Muuuito bom! Não só pela premissa ousada, mas também pela proposta metafórica. Se esses programas de entrevistas americanos são todos roteirizados, fakes, nada melhor do que o mestre da farsa pra derrotar (com palavras) um grande dissimulador, mentiroso e manipulador. Superou minhas expectativas.
Gostei muito de como algumas sutilezas periféricas se deram e como os personagens vão ocupando espaço na trama. Roteiro interessante, com muito suspense e reviravoltas. Se você puder ignorar alguns malabarismos narrativos que só são possíveis no cinema, o filme é excelente! Aliás, eu adoro todos os filmes do Jaume Collet-Serra.
Sou suspeito a dizer por ser encantado com a Vera e por respeitar o James Wan depois de "Sentença de Morte". Foi bom ver um pouco mais da pequena Mackenzie também. Eu queria um filme só pra me distrair e encontrei uma obra muito interessante e realmente assustadora. Assistir sozinho de madrugada parece amplificar tudo, a ponto de se arrepiar só com o suspense. Afinal, quem não se borraria com a ideia de que "tem alguém atrás da porta e está olhando pra gente?". Acho que o roteiro tem a sensibilidade de criar situações bastante assustadoras por serem cotidianas e portanto fazem parte do nosso imaginário comum. Claro que pra isso foi preciso se apropriar de inúmeros clichês (casa mal-assombrada, cachorro, porão, exorcismo, guarda-roupa, espelho, debaixo da cama, etc.) mas de alguma forma articulados de forma criativa. O jogo das palmas, por exemplo, talvez seja um diferencial interessante.
Mas nem tudo são flores também. É muito estranho que os personagens não comentem sobre as situações bizarras que acontecem com eles. Por exemplo, as meninas não contam pros pais que uma bruxa capirota saltou de cima do guarda-roupa pra cima de uma delas. A mãe das meninas, Carolyn, não conta pra ninguém sobre o ocorrido no porão, nem pros exorcistas, e por aí vai. E me incomodou mais ainda o ator que interpreta seu marido, Roger, que fica com cara de piquenique de domingo nas cenas mais tensas de sua esposa possuída. A cadeira flutua, vira de cabeça pra baixo e ele fica com cara de "já tá gravando, gente?". Mais: qual era a necessidade da cena do padre se ele de fato não vai fazer diferença nenhuma dali pra frente? Era só colocar o personagem Ed dizendo que conseguiu convencê-lo. Também acho que a Annabelle fica à margem da história de forma que mais confunde do que acrescenta, fica uma questão avulsa à situação central do filme, se não tivesse não faria diferença nenhuma. E por fim, o exorcismo ocorreu de forma muito romântica e improvável, além do desfecho ignorar completamente todos os outros demais espíritos sofridos que habitavam a casa. Daí eu pensei: é por isso que vai ter o 2. Mas não, os exorcistas estarão em um caso diferente.
De forma geral, me simpatizei bastante com o filme, acho que tem muito dos filmes contemporâneos de terror, em que temos a câmera nervosa, com uma mistura da pegada dos clássicos que inclusive usavam o mesmo recurso de zoom. Tem um roteiro envolvente, um ritmo excelente e dá pra se assustar. Portanto, apesar dos pesares, recomendo como uma melhores franquias em potencial do gênero.
O mínimo que eu posso dizer é que subestimei essa animação. Excelente gráfico, ação o tempo todo e um roteiro coeso e preciso. Inclusive, a minha vantagem, acredito, foi não saber quase nada do universo Batman (eu só agora descobri quem é o Redhood) e portanto estar sujeito à surpresa. Me deu motivos pra acreditar que existem outras histórias tão incríveis e inteligentes quando essa. Recomendo.
Contos fantásticos que fazem um retrato sarcástico e bem humorado da vingança em suas diversas formas e ocasiões. Muito divertidos, intrigantes e ácidos, têm atores brilhantes executando roteiros sensacionais.
O filme aborda a discussão acerca dos conflitos entre israelenses e palestinos. O título de referência mitológica (Sansão) faz alusão à máxima “Olho por Olho, Dente por Dente”, lei criada na Mesopotâmia que determinava que cada punição seria equivalente ao dano cometido, afim de conter a vingança desproporcional. A todo momento Avi Mograbi se apresenta como portador da câmera e tem soberano poder na montagem e no discurso da obra. Entretanto, a investigação parece surgir a partir de dois impulsos principais: o de combater, que o motiva, e o de compreender, que o pondera.
O início é marcado por uma conversa no telefone entre o diretor e um amigo palestino, que descreve uma situação psicologicamente tensa e não só dá o tom ao tema abordado, mas também sugere a relação de diálogo pela qual Mograbi almeja estabelecer com a cultura vizinha. Na investida do documentarista em conhecer o cenário com intimidade, faz uma abordagem participativa, seja na rápida conversa com uma senhora idosa frustrada com a vida que leva, ou no incômodo que representa em confronto com soldados militares. Seu cinema é indissociável do campo político, mas que tem profundas raízes da experiência pessoal e cotidiana. Nesse sentido, Mograbi acolhe a mise-en-scène do outro a partir da sua.
Avi filma jovens turistas americanos em uma visita à fortaleza de Masada em que vários guias, no decorrer do filme, evocam a história para explicá-los o cenário que veem enquanto Mograbi nos contextualiza do tema. Mesclando a encenação-construída e a encenação-direta, a montagem alternada relaciona os antepassados às condições de existência atuais mediante o conflito atual, como se não fosse suficiente apenas recontar o passado, mas também experienciar o presente para ser capaz de mover em direção ao futuro, numa espécie de esperança pelo fim do conflito. Após o adeus do guia turístico, da última cena, Mograbi dedica o filme a seus filhos, uma mensagem às próximas gerações.
Apesar disso, o que Avi encontra durante seu percurso é a negação. A todo momento o documentarista e a câmera se deparam com situações de impedimento, seja o de gravar, de lavrar, de passar pelos portões, de ser atendido por uma ambulância ou de simplesmente olhar para trás. A possibilidade de convivência é minada. É como se qualquer avanço estivesse atrofiado pelo cárcere cultural e político de suas tradições revanchistas. Exemplo disso é uma música do show de rock que apresenta uma letra irredutivelmente vingativa e revela portanto um empoderamento irracional dos sentimentos de rivalidade e hostilização às populações. Uma tradição amplamente disseminada, até mesmo nas escolas, como mostra Mograbi. A única e trágica resolução que apontam é a morte pelo suicídio, como alternativa honrada pela possibilidade de escolha.
Essa naturalidade com que palestinos lidam com a morte não é a mesma para os israelenses, pelo menos de acordo com os personagens do filme. Avi diz claramente que ama a vida e deseja continuar vivendo. Entretanto, o cinema verdade de Mograbi gerencia uma enunciação por vezes arriscada, que na maioria das vezes transforma a ação enquadrada; Sensorialmente temos a crença de que a arma de Avi é a câmera, seja para se defender ou atacar, seja para inibir ou agravar a situação. Na cena clímax, onde Avi enfrenta o descaso de soldados israelenses, o risco do real parece desaflorar das imagens uma vez que percebemos o próprio detentor da câmera se colocando em uma legítima situação de perigo. Sabemos que aquela corajosa intervenção do autor poderia causar consequências letais, tanto para um ser humano quanto para o próprio filme. Mograbi se manifesta através de seus impulsos éticos como personagem e, ao mesmo tempo, engata o documentário como potencial obra de utilidade transformadora.
História fantástica contada de uma maneira admirável, em destaque a montagem paralela que vai revelando gradativamente as peças do quebra-cabeça. Também me chamou a atenção as incríveis interpretações. Preciso assistir de novo pra tirar algumas dúvidas mas recomendo o filme. Surpreendente.
É curioso perceber hoje, que já assisto com tantos anos de atraso, a infinidade de filmes que fizeram referência a Acossado, como mais notável exemplo, na minha opinião brasileira, "O Bandido da Luz Vermelha" (1968). Também parece ser a essência do primeiro longa de Scorcese, "Quem Bate à Minha Porta" (1967), tanto na composição dos personagens e da trama quanto na intenção estética com forte valorização da poesia cinematográfica e desapego à narrativa clássica. Porque percebe-se claramente que Godard não dá a mínima pras cenas que geram os conflitos policiais de Poiccard (inclusive até os executa de forma resumida), não tendo a intenção de criar com elas suspense ou emoção. Seu real interesse está nas ações que ele assume pelo amor, para Patricia.
