Sem dúvida, este filme não faz jus à alta avaliação que possui ou aos elogios recebidos por parte da crítica. De uma maneira geral, "Repulsa ao Sexo" procura construir um terror psicológico que gira em torno da problemática mente da protagonista Carol Ledoux e de traumas que sofreu no passado.
No entanto, na tentativa de estabelecer algo complexo ou enigmático, o diretor acaba entregando uma história excessivamente lenta, tediosa e confusa. Em síntese, na primeira metade do filme simplesmente não ocorre nada de relevante para a história, que somente passa a engatar um pouco mais na reta final, mas ainda com problemas no ritmo, no roteiro e no desenvolvimento das personagens - sobretudo, as com participação secundária.
Dentre os poucos pontos positivos, destaco somente a boa atuação da sempre bela Catherine Deneuve, que cumpre bem o papel de uma jovem traumatizada e esquizofrênica, repassando bem toda a sua tensão ao espectador e fazendo o possível com um roteiro que não a ajuda em muita coisa. Por fim, devo dizer que não considero, nem de longe, este como sendo um dos melhores trabalhos do Polanski, que aqui parece ainda estar evoluindo como cineasta.
Um dos clássicos oitentistas, "The Thing" é um filme que realiza aquela sempre interessante mescla de terror com ficção científica. O diretor John Carpenter consegue, com exímia maestria, estabelecedor um bem estruturado clima de mistério e suspense, não somente prendendo a atenção do espectador, mas também o aterrorizando com cenas realmente perturbadoras sob diversos aspectos.
Dentre os vários elementos da trama que poderia elogiar, destaco a forma como, em dado momento, a própria presença da criatura torna-se um pouco secundária e as personagens encontram-se diante de um cenário de elevadas desconfianças e suspeições de cada membro da tripulação com o outro. Nesse contexto, têm de vencer não somente o monstro que os assombra, mas o temor quanto a pessoa ao seu lado, ou até a si mesmo, que pode não ser quem pensa que é. Sendo assim, o filme nos apresenta uma criatura completamente assustadora, mas não se sustenta somente nas suas aparições para construir o clima de horror.
No entanto, se, como terror, o filme funciona muito bem e não deixa nada a desejar, é na parte da ficção científica que talvez tenha alguns problemas, com furos no roteiro e um final um tanto decepcionante.
Até os cachorros, quando diante da transformação do monstro, fizeram barulho e alertaram os demais, logo por que um humano não faria o mesmo e como alguém poderia ser contaminado sem que outros não percebessem? Se Garry não foi contaminado, como tiveram acesso às chaves que possuía, sendo que estavam sempre em seu cinto? Por que o monstro, ao possuir Blair, decidiu construir uma nave, e ainda mais no subsolo? Se queria escapar e possuía tanta inteligência, não seria mais fácil simplesmente consertar o helicóptero? Talvez esteja racionalizando demais, mas bons filmes de sci fi não podem ter tantos furos assim e tais fatos mal explicados sempre me incomodam um pouco.
Os pontos positivos da obra, porém, superam eventuais aspectos que poderiam ser melhor desenvolvidos e, sem dúvida, vale muito à pena assistir a essa película, que, com o passar do tempo, envelheceu bem e hoje talvez seja até mais valorizada quanto era no passado.
Em "O Farol", o diretor Robert Eggers segue o mesmo estilo presente em outras de suas produções, o que, pessoalmente, não me agrada muito. Mais uma vez, o cineasta opta pela estratégia de encher o filme com inúmeros simbolismos e referências mitológicas/religiosas e construir um suspense demasiadamente lento no qual o espectador apenas cultiva a esperança de que será recompensado no final, e novamente não é, esquecendo, no entanto, daquilo que deveria ser o mais importante em qualquer película: o roteiro.
Ao longo da trama, o filme alterna entre momentos que apenas mostram a rotina dos funcionários no local, outras cenas misteriosas - que, por sua vez, vão auxiliando na tentativa do diretor de estabelecer o suspense - e as interações entre os dois protagonistas, nas quais temos, provavelmente, o ponto alto da obra, sobretudo devido às boas performances dos atores - em especial, Willem Dafoe. Isso até funciona bem até certo ponto, mas o problema é que, na segunda metade da história, com o intuito de mostrar a deterioração mental do funcionário novato, o filme se torna excessivamente confuso.
Para deixar claro, considero perfeitamente válido uma película não entregar o significado de sua trama logo de imediato e montar uma espécie de "quebra cabeça" para o espectador solucionar, até mesmo deixando simbolismos e diversas interpretações em aberto. Aliás, não somente considero válido, como creio que tal recurso, quando bem utilizado, ajudou a criar muitas das mais inteligentes e fascinantes obras do cinema mundial. No entanto, em "O Farol", Eggers não somente abusa dessa estratégia, mas a utiliza de forma desorganizada e caótica, como se a mera presença de tais simbolismos e de uma atmosfera de mistério fosse, por si só, suficiente para engrandecer o filme, mesmo com um roteiro raso.
Aliás, uma fala de Thomas dirigida a Ephraim resume bem o que é essa película: "Você fingiu ser misterioso em sua quietude, mas não há nenhum mistério. Você é um livro aberto. Uma atriz gritando para os refletores. Uma vadia que quer ser cobiçada."
Portanto, "O Farol", apesar de se vender como algo misterioso, artístico e inteligente, é, por baixo de toda a embalagem, apenas mais um daqueles produtos de Hollywood que vem se tornando uma tendência recentemente, com muita simbologia e pouca profundidade nos enredos. Ao término, o que realmente sustentou o filme foi a bela fotografia e a ótima atuação do elenco, pois, de resto, não sobrou muita coisa.
Uma "joia escondida" no cinema nacional, "Estômago" pode ser visto como um delicioso prato a ser degustado pelo espectador, misturando, em seus ingredientes, drama, romance e pitadas de comédia, e acompanhado por inúmeras referências à gastronomia, que, naturalmente, não poderiam faltar. Ao mesmo tempo que diverte e envolve o público com seu bem elaborado roteiro, interessantes personagens e cativante trilha sonora, também nos faz refletir, dentre outras coisas, sobre poder, sexo e culinária, que aqui encontram-se bastante interligados.
De maneira inteligente, o diretor nos apresenta à história de Raimundo Nonato - com ótima interpretação de João Miguel - em duas partes: uma com ele já preso e a outra com ele iniciando sua trajetória como cozinheiro em São Paulo. Logo de imediato, começamos a nos indagar como aquele ingênuo rapaz vindo do Nordeste poderia, por algum motivo, ir parar na prisão, mas o filme não tem pressa e adota o seu próprio ritmo para explicar como o protagonista chegou até aquele ponto. Nesse aspecto, a edição também merece ser elogiada, por conectar, com exímio encaixe, as duas narrativas paralelas, prendendo bem a atenção do espectador.
Em síntese, o foco maior é sobre a forma como Nonato consegue, em contextos completamente desfavoráveis, utilizar o seu talento na cozinha para ir subindo posições na pirâmide social, seja na sociedade em si ou seja na prisão. A culinária, portanto, é aqui colocada como uma forma de poder, a partir da qual o protagonista sobrevive em situações nas quais as pessoas o querem "devorar". Sendo assim, para não ser a refeição de outros, ele cozinha.
Algumas atuações são fracas e determinadas cenas são um tanto desnecessárias, mas os vários pontos positivos da obra falam mais alto. Sem dúvida, é um filme a ser mais conhecido e valorizado, sendo uma das grandes produções do cinema brasileiro. Degustem.
Em "A Bruxa", o diretor Robert Eggers procura se ater mais ao lado psicológico do terror e menos aos "jump scares" e outros elementos comuns a filmes do gênero, o que é interessante. Dessa maneira, utiliza recursos como a trilha sonora e a fotografia - que, diga-se, cumprem bem o seu papel - para, junto a uma boa direção, proporcionar uma ambientação obscura e macabra ao local onde se passa a história.
No entanto, se os aspectos técnicos são bem executados, o filme peca naquilo que deveria ser o mais importante: o roteiro. Não há dúvida de que a película consegue trazer, ao espectador, situações realmente perturbadoras, no entanto elas ficam reservadas a poucas cenas em particular e sempre com uma duração muito curta. É como se o diretor, sempre que algum acontecimento começasse a provocar mais medo e tensão, passasse a sentir, de imediato, a necessidade de interromper a cena, ao invés de aprofundar e explorar melhor o que está ocorrendo.
Sendo assim, a película passa a maior parte do tempo lentamente construindo um suspense, realizando sugestões acerca dos significados dos eventos e preparando o público para um grande clímax. O problema é que, quando o momento chega, entrega muito pouco, com um final inconclusivo e, sendo sincero, decepcionante. Além, é claro, do fato das escolhas da protagonista nas cenas finais me parecerem contraditórias quanto às características da personagem ao longo do filme.
Como mencionado antes, a ideia de fazer um terror pouco convencional e que não se sustente nos momentos de "susto" ao espectador é válida, mas, em troca, é necessário entregar ao público algo mais complexo e significativo em relação ao que ocorre na história, o que não acontece aqui, em que acompanhamos mais um conto, já bastante conhecido, sobre bruxas e demônios, isto é, nada muito inovador.
Por baixo de todos os simbolismos e da ambientação, o enredo, portanto, é até um tanto raso, entregando um terror bem menos inteligente ou profundo do que pretendia ser. Vale assistir pela Anya Taylor-Joy, que aqui encontra-se em seu primeiro papel de grande destaque, e para quem curte filmes do gênero com essa faceta mais artística e psicológica, mesmo que, neste caso em particular, a execução não seja das melhores.
Com uma proposta bem criativa e interessante, "Dream Scenario" é, sem dúvida, uma das gratas surpresas, do ano passado, no mundo do cinema. E digo isso não somente pela ideia em si por trás do filme, que naturalmente chama muito a atenção, mas também, sobretudo, devido à ótima execução por parte do jovem diretor norueguês Kristoffer Borgli, que consegue desenvolver um bom enredo e, ao mesmo tempo, abordar importantes temas, presentes na sociedade atual, em uma história recheada de surrealismos.
A premissa de um homem pouco conhecido que torna-se mundialmente famoso por, de maneira completamente inesperada, aparecer no sonhos de outras pessoas com as quais jamais teve qualquer tipo de contato é, à princípio, tão chamativa quanto absurda aos olhos do espectador, chegando até a ser, nos primeiros momentos, engraçada de tão bizarra. No entanto, é no desenvolvimento do filme que a história vai ganhando contornos mais obscuros e realistas e que começamos a perceber que o grande foco da película não é sobre os sonhos em si, mas acerca da fama e dos efeitos que uma excessiva atenção pode ter na vida de um determinado indivíduo.
Na trama, Paul Matthews é um professor universitário de biologia, possui doutorado e está há muitos anos em uma instituição de ensino, mas nunca teve qualquer tipo de trabalho com grande relevância e coleciona frustrações tanto na vida profissional quanto pessoal, sobretudo pelo fato de não ser devidamente reconhecido. Quando começa a ganhar fama devido às suas aparições nos sonhos, embora considere a situação bizarra, vê naquilo como uma oportunidade única para finalmente conseguir divulgar os seus trabalhos acadêmicos, acreditando que o estrelato pode ajudar a alavancar sua carreira enquanto biólogo. No entanto, eis que surge uma outra frustração: absolutamente ninguém se importa, de fato, com as suas ideias sobre biologia, mas, na verdade, apenas querem saber de sua presença nos sonhos, o que é justamente aquilo que ele não tem qualquer tipo de controle.
E esse contexto, que inicialmente até parecia bom e depois torna-se frustrante, vai, aos poucos, transformando-se também em algo extremamente negativo para ele e sua família, sobretudo quando suas aparições em sonhos deixam de ser inofensivas e passam a se tornar agressivas, violentas e até, em alguns casos, com contornos sexuais, o que difere completamente de sua personalidade. A mesma sociedade que o levou ao estrelato, agora começa a querer culpá-lo por todo esse surreal fenômeno e a tratá-lo não mais como uma celebridade, mas como um pária, isto é, alguém que deve ser excluído, à todo custo, de qualquer tipo de convívio social, não podendo mais comer em uma lanchonete, lecionar na universidade ou sequer ver uma peça musical de sua filha. As pessoas começam a se sentir desconfortáveis e revoltadas na sua presença, não devido àquilo que ele realmente é, mas por conta daquilo que elas imaginam que ele seja em razão dos pesadelos que têm com a sua presença.
Se a parte da história que envolve a personagem principal aparecer em sonhos é fantasiosa, a parte mais triste da trama é, infelizmente, muito verdadeira, sobretudo em uma sociedade que normalizou os "cancelamentos", com perseguições baseadas não em fatos concretos, mas em percepções e acusações sem provas. Aliás, ainda mais grave quando, como no caso abordado aqui, a pessoa em questão sequer tem responsabilidade por aquilo que a tornou repentinamente famosa, assim como não tem o poder de parar tudo o que está ocorrendo e agora a transformou em uma personalidade infame.
Uma obra que, em minha avaliação, deveria ser mais classificada como drama do que propriamente como uma comédia, apesar de ter cenas muito engraçadas, sendo, acima de tudo, um filme muito bem produzido e com um roteiro inteligente e criativo. Isso sem falar, é claro, da ótima atuação de Nicolas Cage, que aqui encontra-se em um dos seus melhores papéis recentes e, quem sabe, em uma retomada na carreira. Recomendado.
Somente Hitchcock é capaz de dirigir, com exímia qualidade, um bom suspense em uma história que se passa, o tempo inteiro, no mesmo cenário - no caso, o condomínio - e na qual o protagonista encontra-se constantemente em uma cadeira de rodas. Em "Janela Indiscreta", o diretor explora a curiosidade humana em vasculhar a vida alheia e tentar desvendar o que ocorre nas rotinas privadas das outras pessoas.
Diferentemente de muitos, não considero este o melhor trabalho do cineasta - longe disso - e tampouco tão revolucionário quanto algumas críticas já classificaram, mas, na verdade, acho exatamente o contrário: o suspense apresenta um enredo bem simples, o que é bom em diversos aspectos, mas pode decepcionar um pouco em outros.
