de coisa ao mesmo tempo e acaba sendo um exemplo muito bom de um desses filmes de espetáculo dos estúdios antigos, mas também é uma boa crítica, didática e revoltante.
O Castelo no Céu
4.2 326 Assista Agoraeu não tenho a menor dúvida de que a animação nesse filme é linda, o que contribui pra que o Miyazaki crie muitas sequências bonitas, tipo a abertura e aquela cena impressionante e incrível na caverna que brilha. e Laputa é uma criação ótima que combina com todo o mundo mágico sem lugar nem tempo definidos em que se passa o filme. o problema pra mim aqui é que essa trama de aventura e perseguições é tão cheia de informação e de reviravoltas desnecessárias, tão longa e complicada, que o filme fica meio bagunçado e desinteressante. a relação entre os dois personagens principais é bem legal, mas a personalidade deles é um pouco vazia demais pra sustentar esse monte de narrativa. no final, eu já não me importava com nada e queria que o filme acabasse logo.
Psicose
4.4 2,5K Assista AgoraPsicose tem esse tom de trasheira diabólica, como terror, como suspense e como noir, mas é bem inteligente como construção de um personagem também. e é um material que deixa o Hitchcock fazer coisas sensacionais como estilista, usando o Anthony Perkins, aquela trilha do Bernard Herrmann e uma fotografia preto e branco que é aterrorizante por si só. isso tudo fica bem claro naquela cena ótima de perseguição de carro no início. e a conversa entre o Norman Bates e a Marion Crane no motel é filmada de um jeito incrível, a câmera parada mudando de posição de acordo com o humor dos personagens e as viradas na conversa. esses são só alguns exemplos que não chamam tanta atenção assim em um filme que é todo consistentemente dirigido de forma brilhante. se o filme e a história perderam um pouco do impacto, é porque é um clássico tão conhecido, tão copiado e parodiado, mas isso não é culpa do filme, é culpa do resto do mundo. aquela cena do psiquiatra no final é bem ruim, porque explica as coisas muito desnecessariamente bem explicadinho. mas a cena final é uma maravilha e compensa tudo.
O Dia da Besta
3.8 189claro que esse filme é uma besteira, mas isso não necessariamente é uma coisa ruim. a premissa é bizarramente divertida e tem umas sequências de ação e comédia bem legais, principalmente quando o padre vai buscar o sangue de uma virgem. toda aquela parte no apartamento do apresentador de televisão é muito boa, mas o problema é que essa parte acaba. aí o filme fica sem ritmo, sem graça, vira uma bagunça. e continua sendo uma besteira.
Viy: A Lenda do Monstro
3.8 81não é nada substancial, mas as cenas na igreja são muito legais e os efeitos especiais dão um charme pra coisa toda. engraçado que o personagem título aparece por menos de um minuto só pra deixar tudo mais bizarro. eu tava torcendo pela bruxa, difícil torcer por um filósofo tão pateta com aquele cabelinho e aquela risadinha.
A Very Murray Christmas
2.9 74 Assista Agorafica melhor quando se livra da vontade de fazer piada e abraça a melancolia silenciosa que se espera da Sofia Coppola e do Bill Murray de hoje em dia. e aí vira um retrato bem bonito de pessoas se reunindo pra fazer uma festa no meio da decepção e da solidão. a história de A Very Murray Christmas é só um desculpinha pra botar vários famosos cantando juntos. tem alguns cantores profissionais, mas o mais legal é como as pessoas cantam com a voz normal delas, a música mostrando os sentimentos que elas não sabem como expressar, tipo uma versão estendida da cena do karaokê de Lost in Translation. depois disso vira um pequeno espetáculo e perde um pouco daquela sinceridade de uma celebração meio triste, mas vale a pena por terem chamado o George Clooney só pra ficar brincando no fundo.
A Bruxa
3.6 3,4K Assista Agorao melhor desse filme é como ele concilia o clima de tensão do terror com uma história que é mais um drama humano do que qualquer coisa. é até difícil respirar durante aquele último ato, porque a trilha sonora macabra e as aparições sobrenaturais servem pra intensificar aquelas confrontações humanas em tom de melodrama. o elenco é tão bom e a narrativa tão bem conduzida até então que esse jogo de culpa entre a família se torna um drama real, envolvente, assustador. é um filme que implora pra ser lido como alegoria e ter seus temas discutidos, por causa do gênero, da ambientação e daquele clímax. ele usa tudo isso em seu favor pra fazer um retrato de como essa forma de fanatismo religioso se mostra como medo de tudo e de como esse medo se converte em medo da sexualidade e do corpo da mulher. é uma discussão dessa associação histórica entre bruxaria e sexualidade feminina e como as pessoas usavam isso exatamente como forma de culpar as mulheres pelo mal e pelo desconhecido. nesse sentido, aquele final talvez seja uma confirmação, mas também é destruição disso tudo e uma forma de libertação.
Para Sempre Lilya
4.2 868tem uns desenvolvimentos na história da personagem que são absurdos e inacreditáveis. a narrativa parece predeterminada pra fazer ela sofrer e explorar a tragédia dela. mesmo assim, o Lukas Moodysson lida com isso com o mesmo humanismo e graça que ele trouxe pra uma história leve sobre meninas roqueiras (Nós Somos as Melhores!). isso faz com que o filme seja muito bonito e forte emocionalmente mesmo quando as coisas se tornam cada vez mais terríveis. é triste, desesperador de tão triste, um dos filmes mais tristes do mundo, mas ajuda muito que seja uma personagem tão boa e tão real. a verdade é que, apesar de tudo, a Lilya é forte e uma das coisas mais marcantes da personagem é a resistência dela, que é meio insuficiente, mas diz muito mais do que qualquer outra coisa nesse filme. só não diz mais do que a amizade central da história, que segura essa narrativa de virar uma tragédia completa e mostra uma empatia muito grande pelos personagens, mesmo quando o resto do mundo é um lixo. aquele menino Volodya é a esperança e a bondade na vida da protagonista, e eu acho que essas são as coisas mais relevantes pro filme. é muito difícil não se emocionar com isso tudo.