Falando um pouco dos integrantes da obra, é interessante destacar o atrito ideológico criado entre Michel como vagabundo machista e Patricia como símbolo feminista (cabelo curto, independente, vários parceiros sexuais). Em relação aos diálogos, me agrada a interação cotidiana, reflexiva, mas em alguns momentos discordei das ideias, em outros achei forçado e não acho que seja o forte do filme, ainda que seja uma de suas prioridades. Acho que se faz uma poesia muito mais bela e precisa em "Viver a Vida" (1962). Godard, que inclusive faz uma ponta interpretando o delator dos protagonistas, também é ambivalente no modo de se produzir, uma vez que realiza alguns planos-longo cronometrados, demonstrando domínio técnico, e ao mesmo tempo transparece muita liberdade para improviso, intervenções e adaptações. Eu até acharia engraçado se a montagem fragmentada, um dos principais elementos que o consagra como ruptura cinematográfica, fosse um recurso para resolver problemas de produção e eles decidiram assumir a opção estética durante o processo. Mas não tem como saber se foi premeditado por Godard ou não (obviamente ele e adoradores dirão que foi).
Tinha maiores expectativas mas reconheço sua beleza e seus méritos. Clássico da Nouvelle Vague, praticamente precursor de um movimento importante que buscava repensar o cinema.
Um filme no mínimo doentio forjado pelo glamour bizarro da zoeira. Uma metralhadora de memes, frases quotáveis, atitudes e gestos memoráveis de um espetáculo pavorosamente mal executado de humor negro. Um duelo entre os mais pervertidos e depravados vilões surpreendentemente maluco e funcional. Brilhantemente ruim.
Projeto super desafiador, não só de transmitir uma mensagem e se fazer entender, mas também agradar como cinema. O dogma 95 vem questionar o modelo industrial hollywoodiano numa trama que dialoga muito bem com a proposta, uma vez que se trata de uma reflexão existencial sobre a negação da normas sociais. O filme denuncia muito da personalidade cinematográfica de Von Trier, sendo inquieto, provocador, um incômodo, tendência de sua -no mínimo - notável filmografia.
No meio de tanta loucura, depois que comecei a entender sobre o que era o filme, ele me conquistou cena após cena, seja pelo inusitado cômico ou pelo inusitado belo, como se contrastam bem na cena da orgia com a entrega de Jeppe e Josephine. Deixei-me fascinar por vários personagens, ri de suas maluquices e me contagiei por um certo desejo de inocência feliz ausente de maldade. Um grupo que ingenuamente buscava a liberdade recorrendo ao idiota dentro de si, uma espécie de autossabotagem, uma busca não só pelo estado mental, mas também social, que se ampara na ideia de permissão. Ideia brilhante.
O termo pejorativo idiota vem do grego e representa o indivíduo que vive em reclusão, cujas únicas preocupações dizem respeito a sua vida privada, não participando das decisões da sociedade. Volto à Hollywood e a cultura que a alimenta.
Eu ainda arriscaria dizer que o grupo parece fragmentos de um alter-ego de Lars, com seu sarcasmo ousado, seus ataques e surtos, sua inventividade conflituosa, seu ímpeto de rebelia na instabilidade, seus amores e perversões, seus apegos e abandonos. Apesar de ter sido difícil me adaptar no começo como espectador, achei a experiência fantástica, comovente e sobretudo recompensadora.
o_o Essa foi a minha expressão em várias cenas que achei extraordinárias.
É curioso ver resquícios de Inception ou Batman na nova produção de Nolan. McConaughey, depois de True Detective, já era de se esperar de que ele seria sensacional. Se tem furo ou não no roteiro, to pouco me importando. Achei a ideia fantástica, relações bem construídas e diálogos bacanas. Efeitos visuais estonteantes e Hans Zimmer deixa tudo mais intenso e singular. Tinha uma relutância com filmes de naves e espaço mas isso acaba depois de Gravidade e Interestelar.
Das vantagens de ir ao cinema sozinho: no final do filme me vi sorrindo, com o rosto todo molhado de lágrimas e segurando firme os braços da cadeira.
Na década de 60 ganha destaque o chamado cinema verdade, presente ao campo documentário, em que se tem um encontro transparente entre a equipe realizadora e o tema de interesse. Os realizadores passam a fazer parte do filme na medida em que se mantém no filme durante as interações, equiparando-se aos demais personagens e evidenciando o atrito de perspectivas. Ao se assumirem enquanto presença investigadora pertencentes a um contexto primeiro (ponto de partida), busca-se maior honestidade nas relações captadas pela câmera, desmistificando em alguma instância o poder ilusionista do cinema. Essa, talvez seja uma das marcas mais interessantes em “Cabra Marcado Para Morrer”, título inspirado no poema de Ferreira Gullar, em que é possível enxergar com alguma clareza os impulsos do antecampo. A partir disso, o filme consegue se aproximar de uma forte ideia de verossimilhança – o possível verdadeiro – no que se refere a uma impressão de realidade.
O começo do filme é marcado por uma linguagem expositiva em que se dedica a contextualizar o espectador narrando acontecimentos do passado e que vão justificar a investigação a seguir. Vários recortes de jornais e imagens ilustrativas vão dando suporte à narração, chamada “voz de Deus”, que definem o período de 1955 a 1964, ano em que a primeira versão de “Cabra Marcado Para Morrer” foi interrompida devido a uma investida militar. Conhecemos, a partir de então, a história de João Pedro Teixeira, líder da liga camponesa de Sapé, assassinado em 1962, o qual inspirou a realização do primeiro projeto do filme. A ficção, gravada em Galiléia, seria interpretada por não atores que representariam a si mesmos, exceto por João Pedro, já falecido, que seria interpretado por João Mariano, único integrante que não participava da liga. Curiosamente, mesmo após a conversão para documentário, quase 18 anos depois, a versão final do filme também se apropria de personagens que também vivem a própria identidade. Todos pertencentes a um cotidiano comum, são pessoas não extraordinárias.
Uma das primeiras missões de Coutinho é reencontrar os participantes do filme e exibir para eles as imagens do primeiro filme interrompido, resultado de duas semanas de filmagem que sobreviveram à abordagem militar. Aqui, podemos começar a organizar algumas diretrizes que a narrativa abrange, colocando em contato a história de um filme inacabado com a história do próprio filme atual sendo feito, o que acentua a carga metalinguística da produção. Isso é importante porque o filme “esteve tão suscetível aos acontecimentos do país quanto as pessoas estiveram”, aponta Marina Meliande para a Contracampo, em que ele não “simplesmente retrata um contexto, mas que se constrói em um momento crucial de reformulação deste, fazendo-se cúmplice dele também.” Nessa linha, é possível ainda um flerte com uma abordagem reflexiva (ainda das categorias de Bill Nichols), uma vez que faz referências a si mesmo e seu modo de produção.
Uma terceira cabeça da narrativa surge com a nova missão de Coutinho: encontrar a viúva de João Pedro, Elisabeth Teixeira, refugiada em 1964 para o Rio Grande do Norte e todos os seus filhos que se perdeu contato desde então. A partir daí, temos a prevalência de uma abordagem intensamente participativa em que não só ouvimos a voz do entrevistador, como também muitas vezes ele está presente na composição da câmera. Como Jhon Grierson defende, para conhecer o tema com intimidade, é preciso tempo e Coutinho coleta imagens, entrevistas e informações durante alguns anos, até finalmente lançar o filme em 1984. Em termos de documentário moderno, faz-se um cinema vivido, em que a experiência é capaz de transformar a vida de todos os envolvidos. O diretor estabelece uma espécie de intimidade cordial com Elisabeth e sua família, em uma relação que parece equilibrar a abordagem antropológica com a jornalística, traço típico do documentário clássico. Em uma cena onde se procura uma das filhas de Elisabeth, a equipe entra no estabelecimento no qual ela trabalha e Coutinho a aborda de forma repentina, já com todos os equipamentos acionados, o que sugere uma grande espontaneidade da abordagem que se assemelha com a característica do ao vivo, relacionada, mais uma vez, ao conceito de documentário moderno.
Em um outro trecho do filme, um dos filhos de Elisabeth, Abraão, faz um discurso pulsante e exige que o montador não censure sua mensagem de que “nenhum sistema de governo presta para o pobre”. Eduardo Coutinho imediatamente responde positivamente, garantindo-lhe a presença de sua fala no filme. Mais tarde, constata verbalmente que as intervenções de Abraão influíam no clima da entrevista. Alguns outros personagens também estabelecem condições para aparecer no filme, o diretor narrador aponta o fato mas não entra em detalhes. Esses são alguns exemplos de quais são as escolhas éticas pelas quais o filme se orienta, incluindo o cumprimento do compromisso de voltar ao projeto anos depois e, junto aos antigos participantes, finalmente concluir o filme. Um trecho ainda mais curioso é a entrevista de João Mariano, que se mostra bastante recluso e avulso ao perfil dos outros entrevistados, sua palavra é interrompida pelo diretor em função da necessidade de um ajuste de áudio e a montagem não suprime o momento constrangedor, quando após uma longa e incômoda pausa, Mariano volta a conversar.