Como aqui é retratada a rotina de um condomínio comum na cidade de Nova York, não espere, como em outras obras hitchcockianas, grandes reviravoltas ou nada muito complexo. A trama, pelo local em que se passa, tem um ritmo lento em diversas cenas - no entanto, não à ponto de ficar muito monótono - e o plot é até previsível bem antes do final. No entanto, o filme consegue, em linhas gerais, cumprir bem a tarefa de construir um satisfatório thriller e, sobretudo mais perto do término, garantir momentos de tensão e inquietude ao espectador, como se estivéssemos na pele do protagonista. Além disso, também destaco o tom humorístico em algumas partes, que é divertido e traz mais leveza à história.
Um bom suspense para passar o tempo na companhia de lendas do cinema como James Stewart e a belíssima Grace Kelly, mas também nada além disso - e, confesso, acho que esperava um pouco mais.
Não à toa, "Heat" é um dos grandes clássicos do gênero de ação dos anos 90. Com grande direção de Michael Mann, a trama em momento algum torna-se monótona ou lenta, mas consegue prender bem a atenção do público, manter sempre um bom ritmo - tanto nas cenas de ação em si quanto nos momentos em que a investigação policial ou os preparativos para o roubo ainda estão ocorrendo - e fazer com que sequer sintamos as quase três horas de duração, que passam "voando".
No entanto, acredito que o principal motivo responsável por tornar este filme tão bom seja, na verdade, o fato de ir além dos elementos que naturalmente já vemos em outras boas películas de drama policial - como o suspense, as cenas de perseguição e um pouco de romance - e que também estão aqui presentes e executados com primor. Quanto a isso, deve-se muito ao diferenciado e bem produzido roteiro, no qual os protagonistas da história, que contam com ótimas atuações, como de costume, de Pacino e De Niro, estabelecem uma interessante e inusitada relação. Encontrando-se em lados completamente opostos, ambos são muito bons nos seus respectivos trabalhos, inteligentes e procuram sempre estar um passo à frente do outro, alternando momentos de tensão e admiração entre si.
Nesse caso, o título do filme em português - "Fogo Contra Fogo" - não poderia ser mais apropriado, pois claramente vemos as duas personagens utilizando todas as armas que possuem contra o outro, apresentando sempre a certeza de que seus respectivos planos não serão interrompidos ou atrapalhados. É como se a mentalidade do detetive refletisse perfeitamente nas atitudes do criminoso e, até os instantes finais, não temos a menor noção de quem vai se sair melhor nessa disputa.
O único ponto negativo pode ser atribuído aos arcos secundários, que, em grande parte, pareceram-me, em muitos momentos, descartáveis, desnecessários e apenas ocupando um tempo da tela que seria melhor preenchido com mais interações entre os protagonistas ou cenas de ação. A exceção, com certeza, foi aquele envolvendo Neil e Eady, que foi interessante e nos revelou diversas características da personalidade do criminoso.
De uma maneira geral, um filme eletrizante, muito bem produzido e que prende a atenção do espectador do começo ao fim. Recomendado.
Falar da capacidade de Hitchcock de construir suspenses de qualidade é chover no molhado, mas nunca é demais lembrar das qualidades desse grande diretor. Em "Vertigo", novamente o cineasta nos mostra o seu talento não somente em dirigir enredos repletos de mistério, mas também em, inteligentemente, enganar o espectador, levando-o a diferentes conclusões ao longo da trama e a distintas interpretações quanto às intenções das personagens.
Neste filme, a história pode ser dividida em duas partes. Na primeira, temos um suspense investigativo de altíssimo nível, no qual o policial John Ferguson é encarregado de espionar a esposa de um antigo amigo, Gavin, à mando do próprio. A justificativa é a de que, segundo o marido, a sua mulher, Madeleine, estaria sendo possuída pelo espírito de uma mulher morta no século XIX, o que a levava a agir de maneira estranha e supostamente não se lembrar sequer dos locais pelos quais havia passado. Ao longo da investigação, aquela explicação que, à princípio, parecia completamente bizarra, começa a fazer sentido na mente do espectador, que passa a acompanhar, junto ao protagonista, o comportamento incomum da mulher investigada. Além disso, é estabelecido, de forma acidental, um relacionamento entre os dois, que inicia-se com o desejo de ambos de solucionar o que está ocorrendo, depois transforma-se em um romance proibido e encerra-se com um episódio trágico, isto é, a morte de Madeleine.
Na segunda parte, por sua vez, são retratados os eventos posteriores, com o detetive ainda tentando se recuperar dos acontecimentos traumáticos que vivenciou. Por acaso, acaba encontrando, nas ruas, uma mulher, Judy, muito parecida com a sua falecida amada, o que o leva a ir atrás dela e convidá-la para um jantar. No entanto, para a surpresa do espectador, vem o grande plot twist da trama: a mulher em questão parecia com Madeleine exatamente por que ela era a Madeleine, ou pelo menos, era alguém que estava se passando por ela, não apenas pelas semelhanças no rosto, mas igualmente pela cor do cabelo, a forma de se vestir e os trejeitos. Além disso, é também revelado que a mesma participava, à mando de Gavin, de um complô para assassinar sua esposa, tendo, por acidente, verdadeiramente se apaixonado por Ferguson, que seria apenas usado como um instrumento em toda essa trama.
No entanto, o grande problema do filme está exatamente a partir desse momento, pois, quando a grande revelação é feita, ainda existe muito tempo de película pela frente. A força do suspense que vinha sendo construído encontrava-se exatamente na dúvida que era estabelecida, na mente do público, quanto ao que estava acontecendo e acerca das intenções das pessoas envolvidas. No momento em que tudo é explicado na nossa frente, o que vem depois torna-se secundário, restando somente uma tentativa de romance entre Ferguson e Judy, a descoberta por parte do detetive e um final extremamente anticlimático e decepcionante.
E, se não bastasse isso, o próprio plot twist, embora surpreendente e tendo sua revelação bem construída ao longo da primeira parte da trama, também revela alguns furos no roteiro. Não é explicado o porquê do marido ter tido o plano de matar a própria esposa, o porquê de Judy ter aceitado participar de tal maléfico complô e, obviamente, o porquê da mesma, apesar de ter aparência quase idêntica à da pessoa assassinada, considerou uma boa ideia tanto permanecer na mesma cidade quanto ainda novamente se envolver com a pessoa que havia se apaixonado, mas também enganado durante todo esse período, sob o risco de ser desmascarada - o que, de fato, ocorreu.
Sendo assim, este filme é um exemplo de uma história muito bem desenvolvida até um certo ponto, mas que falha em manter o mesmo clima de suspense no espectador após a revelação do seu plot twist, feita com ainda muitos minutos restando na película. Um bom suspense e com grandes atuações de James Stewart e da belíssima Kim Novak, porém, devido às várias falhas no roteiro, deixa um pouco a desejar em sua parte final.
Mesmo este sendo apenas um dos seus primeiros trabalhos, o diretor Christopher Nolan, em "Amnésia", já mostra que é diferenciado e capaz de construir tramas inteligentes e inovadoras, prendendo a atenção do espectador do começo ao fim e o levando, ao longo da história, a diferentes conclusões e interpretações acerca dos acontecimentos narrados.
Com o objetivo de provocar, na audiência, a mesma sensação de confusão existente no protagonista Leonard, que sofre com problemas de memória, o cineasta nos leva a um suspense construído de maneira não linear. Sendo assim, somos apresentados, nas primeiras cenas, ao que seria a reta final da história e, somente depois, são mostrados os fatos ocorridos previamente, com o filme se encerrando e o plot sendo revelado na cena que, em tese, deveria ser o começo.
Além disso, é igualmente possível observar que o filme é "retalhado" em pequenas partes, também com a intenção de imitar os curtos períodos de tempo nos quais a personagem principal é capaz de permanecer na mesma memória. Esses "pedaços" vão se juntando aos poucos e nos fazendo entender melhor a narrativa e as intenções dos indivíduos envolvidos, como se estivéssemos montando um quebra cabeça "de trás pra frente".
No entanto, tentar compreender, por completo, a história do filme é impossível, da mesma forma que é impossível para o protagonista conseguir efetivamente distinguir o que é verdade daquilo que é mentira ou entender em quais pessoas deve confiar ou não, correspondendo a outro elemento que o personagem principal e o público apresentam em comum. Após assistir pela primeira vez de maneira atenta ou vendo alguns vídeos na internet que buscam elucidar a trama, talvez até possamos nos arriscar a solucionar essa grande charada, mas é apenas reassistindo o filme e percebendo novos detalhes que se torna claro que tal tarefa é, propositadamente, impraticável.
Ao término, verificamos que, apesar dos problemas neurológicos vividos pelo protagonista serem sérios, não é a sua incomum amnésia o principal obstáculo para vingar sua esposa, pois, mesmo com tal condição de saúde o atrapalhando, é revelado que ele já conseguiu matar a pessoa responsável pelo crime. Ironicamente, o principal mal que aflige Leonard é algo que é bastante comum a maioria da pessoas, que é a incapacidade de, em diversas ocasiões, acreditar na verdade, mesmo quando os fatos são revelados na nossa frente. Em muitas oportunidades, queremos acreditar naquilo que nos motiva ou nos faz mais feliz e não necessariamente no que é verdadeiro, escolhendo preservar algumas memórias e eliminar outras.
No caso, Lenny enxerga a busca pelo assassino de sua esposa - que, na realidade, talvez nem tenha sido morta no assalto, mas posteriormente devido a aplicação excessiva de insulina - como o principal norte de sua vida e a única coisa capaz de fazer suportar sua condição neurológica e solidão, dando-lhe um propósito para continuar sua caminhada. Sendo assim, mesmo depois de sua vingança já ter sido consumada, prefere acreditar que o culpado ainda não foi pego e prossegue as buscas. Dessa maneira, em sua mente, a morte de sua esposa não somente ocorreu pelas mãos do ladrão, mas também nunca será efetivamente vingada, pois é uma missão que deverá carregar eternamente para se manter vivo na realidade em que criou para si.
O problema é que quem revela a ele a suposta verdade, isto é, que o assassino verdadeiro já foi pego e que a esposa dele foi morta posteriormente, é Teddy, que, ao longo de toda a história, mostrou-se uma figura completamente dúbia. Durante o filme, vemos o policial contar tanto verdades quanto mentiras, apresentando ora um comportamento confiável e, em outros momentos, enganando Lenny para benefício próprio. Afinal, Teddy estava falando a verdade ou não? Ou estava apenas mentindo para que Lenny confiasse nele e o entregasse o carro com dinheiro? Afinal, a esposa do protagonista tinha diabetes ou não? Se ela realmente tinha, não seria algo que o seu esposo se lembraria, pois se tratava de algo anterior ao acidente?
Sendo assim, a real tragédia não é Lenny não ser capaz de se lembrar do que aconteceu devido à condição neurológica, mas sim o fato dele não suportar tanto ter conhecimento da verdade que é capaz de apagar, de maneira proposital, as informações de sua própria mente. Se sua esposa foi morta pela injeção de insulina que ele aplicou, o mesmo prefere inventar uma história fictícia e se ater àquilo que o deixar mais confortável. Se ela realmente foi morta no assalto, prefere acreditar que o assassino ainda não foi pego, pois a vingança é a única coisa que o ainda deixa vivo. A realidade, assim, é tão dura que ele prefere viver em uma mentira.
Um suspense muito bem construído, com ótimas atuações e um roteiro inteligente, sendo uma das melhores obras de Nolan. Recomendado.
"O Sétimo Selo" recebeu esse nome em referência a uma passagem do livro bíblico "Apocalipse", em que Deus tem 7 selos nas mãos. A abertura de cada um representa um desastre para a humanidade, sendo o último deles o fim dos tempos de forma irreversível. Por esse motivo, o filme inicia-se com a frase:
"E havendo o Cordeiro, aberto o sétimo selo, fez-se silêncio no céu quase por meia hora. Apocalipse (8:1)"
A obra de Ingmar Bergman procura retratar um período da história na qual a humanidade, assolada pela peste negra, encontrava-se constantemente cercada pela morte. Tal contexto é sintetizado no protagonista, o cavaleiro Antonius Block, que regressa, depois de muitos anos, das Cruzadas e passa a vivenciar um vazio existencial à medida em que sua fé encontra-se cada vez mais abalada. A morte, por sua vez, é representada pela figura da morte personificada, como sendo não somente algo sempre à espreita, mas também uma inevitável força da natureza, sobretudo na época em questão.
O filme é indiscutivelmente muito bem dirigido, apresentando cenas belíssimas e provocando intrigantes reflexões, mas acredito que a proposta, em diversos momentos, é mais interessante do que a execução em si. Por se tratar de uma película reconhecida, por inúmeros críticos, como um dos melhores filmes de todos os tempos, muitos podem ter o receio de admitir, mas a verdade é que algumas cenas e personagens são descartáveis à trama principal e a história torna-se, em determinadas ocasiões, lenta e monótona.
Além disso, se na maior parte do tempo o diretor consegue abordar a temática da falta de fé de maneira bem executada e sutil, nas cenas envolvendo o cavaleiro Jons, fica a impressão de que a personagem está ali apenas para despejar, de forma nada sutil, as idéias de Bergman. Para quem não sabe, o cineasta era filho de um ministro luterano, mas abandonou, muito jovem, a igreja.
Outro ponto a ser destacado são as flagrantes imprecisões históricas. Embora se reconheça que o filme não foi criado para ser um documentário extremamente fiel e também que determinadas alterações podem ser feitas sob uma "licença artística", o fato do enredo misturar Cruzadas, peste negra e Inquisição ao mesmo tempo - apesar de terem ocorrido em épocas distintas da Idade Média - é algo que chama a atenção.
O filme é bom, mas creio que sua fama e proposta são maiores que a obra em si.
E se pegássemos todos os memes envolvendo o Nicolas Cage, juntássemos com algumas cenas de ação e colocássemos em um liquidificador? Bem, o resultado seria "O Peso do Talento", que é uma película que podemos enxergar de duas maneiras: como um filme propriamente dito ou como uma espécie de homenagem/sátira.