O primeiro recurso que Coutinho usa para tentar conquistar e convencer as pessoas a contribuírem para o filme é pela apresentação de fotografias do passado, salvas por um integrante da equipe da época das filmagens do Cabra anterior. Trata-se de um dispositivo que evoca uma parte considerável de memória afetiva e estabelece um vínculo de validade dos personagens com a investigação - que tem como um dos objetivos a revelação. Memória essa que também alude a uma época dolorida do povo que foi vítima da ditadura no país que durou mais de 20 anos. Em uma instância de maior afastamento do drama familiar, podemos enxergar o filme como uma grande homenagem à luta e à sobrevivência de um filme político com apelo humano. Ganhou prêmios no Festival de Berlim, em Gramado e em vários outros festivais de países como França, Portugal e Cuba, carregando consigo uma imensa relevância histórica e uma enorme contribuição para o cinema brasileiro.
Título de destaque nacional, é um dos maiores sucessos de bilheteria da história do cinema brasileiro e tem direção assinada por Bruno Barreto quando ainda em seus 19 anos. A partir do bem sucedido romance homônimo de Jorge Amado, publicado em 1966, dez anos depois a adaptação conta com atores como Sônia Braga, José Wilker e Mauro Mendonça interpretando o trio amoroso.
A primeira coisa que me surpreendeu no filme foi o seu ritmo ponderado, mesmo com uma estrutura um pouco novelesca, que respeita a psicologia da personagem e valoriza o silêncio reflexivo. Não assisti a versão do cinema mais recente da história, de 98, mas imagino que os cortes devem ser mais dinâmicos, ações mais objetivas, por se tratar de produções de teor comercial, gênero humor e apelo televisivo.
Em segundo lugar, me incomodou a condescendência da personagem Florípedes (Flor) com seu primeiro e infiel marido, um malandro dissimulado, mulherengo, cafajeste e viciado em jogos. A perspectiva é totalmente masculina quando reserva um vasto trecho do filme para mostrar a conduta de Vadinho, em que as mulheres são vistas apenas como recursos sexuais. A própria prostituta do outro lado da rua é tida como privilegiada pelos homens porque faz sexo anal, mas em uma briga doméstica Vadinho xinga Flor de puta. Roba-lhe o dinheiro por agressão e basta uma serenata bêbada qualquer que a bobinha volta para os braços de seu vagabundo.
Mais tarde, vamos ter o personagem Theodoro, homem culto, responsável e de bons costumes, com toda a sua baranguisse, inabilidade sexual e tradições arcaicas. Falam sobre Theodoro ser o provedor da casa e bancar a nova esposa, a sogra acha um absurdo que Flor queira ainda trabalhar, o que denuncia aspectos machistas de uma época. Contudo, o filme aponta para uma certa liberdade sexual da personagem como mulher, quando vê incentivo de amigas para se relacionar com um homem após o luto e o desfecho que visa satisfazer com equilíbrio as demandas sociais e sexuais da personagem, subvertendo a poligamia mais típica.
Dona Flor é uma personagem que acaba também sendo usada como ferramenta de ligação, uma ponte que dá suporte aos palcos que privilegiam os dois maridos, cada um a seu tempo. Florípedes torna-se secundária na passividade das ações, na benevolente aceitação de todas as forças que a pressionam, seu potencial protagonismo é atrofiado numa apática e tímida manifestação de suas intenções e desejos. Ainda em termos de narrativa, a história só se torna realmente interessante com mais de uma hora e meia de filme, pra lá dos ¾, quando Flor efetivamente tem a experiência do retorno de seu falecido. Um clímax que refresca o drama e o humor mas que dura muito pouco, acumulando praticamente todo seu potencial poético em poucos minutos, ao invés de esparramar a inusitada situação por uma duração maior.
Não me chamou atenção em termos cinematográficos e nem me agradou como entretenimento, mas reconheço que o sucesso da obra revela um aspecto social pelo qual o Brasil vivia na época, ainda na presença da ditadura. Resgata a característica musical das antigas chanchadas e a carga erótica dos filmes baratos em uma apropriação de construção popular. A pornochanchada como a alternativa possível para movimentar o encarcerado cinema nacional.
Muitas vezes já me deparei com fotografias de família em alguns filmes e pensei “seria fantástico se eles tivessem fotografado alguns anos antes. Os atores estariam mais novos”. Não é de hoje que o cinema falseia seus atores para parecerem mais novos ou mais velhos utilizando de recursos como a maquiagem ou, mais recentemente, a computação gráfica. Mas quando fiquei sabendo que Richard Linklater estava terminando um filme que gravava há 12 anos, eu pensei, “isso será interessante”. Para quem conhece o diretor e escritor, principalmente através de sua trilogia “Before”, sabe de sua habilidade incrível de sensibilizar o banal, de extrair magia do cotidiano, seja pelo colapso de intimidade nos olhares ou pela naturalidade honesta dos diálogos. Sempre em contato com o possível, Linklater tem um jeito particular de conseguir o seu elemento extraordinário, explorando reflexões sobre a vida e, mais precisamente, o modo como vivemos. Boyhood, sem dúvida, é essa oportunidade.
Para isso, antes de qualquer coisa, Richard pontua o filme com uma série de elementos da cultura pop, contextualizando o período em que vive a família texana a todo momento, de acordo com o atravessar dos anos. Coldplay, Britney Spears, Blink 182, Phoenix, Lady Gaga, Soulja Boy, são alguns exemplos da trilha sonora do filme que pertencem a uma época marcada em nossas memórias. E, em uma jogada esperta, Linklater insere os personagens em eventos singulares, como o lançamento de um dos filmes da franquia Harry Potter, ou em outros sujeitos ao acaso, como em um estádio de futebol americano em dia de jogo. São eventos que marcam datas específicas e foi preciso enfatizar que aqueles personagens estiveram lá. Uma conexão feita fundamentalmente de verdade entre a ficção cinematográfica e o mundo que em que sabemos existir, que chamamos de real. Por mais que exista um planejamento de filmagem, existe um campo do irreproduzível que a história esbarra, coletando situações em que não se pode voltar atrás. O momento se torna um pertence exclusivo de quem o vivenciou, o que atribui camadas sólidas de experiência dos atores enquanto ilusões em forma de personagens. Sempre gosto de mencionar o comentário de Ethan Hawke sobre “Before Midnight” (2013) da trilogia gravada a cada 10 anos: “Eu não precisava criar uma situação imaginária em que eu a conheci – se referindo ao personagem de Julie Delpy – eu simplesmente posso me lembrar desse dia. Nós estávamos lá, de fato.”
Com 39 dias de filmagem e 2,4 milhões investidos, a narrativa é dada pela perspectiva de Mason, um garoto de inicialmente 6 anos, cercado de situações que sintetizam o que foram seus anos de menino até a ida para a faculdade, já com 18. Acompanhamos não só a transformação física do protagonista, mas também é possível enxergar uma progressão de sentimentos gerados pelas ocasiões que formaram sua personalidade, dada pelo afastamento daquilo que rejeitava e pela aproximação do que o influenciava. O comportamento de Mason, em seus primeiros anos abordados, é caracterizado principalmente pela impotência, o não controle sobre sua própria vida, em que se tem uma dependência radicalmente passiva aos pais – com pequenos lampejos introspectivos de rebeldias. É obrigado a se mudar com a família, ingressa em uma nova escola abandonando seus amigos, sofre a intervenção de novos membros na família e, finalmente, lhe cortam o cabelo. Esse é o estágio domiciliar de nossas impossibilidades que nos apontam diretamente ao estágio áspero da idade adulta, com normas consolidadas, trajetórias formalizadas, faculdade, trabalho. Mason ganha de aniversário de 15 anos um terno, uma bíblia e herda uma espingarda. Se todos estão sempre dizendo como devemos agir, como podemos saber quem queremos ser?
Mason parece não se adequar corretamente a isso e se sente despregado da normalidade. Sua busca vai além da mera identidade, ele procura, de alguma forma, a essência da distinção. Considerando toda a trajetória percorrida até então, torna-se fotógrafo, o que é em potencial uma maneira de lidar com o mundo. Mason é inevitavelmente produto de seu passado, de suas experiências, mas a partir de agora ele colecionará os momentos que ele escolher eternizar. “- Estou cansado de me mudar. – Tenho certeza que está.”, conversam antes de se jogarem em um lago. Uma maneira de incluir a sua vontade no conjunto de eventualidades da vida, uma forma possível de negociação com o espaço em que vive.
O filme é recheado de situações corriqueiras em que se tem uma abordagem sensível ou comporta uma problemática interessante em que, muitas vezes, os espectadores podem se identificar com os personagens e as relações que se dão. Assistir Dragon Ball Z na TV da sala, brigas com irmãos, pichar ao som de The Hives, andar de bicicleta pelo bairro, viver o divórcio conturbado dos pais, ver mulheres seminuas em revistas femininas, compactuar para os boatos de colégio, ouvir a briga de sua mãe com seu padrasto, jogar vídeo-game ou mímica, aprender boliche ou golf, brincar de pique-esconde ou pega-pega, ouvir sua mãe pedir para lavar o prato usado, sofrer bullying, o primeiro beijo, a mudança no cabelo, o deboche adolescente, o primeiro término, a formatura, receber a primeira cantada estranha, a primeira fotografia, a saída de casa. Muitas dessas experiências de Mason me contemplaram e me transformaram durante os 160 minutos de projeção, com destaque valioso à sequência do acampamento com meninos mais velhos que pressionam os mais novos aos assuntos sexuais.
Em uma cena que antecede a mudança da família, estão pintando a casa e Mason passa a tinta branca por cima das linhas que mediam o seu crescimento no vão da porta. Essa não é apenas uma tomada única, daquelas que não há como desfazer o feito em cena, como também representa um abandono involuntário do próprio tempo que nos concerne. Cada episódio se encerra em uma mistura de adeus e novas perspectivas, componentes do atrito existente entre nós e a nossa natureza migratória. Linklater carregou o personagem no colo até a admissão da faculdade numa espécie de “missão cumprida”, quando, nos EUA, os jovens saem de casa para iniciar a carreira universitária. Quando o filme termina, a sensação é de que ainda há uma longa estrada pela frente, com altos e baixos, conflitos e respostas, saudades e conquistas. A vida continua em sua tímida magnificência, agora com a consciência de que não somos tão especiais quanto acreditamos ser, e que será preciso continuar a salvar dos tigres os seus amados das cavernas.
Alguns espectadores podem se fazer a mesma pergunta que Mason, “- Então, qual é o ponto de tudo isso?” e alguém responderia como seu pai faz, “- De tudo? Não faço ideia. Estamos só vivendo, sabe? Pelo menos sentindo algo.” E retrucaria como faz sua mãe, “- Eu só achei que haveria mais”. Alguns podem até dizer que sua principal atração e aposta é a fórmula curiosa de gravar de tempos em tempos, evidenciando as etapas de crescimento dos atores. É empolgante ver as transformações de Lorelei Linklater a cada episódio, filha do diretor que interpreta Samantha, a irmã, e do próprio Ellar Coltrane que curiosamente acaba revelando traços físicos em comum com seus pais interpretados por Patricia Arquette e Ethan Hawke. Um método interessante que gera um contato curioso entre os personagens e a realidade, mas que na história mesmo não teria nada demais, esse espectador diria. Mas se uma estrela cadente fosse gravada atravessando o céu, essa imagem não seria considerada um fenômeno único e memorável, digno de ser captado por nossas lentes e olhares? Eu acredito que Boyhood consegue se fascinar com o milagre da vida atravessando a formação de um ser humano que se esforça para emergir de encontro ao mundo. E é com satisfação e gratidão à obra que encerro a análise resgatando um diálogo que ilustra bem o que quero dizer.
-Pai, não existe mágica de verdade no mundo, não é? – O que você quer dizer? – Tipo elfos e coisas assim. As pessoas simplesmente inventaram isso. – Não sei. O que te faz pensar que elfos são mais mágicos que uma baleia? Entende? E se eu contasse uma história de que dentro do oceano há um gigantesco mamífero marinho que usa um sonar, que canta canções, e é tão grande que seu coração tem um tamanho de um carro e você poderia engatinhar pelas suas artérias. Pareceria bem mágico, não?
ou http://cinemadomeujeito.wordpress.com/2014/10/29/boyhood-da-infancia-a-juventude/
Aqui segue uma sequência de achismos e aproximações. Não tenho como afirmar isso mas é um filme que se assemelha a outros de baixo orçamento com alguns traços de imaturidade técnica. E apesar de algumas deficiências nas interpretações, acho que existe muita criatividade na narrativa, seja nas metáforas ou no design dos personagens.
O ambiente é meio Dr. Caligari, os enquadramentos são próximos das HQs. Parecem ser possíveis referências pro Paulo, que tem formação paranaense e inglesa, diga-se de passagem, mas que também parece carregar uma perseverança cinematográfica como a de Zé do Caixão. Espero que continue produzindo e se aperfeiçoando porque no momento acho que ele tem muito menos erros que acertos. Já a mãe da Uyara acertou 100% mesmo.
Acho que Fincher tem uma direção de classe e bastante segura, mas poderia ousar mais de maneira geral. São poucas as cenas que vemos Fincher efetivamente articular linguagem, o resto vira novelinha. Acredito que a delicadeza de alguns movimentos, detalhes, gestos, vêm muito da literatura, aliança pertinente a um diretor como David que habitualmente trabalha com adaptações.
Mesmo com uma expectativa muito alta da minha parte, gostei bastante do filme e seu discurso feminista (que também provém da literatura). A idealização de uma Amy fictícia e perfeita, a garota exemplar, tudo isso me lembrou o filme de Scorcese: "Quem bate à Minha Porta", que recomendo fortemente pra quem se interessa pelo tema. A história surpreende em diversos momentos e sem dúvida é um entretenimento de qualidade. Ben Affleck mandando bem no cinema, se envolvendo em ótimos projetos e Rosamund está simplesmente antológica.
Até que enfim Transformers trouxe coisas positivas. Em primeiro lugar, um elogio aos novos designs que tão sensacionais. Segundo, novos autobots bons de briga realmente, cada um a seu estilo e sem descarte gratuito de personagens. E por último cabe reconhecer Michael Bay com todos seus méritos ao mercado do entretenimento, fazendo uma espécie de autocrítica (no começo do filme), conscientizando todos os espertões - que acham que cinema é só de uma maneira - que ele faz os filmes do jeito que ele quer de propósito e se diverte com isso. Um filme que se reconhece como produto, altamente sarcástico e pela primeira vez com um discurso maior que suas explosões.
Muito nacionalista, a cada 10 quadros do filme, 8 têm a bandeira dos EUA na composição. Acho que os novos atores funcionaram muito bem e cada um carrega uma participação significativa pra construção da narrativa. Os dinossauros decepcionam um pouco, mais por um desequilíbrio dos recursos de trilha sonora, que já estava exausta e banalizada, do que propriamente pela performance gráfica deles. Quando eles aparecem a emoção já está anestesiada. Talvez seja nesse efervescência excessiva que Bay erra (de novo), que também vale pra duração do filme.
Com seus prós e contras, o balanço tem um resultado acima das expectativas e acabou me agradando. Não nego que a franquia tem um peso corrosivo ao nosso mercado nacional, ocupando as nossas salas de cinema, mas isso é responsabilidade das nossas políticas públicas consertar e nossa de pressionar. Espero que venha T5, T6 e que continue em frente, desde que Bay siga a tendência de se afastar da banalização e se aproxime da linguagem cinematográfica inteligente, continuando nos divertindo com mais ponderação e menos excesso.
A Entrevista
3.1 1,0K Assista AgoraMuuuito bom! Não só pela premissa ousada, mas também pela proposta metafórica. Se esses programas de entrevistas americanos são todos roteirizados, fakes, nada melhor do que o mestre da farsa pra derrotar (com palavras) um grande dissimulador, mentiroso e manipulador. Superou minhas expectativas.
Sem Escalas
3.5 902 Assista AgoraGostei muito de como algumas sutilezas periféricas se deram e como os personagens vão ocupando espaço na trama. Roteiro interessante, com muito suspense e reviravoltas. Se você puder ignorar alguns malabarismos narrativos que só são possíveis no cinema, o filme é excelente! Aliás, eu adoro todos os filmes do Jaume Collet-Serra.
Invocação do Mal
3.8 3,9K Assista AgoraNão fiz controle de spoilers.
Sou suspeito a dizer por ser encantado com a Vera e por respeitar o James Wan depois de "Sentença de Morte". Foi bom ver um pouco mais da pequena Mackenzie também. Eu queria um filme só pra me distrair e encontrei uma obra muito interessante e realmente assustadora. Assistir sozinho de madrugada parece amplificar tudo, a ponto de se arrepiar só com o suspense. Afinal, quem não se borraria com a ideia de que "tem alguém atrás da porta e está olhando pra gente?".