Como filme, tem uma premissa interessante, mas também os seus altos e baixos. Dentre os problemas no roteiro, destaco os arcos secundários, que não são muito bem desenvolvidos e acabam sendo descartáveis. A sintonia entre Cage e Pascal, por exemplo, é ótima e o ponto alto da obra, mas a história acaba perdendo muito tempo com diversas cenas envolvendo a família do protagonista, agentes da CIA e outros elementos menos interessantes, embaralhando tudo em uma grande confusão. Talvez, nesse caso, uma narrativa mais sucinta e focada nas duas personagens principais fosse melhor.
Por outro lado, se enxergarmos esta produção mais como um tributo ao Nicolas Cage, então talvez se torne mais palatável. Ao longo da trama, temos, inclusive, diversas referências a outros filmes do ator e também algumas cenas satirizando o seu próprio estilo de atuação e o fato de Cage realizar um gigantesco número de trabalhos, com grande uso da metalinguagem. Sob esse ângulo, as personagens secundárias realmente não deveriam ter muita relevância mesmo, sendo apenas um trampolim para colocar o ator em mais cenas de ação.
No entanto, eu diria que, qualquer que seja a forma com a qual encaramos esta obra, é um filme divertido para se assistir sem levar muito à sério, garantindo algumas boas risadas, passando bem o tempo e sendo uma produção bem mais interessante do que aquelas nas quais o Cage vem, em média, se metendo recentemente. Nem todo filme precisa ser bom para que possamos nos divertir, pois existem aqueles que podemos "desligar um pouco o cérebro" por algumas horas e aproveitar, e este é um deles.
Um dos grandes clássicos dos filmes de terror, "Frankenstein não é somente uma obra culturalmente importante na história do cinema, mas, na realidade, um filme de considerável qualidade técnica ainda para os dias de hoje. Quase um século depois de seu lançamento e mesmo com o público, atualmente, já conhecendo todos os detalhes de sua famosa história, a película ainda impressiona por sua capacidade de proporcionar medo e tensão no espectador, o que muito se deve, sem dúvida, não apenas à brilhante direção de James Whale, mas também à marcante trilha sonora.
O diretor, de maneira inteligente, vai construindo, aos poucos, a tensão - porém sempre mantendo um bom ritmo e jamais deixando a trama se tornar monótona - e preparando a audiência para, somente na metade do filme, ocorrer a primeira aparição da criatura. A partir daí, a história vai acelerando, com uma sequência inoportuna de eventos e a percepção do doutor, que almejava imitar os poderes de Deus, de que sua criação havia falhado. Destaco aqui a cena da experiência realizada por Henry, na qual o monstro é trazido à vida, que é poderosíssima.
Obviamente, é necessário reconhecer as limitações, na época, para a criação do filme, o que levou a naturais alterações em relação à história original do livro de Shelley, pois seria impossível, com os recursos disponíveis e a pouca duração da película, conseguir perfeitamente adaptar uma obra de mais de duzentas páginas. As mudanças feitas, em minha avaliação, foram bastante positivas e conseguiram construir uma história também interessante para o cinema, além é, claro de trazer diversas inovações e servir de inspiração a inúmeros outros trabalhos.
À título de curiosidade, o filme, com um orçamento de cerca de 260 mil dólares, foi um sucesso de crítica e de público, com uma bilheteria de 12 milhões na moeda americana. De tão assustador para a sua época, foi banido em diversos países, como Irlanda do Norte, Suécia e Itália, além de sofrer censura em alguns locais dos Estados Unidos.
Aos amantes da Sétima Arte e, sobretudo, dos filmes de terror, "Frankenstein" é um filme obrigatório. Recomendado.
Acredito que algumas pessoas que viram este filme e não gostaram foram, antes de assisti-lo e ao ler o gênero em que ele é classificado, levadas a crer que "Nefasto" tratava-se de uma película de terror, com os famosos "jump scares", por exemplo. E isso, em minha avaliação, é um grande erro, para o qual já alerto aqueles interessados em ver esta obra, pois passa longe de ser uma história de terror nesses moldes, sendo, em síntese, uma história sobre religião e, indo mais além, sobre bem versus mal.
A premissa é bem simples: um serial killer, que diz ser o demônio, foi condenado à pena de morte, necessitando, antes da execução, ser avaliado por um psiquiatra. O grande ponto ao redor do qual o filme gira em torno é que o doutor, sendo ateu, não acredita em demônios, em anjos ou em religião alguma, mas, ao avaliar o condenado em questão, começa a vivenciar experiências que podem abalar suas crenças pessoais e, de uma maneira geral, toda a sua visão de mundo.
Tendo em mãos uma produção de baixo orçamento, os diretores e roteiristas não conseguiriam, se quisessem, utilizar recursos como diversos cenários ou inúmeros efeitos especiais, o que fez com que tivessem de se ater a algo barato, mas que, se bem usado, pode ser extremamente valioso em qualquer filme: o diálogo. A película, portanto, acontece, na maior parte do tempo, em uma sala de um presídio e, basicamente, com as duas personagens principais conversando. Esse é outro ponto que muitos espectadores podem não gostar, e eu entendo o porquê, mas como os diálogos são muito bem construídos, apresentam boas atuações - sobretudo de Sean Patrick - e possuem um ritmo intenso, eu não me senti incomodado de qualquer maneira - muito pelo contrário, gostei bastante.
As relações entre os dois protagonistas é o que carrega o filme, sobretudo porque vai além das duas pessoas que estão ali conversando, englobando questões religiosas e existenciais. Se Edward está apenas mentindo e propositadamente querendo enganar o psiquiatra em fazê-lo acreditar ser um demônio verdadeiro, então avaliá-lo como louco e poupá-lo da morte seria exatamente fazer o que ele, mesmo que não admitisse, queria esse tempo todo. No entanto, se estivesse diante de um caso real de possessão demoníaca, então condená-lo a morte também não faria efeito algum, pois o demônio verdadeiro iria continuar vivo e quem iria morrer, na realidade, seria a pessoa possuída. A tensão da mente do doutor é construída a partir desse momento, isto é, quando percebe que qualquer decisão que tomar será errada e terá consequências negativas, não encontrando saída da encruzilhada na qual foi colocado.
Além do enredo bem desenvolvido, traz várias reflexões religiosas interessantes - o que, novamente aviso, pode incomodar aqueles que decidem assistir este filme apenas esperando cenas de terror ou coisas do tipo. Aqui o diabo não é apresentado como uma entidade sobrenatural que quer escravizar os homens, mas, na verdade, como um ser que diz prezar pela liberdade, o que, à princípio, surpreende positivamente o psiquiatra. No entanto, aí também encontra-se a grande armadilha do demônio, pois é no excesso de liberdade que pode surgir a libertinagem, e é na libertinagem que o homem pode acabar se entregando aos seus pecados. Em outras palavras: é exatamente quando o ser humano acredita estar livre que ele está, na realidade, cada vez mais preso a seus próprios vícios, erros e defeitos. O diabo, portanto, não deseja a liberdade salutar, na qual o homem desfruta de sua vida com felicidade e livre arbítrio, mas sim a liberdade destrutiva, que corrói o indivíduo e as sociedades sem que percebam.
Repetindo o mesmo comentário que fiz no excelente "O Advogado do Diabo", que também aborda, embora de uma outra maneira, essa temática: o homem é imperfeito e pecador, e é através desses pecados que o diabo age, e por isso ele valoriza tanto essas características, pois é a partir delas que ele busca conquistar o mundo. O grande ponto da religião, e aqui falo como católico, é procurar buscar o divino e o transcendental, isto é, acima das imperfeições mundanas e humanas. Enquanto o diabo abraça os defeitos do homem, a palavra de Deus o orienta a buscar algo mais elevado.
Sendo assim, para quem gosta de obras que abordem essas discussões, é ótimo. Para quem realmente não curte isso, independente de suas crenças pessoais, sugiro que passe longe do filme - ou, se quiser, até dê uma chance, mas sabendo do que terá pela frente.
O diretor Duncan Jones já havia sido apresentado a mim pelo ótimo "Lunar", que eu recomendo a todos, e aqui, em "Contra o Tempo", o cineasta dessa vez se aventura por uma história que até pode ser menos profunda, mas é igualmente criativa, interessante e dentro do gênero da ficção científica.
A ideia de uma determinada personagem - no caso, o capitão Stevens - ter a possibilidade de reviver eventos passados repetidas vezes é curiosa e já havia sido testada em outros filmes. O diferencial aqui é que os acontecimentos prévios não haviam sido vividos originalmente pelo protagonista em questão e, além disso, ele teria apenas alguns poucos minutos para revivê-los, tendo como objetivo a difícil tarefa de solucionar um caso de terrorismo e encontrar o nome do responsável pelo terrível ataque.
No início, a história parece confusa, o que acredito ser intencional, mas, gradativamente, somos apresentados a maiores detalhes e, sobretudo, aos motivos pelos quais Stevens está inserido nessa missão, fazendo com que tudo faça sentido. O roteiro é bem construído, tem poucos furos e até provoca, na reta final, algumas reflexões interessantes, sendo, no geral, bastante objetivo e, por ser de curta duração em comparação a outros longa metragens, o tempo passa voando.
Talvez o principal ponto negativo é que, pelo fato do protagonista ter apenas oito minutos na "simulação" para solucionar o problema, isso acaba limitando o que ele pode fazer, além de não possibilitar mais interações entre as personagens interpretadas por Gyllenhaal e a bela Michelle Monaghan. Dessa maneira, o elemento mais diferencial do filme também é o que amarra os roteiristas e o diretor em relação ao que poderia ser explorado da história.
Nada excepcional, mas um bom filme para passar o tempo.
Se eu pudesse descrever este filme em algumas palavras, as primeiras que viriam à mente, com certeza, seriam: original, perturbador e surpreendente. Em "A Pele que Habito", Almodóvar, cujo trabalho ainda estou começando a conhecer, ousa caminhar por um território ainda inexplorado, misturando elementos de drama, romance, terror e ficção científica, em uma história chocante que tanto aborda temáticas como traição, solidão, morte e vingança, mas também provoca reflexões e debates acerca de bioética, dos limites da ciência e questões de identidade individual.
Utilizando bem o recurso dos flashbacks, o diretor vai alternando entre passado e presente, primeiro nos apresentando às personagens principais atualmente - ou, pelo menos, no tempo que estão inseridas - e, ao longo da película, resgatando acontecimentos passados que nos ajudam a entender o que as levou até ali e, sobretudo, as motivações por trás das atitudes do cirurgião plástico Robert. A partir daí, as visões que temos dos indivíduos em questão vão gradativamente mudando e sendo desconstruídas e compreendemos que o enredo é, antes de mais, uma narrativa de vingança com várias dimensões. Robert é um homem cuja vida desmoronou após eventos traumáticos e utiliza o experimento abordado na história como forma de, em sua visão, fazer justiça ao que aconteceu.
O problema é que ele realiza, sem nenhum tipo de culpa, suas experiências em uma determinada paciente, que apenas depois iremos saber quem é, ou seja: o ódio, embora até compreensível por tudo o que passou, acabou o conduzindo à desumanização não somente daquele indivíduo que aprisionou, que passa a ser apenas encarado como um objeto para fins científicos, mas também de si próprio. Por outro lado, todas as cirurgias que realiza na refém contra a sua vontade, principalmente no rosto, pretendem aproximá-lo da imagem da antiga esposa, como se estivesse buscando, além da vingança, reescrever, do zero, a história com sua amada.
Da perspectiva da paciente, percebemos que, após as mudanças bruscas que sofreu em seu corpo, ela procura não apenas sobreviver à prisão na qual está inserida, mas igualmente luta para compreender a sua própria identidade, em um momento em que, ao se olhar no espelho, sequer se reconhece mais. Aliás, as cenas envolvendo Vera são, sem dúvida, as que o diretor consegue melhor explorar na tentativa de causar ansiedade, medo e tensão, acelerando os nossos batimentos cardíacos e prendendo a atenção do espectador com ataques violentos e perseguições, acompanhados por uma trilha sonora eletrizante. Isso sem falar, é claro, do chocante plot twist, que é revelado na segunda metade da trama e que é muito bem construído.
O ponto negativo, em minha avaliação, é que o filme poderia ter desenvolvido melhor as personagens secundárias e outros arcos interessantes, sobretudo o envolvendo a empregada Marília, que surgem e acabam ficando pelo caminho com desfechos pouco satisfatórios. A impressão é que o filme poderia ter dedicado, talvez, uns trinta ou quarenta minutos a mais para completar essas partes da história de uma maneira mais adequada.
No geral, uma obra que, sem dúvida, vai ficar na minha cabeça por muito tempo. Recomendado.
Com uma premissa criativa, "Do Que as Mulheres Gostam" é mais uma daquelas comédias românticas dos anos 90/2000 que podem estar longe de serem obras primas do gênero, mas cumprem bem seu propósito de forma leve e divertida.
Quanto ao elenco, gostei das atuações de Mel Gibson e Helen Hunt, que estão bem em seus respectivos papéis, mas acredito que Marisa Tomei poderia ter uma maior participação. Além disso, também vale destacar que o filme tem, sem dúvida, os seus problemas no roteiro, porém dá para ignorá-los se assistirmos a película de maneira despretensiosa e sem levar muito à sério, o que, acredito, seja o ideal aqui.
Único ponto que realmente que incomodou foi a reta final da história, que, recheada de clichês, foi por caminhos muito previsíveis, e pareceu-me ter sido feito à pressa. No geral, é um bom filme para se passar o tempo.
Após uma longa espera, na qual estão incluídos os inúmeros atrasos que esta produção teve devido à pandemia, finalmente pude assistir "Killers of the Flower Moon" e todas as expectativas que tinha foram devidamente atendidas. Um dos meus diretores preferidos, Scorsese mostra, mais uma vez, que envelhece como vinho, apresentando, em grande direção, uma das conspirações mais absurdas da história dos Estados Unidos, em um filme que utiliza como base um livro homônimo e também uma extensa pesquisa do cineasta acerca da tribo Osage.