Acho que o roteiro tem a sensibilidade de criar situações bastante assustadoras por serem cotidianas e portanto fazem parte do nosso imaginário comum. Claro que pra isso foi preciso se apropriar de inúmeros clichês (casa mal-assombrada, cachorro, porão, exorcismo, guarda-roupa, espelho, debaixo da cama, etc.) mas de alguma forma articulados de forma criativa. O jogo das palmas, por exemplo, talvez seja um diferencial interessante.
Mas nem tudo são flores também. É muito estranho que os personagens não comentem sobre as situações bizarras que acontecem com eles. Por exemplo, as meninas não contam pros pais que uma bruxa capirota saltou de cima do guarda-roupa pra cima de uma delas. A mãe das meninas, Carolyn, não conta pra ninguém sobre o ocorrido no porão, nem pros exorcistas, e por aí vai. E me incomodou mais ainda o ator que interpreta seu marido, Roger, que fica com cara de piquenique de domingo nas cenas mais tensas de sua esposa possuída. A cadeira flutua, vira de cabeça pra baixo e ele fica com cara de "já tá gravando, gente?". Mais: qual era a necessidade da cena do padre se ele de fato não vai fazer diferença nenhuma dali pra frente? Era só colocar o personagem Ed dizendo que conseguiu convencê-lo. Também acho que a Annabelle fica à margem da história de forma que mais confunde do que acrescenta, fica uma questão avulsa à situação central do filme, se não tivesse não faria diferença nenhuma. E por fim, o exorcismo ocorreu de forma muito romântica e improvável, além do desfecho ignorar completamente todos os outros demais espíritos sofridos que habitavam a casa. Daí eu pensei: é por isso que vai ter o 2. Mas não, os exorcistas estarão em um caso diferente.
De forma geral, me simpatizei bastante com o filme, acho que tem muito dos filmes contemporâneos de terror, em que temos a câmera nervosa, com uma mistura da pegada dos clássicos que inclusive usavam o mesmo recurso de zoom. Tem um roteiro envolvente, um ritmo excelente e dá pra se assustar. Portanto, apesar dos pesares, recomendo como uma melhores franquias em potencial do gênero.
Batman Contra o Capuz Vermelho
4.0 341 Assista AgoraO mínimo que eu posso dizer é que subestimei essa animação. Excelente gráfico, ação o tempo todo e um roteiro coeso e preciso. Inclusive, a minha vantagem, acredito, foi não saber quase nada do universo Batman (eu só agora descobri quem é o Redhood) e portanto estar sujeito à surpresa. Me deu motivos pra acreditar que existem outras histórias tão incríveis e inteligentes quando essa. Recomendo.
Relatos Selvagens
4.4 2,9K Assista AgoraContos fantásticos que fazem um retrato sarcástico e bem humorado da vingança em suas diversas formas e ocasiões. Muito divertidos, intrigantes e ácidos, têm atores brilhantes executando roteiros sensacionais.
Por Um Dos Meus Olhos
4.2 1 Assista AgoraO filme aborda a discussão acerca dos conflitos entre israelenses e palestinos. O título de referência mitológica (Sansão) faz alusão à máxima “Olho por Olho, Dente por Dente”, lei criada na Mesopotâmia que determinava que cada punição seria equivalente ao dano cometido, afim de conter a vingança desproporcional. A todo momento Avi Mograbi se apresenta como portador da câmera e tem soberano poder na montagem e no discurso da obra. Entretanto, a investigação parece surgir a partir de dois impulsos principais: o de combater, que o motiva, e o de compreender, que o pondera.
O início é marcado por uma conversa no telefone entre o diretor e um amigo palestino, que descreve uma situação psicologicamente tensa e não só dá o tom ao tema abordado, mas também sugere a relação de diálogo pela qual Mograbi almeja estabelecer com a cultura vizinha. Na investida do documentarista em conhecer o cenário com intimidade, faz uma abordagem participativa, seja na rápida conversa com uma senhora idosa frustrada com a vida que leva, ou no incômodo que representa em confronto com soldados militares. Seu cinema é indissociável do campo político, mas que tem profundas raízes da experiência pessoal e cotidiana. Nesse sentido, Mograbi acolhe a mise-en-scène do outro a partir da sua.
Avi filma jovens turistas americanos em uma visita à fortaleza de Masada em que vários guias, no decorrer do filme, evocam a história para explicá-los o cenário que veem enquanto Mograbi nos contextualiza do tema. Mesclando a encenação-construída e a encenação-direta, a montagem alternada relaciona os antepassados às condições de existência atuais mediante o conflito atual, como se não fosse suficiente apenas recontar o passado, mas também experienciar o presente para ser capaz de mover em direção ao futuro, numa espécie de esperança pelo fim do conflito. Após o adeus do guia turístico, da última cena, Mograbi dedica o filme a seus filhos, uma mensagem às próximas gerações.
Apesar disso, o que Avi encontra durante seu percurso é a negação. A todo momento o documentarista e a câmera se deparam com situações de impedimento, seja o de gravar, de lavrar, de passar pelos portões, de ser atendido por uma ambulância ou de simplesmente olhar para trás. A possibilidade de convivência é minada. É como se qualquer avanço estivesse atrofiado pelo cárcere cultural e político de suas tradições revanchistas. Exemplo disso é uma música do show de rock que apresenta uma letra irredutivelmente vingativa e revela portanto um empoderamento irracional dos sentimentos de rivalidade e hostilização às populações. Uma tradição amplamente disseminada, até mesmo nas escolas, como mostra Mograbi. A única e trágica resolução que apontam é a morte pelo suicídio, como alternativa honrada pela possibilidade de escolha.
Essa naturalidade com que palestinos lidam com a morte não é a mesma para os israelenses, pelo menos de acordo com os personagens do filme. Avi diz claramente que ama a vida e deseja continuar vivendo. Entretanto, o cinema verdade de Mograbi gerencia uma enunciação por vezes arriscada, que na maioria das vezes transforma a ação enquadrada; Sensorialmente temos a crença de que a arma de Avi é a câmera, seja para se defender ou atacar, seja para inibir ou agravar a situação. Na cena clímax, onde Avi enfrenta o descaso de soldados israelenses, o risco do real parece desaflorar das imagens uma vez que percebemos o próprio detentor da câmera se colocando em uma legítima situação de perigo. Sabemos que aquela corajosa intervenção do autor poderia causar consequências letais, tanto para um ser humano quanto para o próprio filme. Mograbi se manifesta através de seus impulsos éticos como personagem e, ao mesmo tempo, engata o documentário como potencial obra de utilidade transformadora.
Incêndios
4.5 1,9KHistória fantástica contada de uma maneira admirável, em destaque a montagem paralela que vai revelando gradativamente as peças do quebra-cabeça. Também me chamou a atenção as incríveis interpretações. Preciso assistir de novo pra tirar algumas dúvidas mas recomendo o filme. Surpreendente.
Acossado
4.1 510 Assista AgoraÉ curioso perceber hoje, que já assisto com tantos anos de atraso, a infinidade de filmes que fizeram referência a Acossado, como mais notável exemplo, na minha opinião brasileira, "O Bandido da Luz Vermelha" (1968). Também parece ser a essência do primeiro longa de Scorcese, "Quem Bate à Minha Porta" (1967), tanto na composição dos personagens e da trama quanto na intenção estética com forte valorização da poesia cinematográfica e desapego à narrativa clássica. Porque percebe-se claramente que Godard não dá a mínima pras cenas que geram os conflitos policiais de Poiccard (inclusive até os executa de forma resumida), não tendo a intenção de criar com elas suspense ou emoção. Seu real interesse está nas ações que ele assume pelo amor, para Patricia.
Falando um pouco dos integrantes da obra, é interessante destacar o atrito ideológico criado entre Michel como vagabundo machista e Patricia como símbolo feminista (cabelo curto, independente, vários parceiros sexuais). Em relação aos diálogos, me agrada a interação cotidiana, reflexiva, mas em alguns momentos discordei das ideias, em outros achei forçado e não acho que seja o forte do filme, ainda que seja uma de suas prioridades. Acho que se faz uma poesia muito mais bela e precisa em "Viver a Vida" (1962). Godard, que inclusive faz uma ponta interpretando o delator dos protagonistas, também é ambivalente no modo de se produzir, uma vez que realiza alguns planos-longo cronometrados, demonstrando domínio técnico, e ao mesmo tempo transparece muita liberdade para improviso, intervenções e adaptações. Eu até acharia engraçado se a montagem fragmentada, um dos principais elementos que o consagra como ruptura cinematográfica, fosse um recurso para resolver problemas de produção e eles decidiram assumir a opção estética durante o processo. Mas não tem como saber se foi premeditado por Godard ou não (obviamente ele e adoradores dirão que foi).