Em síntese, a película traz a história da descoberta de petróleo por indígenas americanos no início do século passado. Se, por um lado, o famoso "Ouro Negro" garantiu uma repentina prosperidade ao povo local, também trouxe, na mesma proporção, oportunistas interessados em se apropriar das riquezas encontradas e capazes de utilizar todos os meios necessários para alcançar tal objetivo.
A história é complexa, densa e pesada, o que explica a longa duração do filme. Em minha avaliação, a obra não perde tempo, por exemplo, com cenas desnecessárias, mas procura contar, na medida do possível, a trama no máximo dos detalhes, visando ser historicamente fiel e justa com o povo Osage afetado pelos crimes. Dessa maneira, Scorsese, acostumado a dirigir narrativas de ascensão e queda, tem novamente em mãos um enredo do tipo, adotando um ritmo ideal, isto é, nem muito rápido e nem muito lento, mas contando os acontecimentos com a velocidade adequada.
Além disso, se a temática criminal é conhecida da carreira do diretor, aqui temos um elemento novo para o cineasta: a tensão racial. O rápido enriquecimento dos Osage fez com que um povo anteriormente esquecido se transformasse na elite local, adquirindo grandes quantias de dinheiro, terras e negócios e possuindo, inclusive, empregados brancos. Os preconceitos existentes fazem com que os brancos tenham o pensamento de que os indígenas, vistos como inocentes, não possuem a inteligência necessária para administrar tantas riquezas. Por outro lado, os nativos não confiam plenamente nos brancos, mas não deixam de conviver com os mesmos ou até de ter relações mais próximas. Ambos os povos estão juntos, mas sempre alimentando desconfianças e tensões, que são muito bem construídas ao longo de toda a história.
Quanto às atuações, não há muito o que falar, pois todo o elenco está excelente, com destaque maior ao trio principal de atores: DiCaprio, DeNiro e Gladstone - em seu primeiro grande papel. O primeiro interpreta um personagem complexo e de diversas facetas, o segundo um vilão inescrupuloso e a terceira, por sua vez, uma esposa perspicaz, mas sufocada por inúmeras suspeita e temores. Também destaco a participação de Jesse Plemons, originalmente cotado para assumir o papel de Ernest, que está presente apenas na terceira - e última - parte do filme, mas em boa performance.
Não se assustem pelas três horas de duração, pois é mais um filmaço do mestre Scorsese e que vale muito à pena assistir. Recomendado.
A premissa do filme é simples, criativa e interessante, mostrando, através de viagens no tempo, como algumas coisas que fazemos em nossas vidas podem afetar significativamente não apenas a cada um de nós, mas também as vidas das pessoas ao nosso redor - inclusive, de formas que nem imaginamos. No entanto, se a ideia é boa, a execução deixa bastante a desejar, com um roteiro confuso e repleto de furos, mal desenvolvimento das personagens e um final que foge completamente ao que a história vinha mostrando.
Um dos problemas que me chamaram a atenção nas viagens no tempo mostradas na trama é que elas acabam tornando o enredo previsível em determinados momentos. Embora não saibamos o que vai acontecer em seguida, sempre sabemos que alguma coisa ruim ocorrerá e que eventualmente o protagonista irá viajar novamente para tentar consertar o erro, e isso se repete inúmeras vezes. É como se o protagonista nunca estivesse realmente em perigo e tivesse o poder de reverter os acontecimentos quantas vezes quisesse até obter um final razoável.
Existem diversas películas que abordam o conceito de viagens temporais de maneira muito mais inteligente e bem feita do que foi mostrado aqui, que até teve, em várias cenas, um aspecto bem trash e de "filme B". A proposta é ótima, mas passou longe de me convencer.
Diferente da maioria das cinebiografias, que retratam personalidades conhecidas e que dispensam maiores apresentações ao público, em "Tár" temos uma personagem fictícia. Logo, o espectador, antes de começar a assistir, apenas tem noção, através da sinopse, de se tratar de uma regente mundialmente famosa e, dessa maneira, o diretor tem a tarefa de, dentre outras coisas, fazê-lo conhecer mais da figura em questão, corretamente o apresentando, logo nas primeiras cenas, aos seus feitos, isto é, tudo aquilo que a fez se tornar célebre no mundo da música clássica, com as outras características do seu trabalho e de sua vida pessoal sendo reveladas gradativamente.
Além disso, vale destacar que a compositora e regente Lydia Tár foi construída, por Todd Field, pensando-se exatamente em Cate Blanchett para interpretá-la, o que é algo relativamente incomum no mundo cinematográfico. Na película, a atriz nos mostra que os realizadores do filme não poderiam estar mais certos em dedicar essa personagem a ela, com uma atuação gigantesca, mostrando as diferentes facetas de uma artista complexa e com certeza em uma das melhores performances de sua carreira.
O principal problema do filme, em minha avaliação, é que a obra é excessivamente longa, perdendo muito tempo com cenas e diálogos desnecessários e com inúmeras referências artísticas de difícil compreensão não somente para mim, mas também para a maioria do público. A história se arrasta um pouco na sua primeira metade, apenas ganhando um bom ritmo na reta final, que acredito ser a melhor parte da película.
De uma maneira geral, a trama, apesar de várias vezes trazer informações mais específicas acerca da música clássica, não tem o gênero musical em questão como o seu ponto central. O grande tema do filme é, na verdade, acerca do poder nas sociedades modernas, e como esse poder pode ser alterado pelas redes sociais, sobretudo com a famosa "cultura do cancelamento". Lydia, tão acostumada em ter o controle de tudo, tanto durante uma apresentação quanto em sua vida pessoal, vê sua vida mudar com acusações feitas contra ela - algumas justas e outras falsas - e tem sua reputação, que demorou tanto tempo para ser construída, abalada em um "piscar de olhos".
Aos mais bem informados acerca do universo da música clássica, não tenho dúvidas que "Tár" deve ser um prato cheio e um deleite. Para aqueles, como eu, que até gostam do estilo musical, mas não são profundos conhecedores do assunto, o filme poder ser demasiadamente longo, mas, ainda assim, é bom e com uma grande atuação de Blanchett.
Existem alguns filmes que conseguem ir além das intenções dos próprios autores e ter distintos significados de acordo com cada espectador. Creio que "O Poço" é uma dessas películas, pois, embora o diretor Galder Gaztelu-Urrutia já tenha declarado que a obra é uma crítica ao capitalismo, acredito que isso seja uma incoerência, pois o verdadeiro sistema sócio-econômico em que há uma desigualdade forçada - com poucos tendo acesso a muito e muitos tendo acesso a pouco - é, de fato, o socialismo. No entanto, o filme também funciona para aqueles que, assim como eu, discordam da opinião de Galder, pois, analisando sob outro ângulo, a história apresentada também pode ser vista como uma crítica à natureza humana de uma maneira geral e daquilo que o homem é capaz de fazer em situações extremas, provocando interessantes reflexões.
Na estrutura do poço, os que estão em cima têm acesso à fartura, enquanto os de níveis inferiores têm de se contentar apenas com as sobras das refeições dos outros - e, para os níveis realmente mais próximos do final, muitas vezes nem as sobras permanecem, com as pessoas que lá estão tendo de suportar a fome por várias semanas. Quem está acima não se preocupa com os de baixo, mesmo sabendo que, no mês seguinte, as posições podem se inverter, e procuram aproveitar a posição privilegiada enquanto podem.
No lugar de haver uma noção de solidariedade e preocupação ao próximo, com cada um comendo pouco e, dessa maneira, permitindo que todos tenham acesso à comida, o que vemos é que, na prática, todos desconfiam de todos e comem tudo aquilo que podem no pouco tempo que é permitido, pois nem sempre o ato de generosidade de um pode ser retribuído pelo outro. Além disso, quem já passou pela fome e hoje está em níveis superiores, ao invés de ter mais compaixão com os que agora passam pela mesma situação, apenas se preocupa em se esbaldar o máximo possível e compensar o período em que comeu pouco. Sentimentos de dignidade, respeito e justiça ficam em segundo plano quando a própria sobrevivência está em jogo, sendo impossível o espectador, ao ver tais cenas, não se indagar se, na pele das personagens, faria as mesmas coisas ou agiria de forma diferente.
O filme, por outro lado, peca com alguns problemas no roteiro, tornando-se um tanto repetitivo no meio da história. E também é necessário mencionar que o final é pouco satisfatório, provocando a sensação de que o diretor e os roteiristas poderiam ter ido além e explorado mais a trama construída, mas, por algum motivo, optaram por encerrar mais cedo, como se quisessem deixar a obra incompleta.
Apesar dos pesares, o filme é bom e, qualquer que seja a sua visão de mundo, é possível interpretar as críticas e reflexões nele presentes de distintas maneiras.
Para quem gosta de suspenses e dramas investigativos, "O Corpo" é, sem dúvida, um prato cheio. Com um roteiro bem elaborado e várias reviravoltas, o filme prende a atenção do espectador e nos deixa, até os últimos instantes, com sérias dúvidas acerca das verdadeiras intenções das personagens envolvidas e do que realmente aconteceu, apenas sendo tudo concluído com o plot twist final, que, pelo menos para mim, é inesperado e encaixa, com precisão, todas as peças do quebra cabeça construído ao longo da história.
Um aspecto interessante é a inserção de flashbacks durante o filme, que parece nos deixar a par do que está acontecendo, mas isso é somente um ligeiro engano - e um recurso inteligente, utilizado pelos roteiristas, para reforçar o mistério. A verdade é que somos meros espectadores desse crime, e os flashbacks nos ajudam a entender o contexto somente naquele momento específico que é mostrado, e apenas sob uma certa perspectiva. Dessa maneira, somos levados, no decorrer da película, a diferentes conclusões, sendo que, em alguns momentos, todas as opções que temos em mente parecem ser plausíveis.
Uma obra feita sob os mínimos detalhes e com muita qualidade. Recomendado.
Não sei o que os jurados de Cannes viram neste filme para o premiarem, mas, na humilde opinião deste quem vos fala, "Triângulo da Tristeza" não me convenceu. A ideia de crítica social aos mais ricos vai na onda de diversas outras produções recentes - como, por exemplo, o filme "Parasita" e a série "The White Lotus" - e é válida, mas esta película, ao meu ver, passa longe de ter a mesma qualidade de outras obras com temática similar.
A história é dividida em três partes. A primeira, focando no casal, tem um problema muito simples: apesar dos esforços dos atores envolvidos, as personagens são insuportáveis e o "drama" envolvido é fraco, o que naturalmente provoca um desinteresse por parte do espectador. A segunda, já no iate, foca na clientela rica que irá curtir a viagem e as interações entre eles e também com a tripulação, mas perde diversas oportunidades de aprofundar melhor os arcos dos personagens envolvidos, apresenta uma quantidade excessiva de cenas desconfortáveis e escatológicas que não contribuem em muita coisa e ainda se perde com uma tentativa muito forçada de passar alguma mensagem política.
A terceira parte, por sua vez, é a mais interessante, em que os poucos sobreviventes, sendo alguns ricos e outros membros da tripulação, tentam se virar em uma ilha aparentemente deserta. Já que apenas uma das funcionárias do navio era habilidosa em algumas práticas necessárias à sobrevivência no local, como a pesca, as posições das personagens acabam se invertendo, com os mais abastados tendo de seguir as ordens daquela que antes era apenas mais uma tripulante, o que é uma crítica social bem feita.
No entanto, mesmo essa última parte, que é a melhor do filme, acaba se perdendo em um arco romântico constrangedor, diversos furos de roteiro e um final desnecessariamente deixado em aberto. Em alguns filmes, um final inconclusivo pode funcionar caso seja melhor estabelecer uma dúvida no espectador ou a possibilidade de distintos desfechos, mas aqui esse recurso é usado de maneira pouco inteligente, apenas tornando o filme incompleto.
O filme agrada aquele público apenas interessado em ver "rico se dando mal", mas desagrada quem, como era o meu caso, espera um bom humor ácido e inteligente, pois vai acabar se deparando com aquilo que é apenas, infelizmente, uma pretensa e rasa tentativa de crítica social.
É impossível negar que Tenório Cavalcanti foi, para o bem ou para o mal, uma das figuras mais fascinantes da história política brasileira. Um alagoano que nasce na pobreza, perde o pai assassinado na infância, migra ainda muito jovem - e sem nada - ao Rio de Janeiro e lá se torna um verdadeiro "coronel" político à moda antiga, morando em uma fortaleza, caminhando com sua capa preta e sempre acompanhado de uma submetralhadora. Uma figura que, se não tivesse existido de fato, diriam que foi inventada.
Esta obra, que retrata sua biografia, consegue mostrar bem o lado aventureiro de Tenório e fatos marcantes em sua vida, alternando elementos de drama político e filmes de gângster e prendendo a atenção do espectador. No entanto, erra em uma excessiva romantização da história, que, de tão absurda e surreal, tranquilamente dispensa algumas alterações que aqui ocorreram. Além disso, também peca um pouco na temporalidade dos acontecimentos e na falta de um melhor desenvolvimento da sua relação familiar.
Também é necessário destacar a grande atuação de José Wilker, que incorpora, muito bem, não somente o personagem em si, mas todos os seus trejeitos, sua ambição como político e sua valentia. Um aspecto curioso é que Wilker igualmente foi um nordestino que teve de ir muito jovem ao Rio de Janeiro para fazer o seu nome, assim como Tenório - embora, obviamente, ressalto a grande diferença das profissões que ambos exerceram .
Repulsa ao Sexo
4.0 462 Assista AgoraSem dúvida, este filme não faz jus à alta avaliação que possui ou aos elogios recebidos por parte da crítica. De uma maneira geral, "Repulsa ao Sexo" procura construir um terror psicológico que gira em torno da problemática mente da protagonista Carol Ledoux e de traumas que sofreu no passado.
No entanto, na tentativa de estabelecer algo complexo ou enigmático, o diretor acaba entregando uma história excessivamente lenta, tediosa e confusa. Em síntese, na primeira metade do filme simplesmente não ocorre nada de relevante para a história, que somente passa a engatar um pouco mais na reta final, mas ainda com problemas no ritmo, no roteiro e no desenvolvimento das personagens - sobretudo, as com participação secundária.
Dentre os poucos pontos positivos, destaco somente a boa atuação da sempre bela Catherine Deneuve, que cumpre bem o papel de uma jovem traumatizada e esquizofrênica, repassando bem toda a sua tensão ao espectador e fazendo o possível com um roteiro que não a ajuda em muita coisa. Por fim, devo dizer que não considero, nem de longe, este como sendo um dos melhores trabalhos do Polanski, que aqui parece ainda estar evoluindo como cineasta.
O Enigma de Outro Mundo
4.0 983 Assista AgoraUm dos clássicos oitentistas, "The Thing" é um filme que realiza aquela sempre interessante mescla de terror com ficção científica. O diretor John Carpenter consegue, com exímia maestria, estabelecedor um bem estruturado clima de mistério e suspense, não somente prendendo a atenção do espectador, mas também o aterrorizando com cenas realmente perturbadoras sob diversos aspectos.
Dentre os vários elementos da trama que poderia elogiar, destaco a forma como, em dado momento, a própria presença da criatura torna-se um pouco secundária e as personagens encontram-se diante de um cenário de elevadas desconfianças e suspeições de cada membro da tripulação com o outro. Nesse contexto, têm de vencer não somente o monstro que os assombra, mas o temor quanto a pessoa ao seu lado, ou até a si mesmo, que pode não ser quem pensa que é. Sendo assim, o filme nos apresenta uma criatura completamente assustadora, mas não se sustenta somente nas suas aparições para construir o clima de horror.
No entanto, se, como terror, o filme funciona muito bem e não deixa nada a desejar, é na parte da ficção científica que talvez tenha alguns problemas, com furos no roteiro e um final um tanto decepcionante.
Até os cachorros, quando diante da transformação do monstro, fizeram barulho e alertaram os demais, logo por que um humano não faria o mesmo e como alguém poderia ser contaminado sem que outros não percebessem? Se Garry não foi contaminado, como tiveram acesso às chaves que possuía, sendo que estavam sempre em seu cinto? Por que o monstro, ao possuir Blair, decidiu construir uma nave, e ainda mais no subsolo? Se queria escapar e possuía tanta inteligência, não seria mais fácil simplesmente consertar o helicóptero? Talvez esteja racionalizando demais, mas bons filmes de sci fi não podem ter tantos furos assim e tais fatos mal explicados sempre me incomodam um pouco.
Os pontos positivos da obra, porém, superam eventuais aspectos que poderiam ser melhor desenvolvidos e, sem dúvida, vale muito à pena assistir a essa película, que, com o passar do tempo, envelheceu bem e hoje talvez seja até mais valorizada quanto era no passado.
O Farol
3.8 1,6K Assista AgoraEm "O Farol", o diretor Robert Eggers segue o mesmo estilo presente em outras de suas produções, o que, pessoalmente, não me agrada muito. Mais uma vez, o cineasta opta pela estratégia de encher o filme com inúmeros simbolismos e referências mitológicas/religiosas e construir um suspense demasiadamente lento no qual o espectador apenas cultiva a esperança de que será recompensado no final, e novamente não é, esquecendo, no entanto, daquilo que deveria ser o mais importante em qualquer película: o roteiro.
Ao longo da trama, o filme alterna entre momentos que apenas mostram a rotina dos funcionários no local, outras cenas misteriosas - que, por sua vez, vão auxiliando na tentativa do diretor de estabelecer o suspense - e as interações entre os dois protagonistas, nas quais temos, provavelmente, o ponto alto da obra, sobretudo devido às boas performances dos atores - em especial, Willem Dafoe. Isso até funciona bem até certo ponto, mas o problema é que, na segunda metade da história, com o intuito de mostrar a deterioração mental do funcionário novato, o filme se torna excessivamente confuso.
Para deixar claro, considero perfeitamente válido uma película não entregar o significado de sua trama logo de imediato e montar uma espécie de "quebra cabeça" para o espectador solucionar, até mesmo deixando simbolismos e diversas interpretações em aberto. Aliás, não somente considero válido, como creio que tal recurso, quando bem utilizado, ajudou a criar muitas das mais inteligentes e fascinantes obras do cinema mundial. No entanto, em "O Farol", Eggers não somente abusa dessa estratégia, mas a utiliza de forma desorganizada e caótica, como se a mera presença de tais simbolismos e de uma atmosfera de mistério fosse, por si só, suficiente para engrandecer o filme, mesmo com um roteiro raso.
Aliás, uma fala de Thomas dirigida a Ephraim resume bem o que é essa película:
"Você fingiu ser misterioso em sua quietude, mas não há nenhum mistério. Você é um livro aberto. Uma atriz gritando para os refletores. Uma vadia que quer ser cobiçada."
Portanto, "O Farol", apesar de se vender como algo misterioso, artístico e inteligente, é, por baixo de toda a embalagem, apenas mais um daqueles produtos de Hollywood que vem se tornando uma tendência recentemente, com muita simbologia e pouca profundidade nos enredos. Ao término, o que realmente sustentou o filme foi a bela fotografia e a ótima atuação do elenco, pois, de resto, não sobrou muita coisa.
Estômago
4.2 1,6K Assista AgoraUma "joia escondida" no cinema nacional, "Estômago" pode ser visto como um delicioso prato a ser degustado pelo espectador, misturando, em seus ingredientes, drama, romance e pitadas de comédia, e acompanhado por inúmeras referências à gastronomia, que, naturalmente, não poderiam faltar. Ao mesmo tempo que diverte e envolve o público com seu bem elaborado roteiro, interessantes personagens e cativante trilha sonora, também nos faz refletir, dentre outras coisas, sobre poder, sexo e culinária, que aqui encontram-se bastante interligados.
De maneira inteligente, o diretor nos apresenta à história de Raimundo Nonato - com ótima interpretação de João Miguel - em duas partes: uma com ele já preso e a outra com ele iniciando sua trajetória como cozinheiro em São Paulo. Logo de imediato, começamos a nos indagar como aquele ingênuo rapaz vindo do Nordeste poderia, por algum motivo, ir parar na prisão, mas o filme não tem pressa e adota o seu próprio ritmo para explicar como o protagonista chegou até aquele ponto. Nesse aspecto, a edição também merece ser elogiada, por conectar, com exímio encaixe, as duas narrativas paralelas, prendendo bem a atenção do espectador.
Em síntese, o foco maior é sobre a forma como Nonato consegue, em contextos completamente desfavoráveis, utilizar o seu talento na cozinha para ir subindo posições na pirâmide social, seja na sociedade em si ou seja na prisão. A culinária, portanto, é aqui colocada como uma forma de poder, a partir da qual o protagonista sobrevive em situações nas quais as pessoas o querem "devorar". Sendo assim, para não ser a refeição de outros, ele cozinha.
Algumas atuações são fracas e determinadas cenas são um tanto desnecessárias, mas os vários pontos positivos da obra falam mais alto. Sem dúvida, é um filme a ser mais conhecido e valorizado, sendo uma das grandes produções do cinema brasileiro. Degustem.
A Bruxa
3.6 3,4K Assista AgoraEm "A Bruxa", o diretor Robert Eggers procura se ater mais ao lado psicológico do terror e menos aos "jump scares" e outros elementos comuns a filmes do gênero, o que é interessante. Dessa maneira, utiliza recursos como a trilha sonora e a fotografia - que, diga-se, cumprem bem o seu papel - para, junto a uma boa direção, proporcionar uma ambientação obscura e macabra ao local onde se passa a história.
No entanto, se os aspectos técnicos são bem executados, o filme peca naquilo que deveria ser o mais importante: o roteiro. Não há dúvida de que a película consegue trazer, ao espectador, situações realmente perturbadoras, no entanto elas ficam reservadas a poucas cenas em particular e sempre com uma duração muito curta. É como se o diretor, sempre que algum acontecimento começasse a provocar mais medo e tensão, passasse a sentir, de imediato, a necessidade de interromper a cena, ao invés de aprofundar e explorar melhor o que está ocorrendo.
Sendo assim, a película passa a maior parte do tempo lentamente construindo um suspense, realizando sugestões acerca dos significados dos eventos e preparando o público para um grande clímax. O problema é que, quando o momento chega, entrega muito pouco, com um final inconclusivo e, sendo sincero, decepcionante. Além, é claro, do fato das escolhas da protagonista nas cenas finais me parecerem contraditórias quanto às características da personagem ao longo do filme.
Como mencionado antes, a ideia de fazer um terror pouco convencional e que não se sustente nos momentos de "susto" ao espectador é válida, mas, em troca, é necessário entregar ao público algo mais complexo e significativo em relação ao que ocorre na história, o que não acontece aqui, em que acompanhamos mais um conto, já bastante conhecido, sobre bruxas e demônios, isto é, nada muito inovador.
Por baixo de todos os simbolismos e da ambientação, o enredo, portanto, é até um tanto raso, entregando um terror bem menos inteligente ou profundo do que pretendia ser. Vale assistir pela Anya Taylor-Joy, que aqui encontra-se em seu primeiro papel de grande destaque, e para quem curte filmes do gênero com essa faceta mais artística e psicológica, mesmo que, neste caso em particular, a execução não seja das melhores.
O Homem dos Sonhos
3.5 147Com uma proposta bem criativa e interessante, "Dream Scenario" é, sem dúvida, uma das gratas surpresas, do ano passado, no mundo do cinema. E digo isso não somente pela ideia em si por trás do filme, que naturalmente chama muito a atenção, mas também, sobretudo, devido à ótima execução por parte do jovem diretor norueguês Kristoffer Borgli, que consegue desenvolver um bom enredo e, ao mesmo tempo, abordar importantes temas, presentes na sociedade atual, em uma história recheada de surrealismos.
A premissa de um homem pouco conhecido que torna-se mundialmente famoso por, de maneira completamente inesperada, aparecer no sonhos de outras pessoas com as quais jamais teve qualquer tipo de contato é, à princípio, tão chamativa quanto absurda aos olhos do espectador, chegando até a ser, nos primeiros momentos, engraçada de tão bizarra. No entanto, é no desenvolvimento do filme que a história vai ganhando contornos mais obscuros e realistas e que começamos a perceber que o grande foco da película não é sobre os sonhos em si, mas acerca da fama e dos efeitos que uma excessiva atenção pode ter na vida de um determinado indivíduo.
Na trama, Paul Matthews é um professor universitário de biologia, possui doutorado e está há muitos anos em uma instituição de ensino, mas nunca teve qualquer tipo de trabalho com grande relevância e coleciona frustrações tanto na vida profissional quanto pessoal, sobretudo pelo fato de não ser devidamente reconhecido. Quando começa a ganhar fama devido às suas aparições nos sonhos, embora considere a situação bizarra, vê naquilo como uma oportunidade única para finalmente conseguir divulgar os seus trabalhos acadêmicos, acreditando que o estrelato pode ajudar a alavancar sua carreira enquanto biólogo. No entanto, eis que surge uma outra frustração: absolutamente ninguém se importa, de fato, com as suas ideias sobre biologia, mas, na verdade, apenas querem saber de sua presença nos sonhos, o que é justamente aquilo que ele não tem qualquer tipo de controle.
E esse contexto, que inicialmente até parecia bom e depois torna-se frustrante, vai, aos poucos, transformando-se também em algo extremamente negativo para ele e sua família, sobretudo quando suas aparições em sonhos deixam de ser inofensivas e passam a se tornar agressivas, violentas e até, em alguns casos, com contornos sexuais, o que difere completamente de sua personalidade. A mesma sociedade que o levou ao estrelato, agora começa a querer culpá-lo por todo esse surreal fenômeno e a tratá-lo não mais como uma celebridade, mas como um pária, isto é, alguém que deve ser excluído, à todo custo, de qualquer tipo de convívio social, não podendo mais comer em uma lanchonete, lecionar na universidade ou sequer ver uma peça musical de sua filha. As pessoas começam a se sentir desconfortáveis e revoltadas na sua presença, não devido àquilo que ele realmente é, mas por conta daquilo que elas imaginam que ele seja em razão dos pesadelos que têm com a sua presença.
Se a parte da história que envolve a personagem principal aparecer em sonhos é fantasiosa, a parte mais triste da trama é, infelizmente, muito verdadeira, sobretudo em uma sociedade que normalizou os "cancelamentos", com perseguições baseadas não em fatos concretos, mas em percepções e acusações sem provas. Aliás, ainda mais grave quando, como no caso abordado aqui, a pessoa em questão sequer tem responsabilidade por aquilo que a tornou repentinamente famosa, assim como não tem o poder de parar tudo o que está ocorrendo e agora a transformou em uma personalidade infame.
Uma obra que, em minha avaliação, deveria ser mais classificada como drama do que propriamente como uma comédia, apesar de ter cenas muito engraçadas, sendo, acima de tudo, um filme muito bem produzido e com um roteiro inteligente e criativo. Isso sem falar, é claro, da ótima atuação de Nicolas Cage, que aqui encontra-se em um dos seus melhores papéis recentes e, quem sabe, em uma retomada na carreira. Recomendado.
Janela Indiscreta
4.3 1,2K Assista AgoraSomente Hitchcock é capaz de dirigir, com exímia qualidade, um bom suspense em uma história que se passa, o tempo inteiro, no mesmo cenário - no caso, o condomínio - e na qual o protagonista encontra-se constantemente em uma cadeira de rodas. Em "Janela Indiscreta", o diretor explora a curiosidade humana em vasculhar a vida alheia e tentar desvendar o que ocorre nas rotinas privadas das outras pessoas.
Diferentemente de muitos, não considero este o melhor trabalho do cineasta - longe disso - e tampouco tão revolucionário quanto algumas críticas já classificaram, mas, na verdade, acho exatamente o contrário: o suspense apresenta um enredo bem simples, o que é bom em diversos aspectos, mas pode decepcionar um pouco em outros.