Tinha maiores expectativas mas reconheço sua beleza e seus méritos. Clássico da Nouvelle Vague, praticamente precursor de um movimento importante que buscava repensar o cinema.
Pink Flamingos
3.4 878Um filme no mínimo doentio forjado pelo glamour bizarro da zoeira. Uma metralhadora de memes, frases quotáveis, atitudes e gestos memoráveis de um espetáculo pavorosamente mal executado de humor negro. Um duelo entre os mais pervertidos e depravados vilões surpreendentemente maluco e funcional.
Brilhantemente ruim.
"Give me more questions".
Os Idiotas
3.5 283 Assista AgoraProjeto super desafiador, não só de transmitir uma mensagem e se fazer entender, mas também agradar como cinema. O dogma 95 vem questionar o modelo industrial hollywoodiano numa trama que dialoga muito bem com a proposta, uma vez que se trata de uma reflexão existencial sobre a negação da normas sociais. O filme denuncia muito da personalidade cinematográfica de Von Trier, sendo inquieto, provocador, um incômodo, tendência de sua -no mínimo - notável filmografia.
No meio de tanta loucura, depois que comecei a entender sobre o que era o filme, ele me conquistou cena após cena, seja pelo inusitado cômico ou pelo inusitado belo, como se contrastam bem na cena da orgia com a entrega de Jeppe e Josephine. Deixei-me fascinar por vários personagens, ri de suas maluquices e me contagiei por um certo desejo de inocência feliz ausente de maldade. Um grupo que ingenuamente buscava a liberdade recorrendo ao idiota dentro de si, uma espécie de autossabotagem, uma busca não só pelo estado mental, mas também social, que se ampara na ideia de permissão. Ideia brilhante.
O termo pejorativo idiota vem do grego e representa o indivíduo que vive em reclusão, cujas únicas preocupações dizem respeito a sua vida privada, não participando das decisões da sociedade. Volto à Hollywood e a cultura que a alimenta.
Eu ainda arriscaria dizer que o grupo parece fragmentos de um alter-ego de Lars, com seu sarcasmo ousado, seus ataques e surtos, sua inventividade conflituosa, seu ímpeto de rebelia na instabilidade, seus amores e perversões, seus apegos e abandonos. Apesar de ter sido difícil me adaptar no começo como espectador, achei a experiência fantástica, comovente e sobretudo recompensadora.
Master Class
5Vish. Agora que o Mike morreu...
Interestelar
4.3 5,7K Assista Agorao_o
Essa foi a minha expressão em várias cenas que achei extraordinárias.
É curioso ver resquícios de Inception ou Batman na nova produção de Nolan. McConaughey, depois de True Detective, já era de se esperar de que ele seria sensacional. Se tem furo ou não no roteiro, to pouco me importando. Achei a ideia fantástica, relações bem construídas e diálogos bacanas. Efeitos visuais estonteantes e Hans Zimmer deixa tudo mais intenso e singular. Tinha uma relutância com filmes de naves e espaço mas isso acaba depois de Gravidade e Interestelar.
Das vantagens de ir ao cinema sozinho: no final do filme me vi sorrindo, com o rosto todo molhado de lágrimas e segurando firme os braços da cadeira.
Cabra Marcado Para Morrer
4.5 253 Assista AgoraUm texto que elaborei para aula de documentário, talvez possa ser útil pra quem quer analisar o filme.
Na década de 60 ganha destaque o chamado cinema verdade, presente ao campo documentário, em que se tem um encontro transparente entre a equipe realizadora e o tema de interesse. Os realizadores passam a fazer parte do filme na medida em que se mantém no filme durante as interações, equiparando-se aos demais personagens e evidenciando o atrito de perspectivas. Ao se assumirem enquanto presença investigadora pertencentes a um contexto primeiro (ponto de partida), busca-se maior honestidade nas relações captadas pela câmera, desmistificando em alguma instância o poder ilusionista do cinema. Essa, talvez seja uma das marcas mais interessantes em “Cabra Marcado Para Morrer”, título inspirado no poema de Ferreira Gullar, em que é possível enxergar com alguma clareza os impulsos do antecampo. A partir disso, o filme consegue se aproximar de uma forte ideia de verossimilhança – o possível verdadeiro – no que se refere a uma impressão de realidade.
O começo do filme é marcado por uma linguagem expositiva em que se dedica a contextualizar o espectador narrando acontecimentos do passado e que vão justificar a investigação a seguir. Vários recortes de jornais e imagens ilustrativas vão dando suporte à narração, chamada “voz de Deus”, que definem o período de 1955 a 1964, ano em que a primeira versão de “Cabra Marcado Para Morrer” foi interrompida devido a uma investida militar. Conhecemos, a partir de então, a história de João Pedro Teixeira, líder da liga camponesa de Sapé, assassinado em 1962, o qual inspirou a realização do primeiro projeto do filme. A ficção, gravada em Galiléia, seria interpretada por não atores que representariam a si mesmos, exceto por João Pedro, já falecido, que seria interpretado por João Mariano, único integrante que não participava da liga. Curiosamente, mesmo após a conversão para documentário, quase 18 anos depois, a versão final do filme também se apropria de personagens que também vivem a própria identidade. Todos pertencentes a um cotidiano comum, são pessoas não extraordinárias.
Uma das primeiras missões de Coutinho é reencontrar os participantes do filme e exibir para eles as imagens do primeiro filme interrompido, resultado de duas semanas de filmagem que sobreviveram à abordagem militar. Aqui, podemos começar a organizar algumas diretrizes que a narrativa abrange, colocando em contato a história de um filme inacabado com a história do próprio filme atual sendo feito, o que acentua a carga metalinguística da produção. Isso é importante porque o filme “esteve tão suscetível aos acontecimentos do país quanto as pessoas estiveram”, aponta Marina Meliande para a Contracampo, em que ele não “simplesmente retrata um contexto, mas que se constrói em um momento crucial de reformulação deste, fazendo-se cúmplice dele também.” Nessa linha, é possível ainda um flerte com uma abordagem reflexiva (ainda das categorias de Bill Nichols), uma vez que faz referências a si mesmo e seu modo de produção.
Uma terceira cabeça da narrativa surge com a nova missão de Coutinho: encontrar a viúva de João Pedro, Elisabeth Teixeira, refugiada em 1964 para o Rio Grande do Norte e todos os seus filhos que se perdeu contato desde então. A partir daí, temos a prevalência de uma abordagem intensamente participativa em que não só ouvimos a voz do entrevistador, como também muitas vezes ele está presente na composição da câmera. Como Jhon Grierson defende, para conhecer o tema com intimidade, é preciso tempo e Coutinho coleta imagens, entrevistas e informações durante alguns anos, até finalmente lançar o filme em 1984. Em termos de documentário moderno, faz-se um cinema vivido, em que a experiência é capaz de transformar a vida de todos os envolvidos. O diretor estabelece uma espécie de intimidade cordial com Elisabeth e sua família, em uma relação que parece equilibrar a abordagem antropológica com a jornalística, traço típico do documentário clássico. Em uma cena onde se procura uma das filhas de Elisabeth, a equipe entra no estabelecimento no qual ela trabalha e Coutinho a aborda de forma repentina, já com todos os equipamentos acionados, o que sugere uma grande espontaneidade da abordagem que se assemelha com a característica do ao vivo, relacionada, mais uma vez, ao conceito de documentário moderno.
Em um outro trecho do filme, um dos filhos de Elisabeth, Abraão, faz um discurso pulsante e exige que o montador não censure sua mensagem de que “nenhum sistema de governo presta para o pobre”. Eduardo Coutinho imediatamente responde positivamente, garantindo-lhe a presença de sua fala no filme. Mais tarde, constata verbalmente que as intervenções de Abraão influíam no clima da entrevista. Alguns outros personagens também estabelecem condições para aparecer no filme, o diretor narrador aponta o fato mas não entra em detalhes. Esses são alguns exemplos de quais são as escolhas éticas pelas quais o filme se orienta, incluindo o cumprimento do compromisso de voltar ao projeto anos depois e, junto aos antigos participantes, finalmente concluir o filme. Um trecho ainda mais curioso é a entrevista de João Mariano, que se mostra bastante recluso e avulso ao perfil dos outros entrevistados, sua palavra é interrompida pelo diretor em função da necessidade de um ajuste de áudio e a montagem não suprime o momento constrangedor, quando após uma longa e incômoda pausa, Mariano volta a conversar.