Como aqui é retratada a rotina de um condomínio comum na cidade de Nova York, não espere, como em outras obras hitchcockianas, grandes reviravoltas ou nada muito complexo. A trama, pelo local em que se passa, tem um ritmo lento em diversas cenas - no entanto, não à ponto de ficar muito monótono - e o plot é até previsível bem antes do final. No entanto, o filme consegue, em linhas gerais, cumprir bem a tarefa de construir um satisfatório thriller e, sobretudo mais perto do término, garantir momentos de tensão e inquietude ao espectador, como se estivéssemos na pele do protagonista. Além disso, também destaco o tom humorístico em algumas partes, que é divertido e traz mais leveza à história.
Um bom suspense para passar o tempo na companhia de lendas do cinema como James Stewart e a belíssima Grace Kelly, mas também nada além disso - e, confesso, acho que esperava um pouco mais.
Fogo Contra Fogo
4.0 662 Assista AgoraNão à toa, "Heat" é um dos grandes clássicos do gênero de ação dos anos 90. Com grande direção de Michael Mann, a trama em momento algum torna-se monótona ou lenta, mas consegue prender bem a atenção do público, manter sempre um bom ritmo - tanto nas cenas de ação em si quanto nos momentos em que a investigação policial ou os preparativos para o roubo ainda estão ocorrendo - e fazer com que sequer sintamos as quase três horas de duração, que passam "voando".
No entanto, acredito que o principal motivo responsável por tornar este filme tão bom seja, na verdade, o fato de ir além dos elementos que naturalmente já vemos em outras boas películas de drama policial - como o suspense, as cenas de perseguição e um pouco de romance - e que também estão aqui presentes e executados com primor. Quanto a isso, deve-se muito ao diferenciado e bem produzido roteiro, no qual os protagonistas da história, que contam com ótimas atuações, como de costume, de Pacino e De Niro, estabelecem uma interessante e inusitada relação. Encontrando-se em lados completamente opostos, ambos são muito bons nos seus respectivos trabalhos, inteligentes e procuram sempre estar um passo à frente do outro, alternando momentos de tensão e admiração entre si.
Nesse caso, o título do filme em português - "Fogo Contra Fogo" - não poderia ser mais apropriado, pois claramente vemos as duas personagens utilizando todas as armas que possuem contra o outro, apresentando sempre a certeza de que seus respectivos planos não serão interrompidos ou atrapalhados. É como se a mentalidade do detetive refletisse perfeitamente nas atitudes do criminoso e, até os instantes finais, não temos a menor noção de quem vai se sair melhor nessa disputa.
O único ponto negativo pode ser atribuído aos arcos secundários, que, em grande parte, pareceram-me, em muitos momentos, descartáveis, desnecessários e apenas ocupando um tempo da tela que seria melhor preenchido com mais interações entre os protagonistas ou cenas de ação. A exceção, com certeza, foi aquele envolvendo Neil e Eady, que foi interessante e nos revelou diversas características da personalidade do criminoso.
De uma maneira geral, um filme eletrizante, muito bem produzido e que prende a atenção do espectador do começo ao fim. Recomendado.
Um Corpo que Cai
4.2 1,3K Assista AgoraFalar da capacidade de Hitchcock de construir suspenses de qualidade é chover no molhado, mas nunca é demais lembrar das qualidades desse grande diretor. Em "Vertigo", novamente o cineasta nos mostra o seu talento não somente em dirigir enredos repletos de mistério, mas também em, inteligentemente, enganar o espectador, levando-o a diferentes conclusões ao longo da trama e a distintas interpretações quanto às intenções das personagens.
Neste filme, a história pode ser dividida em duas partes. Na primeira, temos um suspense investigativo de altíssimo nível, no qual o policial John Ferguson é encarregado de espionar a esposa de um antigo amigo, Gavin, à mando do próprio. A justificativa é a de que, segundo o marido, a sua mulher, Madeleine, estaria sendo possuída pelo espírito de uma mulher morta no século XIX, o que a levava a agir de maneira estranha e supostamente não se lembrar sequer dos locais pelos quais havia passado. Ao longo da investigação, aquela explicação que, à princípio, parecia completamente bizarra, começa a fazer sentido na mente do espectador, que passa a acompanhar, junto ao protagonista, o comportamento incomum da mulher investigada. Além disso, é estabelecido, de forma acidental, um relacionamento entre os dois, que inicia-se com o desejo de ambos de solucionar o que está ocorrendo, depois transforma-se em um romance proibido e encerra-se com um episódio trágico, isto é, a morte de Madeleine.
Na segunda parte, por sua vez, são retratados os eventos posteriores, com o detetive ainda tentando se recuperar dos acontecimentos traumáticos que vivenciou. Por acaso, acaba encontrando, nas ruas, uma mulher, Judy, muito parecida com a sua falecida amada, o que o leva a ir atrás dela e convidá-la para um jantar. No entanto, para a surpresa do espectador, vem o grande plot twist da trama: a mulher em questão parecia com Madeleine exatamente por que ela era a Madeleine, ou pelo menos, era alguém que estava se passando por ela, não apenas pelas semelhanças no rosto, mas igualmente pela cor do cabelo, a forma de se vestir e os trejeitos. Além disso, é também revelado que a mesma participava, à mando de Gavin, de um complô para assassinar sua esposa, tendo, por acidente, verdadeiramente se apaixonado por Ferguson, que seria apenas usado como um instrumento em toda essa trama.
No entanto, o grande problema do filme está exatamente a partir desse momento, pois, quando a grande revelação é feita, ainda existe muito tempo de película pela frente. A força do suspense que vinha sendo construído encontrava-se exatamente na dúvida que era estabelecida, na mente do público, quanto ao que estava acontecendo e acerca das intenções das pessoas envolvidas. No momento em que tudo é explicado na nossa frente, o que vem depois torna-se secundário, restando somente uma tentativa de romance entre Ferguson e Judy, a descoberta por parte do detetive e um final extremamente anticlimático e decepcionante.
E, se não bastasse isso, o próprio plot twist, embora surpreendente e tendo sua revelação bem construída ao longo da primeira parte da trama, também revela alguns furos no roteiro. Não é explicado o porquê do marido ter tido o plano de matar a própria esposa, o porquê de Judy ter aceitado participar de tal maléfico complô e, obviamente, o porquê da mesma, apesar de ter aparência quase idêntica à da pessoa assassinada, considerou uma boa ideia tanto permanecer na mesma cidade quanto ainda novamente se envolver com a pessoa que havia se apaixonado, mas também enganado durante todo esse período, sob o risco de ser desmascarada - o que, de fato, ocorreu.
Sendo assim, este filme é um exemplo de uma história muito bem desenvolvida até um certo ponto, mas que falha em manter o mesmo clima de suspense no espectador após a revelação do seu plot twist, feita com ainda muitos minutos restando na película. Um bom suspense e com grandes atuações de James Stewart e da belíssima Kim Novak, porém, devido às várias falhas no roteiro, deixa um pouco a desejar em sua parte final.
Amnésia
4.2 2,2K Assista AgoraMesmo este sendo apenas um dos seus primeiros trabalhos, o diretor Christopher Nolan, em "Amnésia", já mostra que é diferenciado e capaz de construir tramas inteligentes e inovadoras, prendendo a atenção do espectador do começo ao fim e o levando, ao longo da história, a diferentes conclusões e interpretações acerca dos acontecimentos narrados.
Com o objetivo de provocar, na audiência, a mesma sensação de confusão existente no protagonista Leonard, que sofre com problemas de memória, o cineasta nos leva a um suspense construído de maneira não linear. Sendo assim, somos apresentados, nas primeiras cenas, ao que seria a reta final da história e, somente depois, são mostrados os fatos ocorridos previamente, com o filme se encerrando e o plot sendo revelado na cena que, em tese, deveria ser o começo.
Além disso, é igualmente possível observar que o filme é "retalhado" em pequenas partes, também com a intenção de imitar os curtos períodos de tempo nos quais a personagem principal é capaz de permanecer na mesma memória. Esses "pedaços" vão se juntando aos poucos e nos fazendo entender melhor a narrativa e as intenções dos indivíduos envolvidos, como se estivéssemos montando um quebra cabeça "de trás pra frente".
No entanto, tentar compreender, por completo, a história do filme é impossível, da mesma forma que é impossível para o protagonista conseguir efetivamente distinguir o que é verdade daquilo que é mentira ou entender em quais pessoas deve confiar ou não, correspondendo a outro elemento que o personagem principal e o público apresentam em comum. Após assistir pela primeira vez de maneira atenta ou vendo alguns vídeos na internet que buscam elucidar a trama, talvez até possamos nos arriscar a solucionar essa grande charada, mas é apenas reassistindo o filme e percebendo novos detalhes que se torna claro que tal tarefa é, propositadamente, impraticável.
Ao término, verificamos que, apesar dos problemas neurológicos vividos pelo protagonista serem sérios, não é a sua incomum amnésia o principal obstáculo para vingar sua esposa, pois, mesmo com tal condição de saúde o atrapalhando, é revelado que ele já conseguiu matar a pessoa responsável pelo crime. Ironicamente, o principal mal que aflige Leonard é algo que é bastante comum a maioria da pessoas, que é a incapacidade de, em diversas ocasiões, acreditar na verdade, mesmo quando os fatos são revelados na nossa frente. Em muitas oportunidades, queremos acreditar naquilo que nos motiva ou nos faz mais feliz e não necessariamente no que é verdadeiro, escolhendo preservar algumas memórias e eliminar outras.
No caso, Lenny enxerga a busca pelo assassino de sua esposa - que, na realidade, talvez nem tenha sido morta no assalto, mas posteriormente devido a aplicação excessiva de insulina - como o principal norte de sua vida e a única coisa capaz de fazer suportar sua condição neurológica e solidão, dando-lhe um propósito para continuar sua caminhada. Sendo assim, mesmo depois de sua vingança já ter sido consumada, prefere acreditar que o culpado ainda não foi pego e prossegue as buscas. Dessa maneira, em sua mente, a morte de sua esposa não somente ocorreu pelas mãos do ladrão, mas também nunca será efetivamente vingada, pois é uma missão que deverá carregar eternamente para se manter vivo na realidade em que criou para si.
O problema é que quem revela a ele a suposta verdade, isto é, que o assassino verdadeiro já foi pego e que a esposa dele foi morta posteriormente, é Teddy, que, ao longo de toda a história, mostrou-se uma figura completamente dúbia. Durante o filme, vemos o policial contar tanto verdades quanto mentiras, apresentando ora um comportamento confiável e, em outros momentos, enganando Lenny para benefício próprio. Afinal, Teddy estava falando a verdade ou não? Ou estava apenas mentindo para que Lenny confiasse nele e o entregasse o carro com dinheiro? Afinal, a esposa do protagonista tinha diabetes ou não? Se ela realmente tinha, não seria algo que o seu esposo se lembraria, pois se tratava de algo anterior ao acidente?
Sendo assim, a real tragédia não é Lenny não ser capaz de se lembrar do que aconteceu devido à condição neurológica, mas sim o fato dele não suportar tanto ter conhecimento da verdade que é capaz de apagar, de maneira proposital, as informações de sua própria mente. Se sua esposa foi morta pela injeção de insulina que ele aplicou, o mesmo prefere inventar uma história fictícia e se ater àquilo que o deixar mais confortável. Se ela realmente foi morta no assalto, prefere acreditar que o assassino ainda não foi pego, pois a vingança é a única coisa que o ainda deixa vivo. A realidade, assim, é tão dura que ele prefere viver em uma mentira.
Um suspense muito bem construído, com ótimas atuações e um roteiro inteligente, sendo uma das melhores obras de Nolan. Recomendado.
O Sétimo Selo
4.4 1,0K"O Sétimo Selo" recebeu esse nome em referência a uma passagem do livro bíblico "Apocalipse", em que Deus tem 7 selos nas mãos. A abertura de cada um representa um desastre para a humanidade, sendo o último deles o fim dos tempos de forma irreversível. Por esse motivo, o filme inicia-se com a frase:
"E havendo o Cordeiro, aberto o sétimo selo, fez-se silêncio no céu quase por meia hora.
Apocalipse (8:1)"
A obra de Ingmar Bergman procura retratar um período da história na qual a humanidade, assolada pela peste negra, encontrava-se constantemente cercada pela morte. Tal contexto é sintetizado no protagonista, o cavaleiro Antonius Block, que regressa, depois de muitos anos, das Cruzadas e passa a vivenciar um vazio existencial à medida em que sua fé encontra-se cada vez mais abalada. A morte, por sua vez, é representada pela figura da morte personificada, como sendo não somente algo sempre à espreita, mas também uma inevitável força da natureza, sobretudo na época em questão.
O filme é indiscutivelmente muito bem dirigido, apresentando cenas belíssimas e provocando intrigantes reflexões, mas acredito que a proposta, em diversos momentos, é mais interessante do que a execução em si. Por se tratar de uma película reconhecida, por inúmeros críticos, como um dos melhores filmes de todos os tempos, muitos podem ter o receio de admitir, mas a verdade é que algumas cenas e personagens são descartáveis à trama principal e a história torna-se, em determinadas ocasiões, lenta e monótona.
Além disso, se na maior parte do tempo o diretor consegue abordar a temática da falta de fé de maneira bem executada e sutil, nas cenas envolvendo o cavaleiro Jons, fica a impressão de que a personagem está ali apenas para despejar, de forma nada sutil, as idéias de Bergman. Para quem não sabe, o cineasta era filho de um ministro luterano, mas abandonou, muito jovem, a igreja.
Outro ponto a ser destacado são as flagrantes imprecisões históricas. Embora se reconheça que o filme não foi criado para ser um documentário extremamente fiel e também que determinadas alterações podem ser feitas sob uma "licença artística", o fato do enredo misturar Cruzadas, peste negra e Inquisição ao mesmo tempo - apesar de terem ocorrido em épocas distintas da Idade Média - é algo que chama a atenção.
O filme é bom, mas creio que sua fama e proposta são maiores que a obra em si.
O Peso do Talento
3.4 255 Assista AgoraE se pegássemos todos os memes envolvendo o Nicolas Cage, juntássemos com algumas cenas de ação e colocássemos em um liquidificador? Bem, o resultado seria "O Peso do Talento", que é uma película que podemos enxergar de duas maneiras: como um filme propriamente dito ou como uma espécie de homenagem/sátira.