O primeiro recurso que Coutinho usa para tentar conquistar e convencer as pessoas a contribuírem para o filme é pela apresentação de fotografias do passado, salvas por um integrante da equipe da época das filmagens do Cabra anterior. Trata-se de um dispositivo que evoca uma parte considerável de memória afetiva e estabelece um vínculo de validade dos personagens com a investigação - que tem como um dos objetivos a revelação. Memória essa que também alude a uma época dolorida do povo que foi vítima da ditadura no país que durou mais de 20 anos. Em uma instância de maior afastamento do drama familiar, podemos enxergar o filme como uma grande homenagem à luta e à sobrevivência de um filme político com apelo humano. Ganhou prêmios no Festival de Berlim, em Gramado e em vários outros festivais de países como França, Portugal e Cuba, carregando consigo uma imensa relevância histórica e uma enorme contribuição para o cinema brasileiro.
Dona Flor e Seus Dois Maridos
3.5 171 Assista AgoraTítulo de destaque nacional, é um dos maiores sucessos de bilheteria da história do cinema brasileiro e tem direção assinada por Bruno Barreto quando ainda em seus 19 anos. A partir do bem sucedido romance homônimo de Jorge Amado, publicado em 1966, dez anos depois a adaptação conta com atores como Sônia Braga, José Wilker e Mauro Mendonça interpretando o trio amoroso.
A primeira coisa que me surpreendeu no filme foi o seu ritmo ponderado, mesmo com uma estrutura um pouco novelesca, que respeita a psicologia da personagem e valoriza o silêncio reflexivo. Não assisti a versão do cinema mais recente da história, de 98, mas imagino que os cortes devem ser mais dinâmicos, ações mais objetivas, por se tratar de produções de teor comercial, gênero humor e apelo televisivo.
Em segundo lugar, me incomodou a condescendência da personagem Florípedes (Flor) com seu primeiro e infiel marido, um malandro dissimulado, mulherengo, cafajeste e viciado em jogos. A perspectiva é totalmente masculina quando reserva um vasto trecho do filme para mostrar a conduta de Vadinho, em que as mulheres são vistas apenas como recursos sexuais. A própria prostituta do outro lado da rua é tida como privilegiada pelos homens porque faz sexo anal, mas em uma briga doméstica Vadinho xinga Flor de puta. Roba-lhe o dinheiro por agressão e basta uma serenata bêbada qualquer que a bobinha volta para os braços de seu vagabundo.
Mais tarde, vamos ter o personagem Theodoro, homem culto, responsável e de bons costumes, com toda a sua baranguisse, inabilidade sexual e tradições arcaicas. Falam sobre Theodoro ser o provedor da casa e bancar a nova esposa, a sogra acha um absurdo que Flor queira ainda trabalhar, o que denuncia aspectos machistas de uma época. Contudo, o filme aponta para uma certa liberdade sexual da personagem como mulher, quando vê incentivo de amigas para se relacionar com um homem após o luto e o desfecho que visa satisfazer com equilíbrio as demandas sociais e sexuais da personagem, subvertendo a poligamia mais típica.
Dona Flor é uma personagem que acaba também sendo usada como ferramenta de ligação, uma ponte que dá suporte aos palcos que privilegiam os dois maridos, cada um a seu tempo. Florípedes torna-se secundária na passividade das ações, na benevolente aceitação de todas as forças que a pressionam, seu potencial protagonismo é atrofiado numa apática e tímida manifestação de suas intenções e desejos. Ainda em termos de narrativa, a história só se torna realmente interessante com mais de uma hora e meia de filme, pra lá dos ¾, quando Flor efetivamente tem a experiência do retorno de seu falecido. Um clímax que refresca o drama e o humor mas que dura muito pouco, acumulando praticamente todo seu potencial poético em poucos minutos, ao invés de esparramar a inusitada situação por uma duração maior.
Não me chamou atenção em termos cinematográficos e nem me agradou como entretenimento, mas reconheço que o sucesso da obra revela um aspecto social pelo qual o Brasil vivia na época, ainda na presença da ditadura. Resgata a característica musical das antigas chanchadas e a carga erótica dos filmes baratos em uma apropriação de construção popular. A pornochanchada como a alternativa possível para movimentar o encarcerado cinema nacional.
Eu, Um Negro
4.2 16Na que ele descreve a experiência da guerra. Apesar de todo o malabarismo pra sobreviver, ainda não se tem uma vida. Eita cena simples e linda.
Boyhood: Da Infância à Juventude
4.0 3,7K Assista AgoraTexto que fiz para o site de um amigo meu.
"Boyhood e o Fenômeno do Irreproduzível"
Muitas vezes já me deparei com fotografias de família em alguns filmes e pensei “seria fantástico se eles tivessem fotografado alguns anos antes. Os atores estariam mais novos”. Não é de hoje que o cinema falseia seus atores para parecerem mais novos ou mais velhos utilizando de recursos como a maquiagem ou, mais recentemente, a computação gráfica. Mas quando fiquei sabendo que Richard Linklater estava terminando um filme que gravava há 12 anos, eu pensei, “isso será interessante”. Para quem conhece o diretor e escritor, principalmente através de sua trilogia “Before”, sabe de sua habilidade incrível de sensibilizar o banal, de extrair magia do cotidiano, seja pelo colapso de intimidade nos olhares ou pela naturalidade honesta dos diálogos. Sempre em contato com o possível, Linklater tem um jeito particular de conseguir o seu elemento extraordinário, explorando reflexões sobre a vida e, mais precisamente, o modo como vivemos. Boyhood, sem dúvida, é essa oportunidade.
Para isso, antes de qualquer coisa, Richard pontua o filme com uma série de elementos da cultura pop, contextualizando o período em que vive a família texana a todo momento, de acordo com o atravessar dos anos. Coldplay, Britney Spears, Blink 182, Phoenix, Lady Gaga, Soulja Boy, são alguns exemplos da trilha sonora do filme que pertencem a uma época marcada em nossas memórias. E, em uma jogada esperta, Linklater insere os personagens em eventos singulares, como o lançamento de um dos filmes da franquia Harry Potter, ou em outros sujeitos ao acaso, como em um estádio de futebol americano em dia de jogo. São eventos que marcam datas específicas e foi preciso enfatizar que aqueles personagens estiveram lá. Uma conexão feita fundamentalmente de verdade entre a ficção cinematográfica e o mundo que em que sabemos existir, que chamamos de real. Por mais que exista um planejamento de filmagem, existe um campo do irreproduzível que a história esbarra, coletando situações em que não se pode voltar atrás. O momento se torna um pertence exclusivo de quem o vivenciou, o que atribui camadas sólidas de experiência dos atores enquanto ilusões em forma de personagens. Sempre gosto de mencionar o comentário de Ethan Hawke sobre “Before Midnight” (2013) da trilogia gravada a cada 10 anos: “Eu não precisava criar uma situação imaginária em que eu a conheci – se referindo ao personagem de Julie Delpy – eu simplesmente posso me lembrar desse dia. Nós estávamos lá, de fato.”
Com 39 dias de filmagem e 2,4 milhões investidos, a narrativa é dada pela perspectiva de Mason, um garoto de inicialmente 6 anos, cercado de situações que sintetizam o que foram seus anos de menino até a ida para a faculdade, já com 18. Acompanhamos não só a transformação física do protagonista, mas também é possível enxergar uma progressão de sentimentos gerados pelas ocasiões que formaram sua personalidade, dada pelo afastamento daquilo que rejeitava e pela aproximação do que o influenciava. O comportamento de Mason, em seus primeiros anos abordados, é caracterizado principalmente pela impotência, o não controle sobre sua própria vida, em que se tem uma dependência radicalmente passiva aos pais – com pequenos lampejos introspectivos de rebeldias. É obrigado a se mudar com a família, ingressa em uma nova escola abandonando seus amigos, sofre a intervenção de novos membros na família e, finalmente, lhe cortam o cabelo. Esse é o estágio domiciliar de nossas impossibilidades que nos apontam diretamente ao estágio áspero da idade adulta, com normas consolidadas, trajetórias formalizadas, faculdade, trabalho. Mason ganha de aniversário de 15 anos um terno, uma bíblia e herda uma espingarda. Se todos estão sempre dizendo como devemos agir, como podemos saber quem queremos ser?