Como filme, tem uma premissa interessante, mas também os seus altos e baixos. Dentre os problemas no roteiro, destaco os arcos secundários, que não são muito bem desenvolvidos e acabam sendo descartáveis. A sintonia entre Cage e Pascal, por exemplo, é ótima e o ponto alto da obra, mas a história acaba perdendo muito tempo com diversas cenas envolvendo a família do protagonista, agentes da CIA e outros elementos menos interessantes, embaralhando tudo em uma grande confusão. Talvez, nesse caso, uma narrativa mais sucinta e focada nas duas personagens principais fosse melhor.
Por outro lado, se enxergarmos esta produção mais como um tributo ao Nicolas Cage, então talvez se torne mais palatável. Ao longo da trama, temos, inclusive, diversas referências a outros filmes do ator e também algumas cenas satirizando o seu próprio estilo de atuação e o fato de Cage realizar um gigantesco número de trabalhos, com grande uso da metalinguagem. Sob esse ângulo, as personagens secundárias realmente não deveriam ter muita relevância mesmo, sendo apenas um trampolim para colocar o ator em mais cenas de ação.
No entanto, eu diria que, qualquer que seja a forma com a qual encaramos esta obra, é um filme divertido para se assistir sem levar muito à sério, garantindo algumas boas risadas, passando bem o tempo e sendo uma produção bem mais interessante do que aquelas nas quais o Cage vem, em média, se metendo recentemente. Nem todo filme precisa ser bom para que possamos nos divertir, pois existem aqueles que podemos "desligar um pouco o cérebro" por algumas horas e aproveitar, e este é um deles.
Frankenstein
3.9 285 Assista AgoraUm dos grandes clássicos dos filmes de terror, "Frankenstein não é somente uma obra culturalmente importante na história do cinema, mas, na realidade, um filme de considerável qualidade técnica ainda para os dias de hoje. Quase um século depois de seu lançamento e mesmo com o público, atualmente, já conhecendo todos os detalhes de sua famosa história, a película ainda impressiona por sua capacidade de proporcionar medo e tensão no espectador, o que muito se deve, sem dúvida, não apenas à brilhante direção de James Whale, mas também à marcante trilha sonora.
O diretor, de maneira inteligente, vai construindo, aos poucos, a tensão - porém sempre mantendo um bom ritmo e jamais deixando a trama se tornar monótona - e preparando a audiência para, somente na metade do filme, ocorrer a primeira aparição da criatura. A partir daí, a história vai acelerando, com uma sequência inoportuna de eventos e a percepção do doutor, que almejava imitar os poderes de Deus, de que sua criação havia falhado. Destaco aqui a cena da experiência realizada por Henry, na qual o monstro é trazido à vida, que é poderosíssima.
Obviamente, é necessário reconhecer as limitações, na época, para a criação do filme, o que levou a naturais alterações em relação à história original do livro de Shelley, pois seria impossível, com os recursos disponíveis e a pouca duração da película, conseguir perfeitamente adaptar uma obra de mais de duzentas páginas. As mudanças feitas, em minha avaliação, foram bastante positivas e conseguiram construir uma história também interessante para o cinema, além é, claro de trazer diversas inovações e servir de inspiração a inúmeros outros trabalhos.
À título de curiosidade, o filme, com um orçamento de cerca de 260 mil dólares, foi um sucesso de crítica e de público, com uma bilheteria de 12 milhões na moeda americana. De tão assustador para a sua época, foi banido em diversos países, como Irlanda do Norte, Suécia e Itália, além de sofrer censura em alguns locais dos Estados Unidos.
Aos amantes da Sétima Arte e, sobretudo, dos filmes de terror, "Frankenstein" é um filme obrigatório. Recomendado.
Nefasto
3.4 203 Assista AgoraAcredito que algumas pessoas que viram este filme e não gostaram foram, antes de assisti-lo e ao ler o gênero em que ele é classificado, levadas a crer que "Nefasto" tratava-se de uma película de terror, com os famosos "jump scares", por exemplo. E isso, em minha avaliação, é um grande erro, para o qual já alerto aqueles interessados em ver esta obra, pois passa longe de ser uma história de terror nesses moldes, sendo, em síntese, uma história sobre religião e, indo mais além, sobre bem versus mal.
A premissa é bem simples: um serial killer, que diz ser o demônio, foi condenado à pena de morte, necessitando, antes da execução, ser avaliado por um psiquiatra. O grande ponto ao redor do qual o filme gira em torno é que o doutor, sendo ateu, não acredita em demônios, em anjos ou em religião alguma, mas, ao avaliar o condenado em questão, começa a vivenciar experiências que podem abalar suas crenças pessoais e, de uma maneira geral, toda a sua visão de mundo.
Tendo em mãos uma produção de baixo orçamento, os diretores e roteiristas não conseguiriam, se quisessem, utilizar recursos como diversos cenários ou inúmeros efeitos especiais, o que fez com que tivessem de se ater a algo barato, mas que, se bem usado, pode ser extremamente valioso em qualquer filme: o diálogo. A película, portanto, acontece, na maior parte do tempo, em uma sala de um presídio e, basicamente, com as duas personagens principais conversando. Esse é outro ponto que muitos espectadores podem não gostar, e eu entendo o porquê, mas como os diálogos são muito bem construídos, apresentam boas atuações - sobretudo de Sean Patrick - e possuem um ritmo intenso, eu não me senti incomodado de qualquer maneira - muito pelo contrário, gostei bastante.
As relações entre os dois protagonistas é o que carrega o filme, sobretudo porque vai além das duas pessoas que estão ali conversando, englobando questões religiosas e existenciais. Se Edward está apenas mentindo e propositadamente querendo enganar o psiquiatra em fazê-lo acreditar ser um demônio verdadeiro, então avaliá-lo como louco e poupá-lo da morte seria exatamente fazer o que ele, mesmo que não admitisse, queria esse tempo todo. No entanto, se estivesse diante de um caso real de possessão demoníaca, então condená-lo a morte também não faria efeito algum, pois o demônio verdadeiro iria continuar vivo e quem iria morrer, na realidade, seria a pessoa possuída. A tensão da mente do doutor é construída a partir desse momento, isto é, quando percebe que qualquer decisão que tomar será errada e terá consequências negativas, não encontrando saída da encruzilhada na qual foi colocado.
Além do enredo bem desenvolvido, traz várias reflexões religiosas interessantes - o que, novamente aviso, pode incomodar aqueles que decidem assistir este filme apenas esperando cenas de terror ou coisas do tipo. Aqui o diabo não é apresentado como uma entidade sobrenatural que quer escravizar os homens, mas, na verdade, como um ser que diz prezar pela liberdade, o que, à princípio, surpreende positivamente o psiquiatra. No entanto, aí também encontra-se a grande armadilha do demônio, pois é no excesso de liberdade que pode surgir a libertinagem, e é na libertinagem que o homem pode acabar se entregando aos seus pecados. Em outras palavras: é exatamente quando o ser humano acredita estar livre que ele está, na realidade, cada vez mais preso a seus próprios vícios, erros e defeitos. O diabo, portanto, não deseja a liberdade salutar, na qual o homem desfruta de sua vida com felicidade e livre arbítrio, mas sim a liberdade destrutiva, que corrói o indivíduo e as sociedades sem que percebam.
Repetindo o mesmo comentário que fiz no excelente "O Advogado do Diabo", que também aborda, embora de uma outra maneira, essa temática: o homem é imperfeito e pecador, e é através desses pecados que o diabo age, e por isso ele valoriza tanto essas características, pois é a partir delas que ele busca conquistar o mundo. O grande ponto da religião, e aqui falo como católico, é procurar buscar o divino e o transcendental, isto é, acima das imperfeições mundanas e humanas. Enquanto o diabo abraça os defeitos do homem, a palavra de Deus o orienta a buscar algo mais elevado.
Sendo assim, para quem gosta de obras que abordem essas discussões, é ótimo. Para quem realmente não curte isso, independente de suas crenças pessoais, sugiro que passe longe do filme - ou, se quiser, até dê uma chance, mas sabendo do que terá pela frente.
Contra o Tempo
3.8 2,0K Assista AgoraO diretor Duncan Jones já havia sido apresentado a mim pelo ótimo "Lunar", que eu recomendo a todos, e aqui, em "Contra o Tempo", o cineasta dessa vez se aventura por uma história que até pode ser menos profunda, mas é igualmente criativa, interessante e dentro do gênero da ficção científica.
A ideia de uma determinada personagem - no caso, o capitão Stevens - ter a possibilidade de reviver eventos passados repetidas vezes é curiosa e já havia sido testada em outros filmes. O diferencial aqui é que os acontecimentos prévios não haviam sido vividos originalmente pelo protagonista em questão e, além disso, ele teria apenas alguns poucos minutos para revivê-los, tendo como objetivo a difícil tarefa de solucionar um caso de terrorismo e encontrar o nome do responsável pelo terrível ataque.
No início, a história parece confusa, o que acredito ser intencional, mas, gradativamente, somos apresentados a maiores detalhes e, sobretudo, aos motivos pelos quais Stevens está inserido nessa missão, fazendo com que tudo faça sentido. O roteiro é bem construído, tem poucos furos e até provoca, na reta final, algumas reflexões interessantes, sendo, no geral, bastante objetivo e, por ser de curta duração em comparação a outros longa metragens, o tempo passa voando.
Talvez o principal ponto negativo é que, pelo fato do protagonista ter apenas oito minutos na "simulação" para solucionar o problema, isso acaba limitando o que ele pode fazer, além de não possibilitar mais interações entre as personagens interpretadas por Gyllenhaal e a bela Michelle Monaghan. Dessa maneira, o elemento mais diferencial do filme também é o que amarra os roteiristas e o diretor em relação ao que poderia ser explorado da história.
Nada excepcional, mas um bom filme para passar o tempo.
A Pele que Habito
4.2 5,1K Assista AgoraSe eu pudesse descrever este filme em algumas palavras, as primeiras que viriam à mente, com certeza, seriam: original, perturbador e surpreendente. Em "A Pele que Habito", Almodóvar, cujo trabalho ainda estou começando a conhecer, ousa caminhar por um território ainda inexplorado, misturando elementos de drama, romance, terror e ficção científica, em uma história chocante que tanto aborda temáticas como traição, solidão, morte e vingança, mas também provoca reflexões e debates acerca de bioética, dos limites da ciência e questões de identidade individual.
Utilizando bem o recurso dos flashbacks, o diretor vai alternando entre passado e presente, primeiro nos apresentando às personagens principais atualmente - ou, pelo menos, no tempo que estão inseridas - e, ao longo da película, resgatando acontecimentos passados que nos ajudam a entender o que as levou até ali e, sobretudo, as motivações por trás das atitudes do cirurgião plástico Robert. A partir daí, as visões que temos dos indivíduos em questão vão gradativamente mudando e sendo desconstruídas e compreendemos que o enredo é, antes de mais, uma narrativa de vingança com várias dimensões. Robert é um homem cuja vida desmoronou após eventos traumáticos e utiliza o experimento abordado na história como forma de, em sua visão, fazer justiça ao que aconteceu.
O problema é que ele realiza, sem nenhum tipo de culpa, suas experiências em uma determinada paciente, que apenas depois iremos saber quem é, ou seja: o ódio, embora até compreensível por tudo o que passou, acabou o conduzindo à desumanização não somente daquele indivíduo que aprisionou, que passa a ser apenas encarado como um objeto para fins científicos, mas também de si próprio. Por outro lado, todas as cirurgias que realiza na refém contra a sua vontade, principalmente no rosto, pretendem aproximá-lo da imagem da antiga esposa, como se estivesse buscando, além da vingança, reescrever, do zero, a história com sua amada.
Da perspectiva da paciente, percebemos que, após as mudanças bruscas que sofreu em seu corpo, ela procura não apenas sobreviver à prisão na qual está inserida, mas igualmente luta para compreender a sua própria identidade, em um momento em que, ao se olhar no espelho, sequer se reconhece mais. Aliás, as cenas envolvendo Vera são, sem dúvida, as que o diretor consegue melhor explorar na tentativa de causar ansiedade, medo e tensão, acelerando os nossos batimentos cardíacos e prendendo a atenção do espectador com ataques violentos e perseguições, acompanhados por uma trilha sonora eletrizante. Isso sem falar, é claro, do chocante plot twist, que é revelado na segunda metade da trama e que é muito bem construído.
O ponto negativo, em minha avaliação, é que o filme poderia ter desenvolvido melhor as personagens secundárias e outros arcos interessantes, sobretudo o envolvendo a empregada Marília, que surgem e acabam ficando pelo caminho com desfechos pouco satisfatórios. A impressão é que o filme poderia ter dedicado, talvez, uns trinta ou quarenta minutos a mais para completar essas partes da história de uma maneira mais adequada.
No geral, uma obra que, sem dúvida, vai ficar na minha cabeça por muito tempo. Recomendado.
Do Que as Mulheres Gostam
3.2 669 Assista AgoraCom uma premissa criativa, "Do Que as Mulheres Gostam" é mais uma daquelas comédias românticas dos anos 90/2000 que podem estar longe de serem obras primas do gênero, mas cumprem bem seu propósito de forma leve e divertida.
Quanto ao elenco, gostei das atuações de Mel Gibson e Helen Hunt, que estão bem em seus respectivos papéis, mas acredito que Marisa Tomei poderia ter uma maior participação. Além disso, também vale destacar que o filme tem, sem dúvida, os seus problemas no roteiro, porém dá para ignorá-los se assistirmos a película de maneira despretensiosa e sem levar muito à sério, o que, acredito, seja o ideal aqui.
Único ponto que realmente que incomodou foi a reta final da história, que, recheada de clichês, foi por caminhos muito previsíveis, e pareceu-me ter sido feito à pressa. No geral, é um bom filme para se passar o tempo.