Mason parece não se adequar corretamente a isso e se sente despregado da normalidade. Sua busca vai além da mera identidade, ele procura, de alguma forma, a essência da distinção. Considerando toda a trajetória percorrida até então, torna-se fotógrafo, o que é em potencial uma maneira de lidar com o mundo. Mason é inevitavelmente produto de seu passado, de suas experiências, mas a partir de agora ele colecionará os momentos que ele escolher eternizar. “- Estou cansado de me mudar. – Tenho certeza que está.”, conversam antes de se jogarem em um lago. Uma maneira de incluir a sua vontade no conjunto de eventualidades da vida, uma forma possível de negociação com o espaço em que vive.
O filme é recheado de situações corriqueiras em que se tem uma abordagem sensível ou comporta uma problemática interessante em que, muitas vezes, os espectadores podem se identificar com os personagens e as relações que se dão. Assistir Dragon Ball Z na TV da sala, brigas com irmãos, pichar ao som de The Hives, andar de bicicleta pelo bairro, viver o divórcio conturbado dos pais, ver mulheres seminuas em revistas femininas, compactuar para os boatos de colégio, ouvir a briga de sua mãe com seu padrasto, jogar vídeo-game ou mímica, aprender boliche ou golf, brincar de pique-esconde ou pega-pega, ouvir sua mãe pedir para lavar o prato usado, sofrer bullying, o primeiro beijo, a mudança no cabelo, o deboche adolescente, o primeiro término, a formatura, receber a primeira cantada estranha, a primeira fotografia, a saída de casa. Muitas dessas experiências de Mason me contemplaram e me transformaram durante os 160 minutos de projeção, com destaque valioso à sequência do acampamento com meninos mais velhos que pressionam os mais novos aos assuntos sexuais.
Em uma cena que antecede a mudança da família, estão pintando a casa e Mason passa a tinta branca por cima das linhas que mediam o seu crescimento no vão da porta. Essa não é apenas uma tomada única, daquelas que não há como desfazer o feito em cena, como também representa um abandono involuntário do próprio tempo que nos concerne. Cada episódio se encerra em uma mistura de adeus e novas perspectivas, componentes do atrito existente entre nós e a nossa natureza migratória. Linklater carregou o personagem no colo até a admissão da faculdade numa espécie de “missão cumprida”, quando, nos EUA, os jovens saem de casa para iniciar a carreira universitária. Quando o filme termina, a sensação é de que ainda há uma longa estrada pela frente, com altos e baixos, conflitos e respostas, saudades e conquistas. A vida continua em sua tímida magnificência, agora com a consciência de que não somos tão especiais quanto acreditamos ser, e que será preciso continuar a salvar dos tigres os seus amados das cavernas.
Alguns espectadores podem se fazer a mesma pergunta que Mason, “- Então, qual é o ponto de tudo isso?” e alguém responderia como seu pai faz, “- De tudo? Não faço ideia. Estamos só vivendo, sabe? Pelo menos sentindo algo.” E retrucaria como faz sua mãe, “- Eu só achei que haveria mais”. Alguns podem até dizer que sua principal atração e aposta é a fórmula curiosa de gravar de tempos em tempos, evidenciando as etapas de crescimento dos atores. É empolgante ver as transformações de Lorelei Linklater a cada episódio, filha do diretor que interpreta Samantha, a irmã, e do próprio Ellar Coltrane que curiosamente acaba revelando traços físicos em comum com seus pais interpretados por Patricia Arquette e Ethan Hawke. Um método interessante que gera um contato curioso entre os personagens e a realidade, mas que na história mesmo não teria nada demais, esse espectador diria. Mas se uma estrela cadente fosse gravada atravessando o céu, essa imagem não seria considerada um fenômeno único e memorável, digno de ser captado por nossas lentes e olhares? Eu acredito que Boyhood consegue se fascinar com o milagre da vida atravessando a formação de um ser humano que se esforça para emergir de encontro ao mundo. E é com satisfação e gratidão à obra que encerro a análise resgatando um diálogo que ilustra bem o que quero dizer.
-Pai, não existe mágica de verdade no mundo, não é?
– O que você quer dizer?
– Tipo elfos e coisas assim. As pessoas simplesmente inventaram isso.
– Não sei. O que te faz pensar que elfos são mais mágicos que uma baleia? Entende? E se eu contasse uma história de que dentro do oceano há um gigantesco mamífero marinho que usa um sonar, que canta canções, e é tão grande que seu coração tem um tamanho de um carro e você poderia engatinhar pelas suas artérias. Pareceria bem mágico, não?
ou
http://cinemadomeujeito.wordpress.com/2014/10/29/boyhood-da-infancia-a-juventude/
Nervo Craniano Zero
3.3 48 Assista AgoraAqui segue uma sequência de achismos e aproximações. Não tenho como afirmar isso mas é um filme que se assemelha a outros de baixo orçamento com alguns traços de imaturidade técnica. E apesar de algumas deficiências nas interpretações, acho que existe muita criatividade na narrativa, seja nas metáforas ou no design dos personagens.
O ambiente é meio Dr. Caligari, os enquadramentos são próximos das HQs. Parecem ser possíveis referências pro Paulo, que tem formação paranaense e inglesa, diga-se de passagem, mas que também parece carregar uma perseverança cinematográfica como a de Zé do Caixão. Espero que continue produzindo e se aperfeiçoando porque no momento acho que ele tem muito menos erros que acertos. Já a mãe da Uyara acertou 100% mesmo.
Meteorango Kid, Héroi Intergalático
3.6 45Bom demais, referência pro resto da vida.
O Ébrio
3.5 28O que mais me marcou nesse filme foram as falas da empregada negra de joelhos aos pés do protagonista traído. Triste demais.
Garota Exemplar
4.2 5,0K Assista AgoraAcho que Fincher tem uma direção de classe e bastante segura, mas poderia ousar mais de maneira geral. São poucas as cenas que vemos Fincher efetivamente articular linguagem, o resto vira novelinha. Acredito que a delicadeza de alguns movimentos, detalhes, gestos, vêm muito da literatura, aliança pertinente a um diretor como David que habitualmente trabalha com adaptações.
Mesmo com uma expectativa muito alta da minha parte, gostei bastante do filme e seu discurso feminista (que também provém da literatura). A idealização de uma Amy fictícia e perfeita, a garota exemplar, tudo isso me lembrou o filme de Scorcese: "Quem bate à Minha Porta", que recomendo fortemente pra quem se interessa pelo tema. A história surpreende em diversos momentos e sem dúvida é um entretenimento de qualidade. Ben Affleck mandando bem no cinema, se envolvendo em ótimos projetos e Rosamund está simplesmente antológica.
Um Convidado Bem Trapalhão
3.9 186 Assista AgoraAchei os primeiros minutos incríveis. Depois ficou meio conturbado e senti um desgaste.
Transformers: A Era da Extinção
3.0 1,4K Assista AgoraAté que enfim Transformers trouxe coisas positivas. Em primeiro lugar, um elogio aos novos designs que tão sensacionais. Segundo, novos autobots bons de briga realmente, cada um a seu estilo e sem descarte gratuito de personagens. E por último cabe reconhecer Michael Bay com todos seus méritos ao mercado do entretenimento, fazendo uma espécie de autocrítica (no começo do filme), conscientizando todos os espertões - que acham que cinema é só de uma maneira - que ele faz os filmes do jeito que ele quer de propósito e se diverte com isso. Um filme que se reconhece como produto, altamente sarcástico e pela primeira vez com um discurso maior que suas explosões.
Muito nacionalista, a cada 10 quadros do filme, 8 têm a bandeira dos EUA na composição. Acho que os novos atores funcionaram muito bem e cada um carrega uma participação significativa pra construção da narrativa. Os dinossauros decepcionam um pouco, mais por um desequilíbrio dos recursos de trilha sonora, que já estava exausta e banalizada, do que propriamente pela performance gráfica deles. Quando eles aparecem a emoção já está anestesiada. Talvez seja nesse efervescência excessiva que Bay erra (de novo), que também vale pra duração do filme.
Com seus prós e contras, o balanço tem um resultado acima das expectativas e acabou me agradando. Não nego que a franquia tem um peso corrosivo ao nosso mercado nacional, ocupando as nossas salas de cinema, mas isso é responsabilidade das nossas políticas públicas consertar e nossa de pressionar. Espero que venha T5, T6 e que continue em frente, desde que Bay siga a tendência de se afastar da banalização e se aproxime da linguagem cinematográfica inteligente, continuando nos divertindo com mais ponderação e menos excesso.
O Retorno
4.0 20Realmente, já tem uns 2 anos que to tentando encontrar um link pra download desse filme e nada.
Transformers: O Lado Oculto da Lua
3.2 1,9K Assista AgoraMais do mesmo. Não trouxe novidades.
E matar o Ironhide foi de muito mal gosto.