Assassinos da Lua das Flores
4.1 615 Assista AgoraApós uma longa espera, na qual estão incluídos os inúmeros atrasos que esta produção teve devido à pandemia, finalmente pude assistir "Killers of the Flower Moon" e todas as expectativas que tinha foram devidamente atendidas. Um dos meus diretores preferidos, Scorsese mostra, mais uma vez, que envelhece como vinho, apresentando, em grande direção, uma das conspirações mais absurdas da história dos Estados Unidos, em um filme que utiliza como base um livro homônimo e também uma extensa pesquisa do cineasta acerca da tribo Osage.
Em síntese, a película traz a história da descoberta de petróleo por indígenas americanos no início do século passado. Se, por um lado, o famoso "Ouro Negro" garantiu uma repentina prosperidade ao povo local, também trouxe, na mesma proporção, oportunistas interessados em se apropriar das riquezas encontradas e capazes de utilizar todos os meios necessários para alcançar tal objetivo.
A história é complexa, densa e pesada, o que explica a longa duração do filme. Em minha avaliação, a obra não perde tempo, por exemplo, com cenas desnecessárias, mas procura contar, na medida do possível, a trama no máximo dos detalhes, visando ser historicamente fiel e justa com o povo Osage afetado pelos crimes. Dessa maneira, Scorsese, acostumado a dirigir narrativas de ascensão e queda, tem novamente em mãos um enredo do tipo, adotando um ritmo ideal, isto é, nem muito rápido e nem muito lento, mas contando os acontecimentos com a velocidade adequada.
Além disso, se a temática criminal é conhecida da carreira do diretor, aqui temos um elemento novo para o cineasta: a tensão racial. O rápido enriquecimento dos Osage fez com que um povo anteriormente esquecido se transformasse na elite local, adquirindo grandes quantias de dinheiro, terras e negócios e possuindo, inclusive, empregados brancos. Os preconceitos existentes fazem com que os brancos tenham o pensamento de que os indígenas, vistos como inocentes, não possuem a inteligência necessária para administrar tantas riquezas. Por outro lado, os nativos não confiam plenamente nos brancos, mas não deixam de conviver com os mesmos ou até de ter relações mais próximas. Ambos os povos estão juntos, mas sempre alimentando desconfianças e tensões, que são muito bem construídas ao longo de toda a história.
Quanto às atuações, não há muito o que falar, pois todo o elenco está excelente, com destaque maior ao trio principal de atores: DiCaprio, DeNiro e Gladstone - em seu primeiro grande papel. O primeiro interpreta um personagem complexo e de diversas facetas, o segundo um vilão inescrupuloso e a terceira, por sua vez, uma esposa perspicaz, mas sufocada por inúmeras suspeita e temores. Também destaco a participação de Jesse Plemons, originalmente cotado para assumir o papel de Ernest, que está presente apenas na terceira - e última - parte do filme, mas em boa performance.
Não se assustem pelas três horas de duração, pois é mais um filmaço do mestre Scorsese e que vale muito à pena assistir. Recomendado.
Efeito Borboleta
4.0 2,9K Assista AgoraA premissa do filme é simples, criativa e interessante, mostrando, através de viagens no tempo, como algumas coisas que fazemos em nossas vidas podem afetar significativamente não apenas a cada um de nós, mas também as vidas das pessoas ao nosso redor - inclusive, de formas que nem imaginamos. No entanto, se a ideia é boa, a execução deixa bastante a desejar, com um roteiro confuso e repleto de furos, mal desenvolvimento das personagens e um final que foge completamente ao que a história vinha mostrando.
Um dos problemas que me chamaram a atenção nas viagens no tempo mostradas na trama é que elas acabam tornando o enredo previsível em determinados momentos. Embora não saibamos o que vai acontecer em seguida, sempre sabemos que alguma coisa ruim ocorrerá e que eventualmente o protagonista irá viajar novamente para tentar consertar o erro, e isso se repete inúmeras vezes. É como se o protagonista nunca estivesse realmente em perigo e tivesse o poder de reverter os acontecimentos quantas vezes quisesse até obter um final razoável.
Existem diversas películas que abordam o conceito de viagens temporais de maneira muito mais inteligente e bem feita do que foi mostrado aqui, que até teve, em várias cenas, um aspecto bem trash e de "filme B". A proposta é ótima, mas passou longe de me convencer.
Tár
3.7 395 Assista AgoraDiferente da maioria das cinebiografias, que retratam personalidades conhecidas e que dispensam maiores apresentações ao público, em "Tár" temos uma personagem fictícia. Logo, o espectador, antes de começar a assistir, apenas tem noção, através da sinopse, de se tratar de uma regente mundialmente famosa e, dessa maneira, o diretor tem a tarefa de, dentre outras coisas, fazê-lo conhecer mais da figura em questão, corretamente o apresentando, logo nas primeiras cenas, aos seus feitos, isto é, tudo aquilo que a fez se tornar célebre no mundo da música clássica, com as outras características do seu trabalho e de sua vida pessoal sendo reveladas gradativamente.
Além disso, vale destacar que a compositora e regente Lydia Tár foi construída, por Todd Field, pensando-se exatamente em Cate Blanchett para interpretá-la, o que é algo relativamente incomum no mundo cinematográfico. Na película, a atriz nos mostra que os realizadores do filme não poderiam estar mais certos em dedicar essa personagem a ela, com uma atuação gigantesca, mostrando as diferentes facetas de uma artista complexa e com certeza em uma das melhores performances de sua carreira.
O principal problema do filme, em minha avaliação, é que a obra é excessivamente longa, perdendo muito tempo com cenas e diálogos desnecessários e com inúmeras referências artísticas de difícil compreensão não somente para mim, mas também para a maioria do público. A história se arrasta um pouco na sua primeira metade, apenas ganhando um bom ritmo na reta final, que acredito ser a melhor parte da película.
De uma maneira geral, a trama, apesar de várias vezes trazer informações mais específicas acerca da música clássica, não tem o gênero musical em questão como o seu ponto central. O grande tema do filme é, na verdade, acerca do poder nas sociedades modernas, e como esse poder pode ser alterado pelas redes sociais, sobretudo com a famosa "cultura do cancelamento". Lydia, tão acostumada em ter o controle de tudo, tanto durante uma apresentação quanto em sua vida pessoal, vê sua vida mudar com acusações feitas contra ela - algumas justas e outras falsas - e tem sua reputação, que demorou tanto tempo para ser construída, abalada em um "piscar de olhos".
Aos mais bem informados acerca do universo da música clássica, não tenho dúvidas que "Tár" deve ser um prato cheio e um deleite. Para aqueles, como eu, que até gostam do estilo musical, mas não são profundos conhecedores do assunto, o filme poder ser demasiadamente longo, mas, ainda assim, é bom e com uma grande atuação de Blanchett.
O Poço
3.7 2,1K Assista AgoraExistem alguns filmes que conseguem ir além das intenções dos próprios autores e ter distintos significados de acordo com cada espectador. Creio que "O Poço" é uma dessas películas, pois, embora o diretor Galder Gaztelu-Urrutia já tenha declarado que a obra é uma crítica ao capitalismo, acredito que isso seja uma incoerência, pois o verdadeiro sistema sócio-econômico em que há uma desigualdade forçada - com poucos tendo acesso a muito e muitos tendo acesso a pouco - é, de fato, o socialismo. No entanto, o filme também funciona para aqueles que, assim como eu, discordam da opinião de Galder, pois, analisando sob outro ângulo, a história apresentada também pode ser vista como uma crítica à natureza humana de uma maneira geral e daquilo que o homem é capaz de fazer em situações extremas, provocando interessantes reflexões.
Na estrutura do poço, os que estão em cima têm acesso à fartura, enquanto os de níveis inferiores têm de se contentar apenas com as sobras das refeições dos outros - e, para os níveis realmente mais próximos do final, muitas vezes nem as sobras permanecem, com as pessoas que lá estão tendo de suportar a fome por várias semanas. Quem está acima não se preocupa com os de baixo, mesmo sabendo que, no mês seguinte, as posições podem se inverter, e procuram aproveitar a posição privilegiada enquanto podem.
No lugar de haver uma noção de solidariedade e preocupação ao próximo, com cada um comendo pouco e, dessa maneira, permitindo que todos tenham acesso à comida, o que vemos é que, na prática, todos desconfiam de todos e comem tudo aquilo que podem no pouco tempo que é permitido, pois nem sempre o ato de generosidade de um pode ser retribuído pelo outro. Além disso, quem já passou pela fome e hoje está em níveis superiores, ao invés de ter mais compaixão com os que agora passam pela mesma situação, apenas se preocupa em se esbaldar o máximo possível e compensar o período em que comeu pouco. Sentimentos de dignidade, respeito e justiça ficam em segundo plano quando a própria sobrevivência está em jogo, sendo impossível o espectador, ao ver tais cenas, não se indagar se, na pele das personagens, faria as mesmas coisas ou agiria de forma diferente.
O filme, por outro lado, peca com alguns problemas no roteiro, tornando-se um tanto repetitivo no meio da história. E também é necessário mencionar que o final é pouco satisfatório, provocando a sensação de que o diretor e os roteiristas poderiam ter ido além e explorado mais a trama construída, mas, por algum motivo, optaram por encerrar mais cedo, como se quisessem deixar a obra incompleta.
Apesar dos pesares, o filme é bom e, qualquer que seja a sua visão de mundo, é possível interpretar as críticas e reflexões nele presentes de distintas maneiras.
O Corpo
4.1 1,0KPara quem gosta de suspenses e dramas investigativos, "O Corpo" é, sem dúvida, um prato cheio. Com um roteiro bem elaborado e várias reviravoltas, o filme prende a atenção do espectador e nos deixa, até os últimos instantes, com sérias dúvidas acerca das verdadeiras intenções das personagens envolvidas e do que realmente aconteceu, apenas sendo tudo concluído com o plot twist final, que, pelo menos para mim, é inesperado e encaixa, com precisão, todas as peças do quebra cabeça construído ao longo da história.
Um aspecto interessante é a inserção de flashbacks durante o filme, que parece nos deixar a par do que está acontecendo, mas isso é somente um ligeiro engano - e um recurso inteligente, utilizado pelos roteiristas, para reforçar o mistério. A verdade é que somos meros espectadores desse crime, e os flashbacks nos ajudam a entender o contexto somente naquele momento específico que é mostrado, e apenas sob uma certa perspectiva. Dessa maneira, somos levados, no decorrer da película, a diferentes conclusões, sendo que, em alguns momentos, todas as opções que temos em mente parecem ser plausíveis.
Uma obra feita sob os mínimos detalhes e com muita qualidade. Recomendado.
Triângulo da Tristeza
3.6 730 Assista AgoraNão sei o que os jurados de Cannes viram neste filme para o premiarem, mas, na humilde opinião deste quem vos fala, "Triângulo da Tristeza" não me convenceu. A ideia de crítica social aos mais ricos vai na onda de diversas outras produções recentes - como, por exemplo, o filme "Parasita" e a série "The White Lotus" - e é válida, mas esta película, ao meu ver, passa longe de ter a mesma qualidade de outras obras com temática similar.
A história é dividida em três partes. A primeira, focando no casal, tem um problema muito simples: apesar dos esforços dos atores envolvidos, as personagens são insuportáveis e o "drama" envolvido é fraco, o que naturalmente provoca um desinteresse por parte do espectador. A segunda, já no iate, foca na clientela rica que irá curtir a viagem e as interações entre eles e também com a tripulação, mas perde diversas oportunidades de aprofundar melhor os arcos dos personagens envolvidos, apresenta uma quantidade excessiva de cenas desconfortáveis e escatológicas que não contribuem em muita coisa e ainda se perde com uma tentativa muito forçada de passar alguma mensagem política.
A terceira parte, por sua vez, é a mais interessante, em que os poucos sobreviventes, sendo alguns ricos e outros membros da tripulação, tentam se virar em uma ilha aparentemente deserta. Já que apenas uma das funcionárias do navio era habilidosa em algumas práticas necessárias à sobrevivência no local, como a pesca, as posições das personagens acabam se invertendo, com os mais abastados tendo de seguir as ordens daquela que antes era apenas mais uma tripulante, o que é uma crítica social bem feita.
No entanto, mesmo essa última parte, que é a melhor do filme, acaba se perdendo em um arco romântico constrangedor, diversos furos de roteiro e um final desnecessariamente deixado em aberto. Em alguns filmes, um final inconclusivo pode funcionar caso seja melhor estabelecer uma dúvida no espectador ou a possibilidade de distintos desfechos, mas aqui esse recurso é usado de maneira pouco inteligente, apenas tornando o filme incompleto.
O filme agrada aquele público apenas interessado em ver "rico se dando mal", mas desagrada quem, como era o meu caso, espera um bom humor ácido e inteligente, pois vai acabar se deparando com aquilo que é apenas, infelizmente, uma pretensa e rasa tentativa de crítica social.
O Homem da Capa Preta
3.6 59 Assista AgoraÉ impossível negar que Tenório Cavalcanti foi, para o bem ou para o mal, uma das figuras mais fascinantes da história política brasileira. Um alagoano que nasce na pobreza, perde o pai assassinado na infância, migra ainda muito jovem - e sem nada - ao Rio de Janeiro e lá se torna um verdadeiro "coronel" político à moda antiga, morando em uma fortaleza, caminhando com sua capa preta e sempre acompanhado de uma submetralhadora. Uma figura que, se não tivesse existido de fato, diriam que foi inventada.
Esta obra, que retrata sua biografia, consegue mostrar bem o lado aventureiro de Tenório e fatos marcantes em sua vida, alternando elementos de drama político e filmes de gângster e prendendo a atenção do espectador. No entanto, erra em uma excessiva romantização da história, que, de tão absurda e surreal, tranquilamente dispensa algumas alterações que aqui ocorreram. Além disso, também peca um pouco na temporalidade dos acontecimentos e na falta de um melhor desenvolvimento da sua relação familiar.
Também é necessário destacar a grande atuação de José Wilker, que incorpora, muito bem, não somente o personagem em si, mas todos os seus trejeitos, sua ambição como político e sua valentia. Um aspecto curioso é que Wilker igualmente foi um nordestino que teve de ir muito jovem ao Rio de Janeiro para fazer o seu nome, assim como Tenório - embora, obviamente, ressalto a grande diferença das profissões que ambos exerceram .
Um bom filme nacional.